Sinal dos tempos: antigamente, produções B estreavam nos cinemas mais capengas da cidade. Mas estreavam no cinema. Hoje em dia elas vão direto pra locadora. Até a "arte" de produzir filmes com baixo orçamento teve de se adequar aos novos tempos, acordar de sua inocência artística, abrir mão de certas liberdades, pagar as contas em dia. Tudo em nome do box-office. Vê se Lucio Fulci, Mario Bava e Roger Corman se preocupavam com isso (Ed Wood então). Naquela época, havia um certo glamour maldito em ser trash casual. Hoje, um filme B já nasce sabendo que é B. E o pai, todo orgulhoso, ainda espalha aos quatro ventos a Bzice do filho, sem maiores constrangimentos. Sou B sim, e daí? Este é o clima. Taí o Uwe Boll, todo pimpão, que não me deixa mentir. Existe até uma linha de falsos B, cujo maior representante é Malditas Aranhas!, produzido pela dupla Devlin/Emmerich, de ID-$, digo, ID-4. Mas existem também os B que, no início, não se assumem, e que vão relaxando aos pouquinhos até saírem de vez do armário (falar nisso, que tirinha aquela do Laerte, hein. Já é clássica).
Esse é o caso de Homem-Coisa - A Natureza do Medo (Man-Thing, 2005), alardeado como a primeira incursão da Marvel Comics no gênero terror. Primeiro, seria mais um direct-to-video típico, mas a coisa (sem trocadilhos) foi mais além e o filme estreou mesmo no Sci-Fi Channel. O que acaba sendo a união atualizada de dois paralelos B: filmes de monstro daquela safra antiga da Hammer Films e da Universal (mais precisamente, variações em cima de A Criatura da Lagoa Negra) e a tosqueira proeminente da Marvel. Tenho de admitir, mesmo sendo marvete: a Casa das Idéias é trash com força, principalmente em comparação com a DC. Mas é aí que está a graça deste universo. Algumas sacadas são tão nonsense ou inverossímeis que acabam rendendo conceitos interessantes. Nos quadrinhos, o Homem-Coisa é uma criatura mucosa, musgosa e lodosa com imensos olhos vermelhos que, com apenas um toque, incendeia todos aqueles que o temem. Lindo, não? Chega a ser poético.
Na verdade, o monstro era um cientista chamado Ted Sallis que, recrutado pela SHIELD (Superintendência Humana não-sei-o-quê Espionagem, Logística e-alguma-coisa), estava trabalhando na recuperação do soro do super-soldado (aquele do Capitão América). Durante um ataque da IMA (essa eu lembro: Idéias Mecânicas Avançadas), o bom doutor destruiu suas anotações e aplicou o soro na própria veia, com o intuito de malocar a fórmula. Acuado e ferido, ele acabou afundando em um pântano próximo do laboratório e deveria ter ido pro saco, mas o soro começou a agir juntamente com as forças místicas do lugar (sim, haviam forças místicas lá!) e ele se transformou no Homem-Coisa, um ser irracional e instintivo. Não seria nada demais se a adaptação não fosse 100% fiel à fonte, afinal, o Monstro do Pântano, a contraparte leguminosa da DC, teve dois filmes fidelíssimos (o primeiro deles dirigido pelo Wes Craven) e igualmente xexelentos. Mas em Homem-Coisa, o roteiro está pouco se lixando para o background fornecido pelos quadrinhos. Com sorte, esbarramos no nome "Ted Sallis", meio que largado sem muita importância lá no meio.
Então qual é a história do filme? Perguntando assim, fica até difícil. A ferpa de roteiro se resume à uma série de violentos assassinatos ocorridos nas imediações de um pântano. Com o sumiço do delegado da região, a batata-quente fica com seu substituto, Kyle Williams (Matthew Le Nevez). À princípio, tudo indica que os crimes estão relacionados à ação de ativistas ambientais contra a exploração inconseqüente do pântano por uma mineradora inescrupulosa. Mas Kyle, assessorado pela deliciosa professorinha Teri Richards (Rachel Taylor... biita!), se depara com estranhos eventos e uma seita indígena mal explicada pra cacete.
Na seqüência inicial, Homem-Coisa parece filme de caipira psicopata imortal (incluindo o tradicional fúqui-fúqui de abertura que, ao invés de um orgasmo, culmina em um estripamento). Nos 40 minutos seguintes, parece um suspense padrão de serial-killer (no caso, vegetal-killer), cheio de investigações, perícias e suspeitos sorridentes. Sejamos justos... o estado das vítimas embrulha o estômago pra viagem. Nessa parte, capricharam. Daí pra frente, o roteiro fica cheio de nhém-nhém-nhém indígena pró-naturalista, que inclui até um projeto de ninja totalmente deslocado na história. Tem um coroa lá que consegue ser particularmente irritante, pois só fala através de enigmas ruins de lascar. Já os irmãos crusty, aparentados com a família Sawyer, foram desperdiçados. Poderiam render um embate trash-emporcalhado contra o monstrão brejeiro. E por falar no bicho...
Durante a produção, o diretor Brett Leonard disse que o Homem-Coisa não seria o protagonista. Foi modesto: o monstro só aparece por inteiro nos últimos cinco minutos. Antes disso, são só alguns cipós, vultos e um braço aos quarenta e tanto do 2º tempo. Sacanagem. Ele não ficou tão ruim assim, por incrível que pareça - à exceção das trancinhas de samambaia rastafári. O Homem-Coisa é parrudão, quase do tamanho do Hulk, com o poder de controlar raízes, cipós e células vegetais que crescem instantâneamente, explodindo as vítimas por dentro. Tudo bem, nada do classudo toque chamuscante, mas - novamente - o estrago que ele causa aos incautos te faz enxergar uma folhinha de alface com outros olhos.
Apesar disso (e da fotografia bacanuda), Homem-Coisa é fraquinho pra chuchu. Fraco como adaptação, fraco como filme-trash e fraco como filme-filme. Só não é tão fraco quanto os dois do Monstro do Pântano, verdadeiras ervas-daninhas. Esses aí, só com Randup.