Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania dá sequência ao segmento mais Sessão da Tarde da
Marvel Studios. E cumpre bem sua missão, diga-se. Em termos de escopo, dá até para afirmar que
Quantumania é o
Vingadores: Ultimato do
Homem-Formiga. Paradoxalmente aos diminutos heróis e heroínas, no filme tudo é diverso e grandioso. A grande referência do diretor
Peyton Reed certamente foi o universo de
Star Wars, com seus diferentes mundos, espécies e culturas. O que, ao pé da
Marvel, pode e deve ser traduzido como histórias a perder de vista. O trocadilho ruim vai de brinde.
Uma impressão que tenho desde
Homem-Formiga, de 2015, e intensificada por
Homem-Formiga e a Vespa, de 2018, é da extrapolação deliberada dos limites do personagem. O universo subatômico sempre foi muito mais o métier de sua contraparte da DC, o
Eléktron — no original,
"Atom", cuja estreia nas HQs se deu 3 meses antes, em outubro de 1961. Quarks me mordam se isso não foi mais uma roubada de bola da Marvel nos cinemas.
Para compensar, a DC chegou primeiro na Atlântida...
Mas o maior feito de
Quantumania talvez tenha sido o de arrumar a casa depois do evento
Ultimato. E o formigão
Scott Lang, por incrível que pareça, teve muito a ver com tudo aquilo. Foi na cena pós-créditos do 2º filme que ocorreu a primeira resposta cronológica ao
Estalo de Thanos no final de
Guerra Infinita. O que acachapou o público que não lê gibi e não está acostumado com essas coisas.
Além disso, o Homem-Formiga foi o fio condutor do épico que concluiu a fase 3 do Universo Cinematográfico da Marvel. O que acachapou o público que lê gibi e está acostumado com essas coisas.
A premissa é a pura fórmula Disney. O herói está curtindo uma idílica vidinha de subcelebridade, o relacionamento com
Hope, a
Vespa, é sonho de uma noite de verão, a filha
Cassie está com 18 e os sogros
Hank Pym e
Janet van Dyne estão finalmente reunidos. Tudo está às mil maravilhas até que um experimento suga todos para o
Reino Quântico. Ao contrário do lugar estéril e asséptico que imaginavam, eles se deparam com um mundo repleto de vida, com tecnologia avançada e dominado por um tirano. Também descobrem que Janet esteve bastante ocupada nos 30 anos que passou no exílio quântico.
A versão disso com fidelidade aos quadrinhos é o sempre divertido
Querida, Encolhi as Crianças, de 1989, onde ninguém fica menor que saúvas.
Primeiro e mais importante: é a estreia cinematográfica de
Kang,
o Conquistador. Arqui-inimigo jurássico e juramentado dos
Vingadores e complexo até a medula para adaptar. Só com uns 15 anos de cronologia obsessivamente coesa de filmes e séries interligados isso seria possível e, olha só, a Marvel tinha o pacote completo.
Aliás, o termo "cronologia" é deveras adequado para um personagem que reescreve a sua própria o tempo todo. Kang não tem uma vida linear. Tem infinitas versões de si mesmo em vários pontos do tempo e do espaço e, tecnicamente, é impossível de ser morto. Seus
doppelgängers não são flor que se cheire — os mais bonzinhos são completamente loucos, como
Aquele que Permanece, o mágico por trás da 1º temporada de
Loki (
?reliops, spo). E o Kang de
Quantumania é vilão por excelência, numa muito boa atuação do figura
Jonathan Majors.
Deve ter feito um laboratório excepcional. Ou se baseado em alguma experiência própria, sei lá.
É sempre um prazer ver veteranos abarrotando suas contas bancárias enquanto se divertem em cena. É o caso de
Michael Douglas e
Michelle Pfeiffer, novamente em ação num filme pipoca. Até
Bill Murray comparece num
cameozinho pra lá de manjado. Duvido que os três tenham se acostumado a contracenar com o vazio absoluto num imenso set verde. E duvido que tenham sequer arranhado o resultado final das cenas após o tratamento digital. Mas não duvidaria se me dissessem que é o filme da Marvel com a maior quantidade de CGI já produzido.
Felizmente, a textura artificial não me incomodou nem um pouco. Veremos daqui a uns anos.
A Vespa/Hope de
Evangeline Lilly continua doce, carismática, corajosa e proativa, embora em nada lembre a igualmente doce, carismática, corajosa e proativa
Vespa das HQs — que era a
Janet, por sinal, e faça um favor a si mesmo e (re)leia a deliciosa
Homem-Aranha #84, da Abril. Em relação aos filmes anteriores, ela teve menos espaço desta vez, porém a melhor sequência de ação F/X, a da "Tempestade de Probabilidade", é co-protagonizada por ela.
Já
Kathryn Newton é a
terceira atriz a dar vida à Cassie Lang. Pessoalmente, havia gostado da breve atuação de Emma Fuhrmann em
Ultimato, que é cinco anos mais nova que a Newton, inclusive. Vai entender. O fato é que a Cassie 1.8 é uma jovem adulta ainda com uma aborrescência vestigial correndo nas veias. Mas vem do ativismo dela algumas infos importantes sobre o caos social causado pelo Blip, como o aumento calamitoso da população de sem-tetos após o retorno dos 50%.
E mais uma vez me pergunto quando a
Disney+ vai bancar uma série Marvel protagonizada por
pessoas comuns, como nos quadrinhos
Damage Control,
The Pulse e
Código de Honra. Seria ideal para abordar esses aspectos mais sociais e mundanos.
O filme também presenteia
Paul Rudd com as melhores deixas dramáticas da série até aqui. Nunca vi Scott tão desesperado e com sangue nos olhos. A cena em que Kang precisa quebrar o herói para coagi-lo a obedecer até é previsível, como tudo no filme, mas espetacular pelo nível da troca entre Rudd e Majors. É um ator brilhante e o melhor comediante do MCU, fácil. Paul Rudd merece o mundo. Mesmo que seja o subatômico.
O grande problema de
Quantumania está mesmo no excesso de convenções do roteiro de
Jeff Loveness (de
Rick & Morty e diretor do próximo filme dos Vingadores). Isso vai desde o exército de Kang, composto por sub-Stormtroopers ainda mais incompetentes, até o deus ex machina do final que deu para telegrafar nos primeiros cinco minutos do filme, sem brincadeira. Do lado positivo, não derrapa nas regrinhas básicas de
storytelling e consegue criar mais atalhos para ideias da... Casa das Ideias.
O resgate da guerreira
Jentorra, papel de
Katy O'
Brian, foi um desses. Jentorra é do mundo subatômico K'ai e sobrinha da saudosa
Rainha Jarella, que a partícula de Deus a tenha. Penso também em possibilidades como os
Micronautas de Michael Golden e Bill Mantlo, mesmo originários de uma linha de brinquedos hoje
moribunda.
Fora o
Quarteto Fantástico, com filme marcado para 2025 e que tem tudo a ver com esse contexto de "Família Sci Fi" X pseudociência pop.
E precisamos falar sobre o
M.O.D.O.K. — ou
Mecanorganismo Operacional Destinado à Ocisão e Carnificina, na versão pt-br atual. Admiro a coragem, mas esse ícone da bizarrice Kirbyana não foi feito para funcionar fora dos quadrinhos. Ao menos não a sério. No filme, nunca passa da galhofa, porém, rende a boa piadinha com o acrônimo e a sua última cena, que me fez rachar o bico com gosto.
Fazer o quê. Sessões da Tarde têm dessas coisas.
Ps: rolam duas cenas pós-créditos. Ambas relevantes. 🐜 🐜