"No one ever talks about extermination. They just do it. And you go on with your lives, ignoring the signs around you. And then one day, when the air is still and the night is fallen, they come for you. Only then do you realize that while you're talking about organizing and committees, the extermination has already begun. Make no mistake, my brothers, they will draw first blood. They will force their cure upon us. There is only one question you must answer:
Who will you stand with?"
Como o mundo dá voltas. Durante muito tempo, adaptações cinematográficas de histórias em quadrinhos eram consideradas malversação de verbas dentro de Hollywood. Pra cobrir as lacunas no seguimento de ação blockbuster, os estúdios tiveram de fabricar seus próprios super-heróis. O resultado foi a safra de action-heroes dos anos 80 e parte dos 90. Com o tempo, as idéias foram rareando e a sempre crescente demanda por escapismo pueril eliminou essa triangulação criativa (que eu chamo de ágioarzenegger) e foi beber direto nessa fonte que usa colante e cueca por cima da calça. Mas primeiro tiveram de amansar a fera carnavalesca que existe lá. O pacote ganhou uma roupagem mais dark e sóbria (bastiões mitológico-freudianos como Homem-Aranha e Superman são a exceção) e o uso intensivo de CG para tornar o impossível possível. Entre uma coisa e outra, ocorreu um saudável troca-troca (no bom sentido) de posições (eu já disse que é no bom sentido) entre profissionais dos quadrinhos e do cinema.
Ainda assim, uma adaptação dos X-Men soava como um desafio-mor no contexto geral, justamente pela incompatibilidade dos fatores envolvidos. Personagens demais, tempo de menos e, se o diretor não for adepto de Roger Corman, orçamento exorbitante. Resolveram tentar. Tinha tudo pra ser um único longa constrangedor, tosco e fracassado, mas Bryan "Who's your daddy?" Singer provou que sim, era possível. Exibindo poderes mutantes, ele transmutou cash rasteiro e argumento simplório em personagens carismáticos, direção classuda e atmosfera envolvente. Olhando hoje, o filme-debut dos X-Men revela uma malandragem soberba de Singer em maquiar eventuais buracos e limites orçamentários. Tudo isso e mantendo um apelo popular que garantiu a boa carreira nas bilheterias e a inevitável continuação. Roteiro bem acabado, todos os atores principais de volta e um investimento more expensive: X2, foi um filme praticamente perfeito dentro de sua proposta, onde Singer pôde se dar ao luxo de apenas deixar fluir seu inegável talento. Quando as coisas são assim, não há nada a temer. Engraçado como isto se dá de forma quase matemática ("dê-me um orçamento decente, um bom diretor e eu mudarei o mundo" - dogg, filósofo iugoslavo). Para um projeto que já atraiu o interesse até de James Cameron (e ninguém me tira da cabeça que ele desistiu por considerá-lo infilmável), pode-se dizer que os mutantes, antes de tudo, já são vitoriosos por conseguirem concluir sua primeira trilogia, em X-Men: O Confronto Final (X-Men: The Last Stand, 2006). Hooray!
O processo não foi dos mais harmoniosos. Halle "Cat-Woman" Berry extorquindo atenção, Singer trocando a Mansão X por um condomínio em Krypton, um novo diretor catado às pressas... Achei que a coisa começava a adquirir contornos framboesísticos - impressão logo suplantada por um teaser do caralho que provocou a mesma sensação de quando reencontramos velhos amigos depois de muito tempo. Podia jurar que o espírito "singeriano" ainda estava por lá, em cada cena, em cada frame... do discurso inflamado de Magneto (Ian MacKellen) à voz compenetrada do Professor Xavier (Patrick Stewart), passando pelos urros de Wolverine (Hugh Jackman). No entanto, elementos meio duvidosos também davam as caras. Um roteiro estilhaçado entre uma suposta "cura" para o gene mutante e uma versão da clássica fase da Fênix Negra, enquanto tenta encerrar todo o primeiro momento dos X-Men nos quadrinhos, ainda às voltas com a antiga Irmandade dos Mutantes liderada por Magneto.
E havia a questão do diretor Brett Ratner, que, embora competente, era apenas um operário. Ainda que eu tenha gostado demais do seu trampo em Dragão Vermelho (nada, nada, Ratner superou Ridley Scott de longe na franquia do Lecter), sua missão era simplesmente concluir o trabalho concebido e desenvolvido por um dos melhores diretores da atualidade - servicinho, convenhamos, muito além de sua alçada. Não por acaso, X-Men 3 foi achatado em econômicos 104 minutos, como se o próprio diretor, consciente de seu lugar no Universo, adotasse a postura "fale pouco pra não falar besteira".
Enquanto X2 entrelaçava as subtramas William Stryker/Wolverine's past, X-Men 3 traz uma narrativa com elementos mais heterogêneos. De um lado, a estratégia do governo norte-americano para a contenção mutante trazida a público sob o rótulo de "cura" e do outro, o retorno de uma Jean Grey (Famke Janssen) com TPM suficiente para explodir a Lua. Isso, em particular, foi colocado da melhor maneira possível dentro daquele universo: sai a entidade alienígena incorporadora, entram os bloqueios psíquicos que Xavier implantou em Jean ainda jovem, com o intuito de protegê-la e aos demais de tamanho poder. Decisão necessária ou arbitrária? Xavier excedeu em sua prepotência e privou Jean de escolher seu próprio destino? A interessante questão foi levantada e, após uma ótima cena de discussão com Wolverine, só pude lembrar do Professor X autoritário e (supostamente) manipulador da versão ultimate.
Desde que a sinopse foi divulgada oficialmente, não fiquei muito empolgado com a premissa envolvendo a cura para a mutação. Sendo um admirador das HQs, vejo a principal característica dos mutantes como uma força irreprimível da natureza, um processo evolutivo inevitável. Mesmo assim, fui surpreendido pela funcionalidade de tal artifício. Serviu tanto para forjar uma bela introdução para Warren Worthington III, o Anjo, quanto para garantir seu futuro frente às Indústrias Worthington (mais precisamente, após usar sua mutação para salvar a vida do pai xenófobo). Além, é claro, de justificar a visível relutância em certas cenas que, teoricamente, fariam desta produção o capítulo mais "Jim Lee" da franquia.
Pelo que se vê na telona, o orçamento de - dizem - 150 milhões de doletas não pareceram suficientes. Para conhecedores dos quadrinhos então, é algo latente. Será que o Universo X é assim tão caro? Tudo bem, alguns momentos são mesmo de dilatar a pupila na tentativa de assimilar tudo o que está se passando. A antológica seqüência em que Magnus manipula a ponte é a principal delas - poucas vezes uma cena fez tanta justiça à sentença "isto é quadrinhos puro!" Ao mesmo tempo, vemos um Colossus (Daniel Cudmore) sem qualquer função prática, apesar da boa caracterização visual. A coisa chega a resvalar em pura displicência, quando o personagem, em sua forma metalizada, distribui porrada a granel em mutantes peso-pena, desconsiderando totalmente o seu elevadíssimo nível de força. O que nos leva ao juggernaut Fanático (Vinnie fuckin' Jones, man... e sem sotaque!), felizmente aqui, com a finesse de sempre. Pra começar, não há qualquer treta entre ele e o mutante russo. É um crime reunir estes dois num filme e não agitar aquele vale-tudo de trincar placa tectônica. Temos de nos contentar com um baculejo divertidíssimo entre o imparável Juggy e o "nanico" Wolverine na residência dos Grey. Mas é tudo tão breve que chega a ser crueldade com o espectador.
Outro flagrante do capital de giro fantasma é a ausência do Efeito Fênix, marca registrada da personagem. Mesmo assim, a sugestão visual empregada para ilustrar o incomensurável poder de Jean é de arrepiar - algo indomável, invisível, aterrorizante. Mas, sem dúvida, o imenso pássaro de fogo tragando tudo à sua volta fez falta... Não foi desta vez que a belíssima e aterradora visão de Chris Claremont/John Byrne ganhou vida nas telonas. Já a aguardada briga de torcida mutante, embora funcional na narrativa, ficou aquém do esperado. Mas nesse ponto, sou compreensivo. Se até nas HQs é raro um super-pancadão coletivo realmente empolgante, quem dirá a execução disso em live-action. Talvez no dia em que chamarem o George Pérez pra fazer o story-board de algumas cenas...
O roteiro, de Zak Penn e Simon Kinberg, pouco arrisca no que tange à interação entre os personagens. Neste sentido, é um tanto burocrático. Quando se solta um pouco, consegue um bom resultado. Um bom exemplo é a hilária troca de "gentilezas" entre Wolverine e Fera (Kelsey Grammer, o Frasier, arrebentando), aqui um representante da comunidade mutante no Orkut... digo, no Congresso norte-americano. Falando em Grammer, ele protagoniza uma cena sensacional, quando experimenta a sensação de parecer um homo-sapiens. Apenas com o olhar, ele transmite um misto de alívio, realização, melancolia e culpa. Naquele momento, ele poderia largar tudo pelo que lutava e acreditava. Tocante. Deus abençoe os bons atores. Outra sacada interessante foi a "quebra de contrato" entre Magneto e Mística (Rebecca Romijn-Dogg... não custa nada sonhar) - o que finalmente confere à fascinante azulzinha o caráter dúbio e individualista que ela tem nas HQs. Já a deslocada Vampira (Anna Paquin) ganhou o status de coadjuvante, enquanto o Homem de Gelo ("homem" o caramba, é o guri Shawn Ashmore) passou a ciscar no terreiro de Kitty Pryde (a bezerrinha Ellen Page), que, além de se tornar intangível, também tem o poder de ficar mais nova a cada episódio. Eu diria que o Iceman deu uma de papa-anjo ali, mas ia pegar mal pro Warren.
Como sempre, muitos criticarão o aparente descaso com o personagem Ciclope (James Marsden), ainda que esteja em concordância com sua relevância nos filmes anteriores. Já está na hora de aceitar que a dinâmica de uma adaptação não tem de ser, necessariamente, a mesma do material de origem. O que aconteceu foi apenas sintomático. Apesar de admirar o trabalho do Marsden (confira o filme 24º Dia), vejo a opção do roteiro como algo que pode render bastante no futuro. O mesmo se pode dizer do destino de dois outros personagens (ainda que, no caso da Jean Grey/Fênix Negra, a simples aproximação do mutante Jimmy "Sanguessuga" fosse uma medida menos extrema). Quanto ao que acontece com Xavier, achei ousado e muito bem tramado. Gostei bastante, tanto pela circunstância de quebrar o encosto da poltrona quanto pelo genial subterfúgio pós-créditos - além da esperta referência à "fase Shiar" do Professor X.
X-Men 3 é caótico, no bom e no mau sentido. Não tem o charme e a espirituosidade do primeiro filme, nem o esmero técnico e a força dramática do segundo, mas é corajoso, eficiente e, acima de tudo, fiel ao background estabelecido. Amarrou todas as pendengas sinistramente levantadas pelos dois anteriores e apontou novos rumos para os que virão - e com certeza virão. Com a 4ª abertura mais rentável de todos os tempos, já posso até ouvir o "snikt" dos executivos ecoando pelos corredores da Fox.
Que tal uns Sentinelas de verdade da próxima vez?
O Vigia Uatu tem novos vizinhos... Área Azul - Observatório de Quadrinhos, Filmes & Cultura Pop é um espaço mantido pelo renegado Vigia Aron (alcunha dividida pelo Fivo, JP Volley e este humilde arauto), com a finalidade de promover discussões sobre a nossa tão amada cultura pop e, principalmente, repensar questões acerca da 9º Arte. A proposta é bastante segmentada (levando-se em consideração que o próprio BZ já é um lance segmentado), mas o intuito é justamente este: oferecer uma opção de debate para quem procura algo mais instigante que a superficialidade habitual.
A Área Azul já está visível no horizonte. Confira... e dê a sua opinião.
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