quinta-feira, 26 de março de 2009

BLOOD SUGAR SEX MAGIK


Em 2008, os vampiros voltaram com tudo aos meios pop. É bem verdade que o filão dos sanguessugas esteve mais evidência devido ao hit Crepúsculo, mela-cueca teen com gosto de isopor e sem sangue nas veias, com o perdão do trocadilho. Mas quem soube procurar, viu que o fino mesmo foram o sueco Deixe Ela Entrar, um dos meus favoritos do ano passado, e a espirituosa série da HBO, True Blood.

True Blood é baseado na série de livros Sookie Stackhouse, que eu nunca li, e adaptado por Alan Ball, que eu já assisti. Ball é criador da fabulosa e "peculiar" série A Sete Palmos. Por essa prévia experiência, absolutamente anti-ortodoxa para os padrões televisivos, a proposta de uma série vampírica avançou imediatamente centenas de clics no terreno do insólito. Mas até o terceiro ou quarto episódio eu ignorava tudo isso e já tinha até esquecido a série na gaveta do Buffy & quetais. Erro fatal.

Quem me deu o chutão necessário foi o zombie renegado Fivo, que resumiu a premissa espetacularmente aos moldes botequísticos, como convém. Segue abaixo a pérola descritiva, com links que adicionei por pura diversão irracional.


"É uma cidadezinha do interior da Louisiana, com todo o sotaque carregado que vem junto. A Vampira (engraçado como o nome Rogue em português ficou Vampira e a atriz que fez a personagem foi cair logo num filme desses) é uma garota comum que tem o dom de ler mentes e é virgem, pois nunca conseguiu se relacionar com ninguém justamente pq lê suas mentes. Anos antes uma empresa japonesa desenvolveu um sangue sintético que substituiria o sangue humano, então os vampiros saíram do armário, deram as caras, tentam viver em harmonia com os humanos e criou-se um clima de X-Men quanto à intolerância, só que naquele microcosmo.

Bem... a menina trabalha num daqueles bares de estrada e tem que se esforçar para não ler as mentes alheias. Um dia um vampiro chega no bar e os dois passam a ter uma fúria foguenta mútua e enrustida sinistra. Em paralelo, uma mulher que costumava trepar com vampiros morre e o irmão da Vampira, vampirófobo, é suspeito. Depois uma filmagem local o inocenta, mas a outra mulézinha que ele pega tb é dada a trepar com vamps, pois dizem que eles têm uma libido absurda. Aliás, tem um mercado negro de sangue vampiro que faz a pessoa ficar com a mesma libido.

Alguns vampiros meio pervertidos se metem a fazer merda pela cidade.

Enfim... todas as regras de vampiros estão lá... estaca, sol, convidar para entrar, hipnose etc. Só não viram morcego. A Vampira está benzaça, com um ar inocente e ao mesmo tempo safada, como uma pinup mangá. O cara que faz um negão viado e a prima dele, que fala com o sotaque escroto, estão ótimos tb.(...)"



Isso aí.

Destacando sem patinar em spoilers: os cliffhangers são cruéis com o espectador e faziam a espera semanal se transformar em tortura chinesa; o clima de devassidão e putaria é constante, crescente e intumescido - a ex-Vampira Paquim, por exemplo, protagoniza uma cena de arrancar palmas conjuntas de Manara e Serpieri; a (r)evolução da personagem Tara, que passa de irritante à apaixonante, numa soberba perícia da atriz Rutina Wesley, fantástica; Lafayette (o negão viado), interpretado por Nelsan Ellis, um tremendo ladrão de cenas; tudo o que remete à segunda temporada é muito promissor, da misteriosa Maryann (Michelle Forbes) ao sugestivo culto do reverendo Steve Newlin (Michael McMillian); e por fim, a trilha.

A excelente abertura já mostra o alto nível da seleção com a sensacional "Bad Things", de Jace Everett. No decorrer da série, se ouve de AC/DC e Reverend Horton Heat até Wilco e Black Rebel Motorcycle Club. Cada episódio tem o nome de uma das canções de sua trilha e as faixas reservadas aos créditos finais são um show à parte, com temáticas relacionadas à cena derradeira. Nesse ponto, o "campeão das chamadas" é o personagem Sam, que motiva as trilhas de fechamento do quarto e nono episódios, com "That Smell", do Lynyrd Skynyrd, e "Walking the Dog", de Rufus Thomas, docemente sarcásticas nas respectivas situações.

Daí que fiz uma compilação das doze trilhas finais, com direito à capa surrupiada da (boa) hq. Muito country, southern, blues, bluegrass e rock'n'roll estradeiro pra ouvir matando uma garrafa de whisky. A única baixa é o melancólico instrumental do quinto episódio, de Nathan Barr (compositor oficial da série), que voou abaixo do radar do Google e foi prontamente substituído por outro som do mesmo capítulo.



Clicar = baixar




Anexo não tão off-topic

Capa do novo Heaven & Hell:


Algo entre Labirinto do Fauno e os primeiros discos do Dio. Tranquilamente uma das capas mais profanas, agressivas e instigantes em muito, muito tempo.

Achei do caralho! Os velhinhos se reinventaram, mais uma vez.

quarta-feira, 11 de março de 2009

DR. MANHATTAN

Ou como aprendi a parar de me preocupar e amar a adaptação


A abertura com o velho Zimmerman trilhando ao fundo já se promovia como a homenagem definitiva. Estava ali o coração de alguém que entendeu a obra e soube compilar cinematograficamente seu caótico cenário inicial. O resultado é tão bom que suplanta até sua pretensão. Uma introdução perfeita para a própria graphic novel, ideal para os sortudos de primeira viagem. E foi ali que a ficha caiu: simplesmente não dava para assimilar esse filme como outro qualquer. Essa possibilidade acabou desde que li a série pela primeira vez. O que se passava na telona era pura abstração, um exercício lúdico e tolo de (quase) meia-idade. Na sala, o clima era de culto secreto. Quem esteve lá na estréia - e não era incauto que saiu confuso e decepcionadíssimo após quinze minutos - queria mesmo era ver aquilo que Moore tanto demonizou nos últimos anos: os quadrinhos sendo transpostos ipsis literis para a tela de cinema, mesmo sem qualquer vocação para tal. O barbudo estava coberto de razão, mas a sua inquisição chegou na década errada. Fazer o quê.

Por ser uma experiência tão segmentada, a curtição-mor seria ir acompanhado por alguém que não leu a hq. Ou melhor ainda, de alguém que nem lê hqs. E que tenha, no mínimo, trinta anos - tenho a ligeira impressão de que a geração playstation acha que a Guerra Fria foi pouco mais que ficção-científica ruim dos anos cinquenta. Mas quem respirou aquela atmosfera, mesmo na periferia das superpotências, sabe bem o que era o Reagan aparecendo na televisão ao lado da Thatcher e os sempre ameaçadores desfiles militares na Praça Vermelha. Curiosamente, Moore resistiu firme ao conceito do cowboy-canastrão-na-sala-oval (diferente de Miller), preferindo prorrogar a administração Nixon.

Esse contexto sócio-político complexo representa o maior entrave na adaptação. Traçada sob várias camadas narrativas, a obra original registrou a ansiedade do cidadão comum até as autoridades do alto escalão mediante uma situação duplamente extraordinária (viver num país de vigilantes, a cinco minutos do juízo final). Nada menos que uma minissérie padrão HBO ou alguma genialidade do porte de Decálogo, do Kieslowski, reeditaria isso com um mínimo de justiça. Mas tal limitação não é demérito exclusivo de Snyder. Isso é regra, em se tratando de Moore - V de Vingança foi um exemplo.

Condensar drasticamente um pano de fundo que coloca a trama central em segundo plano é o preço mais alto que o cineasta pagou para realizar seu sonho de celulóide. E nem as cenas extras do DVD irão resgatar isso dignamente.


Rorschach, por Jackie Earle Haley. Esse é pra guardar num cantinho escuro da alma. Indefectível. É o próprio saltando dos quadrinhos, numa caracterização tão perfeita quanto poderia. A clássica cena que conclui a sua saga particular finalmente ganhou a vida que povoava os meus sonhos de olhos abertos ("manda ver!"). Só uma ressalva para o roteiro que o tratou tão bem: na cena em que Rorschach surpreende o assassino da garotinha, a abordagem pra lá de gráfica espirra gratuidade onde o original foi apenas sugestivo e, por isso mesmo, muito mais selvagem. Fora que compunha toda a metodologia que o personagem adotaria dali pra frente. Não entendi o motivo da alteração, além da intenção óbvia de atirar alguns ossos aos fanboys. No mais, uma performance impecável numa adaptação que traduziu ao pé do quadrinho o único personagem que tentou entender a piada do Comediante.

Já conhecia o Jeffrey Dean Morgan através das séries Sobrenatural e Grey's Anatomy. Sinceramente, não teria reconhecido o link ator-personagem nem que me jogassem na cara. Foi outra escolha certeira e, pelo menos pra mim, uma grata surpresa. Morgan emula com maestria toda a dualidade anárquica do personagem em relativo pouco tempo de tela. Até aqui o Comediante continua um canalha difícil de odiar, mesmo em plena era da correção política.

E como eu já previa, tendo em vista o quão impactante era o original, a cena dele com Sally Jupiter (uma Carla Gugino elegantemente vulgar, inspirada em Betty Page) ganhou contornos ainda mais brutais. O fato do Justiceiro Encapuzado não ser mais tão rude com Sally (nada de "levanta... e pelo amor de Deus, cubra-se") foi uma liberdade que até caiu bem.

Não há muito o que comentar sobre a sexy Malin Åkerman envergando o uniforme da Espectral (smokin' hot!). Seguiu um script modesto quase sem comprometer e ainda rendeu o melhor cosplay de todos os tempos. O mesmo não posso dizer de seu parceiro em cena, Patrick Wilson, que construiu um Dan Dreiberg com humanidade e uma paixão que comoveria até um certo bruxo inglês adorador de serpentes. Pena que sua história com o primeiro Coruja não foi devidamente concluída, mas nesse ponto, o filme já começava a irritar pelos cortes inevitáveis (e mais frequentes a cada minuto).


Billy Crudup, mesmo debaixo das gambiarras de captura e embolorado de CG, fez um ótimo Doutor Manhattan. Não foi bem como eu imaginava (especialmente a voz), mas estava claramente imerso. Encarando o mundo como se observasse bactérias (ou "cupins"), ele manteve as reações dispersas e nada emotivas (excetuando na cena com o Comediante num bar vietnamita e durante sua desmoralização em rede nacional). Seu ar de distanciamento é profundo, lembrando o excelente Surfista Prateado de Doug Jones, e reforça a ideia de elevação existencial.

Novamente os cortes sabotaram o que perigava ser a sequência mais grandiosa do filme - e talvez a mais épica desse finalzinho de década. O diálogo de Manhattan com Espectral em Marte era o primeiro clímax da saga. Laurie tentando convencer o ex-Osterman com valores já superados por ele e recebendo de volta retóricas precognizando o imponderável, era um material extremamente promissor. Faria da conversa entre o Arquiteto e Neo menos que uma discussão de bêbados. Tudo isso percorrendo uma paisagem alienígena vasta, desolada e de tirar o fôlego. Mais genial ainda era a maneira como terminava, amarrando com inesperada simplicidade uma situação que parecia sem volta - com direito a um desenlace familiar por parte de Laurie (cena que aqui perde toda a sutileza da hq). Atualmente meu momento favorito da graphic, eu enxergava aí um raro potencial kubrickiano a se cumprir, sem exageros. Mas pelo pouco que chegou à telona, não vingou.

Já o Ozymandias de Matthew Goode foi prejudicado por uma série de fatores. Apesar da competente performance, o ator não tem porte físico para convencer em mais uma armadura dark (equivocada, no caso), sem falar no cabelinho yuppie. E a decisão de entregar de cara o grande titereiro da história, além de limitante para o ator, foi sintomática - fica evidente que o filme mira só nos fãs mesmo. Nem se compara à ambiguidade do personagem no original.


Quisera eu ter pesadelos como os de Dan. Plasticamente, a cena referida é maravilhosa, trazendo uma concisa metáfora sobre a condição humana, mas acima de tudo... tem a Espectral nua. Foi animador ver que a censura alta não se justificou apenas pelo despojadão Dr. Manhattan, mas também pelas tórridas cenas entre Dan e Laurie. Felizmente, Snyder não regulou no sexo, assim como não regulou no sangue - na maior parte do tempo, as lutas foram espetaculares. Comediante x Ozy foi de tremer o chão e Coruja & Espectral no beco foi puro filme B de artes marciais, com todas as lacerações e fraturas expostas inclusas no pacote. Em contrapartida, a sequência do resgate na penitenciária foi incrivelmente burocrática, agravada pelo pior resultado que uma câmera lenta pode produzir. E o embate final contra Veidt, apesar de mais incisivo que na hq, pecou pelos excessos.

A única grande alteração não é perfeita, mas funciona muito bem na tela. O maior mérito das Bombas-Manhattan foi providenciar um inimigo mundial mais crível e imediato do que uma suposta invasão de alienígenas. Afinal, era notória a extensão dos poderes do Doutor, assim como sua indiferença (desprezo?) pela humanidade - alvo fácil para uma armação. Apenas senti falta dos "cadáveres nas ruas", ao meu ver, essenciais para mensurar o holocausto empreendido por Veidt (além de tornar muito mais difícil para os heróis a aceitação daquela lógica). E a mudança na reação de Dan soou desnecessariamente histriônica. Foi o oposto da fuga que ele e Laurie se dão no final original, sob as bençãos do novo deus atômico.

Chega ao fim e bate a sensação de que um longo ciclo se fecha, não apenas do filme na telona ou dos anos de sua conturbada pré-produção. De natureza extremamente pessoal, a adaptação se revelou muito mais quadrinhos que cinema, mas obteve sucesso naquilo que realmente interessa: revigorou o clássico e a percepção do leitor em relação a ele. Ao menos o suficiente para instigar boas releituras num futuro próximo, com novíssimos pontos de vista a serem explorados.

Em Watchmen (EUA, 2009), a obra reafirma a sua independência. Quer Moore queira ou não.



A antológica sequência inicial, com pontas de Kennedy, Jagger, Bowie, Warhol, Castro... e até de Thomas e Martha Wayne.
(Grazie al uploader!)



Links de táquions:
Manifesto Snyder, por Luwig
O que faz de Watchmen um clássico das hqs? (valeu, Sandro)
Análise do caso Watchmen
(valeu, Guimba)
Desciclopédia de Watchmen!

quinta-feira, 5 de março de 2009

...E JUSTICEIRO PARA TODOS


Há alguns quadrinhos atrás, o Justiceiro mantinha um diário/obituário de guerra onde registrava todas as suas "aventuras". Se o que acontece no filme Justiceiro: Zona de Guerra (Punisher: War Zone, EUA, 2008) estivesse descrito ali, seria quase um novo volume do Necronomicon. Mas que fique claro: o pacote é B. A produção é irregular e o roteiro tem mais buracos que uma rodovia federal brasileira, mas simplesmente não dá pra encanar com isso. Não enquanto somos subornados com galões de diversão cruel e doentia - experiência maximizada por uma trilha de rock absurdamente pesado e umas cervas acondicionadas ao alcance das garras. O nome do quadro é: "o que seria da vida se não fossem os guilty pleasures".

Mas confirmando minha pelegada punidora, a cineasta Lexi Alexander cometeu o melhor e mais fudêncio filme do Frank Castiglione. Matou a pau, a garota.

O resultado final é ainda mais notável quando lembramos da "zona de guerra" que rolou nos bastidores. Após sucessivos adiamentos, pressão da Lions Gate para diminuir a censura via sala de edição e até rumores sobre a demissão da diretora, pode se dizer que Lexi Alexander encarnou o próprio Frank Castle em defesa de seu filme. Paixão rara de se ver no esquemático cinemão americano. Porém, Justiceiro: Zona de Guerra parece estar pagando o preço da ousadia, com um circuito de exibições ultra-restrito e o sempre desmerecedor direct-to-DVD em alguns países - incluindo essezão aqui.

No frigir do Watchmovie, isso mata uma velha questão que assombra adaptações cinematográficas de personagens outsiders/anti-heróicos. Eles são mesmo comercialmente inviáveis. Exceções aos casos envolvendo marketagem massiva ou algum grande chamariz hollywoodiano, como foi o primeiro Blade com Wesley Snipes e Constantine com Keanu & cia.


O Justiceiro 2008 é o exemplo máximo dessa linha de raciocínio. É fiel aos quadrinhos até a medula oblonga, motivo de rusgas sem fim entre Alexander e o estúdio. E se na linha normal, o material que compõe o personagem já não ajuda muito no quesito PG-13, tenha em mente que a diretora adotou a versão MAX do personagem - muito mais extremista, séria e anti-comercial. Concebida pelo genial Garth Ennis, o Castle-MAX lida menos com vilões estilizados e mais com temas densos como tráfico de mulheres, conflitos regionais e abuso de menores. De fato, a diretora havia desistido do filme num primeiro contato, ainda com o script antigo, mas mudou de idéia após ler a versão MAX e ter a garantia de que poderia recomeçar tudo do zero.

O roteiro escrito por ela, Art Marcum, Matt Holloway e Nick Santora (do ótimo Prison Break), costura muito bem a atmosfera MAX com as bases da cronologia normal. A maior novidade foi a participação ativa da polícia na história, incluindo até uma subtrama paralela ao Justiceiro - o que é o oposto imediato (e a maior falha) do filme de 2004. Neste ponto, é de emocionar os fãs do caveirão.

Finalmente a origem do Justiceiro bate com as hqs - mesmo que em turvos flashbacks - e não há qualquer viés humanizador que facilite um personagem com mais de 150 homicídios (e contando) nas costas. Quer dizer, o único momento do filme em que isto acontece, muito en passant, está ligado diretamente ao trauma que o move. Então o efeito é o mesmo de um combustível reabastecendo uma máquina assassina. Numa caracterização consciente, o Frank Castle de Ray Stevenson (o Pullo, de Roma) é o Justiceiro MAX esculpido em C-4: inexorável, lacônico e objetivista. Não há volta, meio-termo ou tons de cinza. E não pára nem pelo inferno.

É o "bem" ultra-direitista diametralmente proporcional ao "mal" anarquista que enfrenta - vilões que são rated R da cara às atitudes.


Já li por aí (no caso, em detrimento ao Heath Ledger), que o Coringa é muito mais um presente do que um papel. É verdade. Com ele, o ator entra "armado" em cena. É um personagem biônico, cuja expressividade é potencializada por uma máscara parcial e com liberdade e devaneios que só a loucura proporciona. O Retalho é um filhote direto disso aí. Só que o ator Dominic West entra de sola e chega a arranhar o camp (versão gore, mas ainda camp). Especialmente após a transição Billy "The Beaut" Russoti-Retalho. Resta então ao ator Doug Hutchison, o eterno Eugene Tooms, a missão de personificar um antagonista equiparável ao Justiceiro. Loony Bin Jim, irmão doidão do Retalho, tem seus atributos (é canibal, briga bem e não está nem aí para auto-preservação), mas ainda falta muito pra representar uma real ameaça para a figura intimidante de Ray Stevenson - sensação que fica ainda mais acentuada com os dois capangas de terceira que os acompanham.

Se os vilões dão algum trabalho é só porque envolvem inocentes, como a personagem de Julie Benz (de Dexter) e sua filhinha. O cenário seria outro se a inspiração MAX fosse mais fundo e arregimentasse um inimigo do calibre do Barracuda, bandidão casca-grossa que eclipsa o próprio Justiceiro. Mas do jeito que está, a tradição dos filmes do personagem permanece: faltou vilão à altura pro velho Frank.

O que não quer dizer que a violência seja arrefecida. Não mesmo. Rapaz, o negócio aqui é punk.





A técnica do sangue digital, bastante aprimorada desde Zatoichi, confere uma estética bem quadrinhos à plástica das cenas. Aqui, um simples tiro na cabeça vira uma explosão coagulante, incrementa cenas antológicas como a da cadeira e efetiva o senso de justiça implacável do protagonista. Bons detaques também para os enquadramentos inspirados na arte sequencial, com ótimos resultados. A fotografia é bem menos sombria do que se espera de um projeto desse e se mostra bem versátil, em especial nos tons saturados da cidade à noite.

Contudo, o filme deixa claro até onde o orçamento vai - o que é um contrasenso, já que custou 22 milhões, o mais caro dos Punisher-movies -, gerando momentos meio esquisitos como os do Justiceiro cruzando New York a pé, entre uma justiçada e outra. Igualmente decepcionante é ver o Microchip, tão bem defendido pelo gorducho Wayne Knight, sem fazer jus ao codinome em nenhum momento.

Por fim, falta a Justiceiro: Zona de Guerra um aspecto que não faltou em nenhum dos dois anteriores (nem naquele com o Ivan Drago): peso cinematográfico. Tenha em mente Michael Mann. Um pouco mais de dimensão e grandiosidade até que não faria mal.


Mas essas bobagens são só pra acalmar o detrator casual. O filme relembra pontualmente o que ele se propõe a fazer de melhor. Cenas de um meliante explodindo no ar no meio de um exercício de parkour, um punho varando a fuça de um bandido e atrocidades quetais ao som de Slayer e Rob Zombie não deixam dúvidas. É o filme badass que o Justiceiro merecia desde a primeira vez.

Agora é torcer. Que venham os Escravistas, o Barracuda, o "Homem de Pedra" Alexandrovich Zakharov.

E, claro, Ray Stevenson e Lexi Alexander.