Bons tempos do Chris Bachalo dos bons tempos.
domingo, 6 de janeiro de 2008
ONE MORE HATE
"O Homem-Aranha é da Marvel, não meu, e no fim do dia, por mais que eu não concorde com certas coisas, e por mais que eu tenha deixado bastante claro para todas as partes que eu não concordo, tenho de honrar suas decisões". Nos últimos meses, o roteirista J. Michael Straczynski tem passado por um inferno editorial que bem poderia ser obra de Mefisto, o belzebu 616, não fosse perpetrado por uma criatura ainda mais diabólica: Joe Quesada, editor-in-chief da Marvel Comics. O que vem acontecendo com esses dois à frente da cronologia do Homem-Aranha de muitas formas pode ser comparado a um clube de futebol. Tem o esquema de jogo, as escalações, o craque instável, o dirigente ganancioso. E tem o 'pequeno' elemento que os dois mundos esquecem, com freqüência: a torcida. O público.
Por "público" entenda-se não só os leitores assíduos, cinéfilos e os saudosistas, mas também os que têm voz na grande mídia. Para a unanimidade que é este personagem - o mais perfeito resultado dos conceitos criados por Stan Lee - isto proporciona um daqueles casos raros em que centenas de milhares podem gritar em uma só voz.
Na história recente do personagem, não faltaram motivos para que reações negativas tomassem corpo e revelassem uma desconsideração total pelos "fiéis seguidores". Na maioria das vezes, infelizmente, derivada de questões mercadológicas. A Marvel é uma major, antes de qualquer outra coisa. Todos entendem isto, ou deveriam. Incontáveis leões vivem naquela selva de pedra. Decisões difíceis têm de ser tomadas a toda hora, mas as que ficam na história são as erradas. Aquelas que, indubitavelmente, são escolhidas para ocultar a falta da principal matéria-prima daquele ramo: a criatividade.
Neste ponto, One More Day conseguiu seu lugar de honra.
Amazing Spider-Man #545, edição que conclui o arco em 4 partes, já é, com certeza, a mais controversa do personagem em anos. Bate de longe a saga do clone, o spider-totem, certas ressurreições, a identidade revelada e os filhos de Gwen Stacy. Na verdade, desde a morte de Gwen não havia tanta polêmica - com a diferença que, esta sim, foi uma jogada brilhante que marcou para sempre a vida do personagem. Mas Joe Quesada simplesmente ignorou qualquer precedente artístico. Há tempos ele bradava aos quatro ventos que considerava o casamento de Peter e MJ um erro editorial e que um dia iria consertar isso. Só esqueceu de avisar que ia "consertar" com outro erro, numa decisão unilateral visando apenas os balancetes do fim do mês. Prevendo o desastre, Straczinsky até tentou (sem sucesso) dar linha dos créditos e acabou fazendo um longo desabafo no Newsarama. Coitado.
Provavelmente por desencargo de consciência, ele foi poupado de maiores chamuscadas e ganhou até uma página de agradecimentos de notáveis como Bendis, Romita Jr., Mark Millar, o presidente da Marvel Studios Kevin Feige e, pasme, Stan Lee.
As reações críticas ao arco não poderiam ter sido mais funestas. "A pior revista da Marvel publicada em 2007", "o melhor exemplo de que a influência editorial pode ser horrivelmente errada", "egoísta e infantil", "um tapa na cara dos fãs" ou apenas "totalmente ridícula", foram algumas das impressões. Lucas Seigel, do IGN, lembra que Joe Quesada mantém uma política anti-tabagista nos heróis Marvel, para não incentivar crianças ao fumo, mas que ele não tem problemas com Peter fazendo um pacto com o demônio.
Segundo o rotundo editor, com One More Day, tudo na vida de Peter volta ao standard do início dos anos 70 (uau, é assim que se livra de um problema!), com o desenvolvimento natural daquele mesmo cenário sem qualquer grande mudança contextual. Tia May está viva, os lançadores de teia estão de volta, a identidade secreta está preservada e até Harry Osbourne retorna dos mortos. Como declarou o staff da Marvel, "isto é mágica, não temos de explicar".
A sensação de perda aumenta quando se vê a qualidade narrativa da edição. Muito bem escrita, com uma dinâmica espetacular entre os protagonistas e com os melhores desenhos já feitos por Quesada, Amazing Spider-Man #545 emociona. Talvez por mostrar, com incrível sensibilidade, tudo o que está sendo sacrificado naquele momento. É uma história de angústia, amor, culpa e arrependimento. Poucas vezes a arte seqüencial foi tão bem caracterizada quanto nos trechos das páginas 10 a 13. Qualquer um que ao menos já gostou de alguém na vida irá se identificar. Acredite, Peter e MJ jamais estiveram tão próximos quanto no fim.
Seria uma das grandes histórias da vida do Aranha, não fosse para selar a pior das idéias.
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