Primeiro as exceções: micaretas metálicas que ainda têm força nas distantes highlands (Wacken, Dynamo Open Air, Gods of Metal, Download, Graspop, Sweden Rock e euro afora); estrelas que se reviraram em formações e nuances para manter o status multiplatinado (Metallica/Iron Maiden); por último, os raríssimos dinossauros que empilham gerações e destroçam tudo por onde passam (só me vem à cabeça o Heaven & Hell). A impressão que se tem é que o metal ainda vai penar mais uns bons anos nos serviços de proteção ao crédito. Aliás, eu digo "metal", mas pode atrelar isso a todos os seus subgêneros e vizinhos de radicalismo musical, como o hard rock, o industrial e o hardcore, por exemplo. Movimento? Que movimento, cara-pálida?
Como resultado, vemos algumas anomalias outrora impensáveis, devidas as proporções: bandas veteranas como Testament, Overkill e Exodus fazendo show pra dez pessoas nos EUA, Gary Holt (Exodus) reclamando que não tem nem carro e um Sepultura desCavalerizado na estrada com o Angra (!). Todas elas - e muitas outras - cada vez mais distantes da MTV e da marca das 100 mil cópias vendidas.
Mas cada um se vira como pode. E neste sentido, poucos tiveram uma visão de mercado tão objetiva quanto Jeff Waters, guitarrista e líder... ou melhor, o próprio Annihilator, em carne e osso. Contabilizando quase uma formação nova por disco lançado, o cara vem atravessando crise após crise (no metal e fora dele) desde 1984. Sem dúvida, encontrou um nicho de sobrevida underground aí. Quem conhece a banda, sabe do esquema de Waters: "contrato pelo piso do sindicato, sem vale-transporte, nem plano de saúde ou ticket-refeição, mas com direito a muito headbangin' e thrash no talo".
A seguir, um trecho de uma entrevista com ele publicada na revista Rock Brigade (#214, maio/2004). Uma lufada de sinceridade em estado bruto e ainda em plena garantia da sua fórmula venc(d)edora.
RB - A gravadora nunca fez nenhum tipo de pressão para o Annihilator se tornar uma banda de fato?
WATERS - Claro que fez. Volta e meia tem essa história de "você precisa fazer o Annihilator parecer uma banda de verdade". Acho isso meio idiota, pois todo mundo sabe que o Annihilator é mais um projeto solo meu do que qualquer outra coisa. Lógico que, quando estamos em turnê, somos uma equipe, cada um tem sua função, porém, em sua essência, é um projeto solo mesmo. Mas gostaria de frisar que na hora da divisão do dinheiro dos cachês, todo mundo ganha igual, eu não recebo um centavo a mais do que os outros músicos.
(...)
RB - A maioria dos músicos que centralizam tudo na banda, como Dave Mustaine e Yngwie Malmsteem...
WATERS - [interrompendo às gargalhadas] Blackie Lawless, você esqueceu de mencionar o Blackie Lawless, do WASP!!!
RB - Ok, gente como Lawless, Mustaine e Malmsteen têm fama de serem pessoas difíceis de trabalhar, por isso estão sempre mudando a formação da banda. É difícil trabalhar com você também?
WATERS - Tão difícil quanto trabalhar com qualquer chefe. Alguns chefes são legais, outros são chatos. Eu tenho que ser um chefe legal, pois não posso pagar tanto quanto o Megadeth ou o WASP, por isso, compenso sendo um cara muito legal [risos]. Todo músico tem aquele lado do ego que precisa ser massageado, que precisa ser o centro das atenções. Quando um músico assim entra numa banda como o Annihilator, fica meio frustrado porque as atenções estão sempre voltadas para mim, as entrevistas são sempre comigo. Além disso, no início, todos topam qualquer coisa, porém, depois de um ano começam a querer mais dinheiro, mais dinheiro, mais dinheiro. Foi o que aconteceu com o Randy Black, ele saiu porque o Primal Fear podia pagar mais para ele. Ele queria um aumento de salário, eu não pude pagar e ele foi embora. E, apesar de todas as mudanças de formação do Annihilator, apenas duas ou três vezes fui eu quem tirou o cara da banda. Na esmagadora maioria das vezes, os músicos saíram para ganhar mais ou por questões familiares.
RB - Você não fica um pouco frustrado quando percebe que o dinheiro é mais importante do que a música em si?
WATERS - Eu vejo a coisa de um modo diferente. Nos anos 80, o heavy metal enriqueceu muita gente. Quem era suficientemente esperto para não se afundar em drogas e álcool, ganhou muito dinheiro no heavy metal. Eu, por outro lado, ganhei bastante dinheiro com o metal nos anos 90. Porém, perdi quase tudo quando me divorciei - e aconselho todo mundo a jamais se divorciar no Canadá, eles arrancam tudo da gente [gargalhadas gerais]. Hoje em dia, quem quiser sobreviver tocando heavy metal tem que ser bom músico, fazer bons contratos e ter alguma sorte, senão vai passar fome. Lógico que sempre há um James Hetfield nadando em milhões sem precisar fazer quase nada, mas isso é exceção. Mesmo bandas consagradas como o Slayer precisam suar muito para ganhar um bom dinheiro. E eles realmente ganham, mas precisam estar em turnê todo ano e vender bem seus CDs para manter seu padrão de vida. Por outro lado, bandas do nível do Annihilator precisam trabalhar muito para sobreviver, para poder comprar, por exemplo, uma casa própria. E é por isso que eu não condeno os músicos que trabalham por dinheiro, pois eles precisam sobreviver, precisam pagar aluguel e fazer as compras de supermercado. O mundo funciona por dinheiro e na cena heavy metal não é diferente.
(entrevista concedida a Fernando Souza Filho)
No meu entender, um perfeito microempresário.
Na trilha: ver meu LastFM na barra à direita.