O Zombie de Ouro nunca primou pela pontualidade, mas verdade seja escrita... de todos os anos de edição, 2016 foi o que menos mereceu o benefício do timing. Parafraseando um velho amigo, que ano excruciante. Foi tão abominavelmente interminável que ainda não terminou - e desconfio que irá perdurar por muito, muito tempo. E além disso, tem outras coisas: me pergunto se ainda é relevante compilar o que mais gostei, se ainda é necessário comentar cada item, se o BZ ainda atravessa mais um ano, se...?
A vida é um mar de incertezas, mas sempre posso contar com minha prolixidade, mesmo que rateando na 3ª idade virtual, com a adoração pela cultura pop, pelo trash e pelo thrash e, claro, com o sorrisão de Coringa que pipoca na minha fuça sempre que destrincho esses assuntos com outros malucos perdidos por aí.
No mais, vamos levando. Com Trumps, Temers, Putins, Lulas e Moros. Yippie-ki-yay para esses motherfuckers.
E mencionando o cinema... o vídeo que melhor resumiu 2016 foi produzido pelo genial Friend Dog Studios num formato de trailer - de filme de terror, claro.
Nada mais adequado para abrir este ZdO.
Simbora, gente.
Os 11 discos
O fato do quarteto inglês The Heavy continuar não seduzindo a faixa mais acessível do público indie - faixa esta composta de indies de final-de-semana, mas ainda assim acessível - é pra mim um mistério. Talvez a situação mude neste quarto petardo, Hurt & The Merciless, que traz seu coquetel de r&b, funk, soul, blues e rock valvulado mais dançante e easy listening do que nunca. Tomara que essa antena da capa seja poderosa o suficiente para fazer o disco reverberar mainstream afora. Nós merecemos.
Anunciem ao mundo: o Claustrofobia é uma das melhores formações thrash metal da atualidade. Entre as 4 ou 5 melhores da esfera azul, pelo menos. Culpa do desnorteante petardo chamado Download Hatred. É world wide foda pra caralho. Metalzão esperto, moderno, primorosamente executado/produzido e com um ódio e brutalidade tão autênticos que te faz reavaliar urgentemente todo o seu mapa da música extrema. O caos é aqui.
Entre o pega-pra-capar vigente de conservadores versus liberais e os cacos que sobraram da indústria musical, Dave Mustaine se tornou uma celebridade heavy metal divertida de acompanhar. Sem virar um jacu reacionário tipo Ted Nugent, tasca lá suas opiniões controversas sobre como seria um mundo perfeito para a América & os americanos. No Megadeth e no campo musical, que é o que vale ainda, também não é dos mais tediosos: vez ou outra tenta entrar de penetra no mainstream yankee e, tal qual um Dick Vigarista headbanger, sempre acaba com o nariz na porta. Aí - só pra ficar em analogias cartunescas - pega a saída pela direita de volta à zona segura do metal e de lá enfileira trampos certeiros como esse Dystopia. Ainda com um indefectível tino para equipes terceirizadas, incluindo aí seu novo xodó Kiko Loureiro, Mustaine mostra que quando está a fim de thrash, sai da reta. Mas só quando está a fim.
Atomic, a trilha do Mogwai para o doc Atomic, Living in Dread and Promise, de Mark Cousins, reitera a impressão que tive quando fizeram o mesmo para o filme Zidane: Um Retrato do Século XXI há exatos dez anos: sem mudar uma nesga de seu m.o. criativo, o quarteto escocês ocupa tranquilo o posto de melhores artesãos de trilhas sonoras do pop (só equiparado pelo Godspeed You! Black Emperor, sejamos justos). E a instrumentação de Atomic é uma das coisas mais lindas que ouvi nos últimos tempos.
O Testament entrou no estúdio tão desfalcado que deixou o índio preocupado. Felizmente, com Eric Peterson inspirado, o veterano Steve DiGiorgio assumindo o baixo, o kraken Gene Hoglan nas baquetas e o próprio Chuck Billy envelhecendo igual vinho no vocal, não deu outra: Brotherhood of the Snake é o melhor álbum saído das 1ª e 2ª (olá!) divisões do thrash metal em 2016. O mais relevante enquanto banda/gênero e agressivo como o inferno numa porradaria semi-conceitual sobre o Illuminati reptiliano que há milênios controla os destinos da raça humana e a impede de progredir. É a única explicação!
Não mexa com o Meshuggah! O grupo sueco é uma monstruosidade metálica de outra dimensão e The Violent Sleep of Reason é ao mesmo tempo uma força imparável e um objeto irremovível. Prosseguindo com a evolução calculada em sua arrasadora discografia recente, thrash, math, noise e progressivo são batidos violentamente no LHC da banda até quase atingir o estado de singularidade. Se continuarem nesse ritmo no próximo disco, adeus mundo.
O Surgical Meth Machine é uma desgraceira electro-hardcore-industrial-esporrenta-fim-da-linha-estrebuchando-no-chão-com-uma-baba-esverdeada-escorrendo-no-canto-da-boca. O projeto começou como homenagem do Al Jourgensen ao velho camarada caído em combate, Mike Scaccia, mas foi ganhando contornos de piração pessoal. Diz ele que o álbum era pra ter de 220 bpms pra cima, mas que se entupiu com tanta cannabis na Califórnia que as músicas saíram devagarzonas. É um fanfarrão mesmo.
O que dizer da saideira épica de David Bowie no iniciozinho de 2016, como que antevendo a mediocridade geral que assolaria o período e preferindo partir, literalmente, desta para melhor? Mais intenso e, logicamente, mais introspectivo que o álbum anterior, Blackstar consuma a relação do artista com o pop esquizóide que tanto amava. Nesse disco também dá pra sacar mais fácil aquilo que o Ed Motta comentou no My Tracks sobre o Camaleão e suas influências de canto tradicional japonês.
Todo álbum novo do Death Grips dá a impressão de ser o melhor da discografia. Com Bottomless Pit não foi diferente. Os caras simplesmente não têm limites. Seja depurando o hip hop, o dub, o reggae, o hardcore, o tecno, o noise, o cadáver do funk metal e o raio que o parta em etecéteras infinitos. E o melhor de tudo: continua não sendo pra todo mundo.
As certezas da vida: morte, impostos e Pixies não faz disco ruim. Mesmo que Head Carrier nem arranhe os classicões da primeira fase (e deveria?), mesmo com atitudes indie-rockstarzinhas como dispensar a baixista gente-fina por uma bobeira boba que só e mesmo com Joey Santiago achando que é Keith Richards a essa altura do campeonato. O fato é que ninguém sabe entortar uma boa melodia como Black Francis e sua turma. E isso hoje em dia, meu amigo, vale euro.
Sempre nadando contra o tempo e o estado das coisas, Iggy Pop tem cunhado uma sequência recente de álbuns sensacionais - seus discos de chanson, Préliminaires (2009) e Après (2012), são estupidamente legais. Post Pop Depression funciona como uma volta ao doce amargor das guitarras (ui), mas o velho Iguana esteve bem assessorado por quem aproximou a velha garagem do art rock: as Rainhas da Idade da Pedra Dean Fertita, Matt Helders e o onipresente Josh Homme, que também produz. Com um climão de fim-dos-tempos e aquela calma desesperadora que só Iggy sabe destilar, não tem como não associar o disco à nuvem pesarosa deixada por seu irmão musical/espiritual David Bowie.
Também valem:
Adore Life, Savages
Hidden City, The Cult
Book of Shadows II, Zakk Wylde
Nucleus, Witchcraft
Ritual Spirit (EP), Massive Attack
Not the Actual Events (EP), Nine Inch Nails
Barbara Barbara, We Face a Shining Future, Underworld
Melhor capa
Gore, do Deftones.
Nem ouvi o disco ainda, mas olha só essa capa!
Aquisição do coração
Gibi na área! Levando em consideração o fluxo desembestado de lançamentos num mercado hiper/ultra/superaquecido, contrariando a própria realidade econômica do país, fica até difícil instaurar uma ordem de relevância. Em 2016 os colecionadores de HQs tiveram a oportunidade de realizar vários feitos conforme a dispo$ição do momento.
No meu caso, foi demais enfileirar tudo dos incomparáveis X-Men de Chris Claremont e John Byrne em capa dura, fechar todo o Hellboy já publicado no Brasil (ainda que de forma não tão espetacular), fechar Tex Gigante em Cores (via Black Friday, óbvio) e finalmente pôr minhas patas sujas em A Liga Extraordinária: Dossiê Negro, Fax de Saravejo do mestre Joe Kubert, nos TPs do Pato Donald por Carl Barks, nas sequências de Gotham de Brubaker/Rucka/Lark e Demolidor de Bendis/Maleev e mais alguns outros.
Na seara brazuca, também muita coisa legal: Rasga-Mortalhas, de Diogo Vercito e Pedro Vergani, Mundo Paralelo: Aventura e Ficção 1 e o encadernão Brakan do grande Mozart Couto fizeram meus olhos reluzirem. Estamos indo bem - diremos "obrigado" mais pra frente se tudo continuar bem.
Mas disparando na reta de chegada, sem ninguém esperar... e aposto que todos os autores e artistas citados acima concordariam... está Sharaz-De - Contos de As Mil e Uma Noites, do gênio italiano Sergio Toppi (1932-2012). É uma obra-prima.
Uma belíssima publicação da Figura Editora que simplesmente não dá pra explicar com palavras ou fotinhos de celular e internet. Esse funciona em um nível sensorial só ativado por contato táctil.
Divagações mercadológico-HQzísticas:
- Amazon e Saraiva disputam a liderança das megastores virtuais ferozmente com motosserras, sabres de luz e cara de poker. Porém, a Amazon se revelou uma mistura de Galactus e Bill Gates, com ofertas e táticas claramente predatórias que um dia se voltarão contra nós sem uma gota de vaselina. Mas continuamos comprando. Malditos sejamos.
- Entre as duas gigantes, Fnac e Livraria Cultura se acotovelam. São as alternativas imediatas ao temível "produto indisponível" e já me salvaram em tempos de seca. Não são dadas a bons descontos ou fretes (especialmente a segunda), mas de vez em quando até fazem um cafuné no bolso do consumidor. É ficar de olho.
- Liga HQ, um ano pra esquecer. Problemas com distribuidores é uma coisa, entregas não realizadas de pedidos fechados é outra completamente diferente. Sem atualização no site há tempos, será quase impossível recuperar a credibilidade perdida. Uma pena. A loja virtual priorizava os checklists recentes (incluindo o complicadinho material Salvat) com valores irrisórios de envio/manuseio. Preenchia uma lacuna essencial, tanto pela praticidade quanto pra quem perdeu uma edição só porque foi à banca no dia errado. Pena mesmo. De verdade.
- HQM, seu espírito está nesta sala?
- Comix continua desconhecendo Black Friday, envios por impresso econômico ou mala direta e segue salgando no frete. Mas justiça seja feita, promoveu e promove várias ofertas interessantes no site. Chorei com Gunnm completo a 50 mangos.
- Mercado Livre, a terra maldita. Só pra navegantes pro - e às vezes nem pra eles. Mas ainda é imprescindível, apesar dos infames mercenários livres. Ah, como foi lindo vê-los tomando na tarraqueta com os relançamentos de O Evangelho Segundo Lobo e A Morte do Superman... E será mais lindo ainda com os relançamentos que virão...
Filme do ano
O extemporâneo A Chegada. Ao verter a ficção-científica e o 1º contato com extraterrestres para seu próprio estilo, Denis Villeneuve escreveu um belo, dramático e triste relato de humanidade. Clássico certo para os anos que virão. E ele tomou gosto pela coisa.
Filme-pipoca do ano
Capitão América: Guerra Civil é divertido, frenético, tenso e bem-humorado na medida. E com a melhor sequência de superporradaria em grupo já filmada provando que, sim, é possível uma splash-page do George Pérez em versão live-action funcionando na telona.
Ao pior filme-pipoca do ano:
Só pra constar: conferi a edição extendida com muita calma e amor no coração. E o que vi, piora a coisa toda diametralmente. Pelamor...