Difícil pensar numa conexão mais esdrúxula que Frank Zappa e Tim Maia. Mas a docussérie Vale Tudo com Tim Maia, produção da Globoplay codirigida por Nelson Motta e Renato Terra, mostra que existem mais similaridades entre o fusionista de Baltimore e o soulman da Tijuca do que julga a vã filosofia. A começar pela própria natureza musical: compositores multi-instrumentistas autodidatas (apesar de Zappa dominar tudo de teoria) que estrearam na carreira como bateristas. E um dos aspectos mais importantes, que era a saudável mania de registrar tudo o que fosse possível, de conversas informais e coletivas de imprensa a ensaios e bastidores.
Uma semelhança em vida que tornou possível uma bem vinda semelhança póstuma.
No doc Eat That Question: Frank Zappa in His Own Words (Thorsten Schütte, 2016) — que já mencionei en passant, inclusive — fiquei maravilhado com a proposta old school de conduzir o filme apenas com materiais de arquivo. E mais ainda com o volume impressionante desse material, que possibilitava uma narrativa com início, meio e fim amarrando cenas bem difundidas com outras obscuras e/ou raríssimas. Tudo isso sem apresentadores ou narrações em off, apenas com breves legendas para efeitos contextuais e cronológicos.
É muito bom ver que o formato não só foi possível no caso do Síndico, como funcionou à perfeição. Tim Maia era o melhor promotor de si mesmo. A série em três capítulos reúne registros pessoais doces e bucólicos com sua família e com as crianças do orfanato Lar de Narcisa (graças à colaboração de seu filho Carmelo) ao lado de típicos "momentos Tim Maia", antológicos, e muita, mas muita música. As sequências da fase de shows em bailões de subúrbio, em particular, são sensacionais, com lotação sold out e público enlouquecido. E claro que as pirações-Maia também têm seu espaço garantido. A fase Racional tem o merecido lugar de destaque, bem como a entrevista de um Tim doidão para o Otávio Mesquita após um show caótico em que até o Fábio Jr. foi convocado ao palco para dar uma "ajudinha" nos vocais.
Essenciais também são as passagens de Tim pelo Cassino do Chacrinha. O cantor trovejando no palco cercado pelas gostosíssimas Chacretes é o puro suco de Brasil dos anos 80. E bola dentro para a inclusão da bizarra cena que resultou na briga do Síndico com o Velho Guerreiro.
Em contrapartida, o mesmo programa foi palco do lindo dueto de Tim e Gal Costa, que simplesmente para de cantar só para ficar admirando o vozeirão do homem. Momento fanzoca total, paralelo ao trecho da entrevista no programa Gente de Expressão, da Bruna Lombardi. Num momento confessional sobre a dualidade da fama e o preço da solidão, Tim derrete o coração da entrevistadora com uma palhinha de "Não me Iludo Mais". E emenda com um "mas a voz é foda, né?", quase como se estivesse se referindo a outra coisa ou pessoa. Um momento que sintetiza todo o embate entre o Tim e o Sebastião.
Uma amostra da esportividade de um dos realizadores foi a inserção do dueto ao vivo de Tim e Marisa Monte. Cantando "Chocolate" abraçadinho com a artista, Tim dá uma provocada: "Nelson Motta, cê tá cheio de ciúme, né? Nós estamos só vendo que música que nós vamos cantar, cara. Calma, bróder." Divertido, com certeza, mas ganha a ressonância de piada interna para quem leu a bio/ensaio Noites Tropicais (2000), do notório produtor.
Vale Tudo com Tim Maia é uma deliciosa (e rápida) viagem pela carreira do Síndico. Imperdível documento histórico para admiradores do músico ou simplesmente de música popular brasileira. E funciona ainda melhor em conjunto com o especial de tevê Por Toda a Minha Vida: Tim Maia, de 2007, e, logicamente, o livraço Vale Tudo: o Som e a Fúria de Tim Maia (2006), de Motta.
Ao contrário do Tim, esses não podem faltar...
Excelente! Quero muito ver!
ResponderExcluirVale demais, Chicones!
ResponderExcluirValeu pela dica! Boa semana!
ResponderExcluirPra você também, meu chapa.
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