sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

5&20 e os Numerões


Big Numbers é a maior obra inacabada dos quadrinhos. A maior, não a melhor. Por maior, entenda-se como a HQ que gerou mais discussões, especulações e lendas urbanas do porquê foi abandonada. O silêncio dos pais pródigos Alan Moore e Bill Sienkiewicz ficou ensurdecedor com o passar das décadas e o mito ganhou vida. A esta altura do campeonato, qualquer dado novo vai imediatamente para registro.

A história até aqui foi mais ou menos assim: Big Numbers foi lançada em 1990 pelo defunto selo Mad Love, do próprio Moore. Inicialmente, foi projetada como uma graphic de 500 páginas divididas em 12 edições. A trama era complexa e se utilizava de conceitos de Geometria Fractal e Teoria do Caos para abordar os efeitos socioeconômicos da chegada de uma gigante varejista em uma pacata comunidade inglesa. Seria a primeira incursão de Moore fora do gênero fantástico e sua primeira colaboração com Sienkiewicz desde Brought to Light, de 1988. O detalhismo obsessivo de Moore e Sienkiewicz, no entanto, logo cobrou seu preço. A primeira edição saiu em abril de 1990; já a segunda, só em agosto.

Sienkiewicz usava modelos para desenhar e a situação se complicou quando os mesmos ficaram indisponíveis. Ele então larga a série no meio da produção do #3, com apenas 10 páginas finalizadas. Para tentar salvar o projeto, entram no jogo a editora Tundra, de Kevin Eastman (cowabunga!). Após considerarem Jon J Muth, Dave McKean e outros possíveis substitutos na arte, acabam optando por Al Columbia, que era assistente de Sienkiewicz – e certamente muito mais barato. Mas a pressão, tanto da deadline quanto do escopo do projeto, amassam o jovem artista, então com 19 anos, que pira na batatinha, larga Big Numbers antes mesmo de completar a 4ª edição e destrói todos os originais que desenhou – milagrosamente, ainda conseguiram salvar as páginas que ele fez para completar a edição abandonada pelo ex-patrão.

O resto é lenda, cara.

Pessoalmente, sempre achei frescura um quadrinista depender tanto de modelos vivos para criar a sua arte. Isso vale tanto para Sienkiewicz, quanto para Tim Bradstreet e o Mike Deodato Jr. Todos incríveis, mas, antes de tudo, eles são os criativos visuais da equação, pô. Fora que existe um sem-número de recursos difundidos nos comics para dar aquele tapinha na arte e no ritmo dos trabalhos. De referências ao mais puro e deslavado tracing. Até os melhores já apelaram pra isso. Então sempre achei essa desculpa do 5&20 um tanto esfarrapada. Me parece que o motivo era outro (ou simples pretexto para sartar fora) e ele preferiu sair pela tangente. Vai saber.

O fato é que, em raríssimas ocasiões, tanto o Bill quanto o Alan arriscam algumas palavrinhas sobre a maior-graphic-que-nunca-foi. E hoje foi uma delas.

A bit of a dissertation. This showed up in my YouTube feed. On Friday the 13th no less. Be that as it may, It’s...

Publicado por Bill Sienkiewicz em Sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

“Um pouco de dissertação.
Isso apareceu no meu feed do YouTube.
Na sexta-feira 13, nada menos.
Seja como for, é a primeira de duas partes, de aproximadamente quatro horas, de Alan Moore e minha série autoral inacabada, Big Numbers.
Algumas pessoas devem se lembrar. Ou melhor, lembrar de todas as conjecturas, rumores e ruminações sobre o que levou ao seu colapso final.
Não tenho muitos arrependimentos de carreira (sou um cara que aprende com seus erros e com os dos outros e segue em frente), MAS se eu tivesse uma lista dos três primeiros, Big Numbers certamente seria o número 1.
Parei de assistir depois de cerca de dez minutos. Isso não é culpa dos resenhistas (posso ver que eles são sujeitos sérios e conscientes); apenas me ocorreu que já discuti essa obra-prima malfadada inúmeras vezes ao longo dos anos e não tinha certeza se queria rastejar por essa toca de coelho em particular mais uma vez.
Na verdade, e desculpem a digressão, eu fiz uma entrevista filmada de três horas (parte um do que seria um mergulho profundo completo de várias partes) explorando cada fator contribuinte de BN com meu falecido amigo, Jon Schnepp.
Era para os donos de uma revista de cultura pop chamada Complex; seus planos eram se ramificar no mundo da SpikeTV e transformar a entrevista em algum tipo de documentário, série ou exposição; tanto faz.
Infelizmente, Jon já faleceu; as entrevistas restantes nunca aconteceram, a equipe e os produtores desapareceram. A filmagem está por aí em algum lugar.
E embora eu entenda a curiosidade em torno da série – e eu mesmo esteja honestamente curioso para ver como essa equipe aborda sua dissecação – ainda estou esperando por enquanto. Mas para algumas pessoas curiosas por aí, pessoas que não me viram suspirar e dar de ombros e fazer careta e revirar os olhos pessoalmente quando o assunto foi levantado, aqui está o link para a primeira metade.”




Não tenho a menor dúvida de que se alguma editora brasileira resolvesse lançar Big Numbers, mesmo incompleto, iria derrubar o site da Amazon.

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