Como devoto fervoroso de São Maia, padroeiro do Soul e do R&B, fui surpreendido nesta idílica manhã domingueira com o ribombar de uma banda marcial se aproximando ao longe. Na espiadela discreta pela janela, fui fulminado pelo reluzir do uniforme branco-como-uma-fuckin'-supernova dos músicos e do animado coralzinho de crianças.
"Não, não pode ser", pensei eu, até ver a inscrição gravada no bumbo e atestar o inatestável:
"UNIVERSO EM DESENCANTO
CULTURA RACIONAL"
Parafraseando o saudoso Tim Maia, nesses tempos bagunceiros, onde a racionalidade e o bom senso das instituições, da política, das classes, dos gêneros e até da nossa adorada cultura pop parecem ter sido mandados para as cucuias, nada mais normal. Acho mesmo que a Cultura Racional era a peça que faltava nesse Bizarro World que é o mundo atual (falemos mais disso no post seguinte). A nave-mãe não poderia ter (res)surgido em melhor hora.
Pena que as antenas eletromagnéticas do comboio espacial não estavam bem calibradas, visto que passaram reto pelo maior expert em Cultura Racional da rua. Sério, por aqui sou praticamente um cavaleiro jedi da matéria.
Pelo menos deu tempo pra correr e ganhar uns folhetos de um súdito que irradiava alegria em sua indumentária branco-Omo Ultra Mega Ação!
Vede, mortais magnetizados:
A Verdade em frente e verso. Midi-chlorians on crack!
Esse vai pra seção de memorabílias trash pop.
Confesso que estou me segurando demais pra não visitar o QG alien e fazer um recon da patifaria in loco. Mesmo com receio de sair de lá vestindo roupas brancas. Com esses caras não se brinca.
Só pra situar: surgida na década de 1930, a Cultura Racional era mais uma seita misturando bases religiosas tradicionais com esoterismo e ufologia num insano plano cósmico que mais parecia Star Trek encontra Deixados para Trás. Os ensinamentos eram compilados numa série interminável de livros chamada "Universo em Desencanto", vendidos a preços módicos pelos fiéis seguidores.
Em suma, foi um precursor la garantía soy yo da Cientologia, fadado à obscuridade total, não tivesse seduzido um famoso adepto em meados dos anos 70 - o indomável Tim Maia, então em grande fase artística e comercial.
Durante o breve namoro, Tião perdeu tudo em sua louca paixão racional/superior/extraterrestre, mas legou para posteridade dois excepcionais álbuns "religiosos": os míticos Tim Maia Racional vol. 1 e vol. 2.
Apesar de musicalmente brilhantes, os bolachões pegavam pesado na pregação, não venderam nada e foram irrevogavelmente banidos da memória e do repertório do Síndico assim que ele, falido, cortou relações com a seita. Com o tempo, os discos ganharam reconhecimento e status cult - e ainda renderam um terceiro miojão de sobras, póstumo, muito divertido.
O causo é folclórico no panteão do pop nacional e bastante conhecido, mas sempre vale o replay.
Para maiores e melhores informações, recomendo logo o calhamaço punk-biográfico Vale Tudo, de Nelson Motta. Depois do arrebatamento visual que tive hoje, não será outra a minha fonte de leitura nos momentos de ostracismo laboral durante a semana.
No vídeo abaixo, Tim estava bem no início de sua jornada de "desmagnetização" (e de sua bancarrota profissional e financeira). A música de louvor é a última do pout-pourri, quase ao final, mas vale destacar a abertura também, com uma raríssima "Réu Confesso" ao vivo, outra que, devido a imbróglios legais, foi riscada para sempre da vida do Síndico.
Dia dos Namorados, sensibilidade à flor da pele derretida num tanque de lixo tóxico.
A cena inesquecível do hit romântico oitentista RoboCop (1987) é daquelas tão marcantes que deixam qualquer ator inexoravelmente... hã, fundido a elas. E o caso em questão foi mesmo um marco na carreira de Paul McCrane.
Ele ainda foi presença constante em vários filmes e séries - inclusive com um personagem, digamos, muito íntimo do saudoso Jack Bauer. Mas para toda uma geração, não teve jeito: McCrane era o melting-man que fez a molecada em peso comprar ao menos mais uns oito ingressos para rever a cena no cinema.
Agora, antes disso, quem diria, ele gozava de um grande sucesso - no Brasil inclusive - como crooner de banquinho-e-violão.
Tudo graças ao mela-cueca "Is It Ok If I Call You Mine?", uma das três canções que compôs para Fama (1980), de Alan Parker, onde também atuou.
Em terras tupiniquins, a música ficou muito popular após virar trilha de um bucólico comercial de jeans.
Quem tem menos de 35 anos não lembra disso porque estava sendo concebido ao som dessa música.
Em 2011, McCrane fez uma pequena rendição a esse passado pré-Vingador Tóxico na série Harry's Law (A Lei de Harry).
Confesso, foi de arrepiar em qualquer baile da saudade.
Ah, meus 25 anos.
Mas revendo esses dias Capitão América 2: O Soldado Invernal (2014) em busca de inconsistências e graves descaracterizações, em vão, tive um déjà vu que já havia sentido desde a 1ª vez que assisti ao filme no cinema.
A única mulher a figurar no conselho de segurança ultrassecreto do filme já havia aparecido em Os Vingadores (2012) e fez alguns sinos tocarem por aqui sempre que aparecia. Seja na forma de holograma, ao lado do Charles Widmore ou chutando rabos até se revelar como a Viúva-Natasha-Negra.
Eventualmente venci a inércia, puxei a ficha da meliante e minha vida mudou.
Jenny Agutter era uma das minhas paixonites de cinema dos anos oitenta... aliás, "paixonite" é estepe pra "crush", um termo que soa muito melhor, porém com perda total na tradução. Ser esmagado por algo é a última coisa que penso nessas horas, mas voltando ao assunto...
Jenny fez a doce e altruísta enfermeira Alex no filme Um Lobisomem Americano em Londres (1981). E que se apaixonou pelo próprio e com ele protagonizou aquele final...
Não sei explicar a vontade instintiva de recapitular o conjunto da obra de algum grande nome que se vai. Apelando para o psicologês de boteco, talvez seja a necessidade de um senso de conclusão. Em alguns casos raríssimos, até mesmo uma à altura da figura em questão. O bem conhecido e inesquecível Quando Éramos Reis (When We Were Kings, 1996) cabe aí como uma luva. De boxe.
A despeito de toda a comoção em torno da partida do grande-como-a-vida Muhammad Ali, uma sessão com Quando Éramos Reis é dica sazonal, vitalícia, atemporal. Dirigido por Leon Gast, que co-produz com David Sonenberg e Taylor Hackford, o documentário é lembrado como um dos melhores já feitos sobre Ali e o esporte.
Eu diria que é um dos melhores filmes já feitos sobre qualquer coisa.
Conhecia por alto o grande e audacioso evento que foi a luta no Zaire (atual Congo) em 1974. No chamado "Rumble in the Jungle" um redivivo Ali tentaria recuperar o cinturão dos pesos-pesados do campeão invicto George Foreman, então jovem, talentoso e com concreto nas luvas. Quando assisti o doc, na HBO, no final dos anos 90, finalmente fiquei de frente com a fera.
A luta por si só era o rascunho de um roteiro improvável, tremendamente quixotesca para Ali, mas o evento como um todo foi uma afronta ao bom senso. Promovida por Don King (quem mais?) no Zaire do sanguinário ditador Mobutu Sese Seko, o combate teve início muito antes de alguém subir ao ringue: os incontáveis perrengues dos bastidores iam da infraestrutura inexistente e do adiamento da luta por várias semanas até ao contingente de criminosos e presos políticos que abarrotava os porões do estádio onde ocorreria o evento. E isso era a ponta do iceberg.
Sozinha, a história da "organização" é tão incrível que merecia um filme só pra ela (em parte, existe), mas a verdade é que era apenas a escada para um dos confrontos mais espetaculares da história.
Naqueles tempos, a estrela de Ali ofuscava qualquer coisa que estivesse no firmamento. As gerações mais recentes têm aqui uma boa amostra do charme, carisma e magnetismo irreprimíveis do homem. Das poesias absurdas e da metralhadora trash-talk ao mais absoluto terrorismo psicológico que infligia a Foreman, seduzindo até a população local (inspiração desde sempre!). Mas acima de tudo, a consciência da força que tinham suas observações sociais e políticas somada à postura e à vontade inabaláveis frente a um desafio certamente intransponível - e, pra muitos, suicida. Caprichosamente, quis o destino que o protagonista fosse Cassius Clay, o Muhammad Ali.
Contra todas as chances, não podia ser outro. Nem diferente.
"A jovem geração atual, eles não sabem nada. Alguma coisa aconteceu ano passado, eles não sabem nada sobre. Então essas são grandes histórias, grandes eventos históricos, e eu não estou falando sobre coisas de 1850. Eles não conhecem Malcolm X, não conhecem JFK, Muhammad Ali, Jackie Robinson e assim por diante. Isto é assustador. Eles estão perdendo muito, se eles não conhecem o legado de Muhammad Ali. Porque não importa em qual era você vive, você vê muito poucos heróis verdadeiros."