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Impressionante como o senso comum é capaz de te afastar de coisas que nunca imaginamos que gostaríamos. Por diversas vezes já deixei de fazer, comprar, participar, assistir, ir ou qualquer outro verbo que tenha embutido o sentido de participação só porque ouvi aqui e ali que tal ato seria um desperdício de tempo. O mais esquisito disto tudo é que não é a primeira vez que sinto isto, pois já houve várias vezes em que o "caramba... se eu soubesse que era assim" veio à mente e mais de uma vez incorri no mesmo erro.
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E percebi mais uma vez que sou um babaca³.
E que filme bacana! Prometo novamente, de novo e mais uma vez que ouvirei mais às minhas impressões do que ao senso comum. O filme trata de Trevor Reznik (Christian Bale), um operário que não dorme há um ano por motivos que só serão elucidados com o tempo. Sua vida resume-se a ir ao trabalho, passar em uma lanchonete de aeroporto na saída e encontros casuais com uma prostituta "de fé", permeando esta estimulante rotina com o desenvolvimento de um físico cada vez mais raquítico. Em dado momento da vida o cara começa a conversar com um colega de trabalho que, não bastando o fato de transformar sua vida num inferno, faz parecer que o tempo que Reznik ficou acordado dissolveu alguns miolos responsáveis pela percepção de realidade x fantasia.
O desenrolar do filme vai soltando símbolos claros e descarados de que há algo de errado no ar, dando a impressão de que a qualquer momento aparecerá um apresentador no canto da tela dizendo "Olha... isto é uma pista!". Claro, no final tudo é bem e vagarosamente amarrado e, ao invés de se prender na tentativa de construir um final surpreendente, prefere conferir mérito às "provas" pregressas, mostrando como tudo aquilo contribui para o perfil de Reznik, à sua amargura e à opção de viver em meio a losers e atividades que resguardam sua auto-comiseração. Há questões que gostaria de comentar, mas são claramente spoilers, já sabe o esquema de selecionar abaixo, né?
A criação de uma outra personalidade que confira redenção dos pecados não é novidade nenhuma. Este não é o "Big Deal" da coisa... a dupla personalidade, pedra fundamental de uma série de obras que brincam com isto, é minimizada aqui. O filme não nos trata como idiotas a ponto de fingir que não dá para perceber que Ivan e Trevor são a mesma pessoa, muito pelo contrário, deixa que percebamos de forma sutil e respeita nossa inteligência. O negócio é ver como ele faz este julgamento interno. As personalidades convivem, sendo que uma traz consigo a idéia de transgressão sem culpa, tirando da outra o ato hediondo. A outra, que deveria ter conseguido a tal redenção, sucumbe em culpa, tentando limpar a alma literalmente com alvejante toda vez que vai ao banheiro. As personas acusam-se mutuamente e ele percebe que a paz só viria com justiça. Assim ele mata a personalidade transgressora e se liberta numa atitude de redescobrimento e renascimento, mas nem por isto redentora. A paz que tanto buscou só chega quando ele sente que a justiça foi feita. Vemos este tipo de coisa em vários filmes que mostram a necessidade de justiça, mas não estou acostumado a ver esta batalha toda dentro de um homem apenas, mesmo que fragmentado.
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Há de convir que não é um roteiro batido – questão que sozinha já merece uma Skol gelada, como diria o chefe. Os elementos que usa até podem ser tão antigos quanto a profissão da sua namoradinha – aquela... a "de fé", mas a forma como são arrumados o torna bem atraente, mas é que nem piada, tem que saber contar. Eu, por exemplo, sou péssimo. Conto e pronto... fico ali olhando a reação do pessoal. Só tenho sucesso quando a piada por si só se basta, mas um amigo meu consegue interpretar a mais idiota delas tão bem, com tantos maneirismos, que se você tiver ouvido 15 vezes a mesma coisa, vai rir mais ainda na décima sexta. Ou seja, para ele não basta ter uma boa história, tem que saber contá-la. E Brad Anderson – diretor de certa forma inexpressivo – sabe contar seu filme. A execução é muito bem acompanhada por diversos aspectos tão bem casados que me pego pensando como é raro ver isto: todos os elementos técnicos normalmente imperceptíveis e passivos têm contribuição ativa para a obra. Da fotografia ao ritmo, passando pelos enquadramentos quebrados e paradas propositais. Não sei se há algum parâmetro técnico que meça ritmo cinematográfico – edição talvez – mas, ao contrário da maioria, onde o ritmo é predefinido e reboca a personagem, aqui a sensação é de que a personagem estabelece o ritmo do filme, como se dissesse pro diretor: "Hey, com'on! Slow down, dude...". A câmera parece a reprodução da vida segundo os olhos de Reznik - a fotografia verde aqui e azul acolá nos coloca dentro de seu mundo insone e turvo. Entramos na estória e dá para imaginar nossa reação a um ano sem dormir e seus efeitos. De uma hora para outra a fisionomia esquálida de Bale parece a coisa mais natural do mundo.
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Curiosidade: Trevor Reznik é uma homenagem do roteirista a Trent Reznor, vocalista do Nine Inch Nails. Ele queria colocar músicas do NIN na trilha, mas Anderson achou que quebraria o clima do filme, optou por outra linha, mas deixou o nome.
Jennifer Jason Leigh, a "de fé", também está competente em seu papel, com aquela cara de paisagem de quem está esperando a vida passar para tentar de novo na próxima.
O Operário não é um filme maravilhoso nem tampouco inesquecível, mas é muito bom e destaca-se consideravelmente no cenário atual. E eu gostaria muito de ver Bale em outros papéis como este. O cara sabe fazer muito mais do que distribuir sopapos.
sem relação com o que pode acontecer consigo mesmo"
Margaret C. Graham
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