"And then one day you find ten years have got behind you / No one told you when to run, you missed the starting gun..."
E realmente já se passaram dez anos desde aquele insano ZdO 2007. Como foi que isto aconteceu? Lembro até das incessantes rodadas de combustível - marca Cafuso, forte e com muito açúcar. É realmente triste ver dez anos se desfazendo diante dos olhos como se fossem dez minutos, mas pior ainda é ver nossos heróis caindo como moscas a cada ano. E só vai piorar. Os próximos 10 anos serão terríveis neste sentido.
Mas isso me faz pensar... em 2018 o BZ não só completa improváveis 15 outonos, como já ultrapassou essa marca desde o ano passado, se contar a época em que remava na canoa furada do Blogger Brasil. Se é legal, não sei. Da geração que começou comigo, ficou quase ninguém. Todos migraram de mala e cuia para alguma terra prometida. Da minha parte, hobby e velhos hábitos me manterão aqui por mais algum tempo.
O Zombie de Ouro 2017 é provavelmente a edição mais sucinta de todas, por um motivo muito simples e correlacionado com essas divagações: em termos de cultura pop, passei mais tempo nas décadas de 1960, 1970 e 1980 do que neste século, fácil. Realmente me interessei por pouco ou nada do que foi oferecido no ano que passou, seja aqui dentro ou lá fora. O pouco do hype que experimentei me fez dar meia volta com um gosto amargo na boca. Não é mais pra mim. I'm too old for this (new) shit.
Saudades de quando "Time" era só uma das músicas da Hollywood.
Mas vamo-que-vamo!
Pensei que já havia zerado os indie-alternativos nesta vida, mas foi uma grata surpresa este Visions of a Life, 2º disco do Wolf Alice. Com desenvoltura notável, o quarteto londrino passeia pelo shoegazer e pelo noise barulhentos e sujões até mergulhar em etéreas viagens synth e dream pop. Tudo pontuado pela voz docinha - e por vezes brabona - da alice-girl Ellie Rowsell. Um perfeito Sonic & Mazzy Chain. E dizem que o debut é melhor ainda.
Só a Relapse mesmo. É raro uma banda com fixação em Lemmy & seus Motörheads não afundar no chupim dos mais redundantes. A grande sacada do Tau Cross foi fundir essa referência com outra tão abrasiva quanto: o pós-punk casca-grossa do Killing Joke. Pode até soar pretensioso, mas basta alguns segundos de qualquer som deste Pillar of Fire pra ver o esporro comandado pelo baixista e roucalista Rob "The Baron" Miller, do Amebix, ao lado do batera Michel Langevin - o Away do Voivod e também ilustrador daquelas capas insanas que eles têm. A cereja, claro é a voz de Miller, que lembra uma cria bastarda e horrenda de Mr. Kilmister com o loucão Jaz Coleman, do KJ. De fato, parece algo que fugiu do tanque de isolamento do filme Altered States, do Ken Russell. Legal demais.
O título About Time é de uma ironia perfeita, visto que os suecos do Horisont seguem lançando alguns dos melhores discos setentistas do século 21. Trafegando entre o hard blues do Purple, guitarras à Thin Lizzy e até o Rush fase John Rutsey, chega a ser um pecado não ouvir essa maravilha num bolachão. Quase dá pra escutar o chiado da agulha deslizando nos sulcos de vinil antes de cada música. E que música. De uma época que definitivamente não foi o ano passado.
Depois de um sumiço de 17 anos, a volta mais improvável entre as bandas mais subestimadas do planeta: o Galactic Cowboys! Yippee ki-yay, motherfucker! Long Way Back to the Moon reapresenta o grupo texano em inacreditável grande forma, lembrando bem da época em que fundiam os neurônios dos críticos e da legião de fãs (eu e mais uns dois). É pop? É rock? É progressivo? É hard? É thrash? Não é nada disso. E é tudo isso. Ao mesmo tempo. Ainda. Sensacional.
Confesso que nunca fui muito com os córneos do metalcore - estilo fake news total, em que é comum um grupo soar como um leão enfurecido à 1ª ouvida e virar rapidamente um gatinho siamês nas audições seguintes... mas não antes de você ter anunciado ao mundo que acabou de descobrir a banda mais pesada da história humana. Felizmente não foi o que aconteceu com o Code Orange, ainda. O combo da Pennsylvania tem lá um ou dois momentos pra descansar o sensorial, mas no geral é uma aberração de ódio e agressividade. Forever é um batidão violento de hardcore, thrash, noise e industrial produzido pelo Kurt Ballou, do Converge - outra instituição do metalcore puto da cara que também lançou disco em 2017, mas não tão resoluto, desgracento e carne de pescoço quanto este.
Post Self dá sequência à ressurreição do Godflesh após o lindo apocalipse de A World Lit Only by Fire, de 2014. A expectativa (minha) batia na exosfera. Desnecessário: Justin Broadrick e G.C. Green são a alma do monstro e mantiveram intacta sua natureza imparável e irremovível. A novidade é que a dupla trabalhou mais a relação de suas personalidades metal e eletrônica sem abrir mão de mexidão udigrúdi pra dar a liga. E dá-lhe trips shoegazer, drone, hip hop experimental e outras pirações em meio a um pesadelo industrial que só posso comparar a um compactador de solo em forma de música.
Rincon Sapiência já está na pista há pelo menos 17 anos, mas só agora chega ao seu excepcional álbum de estreia, Galanga Livre. Toda a bagagem acumulada em bandas, singles e mixtapes teve um reflexo bem perceptível no álbum - Sapiência é um dos melhores rimadores da atualidade e só a faixa de abertura, narrando a saga de um quilombola cheio de sangue nos zóio, já merecia uma adaptação pro cinema. Igualmente fascinante é a autoconsciência do rapper paulistano, que usa e abusa do rock, melô, pancadão e o que for preciso para conferir um aspecto mais orgânico ao seu ritmo. E à sua poesia. Discaço.
The Horrors é uma daquelas bandas que nunca entendi muito bem. Incensada por fãs e críticos hip e com uma aura de playboys cult que me lembrava o auê em torno do Arcade Fire anos atrás (e hoje, cadê?). O som, meh, legal, mas se é pra ser estranho e atmosférico, por que não partir logo pro nargilé completo? Goodspeed You! Black Emperor, Mogwai, Tortoise. Ou então uns krautrock da hora, mano. Mas com V foi diferente. Esse bateu. Talvez pela produção coesa como chumbo, talvez pelo show de cores dos arranjos, talvez pelas influências bem dosadas de industrial, sei lá. Só sei que no momento meu coração derrete pelo Fab Five. Tudo rodando direitinho e com troféu imaginário entregue, lá vou eu atrás dos álbuns anteriores pra (re)ver o que perdi. E no atual cenário de mil coisas pra ler, ver e ouvir... The Horrors... The Horrors...
Até que o Grammy Latino acerta de vez em quando: o rapper porto-riquenho Residente empilhou indicações com seu debut homônimo. Totalmente merecido. Residente - codinome de René Juan Pérez Joglar, segundo o Wikipedia - confere ao rap enquanto gênero uma visão macro de mundo. Uau. É o mínimo que se pode dizer de uma jornada que sai da latinidad, atravessa paisagens da mitologia chinesa e do mais puro chanson francês até chafurdar nos desertos do Níger - e olha o Bombino ali, esmerilhando sua guitarra rock-tuareg na faixa "La Sombra". Tudo isso em pouco menos de uma hora. Uma hora que me deixou maravilhado com o que ainda tinha/tenho que assimilar.
Curto a música de Beck desde que despontou no mainstream. Ainda ouço "Loser" com o mesmo entusiasmo do dia 1. Admiro demais seu arrojo na categoria one-multi-instrumentista-produtor-band - a mesma que botou Trent Reznor contra Puff Daddy no saudoso Celebrity Deathmatch. Mas algo aconteceu com esse menino de 50 anos lá pelos idos de 2014, quando pariu Morning Phase, um dos discos mais deprê, dor-de-cotovelo e apagados que já ouvi nesta vida. Perto daquelas músicas de corno terminal, "Something in the Way", do Nirvana, parece marcinha de carnaval. Pois bem, nosso garoto parece ter encontrado uma nova rapariga para lhe fazer aquele gostoso cafuné no cangote: o novo Colors é alegre, alto-astral, cativante e cheio daqueles detalhezinhos arranjísticos que fizeram a fama desse talentoso ratinho de estúdio. Finalmente acenderam o Beck!
Adorei o artigo do Decibel Magazine relacionando o insucesso comercial do Warrior Soul com o fim da era hard rock dos anos 80 - com a banda sendo colocada erroneamente no mesmo saco pela percepção midiática baseado nas longas madeixas do vocal Kory Clarke! - e o então emergente (e já poderoso) Rage Against the Machine assumindo a boina do "rock de protesto" que deveria ser deles. É um barato. Principalmente porque faz sentido numa semiótica caolha e perneta, do jeitinho que o nosso mundo funciona. Não teve Lars Ulrich elogiando que fizesse a banda decolar, mas ao menos é legal ver que Clarke & cia desencanaram disso há tempos. Back on the Lash parece abraçar o gueto hard em que os colocaram: é raçudo, divertido, ensolarado e deliciosamente datado. E no momento é disso mesmo que precisamos. Pra ouvir guiando. E no talo.
Machine Messiah foi o 1º grande álbum que ouvi em 2017. E meio que mais um divisor de águas entre o Sepultura atual e os fãs saudosos do antigo. Se a banda sempre evitou repetir o mesmo álbum, aqui se superou. Tudo soa tão diferente do que já fizeram antes que provavelmente foi a pá de cal pra muita gente em relação ao grupo. É certo que a liderança de Andreas Kisser nunca esteve tão evidente antes - faixas como a supreendente instrumental "Iceberg Dances" só pode ter saído daquelas trocentas horas de prática diárias. E assim caminha o nosso maior grupo de rock em todos os tempos: ora lentamente, ora a passos largos; ora Sepultura, ora Andreas Kisser.
Charles Edward Anderson Berry, o Chuck Berry, dispensa apresentações (espero). Antes de deixar o plano terrestre no início de 2017, ele já havia deixado no forno este bom Chuck, seu primeiro disco em quarenta (!) anos. Não é a reinvenção da roda que ele mesmo inventou, apenas uns blues e boogies saborosos que se habituou em enfiar entre um rock and roll faiscante e outro. O clima é de celebração. A filharada está lá também, se divertindo ao lado da The Blueberry Hill Band. Tom Morello toca guitarra na música "Big Boys". E tem a sequência do hino "Johnny B. Goode" - claro, "Lady B. Goode". Duck walk, riffs e sabedoria - essa poderia ser a fórmula química da diversão. E Mr. Berry o seu louco cientista-chefe. Vida longa ao Rei.
Menções honrosas!
War Moans, Mutoid Man
Hiss Spun, Chelsea Wolfe
Luciferian Towers, Godspeed You! Black Emperor
Terra Selvagem (Wind River, dir. Taylor Sheridan)
Kid Kruschev (EP), Sleigh Bells
Emperor of Sand, Mastodon
The Orville S1 (Fox)
Native Invader, Tori Amos
The Exorcist S2 (Fox)
A Place Where There's No More Pain, Life of Agony
E aquele expediente que você já conhece: dicas, concordâncias e discordâncias na ouvidoria aí embaixo. Ou depois.