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Capitão América. Esse é o cara. Talvez seja o primeiro herói dos quadrinhos criado como parte de uma jogada de marketing político, mas que no frigir das boas intenções, era sim a representação de um conceito humanitário e maior. Hoje, claro, toda essa comoção we-are-the-world está em frangalhos e seriamente desgastada. Mesmo em território estadunidense, o personagem penou uma enorme queda de popularidade. Valores como o bem-comum, moral, honra e retidão de caráter, andaram muito mal representados nos meios pop contemporâneos. Nas HQs então, tudo isso passou para um longínquo segundo plano, com o estouro de heróis cada vez menos heróicos. Era um claro sinal dos tempos e por isso mesmo teve um efeito destruidor na trajetória do Paladino da Liberdade (mas chega desse papo que você já sabe... essa excelente matéria destrincha toda a macarronada heróico-sócio-geopolítica envolvida com eficiência ímpar... meio velha, mas pra mim, uma referência até hoje).
O problema básico e imediato era exatamente a natureza simbólica desse herói que tem uma bandeira por uniforme. Hitler morreu faz tempo e as guerras de hoje andam cada vez menos justas e maniqueístas. Sua pátria-mãe, principalmente, há muito deixou de ser aquela inspiração de liberdade, igualdade e solidariedade entre os povos do mundo – o que era exatamente a força-motriz que o impulsionou desde seu primeiro momento. Mark Millar (já posso chamá-lo de 'mestre'?) acabou atualizando o personagem com um recurso que, embora arriscado, era tão efetivo quanto inevitável... deixou o Capitão ser a América. Mas a América caótica dos dias de hoje: selvagem, individualista, intolerante e protecionista. Tanto para o personagem quanto para o seu país, nada foi mais natural. Depois de escrever sua História com muito sangue, violência e política do medo ao longo dos séculos, algum dia aquele caldo de boas e idílicas intenções iria entornar. E isso é mais do que evidente nas atitudes totalmente reacionárias do novo Capitão. Ele é a personificação quase perfeita daquela parte dos EUA que tem sotaque texano carregado, que exibe orgulhosamente seus filhos pequenos empunhando um berro, que tem um quase patológico complexo de superioridade, e que, se pudesse, chamaria até Deus de "filho".
Explicando melhor, a minha admiração pelo personagem é muito mais pela analogia à política estadunidense atual, brilhantemente construída por Millar. O Capitão não virou uma versão super do W. Bush (que é um babaca sem culhões), mas ao menos um super-general Norman Schwarzkopf (da Operação Tempestade no Deserto e, esse sim, um babaca com culhões), que cabe aí até com uma certa folga. Além de tudo, isso acabou soando pra mim como uma crítica das mais inteligentes, daquelas que não sofrem com a censura, pois mantêm perfeitamente a roupagem aparentemente banal do entretenimento mainstream.
E cá estamos nós de volta ao universo ultimate dos Vingadores, ao universo dos Supremos. Depois daquela épica guerra dos mundos do final do volume um, a vida continuou e as prioridades da equipe foram se adequando conforme a situação. Naturalmente o grupo acaba se tornando o hit number one nos Estados Unidos, sob os olhares temerosos do "resto" do planeta. Respostas aos Supremos aparecem em várias partes do mundo, principalmente na União Européia (Millar é foda...), dando início a uma insólita corrida super-heroística entre as nações do 1º escalão. Por enquanto, tudo em ritmo de cooperação mútua e na mais amigável reciprocidade.
O dr. Banner/Hulk – devidamente monitorado e acobertado pela SHIELD - continua sob detenção especial, devido à bagunça que aprontou em Manhattan. Janet Pym, a Vespa, ficou mesmo com o milico Steve Rogers, que virou uma espécie de superstar do governo americano. Hank Pym, o Gigante, continua rondando pelos corredores do Triskelion, mas extremamente desacreditado. Pietro, o Mercúrio, e sua irmã Wanda, a Feiticeira Escarlate, comparecem na equipe mais como convidados. Aliás... a relação caliente dos dois é pra lá de suspeita (Millar é foda²). E Tony Stark... está in love. Contratou três milhões de pessoas só pra formar um coraçãozinho e a frase "will you married me?"... O amor é lindo, mas o amor super-heroístico-bilionário é mais lindo ainda.
E volta também o personagem que está para os Supremos como o Imperador está para Star Wars. Nick Fury L. Jackson continua mexendo seus pauzinhos político-administrativos e ainda mantém aquela cara de quem está escondendo o jogo e tem muitas outras intenções obscuras... caralho, é foda dizer isso, pois é só a porra de um desenho... como é que eu vou saber se o cara está pensando coisas obscuras?! Parece coisa de maluco, mas pode acreditar... a arte embasbacante de Bryan Hitch às vezes chega a arrepiar de tantas nuances emocionais. Ainda mais no caso desse personagem, que tem seus fortes traços faciais inspirados no negão mais foda de L.A. E por falar nisso, o Professor Xavier/Patrick Stewart ficou nada menos que perfeito.
Para enfeitar a coisa toda com uma embalagem mais in, The Ultimates v2 não poupa esforços. "Estão lá" o Jay Leno, o Larry King, o David Letterman e até a Oprah. O Capitão desce pela Times Square abaixo, cercado pelos spots gigantescos da Coca-Cola e da Sony. Isso sem esquecer a exploração intensa da mídia no "caso Bruce Banner" (na história Trial Of The Incredible Hulk – uma belíssima homenagem ao seriado dos anos 70... só faltou aquele pianinho triste no final).
The Ultimates v2 é pop!
Mas The Ultimates v2 é incógnita também!
O mistério envolvendo o passado escabroso de Thor é aparentemente desvendado, e em uma dose nada homeopática. Ao mesmo tempo, o Deus do Trovão se envolve ainda mais com grupos ativistas anti-globalização, anti-invasão ao Iraque, pró meio-ambiente, etc, inclusive interferindo em conflitos de rua mundo afora. Como se não bastasse, ele ainda se vê em uma bizarra teia de conspirações, que pode ou não envolver seu meio-irmão Loki. E pra finalizar, ele virou um alvo primário dos Supremos! Apesar de tudo parecer uma via de mão única, ainda acho que pode haver uma reviravolta braba aí. Estou achando isso muito tendencioso... Millar não ia deixar tão entregue assim. Ou será que ia? Em todo caso, segue uma pista que destoa de tudo o que foi comentado sobre a "origem secreta" do soberano de Asgard: essa característica (calma, não é spoiler... já foi publicado no Brasil).
Ultimates v2 ainda não trouxe grandes seqüências de ação, mas o fino sempre esteve nos diálogos, nos climas amargamente tensos e no desenvolvimento quase novelesco das situações. É, "novelesco", mas no bom sentido... Às vezes lembra até as reviravoltas improváveis do antigo novelão Dallas (imemorável se você tem menos de 25), cheio de performances em tribunais, maquinações políticas sórdidas e segredos familiares vindo à tona com o ventilador ligado na potência máxima. Hmmm... "Dallas"... Texas... caipiras no poder... Mark Millar é foda³.
E a frase do ano até agora é de ninguém menos que o Rogers ultimate, claaaaro...
#1
Se você pensou em Superman - Red Son, quase acertou. A diferença é que se trata de outra realidade... ou, no melhor jargão decenauta, outro elseworld. Mas logicamente, a referência é imediata: um super-homem idealizado pula de uma utopia mezzo nietzschiana pra assumir a sua posição incontestável de líder da Humanidade. Ele não veio de outro planeta ou dimensão espaço-temporal só para favorecer um bloco político em particular. Não há nada de "exterior" aqui, muito pelo contrário. Atomika, o tal super-homem, foi criado no coração do Estado Socialista, num meio-termo entre misticismo, unificação espiritual, forças elementais ativas e engenharia genética de ponta. E tudo isso em 1934. Esquisito, mas suficiente para mudar o destino do planeta. A União Soviética não entrou em colapso, baniu todo e qualquer tipo de religião, se transformou em um complexo industrial global, e fez a América e o mundo marchar sob a bandeira vermelha do martelo e da foice.
Diferente do visto em Superman - Red Son, a abordagem em relação à atmosfera comunista é melhor direcionada, apesar de estranhamente estereotipada. Lembra da visão do comunismo vendida para o Ocidente durante os anos de Guerra Fria? Os soviéticos pareciam andróides sem alma, assépticos, frios e mecanicamente produtivos. Claro que hoje é um absurdo, mas a verdade é que na época "ninguém" sabia o que se passava por trás daqueles muros. Era preferível ser chamado de satanista do que comunista. Havia uma contra-propaganda agressiva que nunca fez sentido real pra mim. O universo criado por Sal Abbinanti e o roteiro de Andrew Dabb acerta em cheio quando aponta que a verdadeira Revolução está em cada um de nós e que vai se tornando mais forte conforme a massificação dos mesmos anseios. O resultado desse milk-shake marxista (ô contradição) é justamente a "entidade" Atomika, que recebeu a ajudinha da tecnologia e de antigas divindades pagãs da Rússia czarista.
Essa primeira edição tenta canalizar todo esse fuzuê conceitual para a linguagem dos quadrinhos, mas sem suavizar a experiência para um paladar mais pop. É isso aí... Atomika - God Is Red é uma bad trip pesadona e claustrofóbica. Exemplos... não existem balões, apenas recordatórios acompanhando as impressões do personagem. O enquadramento não segue nenhum padrão convencional e é cheio de páginas duplas entrecortadas por quadros menores. Apesar de se dedicar a contar a sua origem, ela jamais é mostrada de forma literal, apenas através de paradoxos, simbolismos e muita sugestão (a América, p.ex., só é chamada de "Liberdade"). O próprio release divulgado já dá uma boa amostra do que esperar: "Atomika é filho da Mãe Rússia. Seu pai é o aço existente na Terra. O mesmo aço que o Homem usou para forjar sua tecnologia". E isso é mostrado exatamente dessa forma na HQ, literalmente. O clima é tão denso e repleto de grandiloqüência wagneriana que chega a dar medo. O texto parece excertado de algum diário do Solzhenitsyn num dia particularmente deprê em sua cela. Assustador. Eu não leio essa HQ à noite nem a pau.
A arte, do próprio Abbinanti, segue à risca o conceito barroco e impressionista do roteiro. Aliás, impressionista nem tanto, mas surrealista sim... ao extremo (ex.1, ex.2, ex.3, ex.4). Totalmente perceptivo ao texto, ele usa e abusa do sombreamento e carrega na sujeira lisérgica e desconexa. Parece uma cruza de Edvard Munch com Millôr Fernandes em pleno Dia do Folclore. Imagina isso com aquelas pichações que se vê em qualquer terminal de ônibus ou metrô... surreal.
Não deixa de ser louvável o fato da Mercury Comics investir em um projeto tão anti-comercial. Isso prova que ainda existe vida no ramo dos quadrinhos de arte. E ao que parece, a coisa está sendo levada em grande estilo mesmo. As capas das 6 primeiras edições foram feitas só por gente badalada: Alex Ross, Glenn Fabry, Michael Turner, David Mack e Tim Bradstreet.
Clique nas capas para ampliar.
No final das contas - e de apenas uma edição (!!) - fiquei transtornado o bastante para me interessar pelo próximo capítulo. É uma viagem insana, estranha e para poucos. Portanto, eu não recomendo essa HQ a ninguém - a não ser para mim mesmo. Embarque por conta e risco.
A propósito, finalmente descobri o que significa a abreviatura de KGB... é Komitet Gosudarstvennoy Bezopasnosti. Tem alguma boa alma siberiana aí pra traduzir isso pra mim?
Na trilha: Utopian Blaster, porradaria doom do Tony Iommi com o Cathedral (não a banda gospel!)...
2 comentários:
OLá, por algum acaso sabe onde encontro o Atomika para venda?
Oi, Diogo! Infelizmente, Atomika (não confundir com Atômica: A Cidade Mais Fria) ainda é inédita no Brasil. E pelo que vi na Amazon, a edição importada está fora de catálogo...
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