Falar de comédia neste país é algo contraditório. O brasileiro é um ótimo público. Adora rir. Mas por uma estranha razão, o filão humorístico oferecido pela grande mídia ainda é aquele mesmo que jaz na UTI há uns vinte anos (pra mais), balbuciando "eu tô doido, eu tô doido". Vai saber porque ainda insistem no formato matusalém de esquetes e gags físicas de salão - coisa que era top de linha lá pelos anos 60, com Bronco, Família Trapo e marcos quetais, mas que, excetuando a genial releitura setentista dos Trapalhões, se converteu em um loop incessante de clichês. O circuito norte-americano de comédia (a referência desde sempre) até hoje mantém religiosamente seu SNL, tão tradicionalesco quanto, mas num esquema de broadcasting quase cooperativo de renovação de elenco, scripts e conceitos. E Hollywood é logo ali. 95% dos coadjuvantes cômicos que você vê em blockbusters vêm de lá. Outros tantos vão direto ao estrelato, sem escalas, naqueles lances da noite pro dia que costumam chamar de american dream.
American dream o cacete. Investe não pra você ver. Aí que entra a mercantilização do produto: para suprir a demanda, uma produção hiperfaturada de sitcoms se fez necessária (aprendam, produtores do Zorra Total). É a mais legítima cultura de massa em ação. A grande maioria dura algumas breves temporadas, mas mesmo isto fornece dados valiosos para as networks. Já as séries bem sucedidas, entre outras coisas, desenvolvem um timing bastante preciso em relação às outras mídias, tanto no jogo de ida quanto no de volta (a proporção de astros saindo e voltando para a telinha é parelha) - Friends, é claro, é a exceção que confirma a regra, mas à essa altura o Matthew Perry já está milionário demais pra se preocupar com isso.
Outro crossover interessante do formato sitcom é com o humor dito underground - o stand-up, "a última fronteira da comédia".
A primeira vez que tive contato com o gênero foi através dos filmes O Rei da Comédia (The King of Comedy, 1983) e Palco de Ilusões (Punchline, 1988). O primeiro, uma trip scorceseana sobre decadência moral e aceitação, trazia Robert De Niro como um comediante fracassado e obcecado pela fama, (des)construindo a pior noite da vida de Jerry Lewis. O stand-up, nesse acaso, foi apenas o veículo (dá-lhe Rupert Pupkin: "É preferível ser rei por uma noite do que um tolo a vida inteira"). O segundo, uma comédia dramática com Tom Hanks e Sally Field, destrinchava o impacto pessoal que esse estilo de vida traz consigo. O stand-up é arte performática no seu conceito mais puro e isto tinha de ser assimilado pelo mainstream de alguma forma.
O que nos leva a Seinfeld. A série estreou em 1989, na NBC. Sucesso de público e crítica, reinou absoluta. Criada por Larry David e Jerry Seinfeld, o programa tinha muitas alcunhas, mas a melhor, sem dúvida, era "show about nothing" ("série sobre o nada"). Acertava em cheio. Simples e eficiente, o roteiro era uma transcrição em imagens do material recorrente no stand-up - lembrando que a vertente em questão é aquela mais sofisticada, baseada numa visão ácida sobre os maneirismos da sociedade (portanto, nada de piada de papagaio por aqui).
Sem pautas fixas ou dramáticas, os episódios versavam sobre o 'nada' de maneira ímpar... se é que o nada pode ser ímpar.
Foi um estrondo. Jerry, até então figurinha fácil nos clubes de New York (como o cultuado Gotham) e em participações no David Letterman e no Tonight Show, entrou pro rol das celebridades mais bem pagas da TV americana. E assim foi até maio de 1998, quando a série chegou ao fim.
Nesse ínterim, há muito o que se comentar sobre a saída de Larry David, sobre o Jerry Bizarro, sobre os ótimos Jason Alexander, Julia Louis-Dreyfus e Michael Richards, e sobre a "maldição de Seinfeld" (ainda vigente...), mas o principal você pode ficar sabendo através do filme Bastidores da Comédia (Comedian, 2002).
O que faz um sujeito depois que aposenta a coroa de Rei do Mundo?
Dirigido por Christian Charles, o filme é documental e acompanha o processo de readaptação do Jerry "pós-Seinfeld". Readaptação não... reabilitação. É sempre interessante saber o que se passa pela cabeça de certos seres humanos que estão vivendo uma situação especial. Por exemplo, os milionários. Esta casta privilegiada que não precisa mais trabalhar pro resto da vida. No caso de Jerry, é fácil perceber que nem toda a grana do mundo o seduziu o suficiente para afastá-lo dos clubes, dos velhos amigos que começaram junto com ele (e que continuam na "pista"), de New York. E, principalmente, da paixão pela comédia.
Aos troncos e barrancos, ele sabe que tem de voltar ao que faz melhor, que, por extensão, é justamente o que ele é. Não tem nada a ver com dinheiro, fama ou status. Há uma lição aqui, pessoal.
O objetivo do filme é registrar esta reentrada de Jerry na disputada cena de stand-up comedy. Após dez anos totalmente dedicado ao programa de TV, essa é uma tarefa um tanto árdua. Apesar do comediante ainda manter a simpatia do público - e sendo agora famoso - a teoria que o colega Colin Quinn lhe apresenta durante um bate-papo ainda é a lei vigente: "Você tem uma pequena vantagem, mas ainda tem de ser engraçado. Até Jack Nicholson, que todo mundo adora, se estiver num show de comédia, terá cinco minutos de cortesia. E então eles vão dizer: 'Ok Jack, se não vai nos fazer rir, dê o fora'".
Fora isto, a pressão interna de um infeliz que se atreve a subir naquele palquinho chega a ser um exercício de paranóia ("Será que eles estão pensando o que eu estou pensando que estão?"). Isso rendeu uma cena, hã, tragicômica, em que Jerry "trava" no meio do show. Branco total. E o público não perdoa.
Uma grande sacada de Bastidores da Comédia foi dividir o foco entre Jerry e o comediante Orny Adams. Ambos são iniciantes (Jerry, à maneira dele) e estão tentando encontrar a dinâmica perfeita entre performance, repertório e interação com o público. Orny pode facilmente despertar a antipatia alheia e por isto mesmo é tão importante sua presença aqui. Rende horrores. Temperamental, arrogante, egocêntrico e com um sério problema em ouvir críticas, Orny nem sequer tem certeza se é isto mesmo o que quer da vida - detalhe responsável por um dos melhores momentos do filme, quando Jerry encarna o velho feeling de ironizar nóias pós-modernas e lhe dá um conselho gratuito tão bom que poderia servir perfeitamente para o espectador (eu mesmo dei uma leve adaptada no conceito e agora sou um novo homem).
Apesar de irritadiço/irritante, Orny é talentoso. Talentoso e dedicado. Seu estilo é naquela tocada de "humor mau-humorado", à Lewis Black e Robert Klein (que comparece no filme), carregado de sarcasmo corrosivo - a piada do celular, p.ex, é matadora. Nada que a estrada e uma boa dose de humildade não resolvam.
E Jerry, por sua vez...
...sabe muito bem que os "cinco minutos de cortesia", na prática, não passam de alguns segundos. Ainda mais em se tratando dele. Afinal, existem quantas chances de alguém milionário e famoso descer num night club só pra pagar mico em público? Esperto, ele tirou de letra todas as saias justas que pipocaram (ao contrário de Orny), provando que improvisar é como andar de bicicleta. Mesmo assim, Jerry pena para reencontrar a motivação do início. Em certos momentos, ele parece o sujeito mais solitário do mundo, especialmente quando está na concentração.
Nessa viagem estradeira em busca do seu 'eu perdido', ele vai reencontrando velhos conhecidos, alguns igualmente famosos, como Jay Leno, Garry Shandling, Ray Romano e Chris Rock. Cada um deles tentando entender onde chegaram, como chegaram e se ainda têm a moral de mandar bem num palco - exatamente o que Jerry está buscando. Acompanhar as conversas dos caras é voyerismo de primeira.
A grande virada na busca de Jerry acontece quando ele vai conhecer um ídolo seu, o veterano Bill Cosby. É o clímax, e contrasta com o clima pesadão que vinha crescendo no filme. A seqüência é emocionante pela sutileza envolvida. Jerry pouco fala e, só pelo olhar, mr. Cosby já sabe exatamente o que ele procura. Sensacional.
Não pense que Bastidores da Comédia é algum especial humorístico com quadros produzidos. Longe disso. A série Seinfeld só é lembrada como algo vago e que abriu um gigantesco 'nada' nessa parte da vida de Jerry. O que predomina no filme são conversas soltas, bastidores, macetes de performance e trechos de shows aqui e acolá. A edição segue um tom despojado, meio alternativo, inclusive na trilha (com Águas de Março, de Tom Jobim, já na abertura). A experiência vale principalmente para fãs do stand-up, para os que querem se iniciar na matéria e para os que acham que comédia não precisa ser algo histérico.
E para um senso geral de (incontestável) bom gosto, vale a pena pelo finalzinho mais cool que vi este ano, ao som de Deacon Blues, do Steely Dan.
"Drink, scotch, whisky... all night long... and die behind the wheel..."
Um comentário:
realmente ficar vendo as porcarias q passa na tv é dose zorra total, praça é nossa e turma do didi ninguém merece eu nem vejo tv + entaum ñ sofro desse mal
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