sábado, 27 de setembro de 2025
O apodrecimento de uma nação
Estava fazendo vista grossa em nome do guilty pleasure, mas eis que finalmente o enorme elefante branco-supremacista foi tirado do meio da sala. Este 6º episódio da 2ª temporada de Pacificador foi um soco na boca do zeitgeist vigente.
Mesmo chafurdando em caos controlado, James Gunn não desvia do alvo um milímetro sequer. Impressionante.
Ainda tem mais dois.
quarta-feira, 24 de setembro de 2025
“There comes a time...”
Na recente edição do festival The Town, fui surpreendido por um Lionel Richie se apresentando em grande forma. Foi um show divertido, pesado e tecnicamente impecável que acionou alguns gatilhos que nem sabia que ainda estavam lá. Cresci praticamente respirando a obra do popstar. Era só passar perto de algum rádio ligado em qualquer estação – FM ou AM – e ser bombardeado por sua longa fileira de hits solo ou nos Commodores, de "Easy" e "Three Times a Lady" a "Hello", "All Night Long (All Night)", "Endless Love", "Say You, Say Me", etc, etc, ad-infinitum-e-além. Sem descanso.
Algumas, confesso, reouvi pela 1ª vez após décadas de molho. E foi um reencontro muito bom. Tanto pela performance energética e bem-humorada de Richie, quanto por ver essas joias pop gabaritando no teste do tempo. Mas uma canção em particular se tornou a grande surpresa do setlist: a emblemática "We Are the World", defendida heroicamente no piano e no gogó abençoados do compositor.
Com essas boas vibrações, resolvi tirar do porão este fenômeno que, em 1985, ajudou a combater a fome na Etiópia, mas que megassaturou rádios e tevês por metade da década de 1980. Que foi um momento histórico, isso nem se discute. E já era tempo de revisitar e estudar a música e seu antológico videoclipe com olhos e ouvidos mais calejados.
Bom, fui atrás – hoje é fácil.
Aproveitei e estendi a estadia sonora com o sensacional documentário A Noite que Mudou o Pop (The Greatest Night in Pop, 2024), disponível na Netflix. O filme foi dirigido pelo americano-vietnamita Bao Nguyen, do igualmente sensacional Be Water, doc de 2020 sobre Bruce Lee. E a experiência foi fascinante, pra dizer o mínimo.
O documentário é revelador e até desmistificador sob muitos aspectos. Espertamente, Nguyen imprimiu à empreitada uma narrativa tensa, com um clima de Missão Impossível (a série sessentista, por favor). E foi exatamente isso, uma missão impossível com uma deadline ridícula entregue nas mãos dos multitalentosos Richie, Quincy Jones e Michael Jackson. Ficou famoso o aviso "check your ego at the door" – "deixe seu ego na porta" – pregado na entrada do estúdio, mas é lógico que algum percentual daquilo acabou passando de penetra.
O que não sabia era de todo o resto: a operação top secret para convocar os convidados (o que rende a memorável sequência com cada artista chegando ao estúdio da A&M sem saber quem estaria por lá), a logística é-tudo-ou-nada para gravar a coisa toda em uma só noite, Bob Geldof (Live Aid, Live 8) explicando aos astros a importância humanitária do projeto, Quincy Jones regendo e amansando a manada pop enquanto Lionel Richie se encarregava de apagar os pequenos incêndios, a complexidade de harmonizar vozes com estilos tão diferentes, o apoio essencial (e engraçado e brilhante) de Stevie Wonder ao deslocado Bob Dylan, a furada histórica de Prince, a insólita "dificuldade técnica" da Cyndi Lauper, a fofura suprema de Diana Ross, Bruce Springsteen só o pó da rabiola, saído da maior turnê de sua carreira direto para a gravação e por aí vai. Uma delícia de caos.
Para quem curte música, história da música, saber mais sobre a indústria e os bastidores, o documentário é um masterclass.
As interações espirituosas de Springsteen e Ray Charles mais os depoimentos impagáveis de Richie e de Huey Lewis são ouro puro. Podia ter rolado entrevistas com Paul Simon, Willie Nelson, Steve Perry e com os atores Dan Aykroyd (a tirada com os Caça-Fantasmas foi ótima) e Bette Midler, que também bateram ponto no coral gospel. A meu ver, dariam perspectivas atuais bem relevantes.
Como título, A Noite que Mudou o Pop não é acurado. Mas A Maior Noite do Pop, como reza o original, não ouso discordar.
Foi mesmo uma noite daquelas.
domingo, 21 de setembro de 2025
Uma eterna serenata noturna
Sempre achei fascinante o trabalho de personagens durante a primeira metade de Alien (1979), antes das coisas irem, sem trocadilho, para o espaço. Naquelas interações, a história de Dan O'Bannon e Ronald Shusett e a direção cirúrgica de Ridley Scott tecem uma especulação pragmática do que seria a rotina e a dinâmica da tripulação de um cargueiro espacial em 2122. São ínterins pródigos em detalhes.
O maquinário velho e gasto, o software rudimentar com uma I.A. quase não-responsiva (o que faz todo o sentido na lógica espacial-corporativa-ultracapitalista; o USCSS Nostromo não era um cruzeiro de luxo), compõem o cenário perfeito para o curioso estudo comportamental em meio aos contratempos da missão. Igualmente reveladores são os momentos de calmaria, quando os personagens têm tempo para respirar.
Gosto particulamente do breve interlúdio em que o Capitão Dallas do grande Tom Skerritt curte um "me time" no cockpit da nave. Com uma bela melodia de música clássica ao fundo, Dallas parece imerso em reflexões sobre outro tempo e espaço, muito distantes das tensões daquele malfadado cargueiro.
A música liberta. E ele, mais do que ninguém, precisava disso.
Graças ao Tapatalk, descobri a origem do excerto.
"Eine Kleine Nachtmusik" ("Uma Pequena Serenata Noturna") foi composta por Mozart em 1787 e publicada postumamente em 1827. É uma das composições mais celebradas do músico, ainda hoje, 234 anos após sua morte. Uma impressionante resiliência para um material de uma época em que a única forma de registro físico era o papel e o nanquim – ou talvez seja esse mesmo o segredo.
Por tudo isso, é muito fácil acreditar que a clássica serenata poderia embalar o devaneio de um capitão do espaço sideral daqui a meros 97 anos. Zero suspensão de descrença.
O mesmo não se pode dizer da cena em Juiz Dredd com "Super-Charger Heaven" (1995), do White Zombie, estourando os alto-falantes de um carrão em 2139. Ou da cena com "Sabotage" (1994), dos Beastie Boys, rolando em Star Trek nos anos 2240 – mesmo com a desculpinha de se tratar de uma relíquia automobilística (um Chevrolet Corvette) que vinha com um mp3 player ainda funcional de brinde. O fato é que o gap é muito grande para se sustentar.
Talvez pela tradição do legado, talvez pelo status de arte, a longevidade de obras como a de Mozart (e Beethoven, Brahms, Wagner, etc) se sobressaiu e parece irreplicável. Principalmente quando a Geração Z não cansa de assustar os quarentões com a sua ignorância abissal sobre as décadas de 1980, 1990 e até de 2000. Logo ali.
O próprio Ridley Scott quebrou alguns ovos desse omelete cultural-temporal. Prometheus, que se passa entre os anos de 2089 e 2093, não se atém a suas analogias ao filme Lawrence da Arábia (1962) e chega a reproduzir trechos do clássico de David Lean. Da mesma forma que a serenata de Mozart, o épico teve sua origem no papel: a autobiografia Seven Pillars of Wisdom ("Os Sete Pilares da Sabedoria"), publicada em 1926. Seguindo a boa lógica, talvez fosse mais crível ver o sintético David estudando o livro do que assistindo a "versão para o cinema".
Isso acontece, com ainda mais intensidade, na série Alien: Earth, de Noah Hawley. A base da história é a mítica de Peter Pan. E como Prometheus, não se limita à estrutura narrativa e à caracterização de personagens. A produção faz questão da redundância.
Logicamente, a famosa animação lançada pela Disney em 1953 teve a preferência no placement. Não apenas sobre o livro original escrito pelo escocês J.M. Barrie em 1902, mas sobre todos os vários longas live action, séries animadas (inclusive um ótimo animê), musicais, peças de teatro, livros e gibis baseados no universo do personagem.
A se destacar o nível de excelência das animações da Era de Ouro da Disney, o que favorece a ideia de sua longevidade até a percepção pop de 2120, ano em que se passa Alien: Earth. Mas ainda soa bem inverossímil. Basta perguntar para qualquer Gen Z se já assistiu ou sequer ouviu falar da animação cinquentista. E o que dirá as próximas gerações. De qualquer forma, regras da casa. Ou melhor, política da companhia. Brrr.
Ridley Scott foi perfeito em 1979. E mais ainda em 1982...
terça-feira, 16 de setembro de 2025
Até logo, Jeremiah
Se foi o Robert Redford. O lendário ator, diretor, produtor e fundador do Sundance Film Festival é dono de um legado gigantesco na indústria cinematográfica. Difícil pensar em alguém com tanto respeito, importância e conquistas em seu ramo de trabalho. Emblemático, atravessou incólume décadas (mais de seis delas) de movimentos e zeitgeists, da Era de Ouro e da Nova Hollywood até aos filmes da Marvel, cabulando seguidamente a sua aposentadoria oficial de 2018.
O homem foi — sempre será — uma instituição. E só de mencionar isto, me dá calafrios em lembrar dos pouquíssimos nomes que ainda restam com essa moral.
É um exercício de futilidade escolher qualquer destaque na brilhante filmografia de Redford. Toda ela é interessante e vale muito ser descoberta e redescoberta. Mas, por muitos anos, tive meus hits de cabeceira.
Perfeitos para fechar com elegância qualquer dia, por mais puxado e mundano que fosse. E, como todos sabem, Redford era a personificação da elegância...
Até logo, Sundance Kid.
Até logo, Jeremiah Johnson.
Até logo, Ken Parker.
Até logo, Robert Redford.
domingo, 14 de setembro de 2025
Terror do cão
Um trailer que dá vontade de brincar, coçar a barriguinha e levar pra passear.
Good Boy tem tudo pra ser o filme que todo cachorreiro veterano sempre esperou. Em sua estreia em longas, o diretor Ben Leonberg corroteirizou com Alex Cannon uma história que gira em torno de uma das perguntas mais inquietantes dos tutores de canídeos: "que diabo esse cachorro late tanto para o nada?"
Ou é ladrão ou ele está vendo freiras macabras e criancinhas vitorianas trançando pela área de serviço. Ou é só doido mesmo. Depende do horário da madrugada.
E o filme ainda faz a adoção (responsável!) da perspectiva do totó, interpretado pelo talentoso e muito bom garoto Indy. O que é sensacional. Quase um Sempre ao Seu Lado dos infernos.
Uma abordagem que vale o risco-trasheira. Além disso, os pôsteres são bem bacanas.
Good Boy passeou, fez xixi e cocô no festival indie SXSW de março último, com boas críticas. A estreia no circuito comercial está prevista para 3 de outubro.
Se sair por aqui, serei o 1º da fila. Espero que ele não morra no final.
Good Boy tem tudo pra ser o filme que todo cachorreiro veterano sempre esperou. Em sua estreia em longas, o diretor Ben Leonberg corroteirizou com Alex Cannon uma história que gira em torno de uma das perguntas mais inquietantes dos tutores de canídeos: "que diabo esse cachorro late tanto para o nada?"
Ou é ladrão ou ele está vendo freiras macabras e criancinhas vitorianas trançando pela área de serviço. Ou é só doido mesmo. Depende do horário da madrugada.
E o filme ainda faz a adoção (responsável!) da perspectiva do totó, interpretado pelo talentoso e muito bom garoto Indy. O que é sensacional. Quase um Sempre ao Seu Lado dos infernos.
Uma abordagem que vale o risco-trasheira. Além disso, os pôsteres são bem bacanas.
Good Boy passeou, fez xixi e cocô no festival indie SXSW de março último, com boas críticas. A estreia no circuito comercial está prevista para 3 de outubro.
Se sair por aqui, serei o 1º da fila. Espero que ele não morra no final.
terça-feira, 2 de setembro de 2025
Como as democracias morrem
Releitura providencial para brindar este momento tão especial.
Publicada há exatos 11 anos pela Mythos Editora, Juiz Dredd Megazine Especial: Democracia compila as subtramas antifascistas das histórias do Juiz Dredd de 1986 até 1991. T.B. Glover, Alan Grant, John Wagner e Garth Ennis destrincham passo a passo as maquinações de um estado totalitário para oprimir, alienar, desinformar e manter os cidadãos no seu devido lugar. Ou seja, no arreio.
A sensação de déjà vu é nauseante. Isso aqui é um verdadeiro manual do autocrata moderno. Leitura obrigatória pero perturbadora.
E, definitivamente, o Juiz Dredd não é um herói.
Publicada há exatos 11 anos pela Mythos Editora, Juiz Dredd Megazine Especial: Democracia compila as subtramas antifascistas das histórias do Juiz Dredd de 1986 até 1991. T.B. Glover, Alan Grant, John Wagner e Garth Ennis destrincham passo a passo as maquinações de um estado totalitário para oprimir, alienar, desinformar e manter os cidadãos no seu devido lugar. Ou seja, no arreio.
A sensação de déjà vu é nauseante. Isso aqui é um verdadeiro manual do autocrata moderno. Leitura obrigatória pero perturbadora.
E, definitivamente, o Juiz Dredd não é um herói.
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