Em pleno levante zumbi, desmortos varrem os centros urbanos numa carnificina generalizada, devorando pessoas nos mais diversos lugares e situações. Desde as ruas, comércios e oficinas às cerimônias de casamento, puteiros e até durante uma despreocupada e prosaica cagada. É a queda da civilização promovida à dentadas e eviscerações, turbinada por uma montagem warp ao som da apocalíptica "For Whom the Bell Tolls", clássico do Metallica de tempos idos. Por tudo isso e mais um pouco, o comecinho de Zumbilândia é uma covardia só.
Difícil não sair daí achando que se está prestes a ver o filme mais divertido do ano passado. E olha que a impressão nos acompanha por quase todos os noventa (oitenta, na verdade) minutos regulamentares. Quase.
Num esquema de comédia on the road-zumbi, o filme demonstra pouca vocação satírica ou referencial, como foi o caso de Shaun of the Dead. Pelo contrário, traz até algumas novidades modernosas para o gênero, sem fazer feio. A produção modesta de quase 24 pila parece gerenciada por feras em engenharia financeira: cidades destruídas, rodovias abarrotadas de carros abandonados, um tanque e até um airbus atravessado na pista soam bastante convincentes. Clima de desolação total.
E antes mesmo que você possa dizer "é aí que eu quero passar as minhas férias", o núcleo de protagonistas se forma e mostra que as boas impressões ainda não acabaram. É o que o filme tem de mais bacana.
A começar por Tallahassee. É o melhor personagem de Woody Harrelson desde, o que, Mickey Knox? Foi bem mais que a simples diversão estampada em sua fuça durante o filme inteiro - o cara está tão confortável no papel que não duvido que ele tenha realmente levado trabalho pra casa a certa altura. Eles nasceram um pro outro. Sem seguir quaisquer regras e vivendo para "aproveitar as pequenas coisas", Tallahassee e suas convicções joselitas vão de encontro ao travadão Columbus. Com baixa auto-estima, solitário, ex-viciado em World of Warcraft, exalando virgindade por todos os poros e completamente noiado, Columbus é nerd-by-nature.
Tudo bem que Jesse Eisenberg só pode ser distinguido de Michael Cera através de um exame de DNA, mas ele defende com orgulho as cores da camisa. Mesmo não sendo durão como Tallahassee, sobreviveu à barbárie graças à sua nerd-o-rama sem fim e isso inclui seu singular manual de regras para se dar bem na Zumbilândia - uma lista cujos tópicos saltam à tela como power-ups de videogame (recurso visualmente bacana, mas não original: Feast já tinha feito isso e melhor). Nada mais prático se for jogar na defensiva numa situação dessas. Confesso que algumas regras eu já havia testado (com sucesso) em sessõezinhas paranóicas de Outbreak.
Fechando o combo, estão as irmãs Wichita e Little Rock, acostumadas a sobreviver antes mesmo do holocausto. Little Rock é a Abigail Breslin, a gurizinha-simpatia de Little Miss Sunshine. Wichita...
...é a fabulosa Emma Stone, com tudo que isso tem de bom. Se Zumbilânda já foi chamado de Superbad dos mortos-vivos, em grande parte, é pela presença dela. E também por sua personagem ser, mais uma vez, uma alma caridosa para os nerds dos filmes em questão.
Nessa aí, tanto o magrelo Columbus quanto o gorducho do outro filme saíram muito no lucro.
Zumbilândia também traz um 5º elemento numa participação rápida, mas especialíssima. E impagável. Pode parecer exagero, mas se o filme todo se resumisse às cenas com o "B.M.", já valeria o ingresso.
Em termos de propaganda, Zumbilândia foi, sem trocadilhos, matador. Desde 2004, com Madrugada dos Mortos, o gênero não chamava tanta atenção, principalmente dos não-aficcionados. E deu muito certo: já é o filme de zumbis mais bem-sucedido da história. Conspira pra isso a linguagem moderna e urgente do diretor Ruben Fleischer, que tem aquele fôlego típico de clipeiro estreante, mas bem direcionado e sem rompantes nonsense. Contudo, foi nas concessões do roteiro de Paul Wernick e Rhett Reese que o filme garantiu a sua vendabilidade - e tudo de pior que isso agrega.
Ao mesmo tempo em que cria momentos geniais (como a ambiguidade tragicômica com que o passado de Tallahassee é tratado e o uso de nomes de cidades pelos personagens para evitar envolvimentos pessoais), a dupla não se furta em rebaixar o gênero a mero coadjuvante. Por mais irônico que seja, boa parte de Zumbilândia se limita apenas à estética zombie. A partir de determinado momento, as criaturas simplesmente evaporam do filme.
Não há restos de cadáveres pelas ruas; as cidades e estradas estão praticamente vazias quando deveriam ser os lugares mais perigosos para se transitar; a escassez de alimentos (ou a preocupação com) é inexistente, mesmo após dois meses de apocalipse zumbi; não há critério aparente para matar um zumbi, já que aqui eles são mortos a bala mesmo que não acerte na cabeça; as cenas gore do festejado red-band trailer são as únicas de fato, o que me faz entender melhor essa tática espertalhona (espero que não seja o caso do vindouro Kick-Ass). Bobagens passáveis, mas que incomodam.
Só que o roteiro se superou e quase pôs tudo a perder com o "grande plano" de Wichita e Little Rock. Não foi só uma afronta à inteligência que elas demonstraram o filme inteiro, mas à do espectador, principalmente. A sensação de "mas é só isso?" na cena final é inacreditável. A competente direção de Ruben Fleischer e os cativantes personagens certamente mereciam mais.
O saldo final é o que parece: entre mortos e mortos-vivos, Zumbilândia é o filme imbecil mais legal que vi nos últimos tempos. Se é que você me entende.
Ps: o finalzinho pós-créditos está no YouTube, explicações nos comments. Vale a pena.