segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

Zombie de Ouro 2024


Tá todo mundo puto!

2024, o ano das tretas milimetricamente calculadas para alimentar as redes sociais. Quase nem dá pra explicar o que justifica um viral atualmente porque na maioria das vezes não faz o menor sentido. E me pergunto se é isso que sobrou da tal "atitude rock & roll". Saudades do Lobão mandando todo mundo pra onde o sol não bate num estádio lotado. Ao invés disso, o que recebemos foram coisas como um filhinho da mamãe talentoso mais uma vez despejando chorume verbal e um monumento canarinho vandalizado por gringos ignorantes.

Paralelo a isso, toda essa onda reacionária, já em estado avançado de decomposição, ainda incita aparelhos atirados na parede após cinco minutos de navegação pela mediocridade generalizada. Tá foda.

Lá fora, pelo contrário, a paz e o amor reinam numa celebração fraternal com irmãos se reconciliando para shows e discos. Lindo i$$o.

Acho que temos muito o que aprender com os alemão.


Ou talvez não.

QUEBRA TUDO, ALEXA!


Playlist do ano

* Nada de discos ao vivo ou regravados, salvo nas menções honrosas



Então a menos que o King Gizzard & the Lizard Wizard lance mais um álbum até as 23:59 do dia 31, Flight b741 será o único disco do grupo lançado em 2024. Raridade. A ironia é que o gênero-alvo da vez é o hard rock dos anos 1970 – época em que era comum bandas lançando de 2 a 3 álbuns por ano. De todo modo, Flight b741 é um intensivão do hard blues rockeiro daquela era: é Free, é Aero, é Lynyrd, é Mountain, é Eagles, é Kansas, é Kiss. E muito cowbell!





O Escuela Grind chega ao 3º disco mais coeso do que nunca. Dreams on Algorithms é seu melhor álbum, tanto em composição quanto em produção. O som segue o esquema de sempre: de grind mesmo, não tem quase nada. O forte do quarteto é seu deathão turbinado com grooves levantando a bola perfeita para os guturais cavernosos da 'fessorinha Katerina Economou, uma das melhores gritadoras da sua geração. De apavorar qualquer reunião de pais e mestres.





Confesso que nunca digeri bem a carreira de Jack White pós-The White Stripes. Sempre me pareceu reverente demais aos primórdios do rock ao custo da sua própria identidade. No Name, pelo contrário, é o disco que mais lembra seus tempos de Stripes. Blues rock de garagem tocado alto, pesado e sem polimento. Resultado, nunca reouvi tanto um disco do Jack na vida. Bolachinha viciante.





O Judas Priest tem me deixando mais feliz e satisfeito a cada disco. Aleluia. Com uma produção impecável de Andy Sneap, Invincible Shield resgata aquela pegada oitentista clássica, desta vez até com as tinturas synthrock do delicioso e por muito tempo mal-compreendido álbum Turbo, de 1986. Um acerto de contas com o passado. E com o futuro.





Um dos dois melhores discos de 2024, na minha opinião. Confesso que não tinha grandes expectativas, mas a diva alternativa Kim Gordon me calou os pensamentos. The Collective é um disco de hip-hop? Sim. E trip-hop, trap, industrial, shoegaze, kraut, dub. E noise, ah, o noise. Um registro de arregaçar os sensórios.





Um dos dois melhores discos de 2024, na minha opinião. Tecnicamente, Lives Outgrown é o debut solo da indefectível Beth GibbonsOut of Season, de 2002, é uma colaboração com o músico Rustin Man e Henryk Górecki, de 2019, é uma incursão ao lado da Sinfônica Nacional Polonesa. Lives Outgrown trafega por climas sombrios e intimistas, lógico, mas com melodias e vocalizações mais vívidas e esperançosas... apesar do disco ser, nas palavras dela, sobre morte e desesperança. Amo muito.





Songs of a Lost World não é apenas uma surpreendente volta do The Cure ao estúdio após 16 anos (!), como periga ser o melhor álbum da discografia irrepreensível da banda. Mas isso só o tempo irá confirmar. O que sei até o momento é que a assimilação tem sido gradual e extasiante. O mundo precisava de mais um disco do The Cure? Pelo visto, precisava. In Robert Smith, we trust.





O álbum de despedida do veterano X saiu melhor que a encomenda. Smoke & Fiction traz a formação original – a frontwoman Exene Cervenka, o baixista e vocalista John Doe, o guitarrista Billy Zoom e o batera DJ Bonebrake – num dos mixes mais energéticos de punk, surf music e garage rock já produzidos. É irresistível. Será que ainda mudam de ideia...?





Coisas do destino. To All Trains é o sexto álbum do Shellac e foi gravado homeopaticamente ao longo de 7 anos – e exatos dez dias antes do lançamento, seu líder, o ícone alternativo Steve Albini, fez sua inesperada passagem. Se serve como testamento de fé, que seja. O som continuou o esporro math rock/pós-hardcore de sempre. Thank you and Rest in Noise, Albini!





Quando vi o enorme contingente de rappers convidados no novo álbum/mixtape de Denzel Curry, fiquei com o pé atrás. Felizmente, em King of the Mischievous South Vol. 2 o South Coast hip hop do cara segue engenhoso e furioso. Não é a reinvenção da roda (aro 20), mas nem precisa. Pancadão de primeira.





Humble as the Sun é o disco mais hip hop do duo punk Bob Vylan. Sem cerimônia, os garotos batem no liquidicador grime rap, rock, reggae, dub, dancehall e drum 'n' bass. O resultado é efetivo, refrescante e deveras metanfetamínico, se é que você me entende.





Freedom, Sweet Freedom é o 3º disco do Regional Justice Center e não tem esse título à toa. Assim como o próprio nome da banda, ele foi inspirado pelas idas e vindas dos integrantes e seus familiares do xadrez – em especial, pela soltura recente do vocalista Max Hellesto (irmão do líder, Ian Shelton) de uma cana de seis anos por agressão. Motivos para um álbum puto da cara não faltam, portanto. Esse é o combustível infinito para o HC powerviolence do grupo de Seattle. Ouça naqueles dias particularmente irritantes e evite você mesmo uma temporada no sistema penitenciário.





Milton + esperanza não é apenas o álbum mais bonito de 2024, é uma genuína carta de amor da multi-instrumentista, cantora, compositora e produtora Esperanza Spalding pela música do gênio Milton Nascimento. Ao lado do próprio, Esperanza – que já até figurou aqui no ZdO, que bom pra ela – conduziu um registro sublime, perfeito de ponta a ponta. Ou de esquina a esquina...





O Zeal & Ardor andou irritando sua parcela de fãs black metal from hell die hard com o novo álbum, GREIF. Isso porque o grupo suíço reduziu suas nuances de metal extremo significativamente (mas não totalmente) em favor das tradicionais influências soul, spiritual e r&b. E deixou a sonoridade ainda mais contagiante e diversificada. Se vamos pra o inferno, então que seja com classe. Discaço. Mais um.





Com Hell, Fire and Damnation, o Saxon chega à surreal marca de 24 discos de estúdio (!). Pra mim, é o melhor álbum de heavy tradicional do ano, pau a pau com o Judas novo. E também foi produzido pelo figura Andy Sneap, que aparentemente sabe como extrair um pré-sal de energia de poços aparentemente exauridos. Curto os velhinhos da NWOBHM há tempos e sinceramente não esperava maiores erupções desse vulcão. Feliz engano.




+ Plays memoráveis:

Cavalera Conspiracy - Schizophrenia (Max e Iggor, pelo amor do Marley, parem essas regravações por aí! Não encostem no Beneath the Remains!!)
Khruangbin - A La Sala
Ben Katzman's DeGreaser - Tears on the Beach
Willie Nelson - The Border
Willie Nelson - Last Leaf on the Tree
Etran de L'Aïr - 100% Sahara Guitar
Mdou Moctar - Funeral for Justice
Manu Chao - Viva Tu
Jerry Cantrell - I Want Blood
Godspeed You! Black Emperor - ''NO TITLE AS OF 13 FEBRUARY 2024 28,340 DEAD''
Marilyn Manson - One Assassination Under God - Chapter 1
Ty Segall - Three Bells
The Troops of Doom - A Mass to the Grotesque
Chelsea Wolfe - She Reaches Out to She Reaches Out to She
The Jesus Lizard - Rack
St. Vincent - All Born Screaming
Childish Gambino - Bando Stone & the New World
The Lunar Effect - Sounds of Green and Blue
Body Count - Merciless
Pet Shop Boys - Nonetheless
Suki Waterhouse - Memoir of a Sparklemuffin
Cancer Christ - God Is Violence
Hail Darkness - Death Divine
Seasick Steve - A Trip a Stumble a Fall Down on Your Knees
Slash - Orgy of the Damned
Rosalie Cunningham - To Shoot Another Day
Los Bitchos - Talkie Talkie
God Is an Astronaut - Embers
Black Country Communion - V
The Lostines - Meet the Lostines
Blackberry Smoke - Be Right Here
High on Fire - Cometh the Storm
Sarah Shook & the Disarmers - Revelations
Scarlet Rebels - Where the Colours Meet
Slower - Slower e Rage and Ruin
The Jesus and Mary Chain - Glasgow Eyes
Exhorder - Defectum Omnium
Deicide - Banished by Sin
Fleshgod Apocalypse - Opera
Oceanator - Everything Is Love and Death


Gibis do ano

* Como de praxe, só material inédito e séries iniciadas este ano


Hombre (Figura), da sacrossanta dupla Antonio Segura/José Ortiz, foi uma obsessão realizada. Conheci o quadrinho escavando velhas edições da Cimoc em hubs empoeirados do DC++. Nunca sequer me ocorreu que um dia isso sairia aqui. O tomo compila a coisa toda – 42 histórias em 544 páginas – e finalmente pude conferir na íntegra aquela cruel e visceral realidade pós-apocalíptica – cujos desdobramentos soam mais prováveis nos dias atuais do que na época! Um clássico.



Adastra na África (Trem Fantasma) foi lançado em outubro de 2023, exclusivo para o clube de assinantes da editora, mas só este ano foi disponibilizado para o público em geral, via Catarse. Práticas meio bostas à parte, esta pequena obra-prima do mestre Barry Windsor-Smith traz o que seria a conclusão de seu belíssimo arco “Morte em Vida”, protagonizado pela Tempestade e republicado recentemente em A Saga dos X-Men vols. 4 e 9. Foi uma jornada difícil, mas assim como a vida, Adastra encontrou um caminho.



Quem diria que um maneta beberrão e dono de um saloon vagabundo protagonizaria uma das primeiras tretas do ano no mercado nacional de quadrinhos. Bouncer: Primeiras Histórias (QS) compila na íntegra a fase inicial do gibi quando ainda era publicado pela Les Humanoides Associés de 2001 a 2009. Já Bouncer: To Hell and Back (Comix Zone) traz as desventuras do anti-herói publicadas pela Glénat em 2012. A fricçãozinha entre as editoras (uia) foi inevitável – e a ironia do destino, considerando os plêierrs. O fato é que o gibi é espetacular. O texto mordaz da entidade Alejandro Jodorowsky e a arte mesmerizante de François Boucq estão níveis acima de tais questões mundanas. Paz acima de tudo. Literalmente: o tradutor Fernando Paz fez um grande trabalho nas duas edições. A ironia não para...



No quesito visual, Os Exércitos do Conquistador (Pipoca & Nanquim) é um dos quadrinhos mais deslumbrantes que já vi na vida. A arte primorosa de Jean-Claude Gal é um meio termo celestial entre John Bolton e Brian Bolland. Pode dar um Google aí, se não conhecia. De nada. O texto e os diálogos de Jean-Pierre Dionnet não ficam atrás e cobrem o cenário arquetípico da fantasia heróica com tons violentos e raramente redentores, se aproximando das histórias mais sombrias de Bran Mak Morn. Quadrinhaço.



A passos largos, Daniel Warren Johnson vem sedimentando uma carreira autoral promissora, ao mesmo tempo em que lida com as majors. Talvez seja o Adam Warren que os Gen Z-ers precisavam. O recente Powerbomb! Faça uma Superbomba (Devir) é uma extrapolação divertidíssima do universo do wrestling profissional, com direito a um rasante pela dura realidade dos bastidores – nesse ponto, chegou a me lembrar Whoa, Nellie!, de Jaime Hernandez. Elogio maior, impossível.



Fatale (Mino) é a experiência místico-lisérgica de Ed Brubaker e Sean Phillips. Uma alquimia fina unindo thriller pulp/neo noir com terror cósmico lovecraftiano. É o quadrinho mais estranho e fora da curva da dupla. E mesmo após dois volumões generosos, ainda foi pouco. A deusa fatale Josephine e meu coração apaixonado por ela mereciam novos capítulos.



Em O Papa Terrível: A História de Júlio II (Conrad), Alejandro Jodorowsky e ThéoTheoCaneschi fazem uma continuação virtual da graphic Bórgia, que Jodora fez ao lado de Sua Santidade Milo Manara. E tal qual a saga blasfema de Rodrigo Bórgia, a história do Cardeal Giuliano Della Rovere, o Papa Júlio II, é de estremecer os alicerces do Vaticano. Ainda hoje.



E falando em continuações virtuais, esse também foi o caso da fabulosa Graphic Disney O Destino de Patinhas (Panini), do artista e roteirista italiano Fabio Celoni (Dylan Dog). Os desenhos de sobrecarregar as retinas, a narrativa frenética e o texto sagaz do quadrinista já garantem a diversão, mas é algo imprescindível a leitura da história clássica “As Lentilhas da Babilônia”, publicada aqui no gibi O País dos Metralhas – que está fora de catálogo há tempos, mas que é facilmente encontrada por aí após digitar as palavras mágicas... morou?



A impressão é de que se Sean Phillips desenhasse um bonequinho de palito num guardanapo e Ed Brubaker rabiscasse uns garranchos por cima, ainda assim iriam pras cabeças do ano. É desumano o volume de produção vezes o padrão de qualidade da dupla. Onde o Corpo Estava (Mino) é uma temporada true crime brilhantemente fragmentada em múltiplas perspectivas. Em estrutura, lembra o plot do filme Ponto de Vista (Vantage Point, 2008), mas é infinitamente melhor resolvido. Até aqui, 100% de aproveitamento e hors concours ad eternum.


Livros mui apreciados


Tudo Passará: A Vida de Nelson Ned, o Pequeno Gigante da Canção (Companhia das Letras), de André Barcinski, foi uma das experiências mais densas e fascinantes do ano. Escrevi um texto sobre o livro, mas a trajetória caótica do Pequeno Gigante ainda roda vertiginosamente em minha mente. Se existe justiça nesse mundo, um dia essa história vai parar nas telonas. Ou nas melhores telinhas de streaming.



Lee Falk, a Lenda dos Quadrinhos (Noir) é um necessário tributo do escritor, pesquisador e jornalista Gonçalo Junior ao criador do Fantasma e do Mandrake (e do Lothar!). O Brasil tem tudo a ver com essa história, visto que o Espírito-que-Anda encontrou aqui um de seus maiores públicos no mundo – Falk, inclusive, esteve por estas bandas em 1970. Mas o autor também foi um incrível personagem da vida real, atuando como espião durante a 2ª Guerra e como ativista pelos direitos civis dos negros. Leitura essencial.



Todas as Aventuras Marvel (Conrad) e a incrível história de como Douglas Wolk zerou TODA a cronologia da Casa das Ideias. Escrevi sobre a façanha e até agora estou com o meu queixo batendo na canela. Dica altamente prolífica d'O Escapista Luwig.


Filme(s) do ano


Não vi tudo o que queria em 2024. Mas acho difícil assistir uma cena mais aterrorizante do que a protagonizada por Jesse Plemons em Guerra Civil. Com um ator desconhecido num papel quase-extra creditado simplesmente como "soldado", Alex Garland mostrou como a coisa pode ficar (muito) feia no jogo político dos próximos 5 anos. O filme inteiro segue nessa pegada pré-apocalíptica com atuações estelares de Kirsten Dunst, Wagner Moura e Cailee Spaeny. Já em Herege, de Scott Beck e Bryan Woods, Hugh Grant destila carisma, inteligência e perversidade como o assustador Mr. Reed. E as performances excepcionais das jovens Sophie Thatcher e Chloe East só elevam a escalada da tensão. Empate inevitável.


Valem a pena ver de novo:

Alien: Romulus (Fede Álvarez)
Entrevista com o Demônio (Late Night with the Devil, Colin & Cameron Cairnes)
A Primeira Profecia (The First Omen, Arkasha Stevenson)
LongLegs: Vínculo Mortal (LongLegs, Oz Perkins)
A Substância (The Substance, Coralie Fargeat)


Série do ano


Melhor série – no caso, minissérie – iniciada e concluída no ano, não teve pra ninguém: Pinguim, da showrunner Lauren LeFranc, leva com as asas amarradas nas costas. Mais do que um thriller policial ou um derivado do subgênero super-heróis, é um verdadeiro tratado sobre amoralidade. Colin Farrell devia usar aqueles 120 kg de látex e enchimento o tempo inteiro daqui pra frente. Aliás, Farrell, Cristin Milioti, Rhenzy Feliz, Deirdre OConnell, Clancy Brown e Carmen Ejogo... Brincadeira o que esse elenco faz em cena. Antológico.


Desenho do ano


X-Men '97 não foi uma temporada perfeita, mas chegou perto. Mesmo sem uma ligação nostálgica com a animação dos anos 90 (que poxa), pude perceber toda a reverência àquele zeitgeist. Foi uma atualização competente e, por que não, emocionante, divertida e absurda, como só um novelão mutante poderia ser. É a melhor série animada da Marvel desde... sempre? Apostaria minha X-Men Gigante #1 nisso.




Esqueci alguma coisa? Minhas opiniões são estúpidas e equivocadas? Colaborações, correções e iluminações na caixinha de comentários logo abaixo.

Contribuir calma e ordeiramente, por obséquio.



Excelente 2025 e além! Até a próxima, pessoal!

quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

O Superman pré-Crise está aqui


E o temAÇO clássico também.


Atualização 20/12


O Escoteirão não merecia nada menos.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

5&20 e os Numerões


Big Numbers é a maior obra inacabada dos quadrinhos. A maior, não a melhor. Por maior, entenda-se como a HQ que gerou mais discussões, especulações e lendas urbanas do porquê foi abandonada. O silêncio dos pais pródigos Alan Moore e Bill Sienkiewicz ficou ensurdecedor com o passar das décadas e o mito ganhou vida. A esta altura do campeonato, qualquer dado novo vai imediatamente para registro.

A história até aqui foi mais ou menos assim: Big Numbers foi lançada em 1990 pelo defunto selo Mad Love, do próprio Moore. Inicialmente, foi projetada como uma graphic de 500 páginas divididas em 12 edições. A trama era complexa e se utilizava de conceitos de Geometria Fractal e Teoria do Caos para abordar os efeitos socioeconômicos da chegada de uma gigante varejista em uma pacata comunidade inglesa. Seria a primeira incursão de Moore fora do gênero fantástico e sua primeira colaboração com Sienkiewicz desde Brought to Light, de 1988. O detalhismo obsessivo de Moore e Sienkiewicz, no entanto, logo cobrou seu preço. A primeira edição saiu em abril de 1990; já a segunda, só em agosto.

Sienkiewicz usava modelos para desenhar e a situação se complicou quando os mesmos ficaram indisponíveis. Ele então larga a série no meio da produção do #3, com apenas 10 páginas finalizadas. Para tentar salvar o projeto, entram no jogo a editora Tundra, de Kevin Eastman (cowabunga!). Após considerarem Jon J Muth, Dave McKean e outros possíveis substitutos na arte, acabam optando por Al Columbia, que era assistente de Sienkiewicz – e certamente muito mais barato. Mas a pressão, tanto da deadline quanto do escopo do projeto, amassam o jovem artista, então com 19 anos, que pira na batatinha, larga Big Numbers antes mesmo de completar a 4ª edição e destrói todos os originais que desenhou – milagrosamente, ainda conseguiram salvar as páginas que ele fez para completar a edição abandonada pelo ex-patrão.

O resto é lenda, cara.

Pessoalmente, sempre achei frescura um quadrinista depender tanto de modelos vivos para criar a sua arte. Isso vale tanto para Sienkiewicz, quanto para Tim Bradstreet e o Mike Deodato Jr. Todos incríveis, mas, antes de tudo, eles são os criativos visuais da equação, pô. Fora que existe um sem-número de recursos difundidos nos comics para dar aquele tapinha na arte e no ritmo dos trabalhos. De referências ao mais puro e deslavado tracing. Até os melhores já apelaram pra isso. Então sempre achei essa desculpa do 5&20 um tanto esfarrapada. Me parece que o motivo era outro (ou simples pretexto para sartar fora) e ele preferiu sair pela tangente. Vai saber.

O fato é que, em raríssimas ocasiões, tanto o Bill quanto o Alan arriscam algumas palavrinhas sobre a maior-graphic-que-nunca-foi. E hoje foi uma delas.

A bit of a dissertation. This showed up in my YouTube feed. On Friday the 13th no less. Be that as it may, It’s...

Publicado por Bill Sienkiewicz em Sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

“Um pouco de dissertação.
Isso apareceu no meu feed do YouTube.
Na sexta-feira 13, nada menos.
Seja como for, é a primeira de duas partes, de aproximadamente quatro horas, de Alan Moore e minha série autoral inacabada, Big Numbers.
Algumas pessoas devem se lembrar. Ou melhor, lembrar de todas as conjecturas, rumores e ruminações sobre o que levou ao seu colapso final.
Não tenho muitos arrependimentos de carreira (sou um cara que aprende com seus erros e com os dos outros e segue em frente), MAS se eu tivesse uma lista dos três primeiros, Big Numbers certamente seria o número 1.
Parei de assistir depois de cerca de dez minutos. Isso não é culpa dos resenhistas (posso ver que eles são sujeitos sérios e conscientes); apenas me ocorreu que já discuti essa obra-prima malfadada inúmeras vezes ao longo dos anos e não tinha certeza se queria rastejar por essa toca de coelho em particular mais uma vez.
Na verdade, e desculpem a digressão, eu fiz uma entrevista filmada de três horas (parte um do que seria um mergulho profundo completo de várias partes) explorando cada fator contribuinte de BN com meu falecido amigo, Jon Schnepp.
Era para os donos de uma revista de cultura pop chamada Complex; seus planos eram se ramificar no mundo da SpikeTV e transformar a entrevista em algum tipo de documentário, série ou exposição; tanto faz.
Infelizmente, Jon já faleceu; as entrevistas restantes nunca aconteceram, a equipe e os produtores desapareceram. A filmagem está por aí em algum lugar.
E embora eu entenda a curiosidade em torno da série – e eu mesmo esteja honestamente curioso para ver como essa equipe aborda sua dissecação – ainda estou esperando por enquanto. Mas para algumas pessoas curiosas por aí, pessoas que não me viram suspirar e dar de ombros e fazer careta e revirar os olhos pessoalmente quando o assunto foi levantado, aqui está o link para a primeira metade.”




Não tenho a menor dúvida de que se alguma editora brasileira resolvesse lançar Big Numbers, mesmo incompleto, iria derrubar o site da Amazon.

terça-feira, 10 de dezembro de 2024

28 Anos Depois 22 anos depois de 28 Dias Depois


Finalmente.

A franquia Extermínio está de volta dos mortos. E meio que na surdina – não ouvi um pio sobre a produção, que, ao que consta, se concentrou toda em 2024. O novo filme marca o retorno da colaboração entre Danny Boyle e Alex Garland. Por mais que tenha adorado o trabalho de Juan Carlos Fresnadillo em Extermínio 2 (triste como os títulos brasileiros desperdiçaram toda a sacada dos originais), ver a saga novamente nas mãos dos criadores chega a ser emocionante. É uma das maiores duplas do cinema pop-transgressor, ora pois.

Trailer maravilhoso. Sem mais. E atenção para o retorno do Jim/Cillian Murphy na marca dos 1:48. Não me arrisco a palpitar sobre o que se vê ali, mas é de arrepiar.

28 Years LaterExtermínio 3... bah! – conta com o ex-Mercúrio & ex-Kick-Ass Aaron Taylor-Johnson, a sensação Jodie Comer (de Killing Eve) e o grande Ralph Fiennes no elenco principal. A estreia está prevista para 20 de junho de 2025 lá fora.

Ps: já há uma sequência a caminho, chamada 28 Years Later Part II: The Bone Temple e está sendo dirigida pela Nia DaCosta.
Pps: tecnicamente, essa não é uma série de zumbis. São "infectados". Mas a tag está mantida para efeitos práticos.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

Épico ROM na Epic


Chutão da Marvel no ângulo: o ROM clássico de Bill Mantlo e Sal Buscema terá uma versão Epic Collection pra chamar de sua. Está lá, entre as solicitações de fevereiro. ROM Epic Collection: The Original Marvel Years Vol. 1 será um brochurão de 432 páginas compreendendo as edições #1 a #20 de ROM (dez/1979-jul/1981)). Uma surpresa que ouriçou num êxtase cósmico os fãs do Cavaleiro Espacial. Todos os oito.

Brincadeira (?).

O fato é que o herói cibernético, mesmo nos Estados Unidos, sempre operou em escala modesta, pra marvete fanboy graduado. Quem dirá aqui no Brasil, 35 anos depois da última publicação. Boletos chegaram, fraldas e cabelos brancos também. Dos bravos guerreiros que sobraram, poucos ainda têm di$posição pra essa coisa de gibi. Então, a republicação via Epic Collection – formato bom-e-barato (você me entendeu) – acaba sendo um passe açucarado para a Panini.

Confesso que fiquei loucamente apaixonado pelos ROMNIBUS. Mas talvez não seja a reeedição épica que precisamos agora. Precisamos da Epic. Mesmo que seja suspeito o fato da Panini até agora não ter dado continuidade a nenhum de seus títulos da série. No caso do galadoriano cromado, seriam necessários ao menos uns 4 volumes para fechar as 75 edições originais*.

* Já fazendo vista grossa para a edição #38, com o crossover com o Mestre do Kung Fu, cujos direitos estão agora revertidos ao Sax Rohme Estate.

De todo modo, é interessante assistir essa nova lua de mel do casal Marvel-Hasbro (Masbro?) com jeitinho de pornozão em VHS embolorado. Ainda mais porque, nos últimos anos, a Casa das Ideias andou pulando a cerca do copyright e cometeu pequenas indiscrições aqui e ali. E acolá.


Esqueletos Armaduras do armário de Rick Jones em O Incrível Hulk #136

ROM Epic Collection é tudo o que precisávamos.

(...)

Se bem que “A Saga de ROM, o Cavaleiro Espacial” ® não soa nada mal. Nada mal mesmo.


Atualização 8/12

É, a Panini optou pela facada com giradinha: será ROMNIBUS, mesmo. Em três volumes. E$pectros me mordam.

quarta-feira, 27 de novembro de 2024

As muitas mortes de Lucy Chambers


The Devil's Hour chegou pra mim do jeito como tudo tem chegado ultimamente: através de um corte que os algoritmos julgaram que seria do meu agrado. O corte em si é bacana, mas não vende a série direito. As classificações "thriller, drama, sobrenatural" são um pouco mais específicas. E a sinopse é cuidadosamente superficial.

“Lucy Chambers é uma assistente social com uma família e um relacionamento problemáticos. Ela acorda todas as noites exatamente às 3:33 da manhã, depois de ter visões aterrorizantes durante a chamada hora do diabo. Seu filho de oito anos é retraído e não expressa emoções. Sua mãe fala com cadeiras vazias. Sua casa é assombrada pelos ecos de uma vida que não é a dela. O nome de Lucy está inexplicavelmente conectado a uma série de assassinatos brutais na área, e ela é atraída para a caça de um serial killer.”

O fator descoberta é a peça-chave no slow burn que o showrunner Tom Moran montou para a série (no Brasil, literalmente, A Hora do Diabo). Isso se reflete nas duas temporadas até aqui, com enxutos 6 episódios na primeira e 5 na segunda – não exatamente o padrão da Prime. O que torna um desafio tecer maiores comentários sem chafurdar em spoilers e estragar a experiência alheia. Mas os mais calejados, especialmente leitores de histórias em quadrinhos, têm uma boa chance de triangular a premissa básica logo no primeiro episódio.

Já volto aí.

A série britânica é uma cocriação de Moran e do produtor executivo Steven Moffat, de Doctor Who, e realizada através de sua companhia, a Hartswood Films. Ênfase em "série britânica". Destacar o nível de um elenco da terra do Rei Charles III é até redundância, mas vamos lá.

Jessica Raine foi um achado no papel da cativante, corajosa e sofridíssima Lucy Chambers, Peter Capaldi é a singularidade dramática de sempre, com seu Gideon Shepherd imerso em mistério e inteligência-flertando-com-a-insanidade. A química entre eles, remetendo ao clássico duo Clarice Starling-Hannibal Lecter, é qualquer coisa de espetacular.

Nikesh Patel como o obstinado detetive Ravi Dhillon experimenta uma interessante curva ascendente de dimensão no decorrer da série. O promissor Benjamin Chivers traz uma performance memorável, algo assustadora, como Isaac, o estranho filho de Lucy. Phil Dunster (o Jamie Tartt, de Ted Lasso) surpreende como Mike Stevens, o cruel pai de Isaac. E Meera Syal entrega um misto de racionalismo e ambiguidade como a psicóloga Ruby Bennett.

A narrativa tem sido chamada por aí de "monótona" e "maçante". Não achei, não acho e, tenho certeza, não acharei na vindoura (e última?) 3ª temporada. Mas certamente exige do espectador. Não porque é física quântica, embora tenha tudo a ver. É que ela se utiliza de recursos um tanto incomuns.

A trama requer (olha o palavrão, Gen Z-ers) atenção e muita paciência, porém jamais perde o foco e se desenvolve sem tergiversadas Lostianas. Os enigmas são desvendados lenta e metodicamente, não raro, abrindo novas questões pelo caminho. Todas bem difíceis de antever, mesmo que as respostas estejam em nossa cara o tempo todo. É tudo muito bem encoberto.

E, como dizem, o segredo é a alma do negócio.

The Devil's Hour in 33 seconds

“I wake up, I open my eyes, I look at the time and it is 03:33am.” 📺 The Devils Hour (28th October) 🎭 Jessica Raine, Peter Capaldi, Nikesh Patel

Publicado por Amazon Prime Video em Sábado, 22 de outubro de 2022

Até os teasers ficavam na defensiva.

Para maiores e, acho, melhores comentários, só com spoilers mesmo. Fiz uma seleçãozinha organizada por grau de risco.


⚠️ ⚠️ ⚠️ SPOILER CONSERVADOR ⚠️ ⚠️ ⚠️
Visão geral da premissa sem detalhes da trama

O título do post é revelador, admito. Não consegui resistir. Ao mesmo tempo em que é uma homenagem a uma HQ que gosto muito, tem tudo a ver com o conceito de vida, morte e renascimento de The Devil's Hour. E o precedente dos quadrinhos não para por aí.

É impossível não relacionar a jornada metafísica de Lucy à de Moira MacTaggert em House of X e Powers of X, de Jonathan Hickman. É o mesmo mecanismo de repetição da mesma vida ad eternum retendo as memórias das encarnações anteriores com todas as vantagens/desvantagens que isso traz.

Como notinha de rodapé, Hickman tampouco foi original. A ideia de alguém vivenciando um loop à Feitiço do Tempo de uma vida inteira surgiu primeiro no livro The First Fifteen Lives of Harry August, que a escritora inglesa Claire North publicou em 2014. Livro este que Hickman, em entrevista anterior a HOXPOX, disse que leu e achou "fantástico".

Logicamente que a North ficou, digamos, desnorteada com as coincidências. Minhas simpatias a ela.



☢️ ☢️ ☢️ SPOILER MODERADO ☢️ ☢️ ☢️
Visão geral do conceito sem detalhes da trama

"O tempo é simultâneo". O mundo (da cultura pop) nunca mais foi o mesmo desde que o Dr. Manhattan declamou essas palavras. Não deu pra conter o sorriso de satisfação quando Gideon usa um simples cadarço para explicar esse conceito para uma atônita Lucy.

Triângulo do Medo (Triangle, 2009) e Coerência (Coherence, 2013) são bons exemplos de abordagem deste conceito multiversal. Não porque são filmes mais do que divertidos, mas porque foram mais ousados do que a média.

Neste sentido, The Devil's Hour consegue ir ainda mais longe nas possibilidades. Praticamente um Fringe 2.0.



☠️ ☠️ ☠️ SPOILER ARROJADO ☠️ ☠️ ☠️
Detalhes da trama

Os "fantasmas" que assombram Lucy e outros personagens são ecos dessas linhas temporais simultâneas — ruídos de passados, presentes e futuros acontecendo naquele momento em realidades paralelas, coisa de louco. Esses ecos acontecem sempre que uma alteração anômala é feita na linha natural dos eventos. Quando Gideon, que se lembra dos fatos de suas vidas anteriores, passa a corrigir algo que julga errado, as pessoas diretamente afetadas por essas alterações acabam com os sentidos sensoriais amplificados. Daí elas captando ecos de outras vidas num primeiro momento (e possivelmente uma internação por esquizofrenia) e, com a orientação adequada, preservando sua memória de uma encarnação para a seguinte.

Isaac não consegue apenas ver os ecos em 8K, mas se teleportar para qualquer uma daquelas realidades simultâneas possíveis, em qualquer local ou ponto cronológico. Isso porque ele foi o mais afetado pelas ações de Gideon: Isaac não deveria nem existir. É 100% anomalia.

Uma excelente — e certamente incompreendida — sacada do roteiro foi a ordem dos fatores. A Lucy detetive e a Lucy assistente social se confundem o tempo todo. Mas ao contrário do que a montagem sugere, a Lucy assistente social é a sua 2ª encarnação. A Lucy detetive é a verdadeira Lucy "original", a primeira, a que perdeu a mãe quando criança. Mas só vamos ser apresentados a ela na 2ª temporada.

Gideon consegue alterar quase tudo, exceto algumas constantes. A principal delas é que, de um jeito ou de outro, ele sempre será capturado por Lucy. Sendo assim, a Lucy assistente social que vemos no início já é a Lucy alterada por Gideon para recrutamento futuro. Para tanto, ele salva a vida da mãe dela, mas altera mais coisas do que deveria no processo. Efeito Borboleta versão Mothra. Enquanto isso, o verdadeiro assassino continua à solta. Brincar de Deus não é mole.

Tudo isso é explicado por Gideon à Lucy assistente social e ao Ravi no interrogatório, no início da série. Mas naquele momento não temos a menor ideia do que ele está falando. Acredite, rever a série pelo menos mais uma vez é altamente recomendável. É outra história.

Na temporada 2, senti falta de mais Nick, o parceiro de Ravi. O simpático e bonachão Alex Ferns é um ladrão de cenas. Mas até entendo: a realidade em que Nick está morto é a única em que o assassino está perto de ser detido.

Assassino, aliás, que parece antecipar tudo, até mesmo à frente de Gideon, veterano de milhares de vidas. Minhas fichas no Isaac.



🟢 🟢 🟢 RESGATE DO POST 🟢 🟢 🟢
Fim dos spoilers


Não tinha a menor intenção de escrever sobre The Devil's Hour. A recepção foi positiva nos agregadores de críticas e rendeu um divertido fandom no Reddit, mas como é "lenta e chata" para alguns, preferi me resguardar de futuros processos por propaganda enganosa e elogios indevidos. O problema é que a série cresceu em minha mente como se fosse um fungo de The Last of Us. Quando bateu em analogias aos quadrinhos, decidi botar uma imagem e rabiscar duas ou três linhas. Mas a empolgação com as possibilidades continuou fervilhando e terminei arrancando o cabo USB do teclado.

O próprio post parece ter sofrido misteriosas alterações do tipo que se vê na série. Isso pega. Então, que venha mais Lucy Chambers, Gideon Shepherd e cia. O "futuro" promete.

Acho que dá tempo para uma 3ª assistida antes da 3ª temporada...

quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Tempestades perfeitas


É preciso reconhecer a resiliência. Em meio ao sempre tempestuoso (ops) mercado de quadrinhos nacionais, a Editora Tundra chega ao 5º volume da espetacular série Storm Integral. Por aqui, a obra do influente quadrinista britânico Don Lawrence amargava num limbo editorial desde que foi publicada de forma incompleta pra Abril, ainda nos anos 80. Precisou uma modesta, mas valente, operação a quatro mãos – dos irmãos e sócios Luis Panigassi e Julio Cesar Panigassi – para assumir essa missão.

Missão aparentemente impossível, visto que o perfil de Storm tirava da jogada tanto as pequenas que se especializaram em bangue-bangue, thrillers e sci fi Bonellianos quanto as médias como Pipoca & Nanquim e Comix Zone, que preferem não se arriscar em séries longas. Com profissionalismo, tino editoral afiado e campanhas muito bem sucedidas, a Tundra se tornou o elemento fora da curva necessário para fazer acontecer. E aconteceu.

Até aqui, um trabalho irretocável.

Ok... pra não estragar a criança, só precisam ser mais realistas ao estipular a previsão de entrega. Desse jeito, está tão acurado quanto uma pesquisa eleitoral.

Ps: todas as edições estão disponíveis na loja virtual da editora.

terça-feira, 12 de novembro de 2024

A marcha do Pinguim


Numa das cenas mais absurdistas de Gotham, o Pinguim é trancado em um carro e enfiado numa prensa de sucata. Entre vidros estourando, metal se retorcendo e um fiapo de esperança, o malandro se salva usando apenas a lábia e o celular. A cena é impagável. Da mesma forma, o Pinguim-lixeiro de Danny DeVito em Batman: O Retorno também já exibia sua notável habilidade de improvisação e adaptação contra todas as probabilidades. Houve até quem o desconstruísse minuciosamente como uma boa tese sociológica.

Pinguim eleva as apostas e é de longe o maior produto artístico e comercial do personagem. Quadrinhos inclusos, desculpe. A HBO se esforçou. A minissérie em 8 partes vai até mais longe – não consigo pensar em nenhuma outra melhor neste ano. A criadora e showrunner Lauren LeFranc, que roteirizou vários episódios de Chuck e Agentes da S.H.I.E.L.D., estava acostumada com o suprassumo do enlatado esquemático e seguro para as crianças, mas a julgar pelo território sombrio e impiedoso de Pinguim, parece que ela saiu direto de um The Wire ou de um Sopranos.

O elenco é um primor. Colin Farrell desaparece dentro de toneladas de enchimento, maquiagem, ambição, carisma e sociopatia de seu Oswald "Oz" Cobb (gosto de pensar que seu papel igualmente grotesco em The North Water foi um protótipo bem sucedido). Que ator. Ele e a incrível Cristin Milioti, como Sofia Gigante, ex-Falcone, conduzem as danças de vida e morte da história. E ainda tem a veterana Deirdre O'Connell como Francis Cobb, a mãe do Oz, Clancy Brown como Sal Maroni, Shohreh Aghdashloo como a sua esposa, Nadia, e uma ponta de luxo de Mark Strong como Carmine Falcone, papel que pertencia a John Turturro em Batman, mas que ele declinou do repeteco.

Entre os nomes menos conhecidos, o destaque inevitável é do promissor Rhenzy Feliz como Victor Aguilar, um quase-Jason Todd do Pinguim. E Carmen Ejogo, que dá show (no bom sentido) como a prostituta Eve Karlo. Mas é visível que todos estavam numa sintonia finíssima ali, de Farrell até o estagiário que serve o cafezinho.


Havia um teto máximo a respeitar, afinal, a franquia DC é logo ali. Os roteiristas precisavam lidar com liberdade parcial e a inevitável barrigada. Não era surpresa nem para o gafanhoto mais bobinho que a coisa teria que terminar mais ou menos como começou. Um pouco atualizada, talvez, mas com o status quo intacto. Por mais que o Pinguim fosse ameaçado, espancado, baleado, apunhalado, eletrocutado, etc, ele não poderia morrer numa minissérie. Os demais, no entanto... E esta foi a deixa para brincadeiras cada vez mais nervosas. E algumas boas escadas também.

Só no episódio 6, "Gold Summit", existem dois momentos espetaculares, com Ejogo e Milioti brilhando no tenso diálogo entre Eve e Sofia, e Farrell subindo pelas tabelas de todas as premiações possíveis com um discurso para os chefes das Tríades de Gotham. A situação, com Oz propondo uma aliança em ambiente hostil, me lembrou do mesmo cenário adverso de Al Pacino e seu antológico discurso em City Hall – ressalto, "me lembrou", não que é igual, pelo amor do Bart. Pacino ali vociferou para os deuses. Mesmo com um personagem tão picareta e corrupto quanto o Oz.

Curiosamente, Pinguim é bem mais violento na sugestão e na atmosfera do que na violência explícita per se. Ok, é violento, é HBO, mas a exaustão sensorial após cada episódio não nega: é um genuíno assalto psicológico. Gatilhos são disparados por pessoas quebradas, gananciosas, ambíguas ou simplesmente perversas. É isso é ótimo.

Por mais que seja divertido acompanhar as aventuras de Oz e por mais empatia que algumas de suas convicções possam gerar, a minissérie reafirma seguidamente a sua natureza monstruosa. O arrepiante flashback dele com seus irmãos e a reveladora cena do dedo no cortador de charutos não deixam dúvidas.

E muito menos a soturna cena no final, à beira-mar. Lembrando que aquilo não foi o seu pièce de résistance...


SPOILER — ...afinal, sua mãe o fez jurar que a mataria caso ela ficasse irreversivelmente doente. Coisa que ele não faz e dá outra dimensão àquelas lágrimas. Mais do que Vic e Sofia, ela é, de longe, sua maior vítima.


Apesar da leve pisada no freio no último episódio, Pinguim manteve a alta octanagem até o fim. Excelente que o Batman não deu as caras. Uma das piores coisas dos quadrinhos é quando o mundo é tratado com se fosse um ovo de codorna, com todos se esbarrando e heróis oniscientes e onipresentes, prontos para estragar toda e qualquer negociata suspeita de esquina. Oito milhões de pessoas vivem em New York. São Paulo tem 11 milhões e meio. Faça as contas. Além do mais, o Batsinal fica ainda mais brilhante no céu quando o desafio sobe de nível. E subiu. Muito.

Plano de carreira reestruturado, o Pinguim hoje goza o status de anti-vilão. Por essa nem Burgess Meredith esperava.

segunda-feira, 4 de novembro de 2024

A última nota de Quincy Jones


Quincy Delight Jones Jr.
(1933 - 2024)

Se foi o Quincy Jones. Isso nem parece uma expressão de verdade. É quase como afirmar que "se foi a música" ou "se foi um instrumento". Lendário? Também é muito pouco.

Quincy não foi apenas o produtor, compositor e arranjador que moldou a cara dos anos 1980 com os estelares Off the Wall (1979), Thriller (1982) e Bad (1987), de Michael Jackson. E nem apenas o produtor e condutor de "We Are the World", um dos singles mais vendidos de todos os tempos. Do alto de seus 28 Grammys (e desculpe, mas, sim, isso vale muita coisa), a história de Quincy se confunde com a história da música pop contemporânea e da própria história da comunidade negra da América no século 20.

Neto de uma ex-escrava, a vida não facilitou para Quincy. Desde criança, quando vivia de pequenos roubos, até sua estreia na banda do jazzista Lionel Hampton e suas colaborações com nomes como Frank Sinatra, Ray Charles, Dinah Washington, Louis Armstrong, entre outros gênios, e ainda sentindo na alma toda a violência da segregação racial dos Estados Unidos, pode se dizer que Quincy fez e viveu o seu próprio milagre. Que vida. Que história.

Neste momento, é impossível não recomendar Quincy, documentário da Netflix co-dirigido por sua filha Rashida Jones (também uma ótima atriz) e por Alan Hicks. Se ainda não assistiu, recomendo demais. É excelente e imperdível.


Ninguém é eterno, lógico. Mas algumas vezes, vivenciar um momento histórico traz uma sensação de fim de festa absurdo e que daqui pra frente a ladeira abaixo será ainda mais íngreme. Essa é uma dessas ocasiões.

Rest in Power, Quincy Jones.

sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Velha Abril Jovem


Vou te dizer... os cortes e alterações dos gibis da Abril ainda me dão nos nervos, mas a diagramação, o letreiramento e os retoques – em condições 100% artesanais – eram incrivelmente agradáveis aos olhos. Especialmente aos olhos de um moleque com o conforto de um prático formatinho.

Os caras sabiam fazer.

segunda-feira, 28 de outubro de 2024

Nobres Criaturas

Com estreia apenas em 5 dezembro na Max, Comando das Criaturas fez questão de entregar um trailer no bonde do Halloween ‘24.


No post sobre Lobisomem na Noite, sonhei acordado sobre como seria bacana se a DC chamasse o diretor Michael Giacchino para o... comando de um Comando das Criaturas. No fim das contas, a produção não virou um longa-metragem, tampouco um live action. É uma série animada em 7 episódios com o próprio James Gunn como roteirista e showrunner.

Apesar da mera existência do desenho parecer um arrojo, não é o 1º rodeio da macabra superequipe no formato. Em 2019, o grupo estrelou um dos curtas da divertidíssima série DC Showcase ao lado do Sgt. Rock. E com roteiro de Walter & Louise Simonson e Tim Sheridan e direção de Bruce Timm. Régua lá em cima, portanto.

Mas a prévia é deliciosa e o gore é de lamber os beiços. A nova formação, apesar de ser uma variação de qualquer Esquadrão Suicida, parece lindamente disfuncional: os desmortos A Noiva e Eric Frankenstein, a anfíbia Nina Mazursky, mais o Doutor Phosphorus, Robô Recruta e Doninha, queridinha(o) do Gunn. Todos sob a liderança de Rick Flag Sr. – pai do Jr., duh – e tentando impedir a feiticeira Circe de alguma coisa aí. Cara-de-Barro também dá as... caras.

Um curioso adendo é a dublagem de Viola Davis re-re-reprisando a sua Amanda Waller, hoje uma instituição DC. Em meio a tantos astros varridos para o limbo das adaptações, a sua versão da personagem passou incólume pelo fim do Snyderverso e pela Revolução Cultural de James Gunn. Façanha comparável à Poderosa e ao Pirata Psíquico sobrevivendo alegres e faceiros a Crise nas Infinitas Terras.
De resto, diria que só faltou uma frase de efeito estúpida e badass pra fechar a conta. Mas fuçando nas informações do vídeo...
“You wanted monsters? You got motherfuckin’ monsters.”
...acho que essa se enquadra no perfil.

segunda-feira, 21 de outubro de 2024

Remember Di’Anno


Paul “Di’Anno” Andrews
(1958 - 2024)

Se foi, ou melhor, descansou Paul DiAnno, o eterno ex-vocalista do Iron Maiden. Para quem acompanha notícias sobre o mundo do heavy metal, não foi exatamente uma surpresa. O processo foi público, desgastante e abarrotado de velhas tretas que, inevitavelmente, definiram a sua imagem. Mas sabe o que dizem: quem não tem pecado...

A diferença do cantor para os Dave Evans da vida, é que ele tem dois clássicos absolutos no currículo: Iron Maiden, de 1980, estreia da Donzela, e seu sucessor, Killers, de 1981 – além de um dos LPs ao vivo mais espetaculares do metal, Maiden Japan, também de 1981. Estes serviram, literalmente, como matéria-prima para uma vida inteira.

Outra particularidade de Di’Anno estava em seu estilo vocal. Ao invés de seguir a escola Plant-Dio-Halford de seus pares da New Wave of British Heavy Metal, ele tinha uma pegada que, blasfêmia para alguns, era punk puro. Assim, não punk, puuuunk per se, mas transbordava atitude e crueza melódica. Impossível não associar.

O que não significava desleixo ou ausência de técnica. O hino “Phantom of the Opera” é, possivelmente, a música que melhor sintetiza os conceitos lírico e musical do Iron Maiden. Quiçá, do heavy metal tradicional como um todo. E com a voz assombrada de Di’Anno à frente, essencial.

Normalmente não seria lisonjeiro passar a vida sendo lembrado por duas obras lançadas há quase 45 anos. Mas neste caso, não poderiam haver lembranças melhores.

Essas, não são pra qualquer um.

R.I.P. Paul Di’Anno.

quinta-feira, 17 de outubro de 2024

quinta-feira, 3 de outubro de 2024

Lendas do Amanhã


“Quadrinhos de super-heróis enquanto mitos modernos do nosso mundo pós-Revolução Industrial personificando nossas esperanças, medos e ideais.”

Certeza que já vi isso em algum papo-cabeça McCloudiano ou no prefácio de alguma das trocentas reedições de Reino do Amanhã (alguém aí pegou a versão pocket?). É mesmo lapidar. E se existe um quadrinho que cabe à perfeição é a obra máxima de Mark Waid e Alex Ross.

O documentário The Legend of Kingdom Come promete estudar os processos de concepção e construção que deram origem a esta grandiosa saga de super-heróis, para muitos definitiva. Provavelmente. Entre as 5 mais, pelo menos. Certo, fechemos em 10.

A direção é de Remsy Atassi com produção executiva de Sal Abbinanti, o criador de Atomika: God Is Red, quadrinho indie resenhado aqui em posts imemoriais, e que é só agora soube ser o agente/gerente de negócios do Ross. Daí a presença massiva do reservado ilustrador nas promos do projeto, que além dele e do Waid, trará nomes como Todd MacFarlane, Bill Sienkiewicz, Jimmy Palmiotti, Amanda Conner, Paul Dini e outros – e tomara que entre esses "outros" esteja James Robinson, para quem o Ross propôs a ideia da HQ originalmente.

A campanha do doc no Kickstarter vai até o dia 25 próximo. Com a meta em US$ 50 mil e os apoios rasgando na casa dos 350 mil, as preocupações passam longe dos envolvidos. Mesmo assim, um projeto só acaba quando termina.

Quem acompanha a rotina de produções independentes e financiamentos coletivos sabe que o caminho até a sala de projeção pode ser longo e tortuoso. Vide A Riddle of Steel: The Definitive History of Conan the Barbarian curtindo um hiato eterno e o longa animado The Goon, 100% financiado pelo KS e que simplesmente desapareceu no limbo – este, realmente cheguei a tomar um porre no dia em que meta foi alcançada.

Se for o caso, só o Clark com o emblema preto e surtadão pra dar jeito.