Spoilers...? Que spoilers?
Até pouco tempo atrás, quando algum personagem de HQ sofria algum processo de atualização, tudo era resumido à fórmula "mais músculos, mais insinuações eróticas, mais explosões". Com o sucesso das linhas Ultimate e MAX, essa gag dos quadrinhos acabou sendo beneficiada. Muito do que se faz hoje nestes termos é baseado em fórmulas vencedoras daquele universo - em maior grau, na partida emocionante de WAR proposta pelas histórias dos Supremos. E é quase inevitável imaginar a nova concepção do Pantera Negra figurando nessa versão Jackass dos Vingadores. O Pantera é o extremo de toda aquela tralha acumulativa típica da Marvel. Nascido em 1966 na crista do blaxploitation, ele (e Luke Cage, Falcão, Manto, Misty Knight) era mais um personagem com vida curta na cronologia da Casa das Idéias. A situação dele era piorada por um mapa geopolítico complexo, que incluía o auge do apartheid na África e uma Guerra Fria mal-explicada. T'Challa, herói e líder de Wakanda, uma nação africana ultra-avançada? Não podia ter vindo em uma hora menos propícia e ele penou os próximos 30 anos na geladeira da mansão dos Vingadores.
Pois bem, o mundo dá voltas e a rotação do Pantera chegou novamente ao ponto zero. Com a compra dos direitos de filmagem do herói pela Artisan e o interesse de Wesley Snipes em encarnar o personagem, nada melhor do que uma recauchutada básica no Pantera, com direito à Wakanda's Kingdom Overpowered, veios do raríssimo vibranium e tratamento de assuntos espinhudos - como intervencionismo e globalização. Tudo isso e uma aventura a se desenrolar e um antagonista que é literalmente um símbolo deste (re)começo do Pantera: Ulysses Klaw, o assassino profissional belga mais conhecido como Garra Sônica.
Calma, calma... pra você, que lembrou dele sendo fatiado em Guerras Secretas e que recebeu em sua mente um déja-vu de tosqueira quadrinhística, muita calma nessa hora. O vilão, outrora um brutamontes quase irracional, ganhou um upgrade generoso, tanto em atitude e motivações, quanto no visual (ele era assim e ficou assim), chegando mesmo a lembrar os inimigos mais bacanas do 007. Junto com ele na "Legião B do Mal", outros sidekicks igualmente lambões ganharam providenciais roupagens up-to-date: Batroc (era assim, ficou assim), Homem-Radioativo (era assim, ficou assim), Rino (que era assim e continuou desse jeitinho mesmo) e um personagem chamado Cannibal, um "saltador de corpos" à Proteus (antigo inimigo dos X-Men).
Who Is the Black Panther? é sintomático até no nome. Com desenhos do hour-concours John Romita Jr. e roteiro de Reginald Hudlin (diretor do filme À Serviço de Sarah, de olho da adaptação do Pantera para o cinema), o arco de seis partes é quase uma reedição da origem do herói, dando ênfase à soberania tecnológica e cultural de Wakanda. O perfil do Pantera também é traçado de forma incisiva - caráter forte, austero, disposto a fazer grandes sacrifícios, arrogante, sedutor e algo cruel. O interessante é que Hudlin lembrou que o Garra Sônica também era originalmente um inimigo do Pantera - nada menos que o assassino de seu pai, o rei T'Chaka - e inseriu um flashback de tirar o fôlego na edição #3.
Talvez pela visibilidade mediana do título, Hudlin se deu ao luxo de meter a agulhada com força no cenário político internacional. Nunca Wakanda foi abordada desta forma. Ao demonstrar o impacto que o país imaginário teria no mundo real, com sua tecnologia de cem anos à frente e dona da maior reserva terrestre de vibranium (um tipo de metal raríssimo que absorve ondas sonoras), Hudlin cria um paralelo imediato com a delicada situação do Oriente Médio. E, sem o menor tato ou cerimônia,encarna um Mark Millar particularmente debochado e cria diálogos canalhas e inspiradíssimos, principalmente dentro da Casa Branca ("os wakandianos têm um espírito guerreiro que faz os vietnamitas parecerem, bem, os franceses"). Não satisfeito, ele ainda faz o que muitos ainda acham difícil de engolir, mas que pra mim soou absolutamente natural.
Fora isso tem muito mais: críticas pesadas à Igreja Católica (logo o Rino dizendo "às vezes temos de chutar alguns traseiros em nome de Jesus" é de uma ironia sem tamanho), o exército de 'Deathloks' que os EUA enviam para invad... digo, ajudar Wakanda, a relação tensa com países vizinhos e inimigos, e uma senhora ponta solta que ele deixa balançando pouco antes do final.
Na edição seguinte, a #7, o Pantera submerge na bad trip da Feiticeira Escarlate e tem a sua versão do universo House of M - no qual a Nova Ordem Mundial é revertida para um mundo de supremacia mutante - mas o herói mesmo não mudou nada de seu perfil. Excelente edição (também escrita por Hudlin) que acaba rápido demais. E o Raio Negro... putz, imagina se ele desse um arroto. Já a edição #8 (com mais uma beeela capa de Frank Cho), tudo volta ao normal, mas o Pantera é apenas o coadjuvante de uma aventura dos X-Men contra um geneticista louco de Genosha, a ex-ilha mutante do Magneto.
No final das contas, o Pantera Negra em carreira solo acaba por se mostrar uma gratíssima surpresa, suplantando até mesmo alguns bastiões sagrados da Casa das Idéias. É o tipo de revista que você devora até os créditos finais e ainda fica um bom tempo matutando a história na cabeça. Mal posso esperar pela próxima edição. E que venha o filme!
Na trilha: o excepcional Schizo Deluxe, o novo do Annihilator. Pra ouvir no volume 11. Vixe!
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