quinta-feira, 19 de setembro de 2013

New World Zombie


Guerra Mundial Z (World War Z, 2013) é, de certa maneira, um tipo de marco. Zumbis sendo populares o bastante para estrelarem um blockbuster com Brad Pitt era algo impensável até pouco tempo. Foi uma autêntica escalada social. Nem George A. Romero, Lucio Fulci ou o feiticeiro bokor mais chumbado de peiote de todo o Haiti jamais sonharam que suas crias chegariam a tanto. Difícil precisar exatamente porque o grande público se afeiçoou tanto aos zumbis a ponto de um estúdio largar 190 milhões de obamas em suas mãos putrefactas. Talvez seja uma forma de encarar melhor a ideia da morte, dando-lhe um rosto para confrontar. Ou talvez algum desejo reprimido por colapso social. É algo a se pensar, claro, com o devido acompanhamento. O fato é que o filme, adaptado do notório livro de Max Brooks, tem sua ambiciosa missão estampada no título: registrar o apocalipse zumbi se desdobrando em escala global ao invés de focar um único microcosmo.

Na verdade, essa era a bola que ninguém queria cortar. Vimos relances disso no final do infame Zombi 2, do Fulci, e na abertura da refilmagem Madrugada dos Mortos, de Zack Snyder. E também em perspectivas regionais como visto em The Dead, dos irmãos Ford, Canibais, dos irmãos Spierig, e até em Mangue Negro, de Rodrigo Aragão, passado em terras capixabas (se derrubar é pênalti!). Fora isso, apenas o velho esquema das transmissões de rádio e TV reportando o caos mundo afora - um recurso já bastante utilizado desde o icônico A Noite dos Mortos-Vivos, de Romero. Uma guerra mundial dos zumbis, per se, é a 1ª vez. E o filme entrega. Pelo menos 1/4 da quantidade esperada. E com o produto não lá muito íntegro. Mas entrega.

A trama segue os passos de Gerry Lane (Pitt), um ex-empregado da ONU especialista em zonas de conflito e que agora curte uma idílica vidinha civil. Num dia qualquer, parado no tráfego com sua família, ele é pego no olho do furacão morto-vivo. Zumbis velocistas fazem um mega-arrastão pelas ruas, cravando os dentes em tudo o que se move e mal dando tempo para os motoristas em fuga exercitarem suas barbeiragens. Por pouco, Gerry escapa ileso com sua família. Após passar um sufoco para sobreviver, eles são resgatados e Gerry é "convidado" a conduzir a investigação que irá determinar as origens da praga e, quem sabe, a sua cura.

A partir daí, o filme emenda num vertiginoso tour zumbístico com escalas na Coréia do Sul, Israel e País de Gales.


Com várias opções interessantes na manga, o diretor Marc Forster privilegiou a energia cinética acima da atmosfera. Especialmente no segmento israelense, onde os zumbis literalmente caem do céu e tem uma cinematografia parecida com a de inúmeros thrillers de ação/guerra situadas naquela região (como O Reino, por exemplo). Isso faz com que os zumbis assumam um papel quase figurativo, podendo ser qualquer ameaça insurgente daquelas bandas. É um terreno bastante conhecido pelo cineasta de Redenção e O Caçador de Pipas. Essa contextualização geopolítica em detrimento do horror inerente às criaturas é incomum, mas não é algo necessariamente negativo.

Quando envereda pelo suspense, contudo, Forster monta sequências eficientes, como a fuga de Gerry e sua família pelos corredores de um prédio às escuras. O clima é de survival horror game e até os infames e gratuitos jump scares foram bem colocados. Outro grande momento de tensão é o ataque de zumbis dentro de um avião em pleno voo. Mesmo numa situação beirando o insustentável, os protagonistas e os demais passageiros mantêm o sangue frio e cooperam em silêncio para conter a horda desmorta.

Já em algumas cenas, Forster se embriaga na fonte de Spielberg. A inspiração é nítida quando Gerry e sua família vão até uma farmácia que está sendo saqueada. Lá eles testemunham a civilização despencar bem diante de seus olhos - tudo muito semelhante a um trecho de Guerra dos Mundos, incluindo desesperadas trocas de tiros. Outro momento tipicamente spieberguiano é quando Gerry & cia. invadem um centro de laboratórios tomado por zumbis. Furtivamente, eles se esgueiram pelos corredores, cruzam divisórias engatinhando e usam o silêncio (e o barulho) ao seu favor, num nervoso jogo de gato e rato. Tal qual os guris de Jurassic Park tentando se safar numa cozinha sitiada por dois velociraptors.

Por sinal, os zumbis do filme - ou "zekes" - não fazem feio perto dos dinos. Ou de um crocodilo, de um tubarão...



Há pouco o que se inovar no perfil dos zumbis, mas Guerra Mundial Z marca seus pontos. A zumbificação se dá em tempo recorde: de 10 a 12 segundos a partir da mordida temos um morto-vivo prontinho pra ação. E são muito rápidos, mesmo descontando as turbinadas digitais - ainda pouco convincentes, diga-se, mas melhores que os ridículos bonecos de Eu Sou a Lenda. O ataque é minimalista ao extremo, basicamente mandibular. Zumbis se atiram pra cima das vítimas e travam seus maxilares nelas como se fossem pitbulls, o que é, ao mesmo tempo, engraçado e assustador. Engraçado porque lembra Pac-Man. E assustador porque mostra que os monstrengos não estão pra brincadeira e vão direto ao que interessa.

O grande diferencial é que dessa vez não há uma fome louca por carne, massa cinzenta, vísceras ou fluídos: o objetivo é simplesmente espalhar a infecção a qualquer custo, para o máximo de pessoas possível. Isso, mais o fato de serem os zumbis que menos ligam para a própria integridade física da história, rende imagens pra lá de impactantes, como as cenas de um tsunami zumbi invadindo as ruas e escadarias de Israel como se fosse uma pororoca pútrida com dentes. Fora que dá a incômoda sensação de que eles são apenas ferramentas descartáveis para um propósito obscuro e ainda mais ameaçador.

Aliás, por "zumbis não ligando para a própria integridade física", favor descontar o pleonasmo, visto que só com essa descomunal desencanação e sacrifício pelo coletivo seria possível para as criaturas formarem pontes de formiga...




...sem dúvida, o carro-chefe do filme e uma das ideias/cenas mais perturbadoras que já vi no cinema.

É a versão pesadelo de um outro pesadelo.


Cultura pop, você é aterradora.

Uma das incógnitas do filme era a presença de Brad Pitt. Era uma dúvida que me incomodava já no teaser. Seria o marido da Angelina Jolie capaz de se desvencilhar da aura de galã/capitão do time e conseguir vender desespero, impotência e medo com credibilidade? Seria capaz de vingar como um simples mortal em uma situação extraordinária? Convencer que existe sangue quente sendo bombeado naquelas veias? Se não dá pra exigir muito, ao menos vemos um esforço honesto nesse sentido.

Seu melhor momento é quando Gerry foge com sua família para o terraço de um prédio. Realmente dramático. Durante o resto do filme, há alguns lampejos desse sentimento, mas nada que se compare. Botei na conta da frieza e experiência de campo que o personagem acumulou em seus tempos de ONU.

Com relação ao restante do elenco, há pouco o que comentar já que é composto de uma maioria de personagens efêmeros - muito embora a soldado israelense Segen, interpretada pela atriz Daniella Kertesz, seja algo promissora. Também foi ótima a participação de David Morse como um ex-agente da CIA. Meio esperto, meio insano e totalmente encarcerado. Curioso como todo bom ator se aventura pelo menos uma vez em personagens desse tipo. Que o diga Elias Koteas em Possuídos e o Ed Harris assustador de Justa Causa. Deve ser o efeito Lecter batendo.


A adaptação, desenvolvida a dez mãos, entre elas as de Damon Lindelof e J. Michael Straczynski, até consegue uma transposição satisfatória para o formato. Obviamente, a maior parte do material foi editado, o que não evitou algumas das falhas cometidas pelas maioria das adaptações que o cinema faz de livros, sendo a passagem do tempo a mais evidente. As escalas do voos internacionais de Gerry são tão imediatas que na conexão Israel-País de Gales a impressão é que ele nem havia chegado à metade do caminho. O problema aí é bem pontual.

Há um grande imediatismo assolando as produções de Hollywood. Desconfio que é para agradar os guris da geração Playstation, cujo déficit de atenção é cada dia mais agudo. Tudo tem que ser rápido, pra ontem, no corte de um videoclipe (que termo mais démodé). Isso implode qualquer construção dramática e não é compatível com um storytelling decente. Quanto mais um escrito a partir de uma narrativa literária.

Mas o que mais surpreende, porém, é a quantidade irrisória de sangue e entranhas dilaceradas para um filme de zumbis. Mesmo partindo da premissa de que não são criaturas comegente e que se contentam em morder pessoas para perpetuar a espécie, ficou faltando algo ali - ou sobrando...

O uso frequente de camera shake só reforça essa impressão de pouco grafismo. Em compensação, foi muito bem-sacado na sequência do ataque no início do filme, quando vultos zumbificados se misturam à multidão em pânico, quase indistinguíveis, criando um efeito de confusão e perplexidade muito bacana.

A duração do longa conspirou contra, mesmo na versão uncut. Muito curtinho, quando o ideal deveria ser pelo menos umas duas horas e meia. A conclusão escancarada precedida pela inevitável narração em off com resuminho da ópera foram sintomáticos. Preferia esse troquinho convertido em mais história e mais mordidas. Embora Guerra Mundial Z fique devendo na ousadia e no sentido literal do título que ostenta, não dá pra negar que é divertido e vale eventuais reprises com muita pipoca.

...pelo menos até que Danny Boyle e Alex Garland mexam seus traseiros brancos e finalmente tirem Extermínio 3 do papel.

Um comentário:

Sandro Cavallote disse...

Belo texto, pra variar... :)
Conciso e organizado...

Mas não adianta. Achei bem fraco esse aí. Exterminio ainda consegue ser o melhor zoomba movie pra mim. E acho muito mais legal o impacto indireto do que a visão clara da infestação. Vide o finalzinho de 28 Weeks Later, só mostrando a Torre Eifell... fora o trailerzinho, bem feito pacas... http://www.youtube.com/watch?v=1VBkZqgC8XI

PS: nem lembrava que o soldado era o Hawkeye...