segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

MATANDO CON EFICACIA Y DIGNIDAD


Produção besta-mole, clicherama anos oitenta no talo, erosão avançada do roteiro, continuístas míopes e o canastrox Dolph Lundgren versão tuberculose. Numa adaptação em que nem a caveira dá as caras (afe) exigir um pouco de laboratório seria um luxo. O Frank Castle de Lundgren é um fanfarrão: faz rapel com flechas no meio de um tiroteio, recusa coletes à prova de balas, desconhece a utilidade da mira de suas armas, invade o território inimigo que nem um moleque (segundo a matadologia do Capitão Nascimento) e larga pelo caminho um arsenal maior que o estoque virtual de Matrix.

O primeiro filme do Justiceiro é indefensável, mas não serviu só pra queimar o filme de Louis Gossett Jr. O longa também teve seus atrativos, deveras trash é verdade, mas substanciais! Castle ameaçando uma criança, uma vilã com cara e perfil psicológico do Coringa de Feira da Fruta e diálogos malaquíssimos ("What the fuck do you call 125 murders in 5 years?" - Punisheiro: "Work in progress!") são diversão garantida para os fãs da comédia involuntária.

Por tudo isso, esta (sub)versão faz por merecer um review todinho dela, logo que possível.


Justiceiro 2004. Desta vez encarnado por um Christopher Lambert afogado em testosterona, o Punidor demonstrou maior perícia nas táticas de combate. Ex-operativo Delta Force (não sei o peso real disto, mas vi o filme com Chuck Norris em suas fileiras e já é mais que suficiente!!) e agente do FBI disfarçado, o Newcastle ainda fez uso das flechas, mas com profissionalismo ímpar. Ao melhor estilo Commando, Castle se arma até as obturações, veste o bendito colete e invade o QG dos vilões, com cara de mau mesmo, fatiando cada curva e matando com eficiência e dignidade (e pode acreditar, isso é possível).

Thomas Jane foi um aspira esforçado: fez seis meses de treinamento militar hardcore, ganhou três toneladas de massa muscular e devorou as revistas do personagem (virou fã obcecado). Um pouco obstruído pelos joguinhos psicológicos e decisões equivocadas do roteiro, mas definitivamente um sujeito que trouxe a morte no olhar.


Do Justiceiro calibre .08 ainda não se sabe muito, mas pela imagem divulgada nota-se que o cara não vem pra perder viagem. Parece um berserker no Devastation Mode indo direto pra faxina. Postura de Navy SEAL, cotovelo de apoio em cima, olhos cerrados na mira e um baita hardware - especialmente o belo toque do silenciador e o que parece ser uma Jericho semi-automática prontinha pra ser descarregada. Isto fora a já confirmada presença do canhão Smith & Wesson calibre 50 (!!! - veja uma comparação com a celebridade Magnum 44, entre outras), só pra ficar nas mais pedidas do DJ Frank.

É praticamente um oficial do BOPE, não fosse a caveira sem a faca (e acertadamente apagada, na minha no-humble opinião) e a semelhança quase univitelina com um dos caras mais durões do universo, o difícil de matar em terreno selvagem Steven Seagal.


Especialmente o Seagal do filme Momento Crítico (Executive Decision, EUA, 1996), onde o indestrutível ator é surpreendentemente destruído, num ato de proporções universais que um dia se voltará contra nós, mas isto não vem ao caso agora.

Só me sinto na obrigação de resgatar este momento mais que histórico.


Especialistas em Seagalogia afirmam que ele caiu de pé e que o local do impacto hoje é visitado por turistas do mundo inteiro. Especulações à parte, o filme realmente foi uma grata surpresa também em outras modalidades. Elenco descolado, roteiro mais sério do que aparentava, além de mais verossímil, mais melhor e muito mais maior (134 min). Uma coincidência positiva que pode até significar algo promissor, se você for supersticioso.

Até porque, El Castigador 2008 não se parece realmente com o Nico Acima da Lei. O ator Ray Stevenson (o Pullo, de Roma) está mais pra Tommy Vercetti, de GTA Vice City, descontados os pixels e após uma temporada em Bora Bora.

Do título do novo filme até as declarações da diretora Lexi Alexander, Punisher: War Zone parece remontar ao espírito do personagem nos quadrinhos. Bom, ninguém sai pronunciando adjetivos como "linha MAX", "Garth Ennis", "Retalho" e "censura alta" em entrevistas à toa. Como se não bastasse, a gaja não hesita em atirar na cara e estragar o velório dos dois filmes anteriores ("não foram relevantes"), mandando às favas a tal da ética profissional. Se for marketeira, é das boas. Mas ainda prefiro ceder um crédito, já que a cineasta alemã tem no currículo o bom Hooligans (idem, EUA/Ing, 2005).

O mais provável mesmo é que a tradicional competência e sensatez femininas prevaleçam onde o desleixo e ineficiência macholinas deixaram a desejar. Tá ok... confesso: o website da moça, apesar de miudinho, me cativou. Olha só a preocupação dela até com a semelhança física dos personagens... e ainda rolou uma foto com o Frank Miller lá nos arquivos...

Lexi também tem alguma "experiência de campo": ela foi campeã mundial de karatê e kickboxing, aos 19 anos. Aposto cenzinho que ela quebraria a fuça do Uwe Boll.

O resultado disso, só dia 12 de setembro. Longe demais.


Pra finalizar, nada melhor que prestar a devida homenagem ao Justiceiro do grande Tim Bradstreet, um cara muito bacana por sinal (até responde e-mail). O personagem das ilustrações do capista é a imagem de um manhunter. Dark, frio e ameaçador, mesmo sem a fisionomia abrutalhada do original.

Méritos para o artista - que, junto com Ennis, se despede da linha MAX no nº 60 - e também para o colaborador Tom O'Brien, que serviu de modelo para as capas.


Se nada der certo no cinema, sempre haverá a possibilidade de mais um fanfilm. Será que o Sandy Collora já voltou do Havaí?

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

A ESCOLHA DE SOFIA


Uma das características que sempre admirei no universo nonsense da DC é a liberdade periódica da editora para reafirmar a essência de seus principais personagens. Uma boa estratégia que funciona como uma reciclagem para impedir o desgaste destes (ou atualizá-los conforme as mudanças comportamentais e perceptivas de seu público-alvo). Daí a velha e conhecida premissa trazendo heróis envoltos em questões morais e existenciais. No período de 1986-1987, a DC publicava a saga Lendas, cujo objetivo era justamente resgatar o status icônico daquele universo e de seus personagens, zerados após a mega-reforma de Crise nas Infinitas Terras.

O plot era simples, de apelo universal. Concebido por John Ostrander, desenvolvido por Len Wein (co-criador do Monstro do Pântano e do Wolverine), desenhado pelo John Byrne no auge e arte-finalizado por Karl Kesel, a história mostrava Darkseid executando um plano para incitar a Humanidade contra suas lendas, os heróis. Para tanto, o vilão cria uma série de incidentes forjados que, entre outras coisas, faz o Capitão Marvel acreditar que matou um ser vivo - traumatizado, ele resolve abandonar seus poderes. Em seguida, entra em cena o Glorioso Godfrey, lacaio que Darkseid enviou à Terra, disfarçado de ativista anti-heróis. Godfrey manipula a opinião pública, criando um efeito dominó que leva o presidente Reagan a vetar todas as atividades meta-humanas no país. Tudo isto sendo testemunhado de perto pelo Vingador Fantasma, o Uatu da DC, convicto de que os ideais das lendas prevalecerão no final.

Este crossover épico exerceu muita influência nos anos seguintes - inclusive sobre a concorrência e suas guerras civis - e teve papel fundamental no cast heróico da editora (a LJA de Giffen/DeMatteis e a Força-Tarefa X, p.ex, vieram daí). Como todo mega-evento quadrinhístico, a série gerou ramificações nos principais títulos da DC na época, desenvolvendo subplots essenciais para a uniformidade da trama.

Com o relançamento da saga pela Panini Comics, via encadernado Grandes Clássicos DC #10, percebe-se o quão essenciais eles foram.


Lendas, em formatinho da Abril: confiabilidade de um whisky paraguaio

A história de Lendas no Brasil começou em junho de 1988, com seu lançamento pela Editora Abril. A mini foi editada em formatinho de seis edições com a inserção estratégica de algumas das tramas paralelas, publicadas originalmente em revistas regulares (mais precisamente, Superman, Firestorm, Blue Beetle e Action Comics). Num lampejo de visão e bom-senso, o pessoal das "Publicações Infanto-Juvenis" preservou a estabilidade narrativa do roteiro com essas inclusões (apenas as que foram necessárias para tal). Porém, a Abril sempre se sabotou com antigos vícios.

Apesar de já ter esses formatinhos há anos, a verdade é que só fui ler Lendas há pouco tempo, pelo encadernado bonitão da Panini. Com o ponto de vista de alguém que desconhecia o argumento, suas nuances e resistência ao tempo, mergulhei no TPB, começando pela belíssima introdução de Mike Gold, ex-editor da DC.

Quando parti para a saga de fato... mal pude conter minha decepção ao me deparar com uma história frágil, superficial e repleta de falhas estruturais (buracões mastodônticos no roteiro!). Onde foi parar a ½ Liga soterrada pelo demoníaco Enxofre na página 45? Como foi que o Besouro já tinha capturado Cronos na página 118? E o mais absurdo: o Superman mencionando que foi "seqüestrado por Darkseid hoje cedo", sem que nada atestasse o fato. Não era possível. Aquele desastre era a lendária Lendas, com trocadilho infame e tudo?

Meio que querendo o replay de uma batida de dois caminhões-tanque, peguei os velhos formatinhos e destrinchei tudo pra ter certeza do que tinha lido. Só que havia um sabor diferente ali... a história tinha tensão, drama, impacto, coesão... logo vi que as tramas paralelas fizeram uma diferença crucial na experiência. É uma saga completamente diferente, fazendo justiça total à fama. Uma grande aventura, "heróica" como só a DC se permite ser, cujo clímax apoteótico abria caminhos para um futuro promissor.

Mas antes que eu pudesse demonizar o encadernado perneta da Panini, notei certas "virtudes" dele em relação ao formatinho da Abril. A página 89 do encadernado era inédita até então, visto que a Abril havia a decepado sem dó - juntamente com as páginas 99, 109, 120, 133, 134, 135, 151 e 152 (isso se eu não deixei passar mais). É público e notório que a fase da Coroné Abrir à frente das publicações Marvel/DC foi um banho de sangue editorial. O Greenpeace deveria agradecer de joelhos à editora, pela quantidade de árvores poupadas em toneladas de páginas não publicadas. Não importava se fosse uma grande história do John Byrne, do Frank Miller em sua fase mais criativa ou o excelente Demolidor de Ann Nocenti/John Romita Jr... a Editora Abril descia o facão.

Vendo as trapalhadas tanto do Bonde Civita quanto dos capos sicilianos da Panini, uma única coisa me vem à cabeça: monopólio é uma merda.

Na trilha: as fabulosas Runaways! As deusas Joan Jett (16) e Lita Ford (17) já batiam um bolão.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

BEYONDER BEYOND


The New Avengers: Illuminati #3 me confirmou uma velha suspeita: mais que "Casa das Idéias", a Marvel Comics é o "Depósito das Idéias". Hoje vejo mais claramente as pontas soltas largadas à bangu ao longo de sua cronologia, apenas para faturar em premissas mais adiante. O que existe lá é um oceano de assuntos mal-resolvidos. Não por acaso, vários arcos da editora parecem ter sido tramados com mais de vinte anos de antecedência. Assim fica "fácil", a deixa já estava lá, à espera de um roteiro. Tudo em nome da continuidade quadrinhística, claro, mas os editores abusam. A lista destes, hã, "spectro-plots" é longa, variada, mesmo se pegarmos exemplos mais recentes. Temos de Yelena Belova, Nicky Fury, Wanda e Capitão até a pequena Danielle Cage. Todos vivendo numa completa incompletitude (isso é Gil ou Caetano?) e no aguardo da redentora resolução (Gessinger?).

Isto pra não citar as pendências-monstro deixadas por Eternos de Neil Gaiman e, mais polêmica ainda, World War Hulk. E nem queira entender as origens co-relacionadas do Visão e do Tocha Humana original.

A propósito, só fui saber outro dia que botaram a Contraterra na conta do papa. Pobre Alto-Evolucionário. Tanta coisa para nada, afinal.

Por sorte, esses ganchos recorrentes até fazem parte do charme. O próprio Brian Michael Bendis, na bacanuda As Incríveis Aventuras de Stan Lee, desconstruiu essa mania de resgatar trasheiras há muito esquecidas ("mini em seis edições: ROM, O Cavaleiro Espacial!"). No mais, tem de ser muito chato pra não gostar de uma boa recapitulação - quando é boa, que fique claro... esqueça o processo de puteirização a qual foi submetida a santíssima e virginal Gwen Stacy.

Seja como for, um bom timing é imprescindível nesses casos. Pena que na maioria das vezes, nem todo o timing do infinito-e-além! parece ser o bastante. O que me leva ao personagem-símbolo de toda essa embromação que a Marvel adora botar no congelador pra esquentar depois no microondas.


Beyonder é, sem dúvida, um dos maiores elefantes brancos já produzidos pela Marvel, equiparado apenas, talvez, pelo Sentry. Nos final dos anos 80, finda a saga Guerras Secretas, o personagem ficou que nem o Terminator se John Connor morresse: "useless". Não sabia até que ponto o mega-evento foi uma desculpa para produzir uma linha de brinquedos, cards, álbuns e tralhas quetais, mas lembrava que era de uma tosqueira até divertida. Relendo hoje... sim, eu reli... acrescento que é burraldo, pueril, boboca e cara-de-mamão, mas se fosse filme seria um daqueles Sessão-da-Tarde-movies que todo mundo fala mal, mas adora assistir escondido. Guerras Secretas é Quake Arena. Heróis contra heróis contra vilões contra vilões. E vice-versa.

Como de praxe, o advento de um indíviduo todo-poderoso se fez necessário pra reger a patota toda. Criado por Jim Shooter e Mike Zeck, Beyonder não era uma força da natureza unidimensional (como o Anti-Monitor), nem um niilista mega-estratégico (como o Thanos recente do Jim Starlin). Ele era de uma ambivalência passiva, um observador distante. Também não dispunha de um corpo físico, sendo representado por um tipo de feixe de energia. Quase uma sarça ardente. Sua natureza supostamente divina era pura simbologia bíblica, criacionista, onisciente e onipotente no microcosmo proposto pela saga.

Mas aí a aventura chega ao fim - inconclusivo, como sempre - e fica a questão. O que fazer com uma personagem-deidade instituída num contexto maniqueísta?



Beyonder, brincando com seus action-toys e envergando um modelito Clóvis Bornay

Guerras Secretas II, claro. Desta vez, a premissa era justamente Beyonder à procura de um papel naquele universo. O exercício criativo foi até interessante. Sendo ele mais entidade que propriamente um indivíduo, os heróis, vilões e pessoas comuns acabavam incluídos no processo. Esta era a deixa: ao confrontarem uma força da natureza inevitável, eles reafirmavam todos os alicerces éticos e psicológicos que os fazem únicos e admirados/odiados. Quase um raio X de suas profissões de fé.

A continuação se estendeu pelas principais publicações Marvel da época. Em seu decorrer, foi interessante ver como a idéia era limitada na própria simplicidade. Beyonder era o Alfa e o Ômega. Só Deus sabe como esse fardo é pesado. Logo, toda aquela conceitualização metafísica caía por terra, pois o personagem buscava auto-realização do ponto de vista mundano. Tarefa impossível, incompletos que somos - tal qual a cronologia Marvel.

No fim, Guerras Secretas II se mostrou uma experiência tão vaga que foi difícil não preencher as lacunas como passatempo mental (um dos motivos pelo qual eu amo quadrinhos). Nietzsche, Sartre, John Milton, Saramago e até o Paul Rabbit entraram na dança, mas não fui muito longe: aquela trip toda me lembrou mesmo foi uma velha história do Angeli, na qual Deus desce à Terra para se humanizar e experimentar os prazeres terrenos, e termina como um mendigo alcoólatra com delírios de grandeza. A sarjeta é logo ali, rapá.


Ecumenismo xiita, se é que isto é possível

De volta à carga, Guerras Secretas III trouxe o Super Deus Marvel Hero pra zerar os restolhos de roteiro entornados no caminho. Mas a guerra desta vez durou só uma edição (Fantastic Four #319), under-the-radar ainda por cima. Um combinho integrado pelo Dr. Destino, Tocha Humana, Coisa e Ms. Marvel (a outra, não a Danvers caval'de jour), vão até o universo do Beyonder em busca de respostas e o encontram numa tremenda ressaca existencial. Pra começar, aquele universo em que ele vivia era ele. Toda a matéria, ordem, caos, pensamento, conceito, passado, presente e futuro. Ao desejar uma existência completa, Beyonder corrompia sua própria divindade - desejo é um abismo sem fim para alguém que pode tudo. Com isso, todo o multiverso-e-lá-vai-supercorda estava ameaçado por um deus imperfeito.

A solução foi encerrar sua essência num daqueles práticos Cubos Cósmicos da Marvel - gestor de entropia cósmica expresso -, tarefa levada à cabo pelo Homem-Molecular, que no processo também foi pro saco, ou melhor dizendo, pro cubo. Soube-se também que o próprio Beyonder era energia consciente originada de um Cubo (seria então um retorno às raízes?).

Na prática, esta foi a última vez que viram a face de Beyonder. Em Beyond! não era ele e sim o Estranho, segundo a arte vagabunda do Scott Kolins, e na comprida Aniquilação houveram referências, mas nada efetivo. Parecia que aquele era mesmo o fim da linha para um personagem talvez grandioso demais para aqueles padrões, mas acima de tudo, promissor ("por mais que as coisas se modifiquem, elas permanecem as mesmas" - imagina Beyonder na visão de Alan Moore fase Big Numbers, com todo aquele subtexto envolvendo Matemática Fractal e Teoria do Caos?).

E este era um fim que contrariava o velho recurso de deixar as opções em aberto. Será?



"Beyonder é... SPOILER!
E também é... SPOILER!!"

Claro que não... não na velha Marvel, não senhor... lá, um fim é sempre um início. Desde a primeira edição, The New Avengers Illuminati deixou clara sua vocação revisionista, destacando o que seria o início da infiltração Skrull na Terra (e dá-lhe Civil War na seqüência) e repescando elementos emblemáticos como as Jóias do Infinito e o rebelde Marvel Boy Noh-Varr. Mas a edição que ressuscitou Beyonder sem dúvida foi a mais sintomática neste sentido.

Os roteiristas Brian Michael Bendis e Brian Reed ignoraram solenemente tudo o que o personagem vivenciou a partir de Guerras Secretas II. De fato, Beyonder tem o mesmo visual yuppie daquela época, o mesmo olhar intrigado mezzo infantil e a insaciável busca por auto-realização - agora com um viés altruísta-obsessivo. (Re)Descoberto por alguns integrantes do Illuminati enquanto recriava Manhattan num asteróide nos confins da galáxia, novamente ele se vê numa situação de conflito iminente contra heróis da Terra.

Só que dessa vez, Dr. Estranho, Namor, Charles Xavier, Reed Richards e Raio Negro sabiamente pulam etapas (e tapas), usando um senhor trunfo que têm na mãos. A saída proposta pelos Brians foi de chocar até o decenauta mais indiferente.


Há de se elogiar a tensão da narrativa, que deu a dimensão exata do horror dos heróis em ficar frente a frente com um ser que poderia varrê-los da existência com um mero pensamento, por tédio, capricho ou descuido. É aterrador.

No mais, é difícil prever quais serão os desdobramentos dessas novas informações. À primeira lida, parece uma compilação de furos implorando para serem delatados, subvertendo tudo o que se soube do personagem até hoje. Mas sendo Beyonder quem é... ou quem não é... tudo é possível.

A conclusão, é claro, é totalmente aberta, dando a entender que assim ficará por um bom tempo. Evaziva e incompleta, como o próprio personagem.

Nada mais adequado, afinal, como já dizia o espetacular Stan Lee... "'Nuff Sa

Na trilha:

domingo, 30 de setembro de 2007

NEWS FROM THE GRAVE


Inglês, vivendo atualmente entre Toronto e Nottingham, pintor, roteirista e agora cineasta. Dan Seagrave foi uma figurinha bastante notória durante os anos 90. Periga até de você conhecer também.

Recentemente Seagrave escreveu e dirigiu seu primeiro filme, Shadowline (finalizado em maio último). Trata-se de um curta-metragem de 10 minutos, atualmente em circuito de festivais alternativos. A premissa é um mix de drama e suspense psicólogico. Na história, um andarilho se abriga numa fábrica abandonada e lá encontra um sobretudo com um caderno de notas e a foto de uma garota. Mais tarde, descobre que a jovem foi dada como desaparecida e então ele inicia uma cruzada particular em sua busca. O trailer revela um thriller bem instigante com uma fotografia sensacional.

No momento desta postagem, o curta ainda não havia dado as graças no YT. Damn.

O recém-cineasta é bem mais reconhecido por seu background. E que background.

Basta uma breve olhada na seção "metal" de qualquer loja de discos pra ver ao menos um dos trabalhos de Seagrave, estampado em algum CD ou camisa. Sua arte refinada, mesclando arquitetura, pespectivas e um detalhismo impressionante ilustrou muitas capas de álbuns death metal da época. Em meio à logotipos ininteligíveis, grafismos abarrotados de satanismo de fim de semana, seu estilo único conferiu uma classe até então inédita no gênero.

Como capista, se destacou fácil na multidão. Há tempos havia deixado para trás a fase "capetão-rangendo-os-dentes" inicial - da qual tenho a capa de Subconscious Release, do britânico Desecrator, como símbolo máximo.

Abaixo, a capa de Mower Liberation Front, do Lawnmower Deth (o 1º trabalho de Seagrave), e a de Subconscious Release, ainda bastante genérica, mas já demonstrando a pegada ultra-detalhista. 


Clique para ampliar.

Lawnmower Deth - Mower Liberation Front (RKT Records, 1989) Desecrator - Subconscious Release (RKT Records, 1991)

Foi nesta época em que ele fez um de seus trabalhos mais conhecidos, a arte para Altars Of Madness, do Morbid Angel, considerado um clássico do estilo. O disco foi um megasucesso comercial (em se tratando de metal extremo), vendendo consideravelmente bem até hoje. O trabalho de Seagrave ganhou o mundo, estampando material promocional, pôsteres e camisetas, virando uma verdadeira referência para outros artistas.

Morbid Angel - Altars Of Madness (Earache Records, 1989)

Foi um divisor de águas e a partir daí ele se tornou um dos profissionais mais requisitados da cena. No início dos anos 90, quem soube administrar o hype fez muita grana. Banda death metal que se prezasse tinha de se radicar em Tampa (Flórida), ter Scott Burns produzindo e mr. Seagrave ilustrando suas capas.

Felizmente, a demanda over não afetou a qualidade de sua produção, logo evoluindo para um outro nível, mais abrangente e complexo. Ele passou a criar pequenos universos em suas pinturas. Ambientes estranhos, com uma atmosfera ameaçadora, sem ser explícita, e trazendo uma simbologia bizarra, lovecraftiana. Para o consumidor era um incentivo visual e tanto, não raro superestimando o conteúdo musical de muitos daqueles discos. Aliás, aqueles eram mesmo tempos românticos, paradoxalmente até para o death metal.

Na época, artes de capa com lay digital não tinham a proporção que têm hoje. Em entrevista à Stylus Magazine, Seagrave conta que não aderiu ao formato, pois o resultado em média é bastante superficial e não prende a atenção, ao passo que a pintura tradicional (no seu caso, em guache e acrílico) inspira uma apreciação mais profunda. Disse também que a transição quadro-capa continua nos moldes antigos: tem de ser fotografado, escaneado e ajustado por computador - o que eleva muito os custos de mão-de-obra, fora seu honorário de US$ 1,000 por peça.

A seguir, um pequeno tributo ao 'Grave, em ordem mais ou menos cronológica. A evolução é nítida.

Nocturnus - The Key (Earache Records, 1990) Malevolent Creation - The Ten Commandments (Roadrunner Records, 1990)
Entombed - Left Hand Path (Earache Records, 1990) Entombed - Clandestine (Earache Records, 1991)
Gorguts - Considered Dead (Roadrunner Records, 1991) Suffocation - Effigy To The Forgotten (Roadrunner Records, 1991)
Masters Of Misery - Black Sabbath: An Earache Tribute (Earache Records, 1992) Hypocrisy - Penetralia (Nuclear Blast Records, 1992)
Vader - The Ultimate Incantation (Earache Records, 1992) Seance - Fornever Laid To Rest (Black Mark Productions, 1992)
Monstrosity - Imperial Doom (Nuclear Blast Records, 1992)
Resurrection - Embalmed Existence (Nuclear Blast Records, 1992) Benediction - Transcend The Rubicon (Nuclear Blast Records, 1993)
Edge Of Sanity - The Espectral Sorrows (Black Mark Productions, 1993) Suffocation - Breeding The Spawn (Roadrunner Records, 1993)
Malevolent Creation - Stillborn (Roadrunner Records, 1993) Morbid Angel - Gateways To Annihilation (Earache Records, 2000)
Decrepit Birth - ...And Time Begins (Unique Leader Records, 2003) Dismember - Where Iron Crosses Grow (Armageddon Media, 2003)
Suffocation - Souls To Deny (Relapse Records, 2004) Usipian - Dead Corner Of The Eye (Metal Fortress Records, 2005)
Becoming The Archetype - Terminate Damnation (Solid State Records, 2005) Conspiracy - Reincarnated (Pulverized Records, 2005)


Variantes
Demon Hunter - Triptych (Solid State Records, 2005)





Exclusivas

Thorium - Feral Creation (Mighty Music, 2008) Trivium (t-shirt black tee with graveyard and gargoyle design)
Capa do CD Feral Creation, do Thorium, previsto para janeiro; estampa de camisa do Trivium, foda aliás, já a venda


Pestilence

Pestilence - Testimony Of The Ancients (Roadrunner Records, 1991)


A capa de Testimony Of The Ancients, do Pestilence, é considerada por Seagrave como seu melhor trabalho neste filão. Segundo ele, pela composição geométrica bem distribuída e por conseguir reter o impacto visual tanto de longe quanto de perto (até concordo, mas a minha Top#1 é a do Transcend The Rubicon e ninguém tasca). O artista teve total liberdade criativa, sendo o criador do conceito em torno da esfera baseada num astrolábio.

O grupo gostou da idéia e quis reeditar o mesmo esquema para o álbum seguinte, Spheres. Seagrave propôs um tipo diferente de esfera, porém a banda queria exatamente a mesma e num contexto pré-definido por eles - o cenário de um sistema solar com um buraco negro tragando tudo à sua volta. Pra tanto, chegaram a enviar fotos para ele com a disposição que desejavam. O resultado final, com intervenção da banda, obviamente é considerado por Seagrave como um de seus trabalhos mais fracos.

Abaixo, a capa oficial e a mesma concepção, seguindo a idéia de renovação proposta pelo artista.

Pestilence - Spheres (Roadrunner Records, 1993) Pestilence - Spheres (original concept)


Para a coletânea Mind Reflections, de 1996, o Pestilence novamente convocou Seagrave, desta vez com relativa liberdade criativa, desde que a esfera fosse a mesma. Claro que, como tantas armações do Rock (muitas delas entoadas gregorianamente no sagaz Thrash Com H), veio um abençoado e aproveitou a rebarba.

Alguém (David Horn, da revista SOD) fez uma transparência da arte do álbum e vendeu para a Pulverised Records, sem a permissão de Seagrave. A ilustração acabou parando na capa do disco Kingdoms Of Greed (que ironia), do sueco Unmoored. Como o artista inglês mantém todas as pinturas originais guardadas num arquivo metálico, muitos acharam que ele reaproveitou a arte e a revendeu.

Pestilence - The Mind Reflections (The Best Of, Roadrunner Records, 1993)
Pestilence - The Mind Reflections (The Best Of, Roadrunner Records, 1993) Unmoored - Kingdoms Of Greed (Pulverised Records, 2000)
A capa de Mind Reflections, a arte original e a capa "cover". Sacou? Capa-cover... hein, hein?

Nem imagino como a treta se desenrolou no campo judicial, mas o álbum do Unmoored acabou sendo relançado, com outra capa.


A pior

Malevolent Creation - Retribution (Roadrunner Records, 1992)

Retribution
, do Malevolent Creation. Seagrave diz que só teve 5 dias de prazo e que não a fez na escala correta para encaixar os detalhes. Particularmente, não a acho ruim, apenas um pouco genérica, lembrando seus primeiros trabalhos.


Temple Series
(Arte pessoal)

Tracing The Disease (Private Commission 1993) Delusions Of Grandeur (1999) Bypass (2005)
City Roots (2002)

Dan Seagrave - site oficial
Shadowline - site oficial

Entrevistas:
Voices From The Dark Side
Stylus Magazine

Lista de capas (desatualizada, mas muito útil!)


Na trilha: Doomsday-X, o novo do velho Malevolent Creation, com capinha padronizada feita por computador.