terça-feira, 27 de dezembro de 2005

MANGUE-THING


Sinal dos tempos: antigamente, produções B estreavam nos cinemas mais capengas da cidade. Mas estreavam no cinema. Hoje em dia elas vão direto pra locadora. Até a "arte" de produzir filmes com baixo orçamento teve de se adequar aos novos tempos, acordar de sua inocência artística, abrir mão de certas liberdades, pagar as contas em dia. Tudo em nome do box-office. Vê se Lucio Fulci, Mario Bava e Roger Corman se preocupavam com isso (Ed Wood então). Naquela época, havia um certo glamour maldito em ser trash casual. Hoje, um filme B já nasce sabendo que é B. E o pai, todo orgulhoso, ainda espalha aos quatro ventos a Bzice do filho, sem maiores constrangimentos. Sou B sim, e daí? Este é o clima. Taí o Uwe Boll, todo pimpão, que não me deixa mentir. Existe até uma linha de falsos B, cujo maior representante é Malditas Aranhas!, produzido pela dupla Devlin/Emmerich, de ID-$, digo, ID-4. Mas existem também os B que, no início, não se assumem, e que vão relaxando aos pouquinhos até saírem de vez do armário (falar nisso, que tirinha aquela do Laerte, hein. Já é clássica).

Esse é o caso de Homem-Coisa - A Natureza do Medo (Man-Thing, 2005), alardeado como a primeira incursão da Marvel Comics no gênero terror. Primeiro, seria mais um direct-to-video típico, mas a coisa (sem trocadilhos) foi mais além e o filme estreou mesmo no Sci-Fi Channel. O que acaba sendo a união atualizada de dois paralelos B: filmes de monstro daquela safra antiga da Hammer Films e da Universal (mais precisamente, variações em cima de A Criatura da Lagoa Negra) e a tosqueira proeminente da Marvel. Tenho de admitir, mesmo sendo marvete: a Casa das Idéias é trash com força, principalmente em comparação com a DC. Mas é aí que está a graça deste universo. Algumas sacadas são tão nonsense ou inverossímeis que acabam rendendo conceitos interessantes. Nos quadrinhos, o Homem-Coisa é uma criatura mucosa, musgosa e lodosa com imensos olhos vermelhos que, com apenas um toque, incendeia todos aqueles que o temem. Lindo, não? Chega a ser poético.

Na verdade, o monstro era um cientista chamado Ted Sallis que, recrutado pela SHIELD (Superintendência Humana não-sei-o-quê Espionagem, Logística e-alguma-coisa), estava trabalhando na recuperação do soro do super-soldado (aquele do Capitão América). Durante um ataque da IMA (essa eu lembro: Idéias Mecânicas Avançadas), o bom doutor destruiu suas anotações e aplicou o soro na própria veia, com o intuito de malocar a fórmula. Acuado e ferido, ele acabou afundando em um pântano próximo do laboratório e deveria ter ido pro saco, mas o soro começou a agir juntamente com as forças místicas do lugar (sim, haviam forças místicas lá!) e ele se transformou no Homem-Coisa, um ser irracional e instintivo. Não seria nada demais se a adaptação não fosse 100% fiel à fonte, afinal, o Monstro do Pântano, a contraparte leguminosa da DC, teve dois filmes fidelíssimos (o primeiro deles dirigido pelo Wes Craven) e igualmente xexelentos. Mas em Homem-Coisa, o roteiro está pouco se lixando para o background fornecido pelos quadrinhos. Com sorte, esbarramos no nome "Ted Sallis", meio que largado sem muita importância lá no meio.

Então qual é a história do filme? Perguntando assim, fica até difícil. A ferpa de roteiro se resume à uma série de violentos assassinatos ocorridos nas imediações de um pântano. Com o sumiço do delegado da região, a batata-quente fica com seu substituto, Kyle Williams (Matthew Le Nevez). À princípio, tudo indica que os crimes estão relacionados à ação de ativistas ambientais contra a exploração inconseqüente do pântano por uma mineradora inescrupulosa. Mas Kyle, assessorado pela deliciosa professorinha Teri Richards (Rachel Taylor... biita!), se depara com estranhos eventos e uma seita indígena mal explicada pra cacete.


Na seqüência inicial, Homem-Coisa parece filme de caipira psicopata imortal (incluindo o tradicional fúqui-fúqui de abertura que, ao invés de um orgasmo, culmina em um estripamento). Nos 40 minutos seguintes, parece um suspense padrão de serial-killer (no caso, vegetal-killer), cheio de investigações, perícias e suspeitos sorridentes. Sejamos justos... o estado das vítimas embrulha o estômago pra viagem. Nessa parte, capricharam. Daí pra frente, o roteiro fica cheio de nhém-nhém-nhém indígena pró-naturalista, que inclui até um projeto de ninja totalmente deslocado na história. Tem um coroa lá que consegue ser particularmente irritante, pois só fala através de enigmas ruins de lascar. Já os irmãos crusty, aparentados com a família Sawyer, foram desperdiçados. Poderiam render um embate trash-emporcalhado contra o monstrão brejeiro. E por falar no bicho...

Durante a produção, o diretor Brett Leonard disse que o Homem-Coisa não seria o protagonista. Foi modesto: o monstro só aparece por inteiro nos últimos cinco minutos. Antes disso, são só alguns cipós, vultos e um braço aos quarenta e tanto do 2º tempo. Sacanagem. Ele não ficou tão ruim assim, por incrível que pareça - à exceção das trancinhas de samambaia rastafári. O Homem-Coisa é parrudão, quase do tamanho do Hulk, com o poder de controlar raízes, cipós e células vegetais que crescem instantâneamente, explodindo as vítimas por dentro. Tudo bem, nada do classudo toque chamuscante, mas - novamente - o estrago que ele causa aos incautos te faz enxergar uma folhinha de alface com outros olhos.

Apesar disso (e da fotografia bacanuda), Homem-Coisa é fraquinho pra chuchu. Fraco como adaptação, fraco como filme-trash e fraco como filme-filme. Só não é tão fraco quanto os dois do Monstro do Pântano, verdadeiras ervas-daninhas. Esses aí, só com Randup.

domingo, 18 de dezembro de 2005

GOD SAVE THE KING


De todas as formas de arte, o Cinema talvez seja a que captura o imaginário popular da maneira mais urgente e direta - mesmo que o objeto dessa imaginação preze pela mais absoluta bizarria. Sabe-se lá por quê diabos certas premissas, de tão insólitas, acabam alçando uma condição de quase-mito e criando verdadeiros ícones pop. Um gorila de dez metros arrebentando em Nova Iorque é uma delas. Talvez seja pela personificação do nobre selvagem, pela crítica subentendida à intervenção inconseqüente do homem na natureza ou pelo simples cagaço de imaginar um bicho desses solto por aí. Ao longo dos anos, a imagem do King Kong se tornou uma marca tão reconhecível quanto Mickey Mouse e Superman (só perde para o Papai Noel da Coca-Cola, aquele velho batuta). Até mais, eu diria, visto que, fora os remakes e o vale-tudo com o Godzilla, a referência primordial é unicamente o clássico de 1933, limitando-se aí ao merchandising e à uma gama de referências soltas ao personagem. Mesmo assim, Kong ainda é o King. Imagina se o mito tivesse sido bem administrado esses anos todos.

Outro ponto é o arco fechado que constitui o filme original. A saga tem início, meio e fim, o que (teoricamente) inviabilizaria qualquer pretensa continuação. É possível que se trate de uma obra atemporal, visto que provoca curiosidade até hoje. Então, fica difícil justificar a existência do King Kong de Peter Jackson a não ser pela sua divulgadíssima devoção ao filme. O mesmo se pôde dizer do ótimo Gus Van Sant e seu desnecessário Psicose, clonado frame a frame do clássico de Hitchcock - o que me leva a questionar a validade de refazer algo que já é perfeito em sua proposta. Contudo, desse mal Jackson não sofre. O que ocorre no novo King Kong é bem mais um upgrade do qualquer outra coisa. Ao contrário do remake de 1976 (bastante competente, diga-se de passagem, e aí vai o meu escalpo a preço de banana), o filme se atém às mesmas marcações situacionais do original, devidamente anabolizadas com vitamina CG e belas jogadas individuais do zagueiro Jackson. Até cenas cortadas na edição do original foram recriadas, sem qualquer prejú para a fluidez da história.

Fico imaginando que representar os personagens de King Kong seja mais ou menos como encarnar figuras como Hamlet, Lobo Mau ou Chapeuzinho Vermelho. Todos os trejeitos, inflexões e motivações estão lá, bem sedimentadas e se completando mutuamente. Tem o galã fake, o herói puro de coração, a mocinha em perigo, o louco obsessivo, e por aí vai. São a matéria-prima para os estereótipos que ajudaram a forjar a cara da cultura popular moderna. Todos se saem muito bem.

Maravilhosa de linda, Naomi Watts encarna à perfeição o papel de Ann Darrow, a Bela. É uma grande atriz e ocupa tranqüila a lacuna que Nicole Kidman vem deixando com seu progressivo distanciamento daquilo que realmente importa. A cena em que ela tenta ganhar a simpatia de Kong é bem espirituosa e, ao mesmo tempo, desconcertante. Já Adrien Brody tem um olhar tão piedoso que dá vontade de meter a mão no bolso e lhe entregar a carteira com o salário do mês. Usando isto ao seu favor ele eventualmente - e merecidamente - se dá muito bem (como em O Pianista), mas, às vezes, acaba resvalando numa irritante mistura de auto-comiseração com falta de atitude. Nada que chegue a atrapalhar, já que seu personagem, Jack Driscoll, é hesitante por natureza.

Quanto ao Jack Black, confesso que estava bem curioso e fiquei ainda mais após ver seus comentários hiper-exaltados no vídeo-blog da produção. JB é um Taz live-action. Como Peter Jackson iria domar a fera? Ajudou bastante o fato dele ter ficado com o papel do diretor-showman Carl Denham. Bem mais contido que de costume, mas mantendo o fôlego de sempre, ele consegue ser engraçado, malandro e (bastante) odioso, exibindo um timing invejável. Sempre tive um interesse especial por este tipo de personagem obsessivo e algo irracional. Cineastas que encaram a profissão quase como uma ciência (ou uma religião, ou um vício) já renderam performances memoráveis, como John Malkovich em A Sombra de um Vampiro, Johnny Depp em Ed Wood e até Burt Reynolds em Boogie Nights. Faltou isto aqui pro Jack Black chegar lá.

Pórem, o melhor ator em cena é mesmo o Kong, digitalizado a partir das macaquices de Andy Serkis, ex-Gollum. Kong faz caras e bocas, é divertido, orgulhoso, melancólico e assustador. O gestual, a anatomia e a física envolvida estão às raias da perfeição, à exceção de um ou outro relance mínimo. O resultado final é um passo à frente na área e isso está estampado em cada pêlo tremelicante do gorilão.

Serkis também comparece em carne e osso no filme, no papel do marujo Lumpy (o bigodudo de boina). Bom ator, hein.


Talvez o grande desafio de Jackson tenha sido rechear um argumento que, no original, durava pouco mais de uma hora e meia pra ser contado. Atualizando a narrativa pra lá de sintética do cinemão da época, estica-se aí para umas duas horas, já exibindo uma barrigada de sete meses no roteiro. Pois Jackson espichou a coisa pra pouco mais de três horas. Contudo, são três horinhas saradas, cheias da disposição, com alguns poucos pneuzinhos aqui e acolá. Tudo bem, King Kong é uma ode ao minimalismo (quer algo mais minimalista que um macaco gigante no topo de um arranha-céu tentando estapear uns biplanos?), o que não impede a viagem de ser divertida até o clímax-referência pop. Na verdade, é em seus dois terços iniciais que King Kong superfatura o preço do ingresso.

A New York fudida da Grande Depressão foi retratada primorosamente. O clima de desolação e pendura geral foi ilustrado de forma rápida e eficiente. Mas é na Ilha da Caveira que o mesmo doente que realizou Fome Animal dá as caras e a diversão alcança níveis quase diabólicos. O lugar faz a ilha de Jurassic Park parecer... um parque. É o inferno na terra. Nativos que parecem possuídos pelo espírito do Aiatolá Khomeini em dia de segunda-feira, insetos, ácaros e zicziras gigantes, dinossauros sempre em horário de almoço, fazem o King Kong parecer o Frei Damião, tamanha sua bondade em apenas atirar os humanos a esmo por aí. É uma festa no apê do capeta, cheia de greatest hits - a mais incômoda foi a parte em que nossos heróis tentam sobreviver em um ambiente que lembra uma fossa do tamanho do Maracanã e infestada de criaturinhas adoráveis querendo fazer uma boquinha (ou duas, três...). Essa cena, inclusive, foi uma das descartadas no filme original. O ponto alto, como sugerido dos previews, é o telecatch de Kong contra uma turba de T-Rexes insandecidos querendo comer a Naomi (realmente eles tinham uma boa motivação). Antológico. A seqüência nos cipós, com a variação dos pontos de ação, é Spielberg puro.

- E só pra registro: a seqüência em que Kong revira o tronco atravessado no abismo ficou muito mais tensa e arrepiante no remake de 1976 (sendo um dos melhores momentos daquele filme).

Como nem tudo é perfeito, o andamento dá uma brecada a caminho da reta final, no que poderíamos chamar de "parte sensível" do filme. O problema é que a química entre Naomi e Kong se desenvolve ao máximo bem antes da conclusão. Daí pra frente o bom trabalho deles fica seriamente comprometido pela esticada do roteiro. De qualquer forma, ainda rende uma cena realmente bela, quando os dois brincam na neve. Pode parecer piegas, e é mesmo, mas é bonito de se ver.

Sobre a readaptação do enredo, há pouco a se comentar. Muito daquela logística perneta do original foi mantida, afinal ela acabou atrelando um certo charme involuntário ao conceito. Use a imaginação. "Como eles conseguiram tirar o navio do meio das rochas?" - Maré. "Como eles transportaram o gorila até o continente?" - Pediram ajuda pelo rádio. "Onde foram parar os nativos?" - Se esconderam, pô. "Como Jack conseguiu encontrar Kong e Ann naquela ilha infernal e gigantesca?" - Não sei, só sei que foi assim. E por aí vai.

King Kong é o último blockbuster de 2005 e pra ser sincero eu nem lembro quais foram os outros. Mas uma coisa eu posso dizer: se restasse esse filme como referência do cinemão pipoca desse ano, eu diria que ele está muito bem representado.

Long live the King.

terça-feira, 6 de dezembro de 2005

ENFIM! O PIOR DA MINHA VIDA!


"Me conta, Coruja! Que eu tô fazendo neste filme?"

Este espaço aqui, quando usado para filmes, normalmente vem enaltecer uma ou outra obra nesta linha pop/alternativa que aparece por aí, seja pelo hype, seja pela qualidade. Desta vez escrevo pelo motivo inverso: vou descer a lenha num dos filmes que mais tive propriedade ao dizer "odiei" quando saí do cinema. Normalmente não sentimos aquele impulso de escrever algo a respeito quando vemos filmes ruins. Entramos na filosofia de que a fila anda e esperamos que o próximo seja melhor e mereça um texto. Eis que experimento um sentimento novo desta vez. Naquele papo sem futuro padrão de segundas-feiras, quando contamos o fim de semana para alguém e fazemos comentários breves sobre filmes que eventualmente tenhamos visto, tive tanto prazer em escrever coisas ruins sobre a "obra" em questão que resolvi fazer um post.

Antes de falar diretamente do filme, acho interessante dar um pouco mais de base para entenderem as minhas expectativas. Eu diria que o cenário do cinema ao qual temos acesso hoje vive uma fase bem particular. Nem boa nem ruim, apenas particular. Especifico o "temos acesso", pois todos sabem que tem muita coisa boa sendo feita no mundo, mas que nunca veremos, o que nos limita a Hollywood e guerreiros solitários de outras culturas ou espasmos esporádicos da retomada brasileira. O cenário atual é bem caracterizado pelos seguintes pontos:

[1] – Crise de privação de criatividade de Hollywood. O que vemos hoje, a grosso modo, ou é uma adaptação de quadrinhos, ou de livro consagrado, ou seqüência de franquia, ou biografia, ou refilmagem de obras antigas, ou refilmagem de filme obscuro e de sucesso em outro país que não seja EUA ou GBR. Roteiros originais, com algumas exceções, além de escassos, não fazem muito jus à palavra "original".

Quais os maiores blockbusters do ano ou maiores candidatos ao Oscar vindouro? Batman Begins, Guerra dos Mundos, King Kong, Star Wars III, Sin City, Harry Potter, A Fantástica Fábrica de Chocolates, Cinderella Man, Jardineiro Fiel e Munique. Três remakes, duas adaptações de HQ, duas de livro, uma sequel, uma biografia e um roteiro original (que eu acho que deve ser original... não tenho certeza). Sintomático não?

[2] – Importação de atores de países emergentes com o objetivo de ter mais entrada em outros mercados.

[3] – O já tardio acesso às obras magníficas de outras paragens, algo que até bem recentemente era completamente solapado pelo mercado americano, mas o fenômeno dos meios de comunicação e revolução das formas de acesso (pelo menos nisto os piratas têm lá seu valor) mudou isto. Doggma falou sobre isto na introdução de Vidocq e Casshern e aqui reforço a idéia. Tenho me encantado pelo cinema asiático e europeu de uma forma que nunca consegui antes. Adeus Lênin!, Edukators, Swimming Pool, Sonhadores, Encontros e Desencontros (que até pode não ser europeu ou asiático na ficha técnica, mas é ao mesmo tempo ambos e em nada americano em sua essência), Primavera, Verão, Outono, Inverno... e Primavera, os filmes de terror japoneses e chineses, os animes Fantasma do Futuro, A Viagem de Chihiro e até mesmo estes dois (e ou outros) que o Doggma comentou, mas ainda não consegui ver, corroboram a idéia.

Então, quando vi o trailler de Guardiões da Noite (Nochnoy Dozor/Night Watch, Rússia, 2004), cheio de ação, imagens de impacto, efeitos interessantes e o que parecia ser uma história bem bacana - tudo isto em russo - fiquei bem empolgado e curioso. Quando cheguei ao cinema e vi que restavam poucas opções, ao invés da famosa pergunta "E aí? Quer ver o quê?", forcei logo a decisão para este filme, certo de que era a melhor escolha a ser feita e que nada faria com que me arrependesse. Até porque havia assistido Oldboy na véspera – mais um filme que confirma o terceiro ponto destacado acima.

Pelamordedeus!! O que era aquilo?

Nada se encontra naquele negócio. Os primeiros cinco minutos fazem crer que é um filme interessante, mas até nisto consegue ser completamente contraditório quando:

[a] – se o filme é russo, por quê a narração em off em inglês? Cheguei a pensar que havia me enganado sobre sua origem, que havia sido re-dublado ou sei lá o quê;

[b] – A qualidade das imagens, fotografia, filtros e afins utilizados nestes tais cinco minutos era bem interessante;

[c] – A historinha contada pelo yankee é até legal, mas chupadaça daquela introdução feita para Senhor dos Anéis, além de feita com muito menos competência.


Senhor dos Anéis?

Basicamente, há o exército da escuridão e o da luz, ambos formados por seres semelhantes aos humanos, mas com dons e características que os diferiam e lhes davam a alcunha de "Os outros" (maniqueísmo temos em tudo que é canto, mas desta forma ficou meio Star Wars/Senhor dos Anéis, dont'cha think?). Há muito e muito tempo atrás estes exércitos viviam em conflito, até que se encontraram em uma batalha sangrenta onde descobriram que se equilibravam - Senhor dos Anéis em estado bruto e mais déja vu ainda. Por falar em déja vu, havia uma profecia que apontava um escolhido que mudaria tudo – The One (e aqui temos um match up de Matrix com SdA – para variar) – e carregaria o fardo de sua responsabilidade, mas constantemente tentado entre os dois lados. Aqui podemos vislumbrar o Frodo, mas a colcha de retalhos referenciais é tão grande que cabe até o Spawn.

Listando deste jeito, ponto por ponto, parece ruim de cara, mas até que o sentimento – provavelmente amparado pela expectativa – era positivo até então. A introdução épica na língua de Shakespeare termina e começa a história contemporânea – em russo, tovarish, até que enfim!! Nos apresentam um cara querendo a mulher de volta e recorrendo a uma destas bruxas que trazem a pessoa amada em 3 dias (sempre são 3 dias, né? Parece cartel! No dia em que um destes conseguir um SLA que baixe para 2 dias, vai dominar o mercado!). De quebra ela ainda mataria o feto que estava no ventre da ex-mulher dele, já que seria filho de outro. Na hora H surge uma equipe que caça este tipo de entidade para salvar a pátria e tacar água no chope do cara. Uma espécie de Ghostbusters, com direito a uniforme de encanador e furgão. A experiência foi traumática faz o cara que queria a mulher de volta perceber que é um d'Os Outros. Seu poder? É vidente. Só. E a partir daí parece que é o protagonista também, mas, com um poder ridículo destes, consegue ser tão bundão quanto Harry Potter é em seu mundo (não sou aficionado pelo personagem, mas vi os quatro filmes e acho que HP só é sortudo... mais nada).


"Deixa eu te falar... este é o meu pior filme!"

O que parecia ser interessante acaba aqui. Daí pra frente começa o samba do crioulo doido, com um roteiro sem pé nem cabeça, vidências feitas em Neo-Geo, personagens esdrúxulos e eventos que se sucedem ridiculamente. Em dado momento a linha da história é uma. Depois é outra. Mais a frente torna-se ainda outra. No final surge uma solução bem batida para dizer que tudo se encaixava. A solução? Ahh... colocam na boca de um dos personagens a frase "Ahhh... então tudo se encaixa!" (ou algo do tipo), mesmo que isto não tenha sentido algum.

Certamente é difícil para quem lê este texto visualizar tamanho caos, então tentarei uma analogia para ver se ajuda. Tempos atrás conheci um cara que tinha um Puma. Estava insatisfeito com seu carro e não tinha grana para um melhor, então construiu uma carcaça em fibra de vidro em forma de uma Testarossa para substituir o ‘visual’. Dado que o Puma já não é um troço legítimo, pois é um carro "esporte" sobre uma base de Fusca, a Ferrari do cara ficou um arremedo de coisa qualquer com porra nenhuma - que nem o filme. Entendeu?

E não pára por aí! Não há sequer um personagem em quem possamos nos fixar, os antagonistas não se definem em quem é o bam-bam-bam da vez, o "escolhido" é o "chosen one" não se sabe o porquê e devem ter raiva de quem sabe. Não bastando, cabe a informação de que é um filme barulhento pacas. É esporro de tudo quanto é lado, com direito a barulho de mosquito irritante a cada dois minutos. Quando – raramente - bate um silêncio qualquer, o único sentimento é "putz... que alívio".

Creio que o processo de edição do filme deve ter deixado claro que o material era fraco. Então, para tentar disfarçar o absurdo, foi recheado com muitos efeitos especiais bem feitos, mas os efeitos não aliviam a barra do filme cujos realizadores não têm a mínima idéia do que significa a palavra "coerência".


"Ei, você aí no cinema! Xô... sai daqui! Vai embora!"

Por que então não fui embora logo? Pensei nisto umas 277 vezes, confesso, só não o fazendo ao lembrar que paguei caro pelo ingresso. Várias vezes ouvi gente falando ao redor "que eu tô fazendo aqui?" ou "mermão... tu tá entendendo alguma coisa?". Em certas ocasiões as pessoas riam - e riam mesmo - quando a intenção da cena não era bem esta, tudo culminando com uma entusiasmada salva de palmas espontânea e recheada de sarcasmo após um dos "climax" do filme. Achavam que tinha terminado, o que gerou um "Ahhh não! Porra... não terminou ainda...".

Há muito, mas muito tempo que não vejo um filme e percebo em todas as suas nuances que eu o odiei com todas as forças! nem Sete Múmias conseguiu isto (lá tinha umas vampiras interessantes). Depois deste, Uwe Boll é praticamente um Scorcese e O Guia do Mochileiro das Galáxias um clássico! O pior de tudo é que ainda vai ter seqüência!

Ahh... e o filme termina com mais uma narração em off em inglês. É ou não é uma Ferrari-Puma-Fusca?

Conclusão: Alguém colocou no cinema o que provavelmente foi feito no projeto final de um graduando em programação visual. Estou convicto disto. E eu devia é estar escrevendo sobre Oldboy ao invés de perder tempo com isto...