quarta-feira, 25 de abril de 2012

Etérnia Psytrance Rave Party '84


Normal que todo mundo tenha um pouco de bagagem bizarra da infância escondida nos recôntidos mais obscuros da mente. E que muitos desses baús sinistros e empoeirados tenham sido finalmente destrancados e desmistificados conforme o avanço da internet. Eu mesmo tenho vários fantasmas pop que me acompanham desde a pré-adolescência. Uns viraram sonho de consumo, outros foram esclarecidos ou exorcizados. E claro, ainda há um naipe variado e numeroso de mistérios a serem desvendados em seu devido tempo. Um deles finalmente chegou ao fim, após décadas de perguntas sem resposta.

Primeiro, historinha de fundo pra criar clima.

Meados dos anos 80, lá estava eu, um pequeno zumbizinho, assistindo "He-Man e os Defensores do Universo", o último desenho antes da escola. Nada demais, até que num desses dias o desenho (um fenômeno na época) trouxe algumas surpresas. Era um raro episódio duplo, com uma atípica trama de horror. O vilão da vez não era o Esqueleto e nem seus lacaios, mas uma bruxa vampiresca de nome Shokoti. Que, por sinal, quase me fazia mijar nas calças. Hoje a acho até bem gostosa, no estilo undead byatch de Lady Death/Vampirella. Eu ia ali tranquilo, mas isso não vem ao caso agora.

O lance é que na 2ª parte do episódio a trilha sonora estava diferente, incorporando elementos de música eletrônica, ambient e muito experimentalismo. Como eu era um analfabeto musical, não sabia precisar o que estava fora do lugar, apenas que a história, já bem macabra para aquele guri impressionável, ficou seiscentas e sessenta e seis vezes mais aterrorizante!


Nos episódios seguintes a trilha retornou ao seu motif heróico habitual. Mas não em todos. Alguns poucos ainda voltavam àquela trilha de fundo misteriosa e estranhamente evocativa. Curiosamente, era sempre nas histórias onde He-Man enfrentava adversários diferentes de seu arqui-inimigo Esqueleto. Não raro, estreantes em sua galeria de vilões, como Mestre do Jogo, Semente do Mal e o Conde Marzo, além da citada Shokoti (ou "Chucrute", segundo o Aríete). Todos esses fatores juntos conferiam uma sensação de perigo num nível até então inédito, como se o campeão de Etérnia finalmente enfrentasse uma ameaça de fato mortal.

Conspirando contra essa coincidência - à primeira vista (e ouvida) planejada - a nova trilha era nitidamente invasiva, às vezes se sobrepondo à trilha original e tomando seu lugar em fade in. Em vários momentos, as duas trilhas eram executadas simultaneamente, criando uma cacofonia melódica difícil de descrever - era mais ou menos como uma versão sonora do efeito Pokémon. Também era perceptível o sumiço do áudio da ação em certas cenas, deixando apenas a dublagem em português e a trilha freak cobrindo os espaços vazios.

Era muita loucura. E uma verdadeira tortura para um moleque sem Google ou Wikipédia e com professores estressados que não assistiam He-Man.

Décadas passaram (e rápido!). Com a internet, eu ocasionalmente garimpava por infos sobre isso, sem direção e sem sucesso. Achava mesmo que nunca chegaria a descobrir nada a respeito. As buscas, que eram mensais, viraram semestrais, depois anuais, depois... Até que um dia, no lugar mais improvável - numa reprise de Laranja Mecânica - se fez a Luz! Inacreditavelmente, uma das "músicas do He-Man" tocava no filme. Munido com novos parâmetros de busca, voltei à lida e pronto: os primeiros resultados positivos deram as caras. Finalmente.

São três músicas no total. Duas são do grupo Azul y Negro, precursores do tecnopop espanhol (!!). São as instrumentais "Fantasia de Piratas" e "Fu-Man-Chu", ambas do álbum La Noche, lançado em 1982.

Seguem:







Fiz uma pequena busca reversa pra identificar as fontes originais dessa informação. Aparentemente, elas foram destrinchadas primeiro numa comunidade do Orkut especializada em rock progressivo. Os créditos arqueológicos são dos usuários Geraldo Júnior e Rivaldo Lima.

A terceira música, bem mais dark, é uma piração electro/industrial/ambient do compositor norte-americano Walter Carlos. É aí que a coisa fica bizarra meeesmo.

Segue:




"Timesteps" foi composta para a trilha sonora do filme de Kubrick. No álbum oficial da trilha, lançado em 1972, a faixa foi compilada numa versão "excerpt", com pouco mais de quatro minutos. Em sua versão completa, "Timesteps" tem quase 14 minutos, com trechos diferentes que também rolavam no desenho. Sendo assim, essa foi a versão inserida na animação. O detalhe é que essa versão integral só foi lançada no álbum solo de Walter Carlos, lançado também em 72.

Bônus-track sensacionalista: naquele mesmo ano, Walter Carlos mudou de sexo e virou Wendy Carlos!

Alguns episódios com a trilha from hell: "A Semente do Mal", "A Busca pelo O.V.A.F", "A Casa de Shokoti (Parte 2)", "A Busca de He-Man", "O Primeiro e Futuro Duque", "Patas do Mestre do Jogo", "Discos Dourados da Sabedoria" e "Coração de um Gigante". Todos da 1º temporada. Esses eu identifiquei entre downloads e plays no YT. Certamente existem outros.


O consenso (e o bom senso) é que essa trilha - que alterava de maneira sensacional a percepção do desenho - foi inserida apenas na versão brasileira mesmo, pela própria Herbert Richers. Corrobora para isso o fato de que os mesmos episódios na versão original norte-americana (disponíveis no YT) têm a velha e clássica trilha sonora inalterada. Há uma teoria corrente, não confirmada, de que o estúdio brazuca recebeu cópias do desenho com falhas no áudio, então eles tiveram que improvisar durante os processos de dublagem e engenharia de som.

Mas são só especulações que ainda aguardam (muitas) elucidações. Enquanto isso não acontece, vamos imaginando quem era o funcionário maluquinho da Herbert Richers na época que era chegado num tecnopop espanhol e no disco solo experimentalzão do Walter... ou melhor, da Wendy Carlos - e que ainda teve uma malandragem Boss level para incluir esses sons na trilha de um inocente desenho infantil.

Em tempo: entre os fãs, se convencionou chamar os desenhos que tinham essa trilha de episódios psicodélicos do He-Man. O que é até subestimar um pouco o quadro geral. Mesmo sem a trilha "psicodélica", o desenho já era bem doidão e lisérgico por si só...





sábado, 21 de abril de 2012

Migué Open Air


A essa altura há pouco o que ser dito sobre o malfadado Metal Open Air 2012, que está acontecendo (ou melhor, não está) este fim de semana em São Luís, Maranhão. Mesmo assim vou dar meus 50 centavos, por dois motivos: ouço rock todo santo dia, desde que me conheço por gente - heavy metal é o meu pastor e barulho não me faltará; ainda tenho a capacidade de me indignar. Sou um romântico incurável, infelizmente.

Projetado com ares de mega-festival, o evento teve uma line-up pesada poucas vezes vista em terra brazilis: ao lado de formações expressivas que iam de Fear Factory e Saxon até Blind Guardian e Venom, estavam também atrações de peso - Megadeth, que conseguiu tocar ontem, e Anthrax - e, claro, uma esmagadora maioria formada por bandas nacionais, como Hangar, Korzus, Andre Matos, Torture Squad, Stress e Ratos de Porão. Tudo parecia correr normalmente até a última semana, quando a coisa toda desandou de uma hora pra outra, como num passe de mágica - de magia negra, pra ser mais exato.

Notícias - uma chuva torrencial delas - davam conta de quebras de contrato dos produtores, especificamente em relação aos grupos nacionais (falta de cachê, transporte, etc), o que motivou uma série infinda de cancelamentos. Acompanhar os grupos dando baixa a cada meia hora foi tragicômico, admito. Mas além disso, ainda havia a situação precária do local dos shows, incluindo área de camping estabelecida num estábulo, 1 banheiro, stands de alimentação em péssimas condições, problemas com a firma contratada para dar segurança, com a liberação dos Bombeiros, com os patrocinadores e, o mais surreal, com a falta de equipamentos de som até o início do festival. Os detalhes são fartos e chocantes (e pode ser acompanhado no Whiplash), mas não mais do que decepcionantes.

Ao que parece, houve um racha entre as produtoras "responsáveis" pelo evento, a Negri Concerts, a CK Concerts e a Lamparina Produções. As poucas declarações oficiais refletem um cenário ainda mais caótico.

Apesar de tudo, neste momento o festival ainda acontece, apesar da quase ausência de seguranças, do desmonte de um dos palcos e da desistência de 30 das 47 bandas originalmente programadas (Anthrax incluso, com os membros do grupo abandonados no aeroporto). O evento, que vem sendo chamado de fiasco e que havia ganho repercussão nacional de ontem pra hoje, está ganhando contornos internacionais com os depoimentos em uníssono dos artistas estrangeiros que foram prejudicados.

É horrível? Ô. É muita merda (de cavalo) no ventilador em tão pouco tempo. O MOA não era só uma promessa de shows antológicos, mas também de um fluxo alternativo digno para o rock. Talvez o início de uma descentralização do eixo Rio-São Paulo. O que se viu (e se vê) foi justamente o oposto. Só não acho que nem o metal nem o Brasil inteiro entrarão pra história como os grandes prejudicados. O metal vai tirar isso de letra, assim como já tirou coisas muito piores. O Brasil também vai superar, apesar da mancha emporcalhada que ficou. Rio e São Paulo (e Porto Alegre e Belo Horizonte) continuarão recebendo sua cota de shows internacionais, conforme os cachês e os traslados estejam OK. Mas não duvido que novas garantias contratuais se tornem parte do menu daqui por diante.

O grande prejudicado - além, claro, dos abnegados que se deslocaram de outras partes do país até o Maranhão em busca de uma grande aventura rock'n'roll (ao invés de um programa de índio) - é mesmo o público rockeiro cujo CEP não é do Rio, nem de Sampa. Maranhenses, anotem o ano de 2012. Salvo um improvável esforço heróico de algum maluco sortudo e competente, levará anos até vocês se recuperarem desse baque e as guitarras voltarem a ressoar em alto e bom som novamente por aí.

E afirmo isso por experiência própria, de uma terra tornada maldita para grandes eventos de rock and roll, há quase dez anos atrás.




Atualização 22/04:

E o Metal Open Air está oficialmente cancelado. Finalmente o pesadelo acabou. Que os esfíncteres dos produtores sejam duramente castigados.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

I believe in miracles


Logo nas primeiras cenas, o final da 2ª temporada de The Walking Dead mostrou que ia economizar no suspense. E nem foi necessário tanto esforço criativo. A munição, farta, já estava lá, pegando poeira e vagando a esmo nas imediações da fazenda de Hershel. A sensação de redenção após tantos assuntos mal-acabados sendo eliminados com a velocidade de um maxilar fechando foi libertadora. A verdade é que a trajetória desta temporada foi sufocante e incômoda, no bom e no mau sentido. Foi bem sucedida, se a intenção era mexer com os brios do público - lembrando que todo bom filme (ou série) tem a obrigação mínima de largar o espectador num lugar diferente de onde o encontrou. É justamente o ponto onde suas qualidades se confundiram com suas deficiências. E no meio disso, um público exaurido.

O roteiro do season finale foi escrito pelos próprios Glen Mazzara e Robert Kirkman. Se divertiram, com certeza. Escancararam as comportas do foda-se e não foram nem um pouco prolixos: a história abre com um bando de zumbis sendo atraídos por um helicóptero sobrevoando a cidade e dali seguindo em direção ao interior. A turba vai engrossando suas fileiras à medida em que outros mortos-vivos vão instintivamente aderindo à marcha - ou à manada ("herd", no original). É a primeira vez na série em que um dos conceitos mais descaralhantes dos quadrinhos é colocado em prática.

Dali pra frente, a trama volta aos trilhos furiosa e sem escalas: adrenalina sempre no talo, um desabamento narrativo com som & fúria e gostinho de hora da verdade. Sacrifícios são impostos, decisões são tomadas, personagens tropeçam em seus próprios erros e o futuro está incerto novamente - sentimento refletido no olhar amargurado de Hershel ao abandonar sua fazenda engolida pelo caos. Ainda que essa retomada tenha o desespero como fio condutor, houve espaço para que uma suave brisa de esperança fosse inserida sem destoar do contexto.

Foi um trabalho muito bem realizado e um belo zombie-tale que fechou a temporada em alto nível desta vez. Devo ter reassistido umas três ou quatro vezes desde então e a força da história continua intacta, mesmo subtraída do elemento surpresa. Sem exagero: só não supera o episódio da première.


Não sei como os fãs die-hard dos quadrinhos enxergaram a construção de Rick nesta reta final. Na minha opinião, o personagem de Andrew Lincoln se tornou menos conciliador e mais badass que na HQ. Fora que antecipou alguns discursos e posições fascistóides que originalmente ele só teria mais tarde na cronologia. A estranheza foi meio inevitável na comparação - afinal, ele era um cara tão gente-boa e "sussa" -, porém contou com um background psicológico bastante sólido para tal. E nisso o crédito tem que ser dado a quem merece: não só o impecável Shane de Jon Bernthal, mas o roteiro de Mazzara e Evan Reilly para o episódio anterior, forneceram o prólogo perfeito para a conclusão. Isso inclui, principalmente, a alteração que tanto temi em relação aos últimos momentos de Shane com Rick e Carl.

Além de ter ficado bem mais crível (o moleque não ia estourar os miolos de sua figura paterna secundária, não ainda...), o confronto memorável da dupla Lincoln/Bernthal permanecerá gravado no cânone cinemático-televisivo até o apocalipse zumbi que assolará o mundo real num futuro próximo. Como várias vezes já aconteceu nesta série, essa foi mais uma mudança de adaptação que, se não superou o original, foi bem mais sensata que uma preguiçosa transposição per se.

O mesmo não se pode dizer dos demais personagens, já que todos andam na faixa. Existem alguns conflitos, mas numa escala de tensão que praticamente evapora perto de Rick e Shane. Andrea não parece (ou não teve tempo de) ter sido tão influenciada por Dale quanto deveria (e deveria?). Carol, ainda em auto-reconstrução, está a anos-luz de cometer todas as sandices que cometeu nos quadrinhos - paradoxalmente, agora, sem Sophia, é que ela poderia abrir os portões do inferno sem a menor dor na consciência. Maggie e Glenn estão ótimos arrancados da celulose direto para o celulóide. Atenção especial para Lauren Cohan, a atriz que interpreta a Maggie, que consegue expressar sua dor e confusão de forma quase palpável - algo que pode ser muito útil mais pra frente se o script não mudar o tom dos quadrinhos.

Daryl ficou um pouco apagado desde que desistiu de ser o renegado e resolveu se unir ao grupo, mas manteve o mesmo grau de importância para a trama. Foi dele o CSI Zombie que desvendou o assassinato de Randall e a armadilha de Shane.

O saldo das vítimas, aliás, foi bem modesto dadas as circunstâncias. Descontando Shane, Randall e Dale-ah-Dale!, foram devidamente deglutidos Jimmy e Patricia, que já se pareciam com snacks ambulantes desde suas primeiras aparições. Surpreendentemente, Beth sobreviveu e, pior, T-Dog, a ração para mortos-vivos mais teimosa a aparecer na tela desde que os primeiros desmortos saíram do Haiti para ganhar o mundo. Todos esses personagens juntos não fazem a metade da falta que fará o RV de Dale, agora reduzido a uma cantina para zumbis. Triste.


Lori parece ser um caso à parte. Muito bem caracterizada pela atriz Sarah Wayne Callies, na reta final da temporada a personagem veio se tornando, como direi... uma vaca. Acho que é ponto pacífico que chegar em Shane pra discutir relação àquela altura do campeonato (no episódio em que ele consertava o gerador) é pra lá de contraproducente. Não satisfeita, mais tarde, no mesmo episódio, ela diz ao marido que Shane é perigoso. Mas deixei em stand-by, processando as infos que poderiam decodificar a cabeça da mulher. O que se provou tarefa impossível na cena em que Rick confessa pra ela que matou Shane em legítima defesa. A reação de Lori? Repúdio.

Mas antes de cometer grosserias com essa autêntica profissional do baixo meretrício, penso que talvez esse seja o verniz ideal para uma personagem como ela. Ao contrário da HQ, onde Lori era insossa e dependente e mesmo assim protagonizou a cena mais forte entre tantas de The Walking Dead, a Lori da TV rescende antipatia e prepotência. Em suma, já deve estar em construção para chegar até aquele ponto tão controverso mostrado no gibi. Aposto no maniqueísmo dos roteiristas, afinal, para o senso comum ela tem que pagar por alguma coisa. No mais, a AMC podia abraçar o exemplo categórico da HBO no episódio de estreia desta 2ª temporada de Game of Thrones. O céu é o limite. E o inferno também.

Este 2º season finale de The Walking Dead foi bastante aclamado pela crítica e pelo público. E que público. Mas esse sucesso não deveria ser traduzido como uma sequência de decisões acertadas. Foi uma temporada problemática. Eventos externos influíram na trama de maneira efetiva - e continuarão influindo em tudo o que tiver relação com Dale. A primeira metade foi mal administrada e esticada quase ao limite do aceitável. Mais um pouco e eu já estaria comparando a fazenda de Hershel à ilha de Lost.

Contudo, não houve nada, nem de longe, que se comparasse ao CDC da primeira temporada. E, reitero, quando foi preciso, Glen Mazzara botou a cara a tapa, injetando emoção nos episódios que roteirizou (notadamente os dois últimos) e vertendo alterações arriscadas em releituras bastante decentes.

E sim, teve clareza e oportunismo para engendrar o timing da série até agora.


Mais ainda, soube guardar a cereja muito bem até o final. Se a impressão foi das melhores, fico imaginando como será uma temporada onde ele terá 100% de autonomia, nenhum problema de casting ou transição de showrunner.

E sem contar que terá em mãos o melhor arco da HQ...

Cotação do season finale:


Cotação da temporada: