domingo, 17 de agosto de 2025
Kneel before Stamp
O tempo segue impassível, irreversível e inadiável para a minha geração. Se foi o General Zod. Se foi o grande Terence Stamp.
O ator britânico contabilizava uma carreira de 65 anos. Nasceu na Londres em chamas castigada pela Blitz alemã. Foi contemporâneo e colega de figuras como Michael Caine, Peter O'Toole e Lawrence Olivier – só fraquinho. Adepto d'O Método, Stamp desenvolveu um estilo muito peculiar de atuação em que explorava as nuances do Brooding Silence ou "Silêncio Sombrio".
A técnica consistia na expressão fechada, taciturna, estóica, do não-dito, com aquele ar introspectivo e enigmático de filósofo profundo, como se palavras fossem um estorvo absolutamente desnecessário. De fato, Stamp era considerado o "Mestre do Brooding Silence". O fazia tão bem que isso transparecia lindamente mesmo em fotos casuais.
Nunca mergulhei como deveria na filmografia de Stamp, mas tudo que vi foi de bom a excelente: a adaptação de quadrinhos Modesty Blaise (1966), o faroeste pop Young Guns (1988), o divertido Priscilla, a Rainha do Deserto (1994), Operação Valquíria (2008) e, claro, os dois Superman. Ele conseguia até mesmo sair ileso das pequenas participações que fazia em produções mequetrefes – como o seu memorárel Stick, em Elektra, por exemplo. E não posso esquecer do meu filme favorito com ele protagonizando, o tenso thriller O Estranho (The Limey, 1999).
Aliás, ainda mantenho o DVD de O Estranho num lugar de honra. Perdi as contas de quantas vezes assisti. Filmaço.
Hoje o mundo ficou bem menos classudo. E silencioso.
Thank you for everything, Terence Stamp.
sexta-feira, 15 de agosto de 2025
Desafiadores do Conhecido
Onde estávamos mesmo? Ah, sim... no novo filme do Quarteto Fantástico.
Após seis décadas de quadrinhos, desenhos e sofridos quatro filmes (3½, na verdade), os primeiros passos de Quarteto Fantástico: Primeiros Passos seguem como os mais difíceis de trilhar. É uma ironia paradoxal. A cronologia é vasta e todos os seus clichês e arquétipos são reconhecíveis a parsecs de distância: um núcleo familiar, ou quase, protagonizando histórias que aliam fantasia, misticismo, mitologia e, claro, ficção científica a um contexto pop-aventuresco para toda a família. É um pacotão de entretenimento vencedor que sempre foi mantido atualizado.
Por algum motivo, no caso do Quarteto, a coisa invariavelmente adquire contornos complexos de concepção, transposição e execução. Talvez por lidar diretamente com o material bruto, bizarro e fantasticamente doidão criado por Jack Kirby e Stan Lee. Mais do que qualquer coisa que fizeram na Marvel, a química da dupla no Quarteto era da pura. A fine entry drug, difícil de reproduzir com integridade fora daquela mídia. Então, cada vez que se cogita um novo filme da "Primeira Família", é um drama, quase como se fosse algo infilmável. Primeiros Passos talvez seja o, arram, primeiro passo do mythos original rumo ao sonho descomplicado de uma franquia de verão.*
* não me refiro à performance nas bilheterias, onde o longa afundou drasticamente nas semanas seguintes, mas ao potencial escapista por excelência. A normalidade de sentar em frente à tevê, abrir uma cerveja e ver super-heróis viajando até um universo de antimatéria para sair no braço com um gafanhoto antropomórfico de metal. É pedir muito?
O diretor Matt Shakman é veterano de séries, de Game of Thrones e The Boys a Succession e WandaVision, quase um test drive da abordagem vintage de Primeiros Passos. Sabia exatamente como lapidar e conferir gravitas ao roteiro formulaico escrito a oito mãos (fora o aveludado par da Kat Wood, coautora da premissa). Particularmente, tinha minhas restrições com a ideia do filme se passar no ano de 1964 de um universo/realidade alternativa, apesar da jornada acachapante pelo Multiverso na série Loki – e não existe nada mais over-the-top no MCU do que Loki. Felizmente, a opção teve 99,9% de aproveitamento.
Os personagens parecem pertencer à tal Terra-828 bem mais do que à ilha de cinismo e irreverência da Terra-616 (ex-Terra-199999). A bela direção de arte futurista retrô à Syd Mead, além de um delicioso e irresistível guilty pleasure, também evidencia o impacto social, político e tecnológico causado pela existência de um Quarteto Fantástico naquele mundo. Algo bem Watchmen, se o Grande Barba me permitir a referência.
A trama é o basicão do sci fi pré-apocalíptico. Lá, o Quarteto Fantástico já existe há quatro anos, é adorado pelo público e, através de sua Fundação Futuro, tem parcerias com todos os governos (menos o da Latvéria!). Coisa, Tocha Humana, Mulher Invisível e Senhor Fantástico são celebridades pop defendendo o Silver Age Way of Life de supervilões da 2ª divisão. Isso até a chegada da Surfista Prateada anunciando a vinda de Galactus e o fim do mundo. A partir dali, a escala deixa de ser global e se torna cósmica.
A transição de escopo é sensacional. Dá pra sentir toda a tensão, medo e incerteza do Quarteto – em especial, de Reed Richards – frente ao imponderável pela 1ª vez. Pedro Pascal anda onipresente e triscando na hiperexposição (falta só fazer comercial da Bombril), mas tem uma grande vantagem: é um excelente ator. Transmite com maestria toda a frustração e impotência de Richards, com seu controle emocional e pensamento lógico ruindo diante de uma ameaça com tecnologia e poder vastamente superiores.
Já o Coisa de Ebon Moss-Bachrach (o Richie, de The Bear), visualmente, é o melhor Coisa que o dinheiro da renderização digital poderia comprar. Fidedigno. No texto e na caracterização de Moss-Bachrach, porém, deixa um pouco a desejar com a voz suave e um perfil bonzinho/paciente/conformado demais. Assim fica fácil para a Gangue da Rua Yancy. Prefiro o Michael Chiklis.
A Sue Richards de Vanessa Kirby, cheia do soft “girl” power, e o maninho Johnny de Joseph Quinn (keep metal, Eddie!) foram a primeira surpresa para mim. Além de cativantes, ambos têm as melhores cenas entre os quatro e decidem a partida com jogadas individuais em momentos-chave. São os grandes protagonistas do filme.
A outra surpresa foi a controversa Surfista Prateada Shalla Bal, numa escalação que se mostrou muito acertada no final das contas. Primeiro, porque Julia Garner é uma atriz espetacular, saltando do aterrorizante ao fragilizado com uma desenvoltura... fantástica. Segundo, a desconstrução da personagem ao longo do filme deixa sua figura ainda mais trágica e humana, com todos os seus erros, adversidades e superações. E terceiro, é dela as sequências de ação mais eletrizantes do filme, com a Surfista de fato surfando em um rio de lava, em perseguição faster-than-light ao Quarteto dentro de um buraco de minhoca e até no campo gravitacional de uma estrela de nêutrons. A tela grande ficou pequena.
E Galactus. Na cena em que ele é apresentado num crescendo nervoso, emergindo lentamente das sombras, confesso que até esqueci de respirar. Sonho realizado #385, check.
Pode ser a saudável influência de James Gunn em assumir o esdrúxulo para o mundo sem medo de ser feliz. O fato é que o velho Galan enfim saiu das páginas em toda a sua glória live action – armadura roxa e balde na cabeça inclusos. O vozeirão basso profondo do britânico Ralph Ineson confere um tom imponente, solene e ancestral ao Devorador de Mundos. O design segue o padrão clássico das HQs quase à risca, com linhas e detalhezinhos high tech ao longo da gigantesca armadura, lembrando a concepção do artista italiano Giorgio Comolo. Na Terra, ele é um arranha-céu ambulante, muito maior que nos quadrinhos.
Logicamente, algumas bolas batem na trave. Ao invés de consumir os planetas diretamente com o auxílio de seus conversores, Galactus tritura os astros em sua nave como se fosse o Unicron. Bem menos impressionante. A nave, aliás, parece ser a Star Sphere que Galactus usa quando sai de Taa II, sua nave-mãe-pai-e-avós com as dimensões de um sistema planetário. Pena não rolar ao menos uma frase com um fanservice maroto.
Outro detalhe esquisito foi a fuga do Quarteto da nave. Como nas HQs, o Galactus do filme pode imobilizar seus oponentes com o pensamento, assim como faz com a Surfista em dado momento. Então não tem muito sentido aquela correria toda, senão o fruto de uma procrastinação galáctica.
Sobre a celeuma em torno da Mulher Invisível empurrando Galactus, posso listar umas notas de argumentação: 1) Sue é uma mãe defendendo o seu filho (além da Terra, óbvio); 2) A verdadeira extensão de seus poderes nos quadrinhos é tema de discussões a perder de vista e é algo que pode e deve ser aplicado à sua contraparte cinematográfica – e sabiamente evitaram o sanguinho no nariz; 3) Por fim, Galactus estava pronto para sua próxima lauta refeição e, portanto, com fome, enfraquecido e nessas condições, como todos sabemos...
Em suma, nada para ver aí, senão orgulho da Sue.
Me incomodou mesmo foi o Toupeira do canastrinho Paul Walter Hauser, numa repaginada clean e hipster do nosso grotesco favorito. E um desperdício pop do H.E.R.B.I.E. que Jon Favreau, Dave Filoni e, raios, James Gunn não deixariam passar.
Quarteto Fantástico: Primeiros Passos é o filme que os Quatro Fantásticos mereciam há tempos. Não é a Mona Lisa do audiovisual, nem a reinvenção do Universo Marvel nos cinemas, mas reinventa a Primeira Família de uma forma genuína e digna. Digna do legado, da influência, dos gibis e, o mais importante, da pipoca.
Ps: só me faltou mesmo o Balde-Galactus.
Após seis décadas de quadrinhos, desenhos e sofridos quatro filmes (3½, na verdade), os primeiros passos de Quarteto Fantástico: Primeiros Passos seguem como os mais difíceis de trilhar. É uma ironia paradoxal. A cronologia é vasta e todos os seus clichês e arquétipos são reconhecíveis a parsecs de distância: um núcleo familiar, ou quase, protagonizando histórias que aliam fantasia, misticismo, mitologia e, claro, ficção científica a um contexto pop-aventuresco para toda a família. É um pacotão de entretenimento vencedor que sempre foi mantido atualizado.
Por algum motivo, no caso do Quarteto, a coisa invariavelmente adquire contornos complexos de concepção, transposição e execução. Talvez por lidar diretamente com o material bruto, bizarro e fantasticamente doidão criado por Jack Kirby e Stan Lee. Mais do que qualquer coisa que fizeram na Marvel, a química da dupla no Quarteto era da pura. A fine entry drug, difícil de reproduzir com integridade fora daquela mídia. Então, cada vez que se cogita um novo filme da "Primeira Família", é um drama, quase como se fosse algo infilmável. Primeiros Passos talvez seja o, arram, primeiro passo do mythos original rumo ao sonho descomplicado de uma franquia de verão.*
* não me refiro à performance nas bilheterias, onde o longa afundou drasticamente nas semanas seguintes, mas ao potencial escapista por excelência. A normalidade de sentar em frente à tevê, abrir uma cerveja e ver super-heróis viajando até um universo de antimatéria para sair no braço com um gafanhoto antropomórfico de metal. É pedir muito?
O diretor Matt Shakman é veterano de séries, de Game of Thrones e The Boys a Succession e WandaVision, quase um test drive da abordagem vintage de Primeiros Passos. Sabia exatamente como lapidar e conferir gravitas ao roteiro formulaico escrito a oito mãos (fora o aveludado par da Kat Wood, coautora da premissa). Particularmente, tinha minhas restrições com a ideia do filme se passar no ano de 1964 de um universo/realidade alternativa, apesar da jornada acachapante pelo Multiverso na série Loki – e não existe nada mais over-the-top no MCU do que Loki. Felizmente, a opção teve 99,9% de aproveitamento.
Os personagens parecem pertencer à tal Terra-828 bem mais do que à ilha de cinismo e irreverência da Terra-616 (ex-Terra-199999). A bela direção de arte futurista retrô à Syd Mead, além de um delicioso e irresistível guilty pleasure, também evidencia o impacto social, político e tecnológico causado pela existência de um Quarteto Fantástico naquele mundo. Algo bem Watchmen, se o Grande Barba me permitir a referência.
A trama é o basicão do sci fi pré-apocalíptico. Lá, o Quarteto Fantástico já existe há quatro anos, é adorado pelo público e, através de sua Fundação Futuro, tem parcerias com todos os governos (menos o da Latvéria!). Coisa, Tocha Humana, Mulher Invisível e Senhor Fantástico são celebridades pop defendendo o Silver Age Way of Life de supervilões da 2ª divisão. Isso até a chegada da Surfista Prateada anunciando a vinda de Galactus e o fim do mundo. A partir dali, a escala deixa de ser global e se torna cósmica.
A transição de escopo é sensacional. Dá pra sentir toda a tensão, medo e incerteza do Quarteto – em especial, de Reed Richards – frente ao imponderável pela 1ª vez. Pedro Pascal anda onipresente e triscando na hiperexposição (falta só fazer comercial da Bombril), mas tem uma grande vantagem: é um excelente ator. Transmite com maestria toda a frustração e impotência de Richards, com seu controle emocional e pensamento lógico ruindo diante de uma ameaça com tecnologia e poder vastamente superiores.
Já o Coisa de Ebon Moss-Bachrach (o Richie, de The Bear), visualmente, é o melhor Coisa que o dinheiro da renderização digital poderia comprar. Fidedigno. No texto e na caracterização de Moss-Bachrach, porém, deixa um pouco a desejar com a voz suave e um perfil bonzinho/paciente/conformado demais. Assim fica fácil para a Gangue da Rua Yancy. Prefiro o Michael Chiklis.
A Sue Richards de Vanessa Kirby, cheia do soft “girl” power, e o maninho Johnny de Joseph Quinn (keep metal, Eddie!) foram a primeira surpresa para mim. Além de cativantes, ambos têm as melhores cenas entre os quatro e decidem a partida com jogadas individuais em momentos-chave. São os grandes protagonistas do filme.
A outra surpresa foi a controversa Surfista Prateada Shalla Bal, numa escalação que se mostrou muito acertada no final das contas. Primeiro, porque Julia Garner é uma atriz espetacular, saltando do aterrorizante ao fragilizado com uma desenvoltura... fantástica. Segundo, a desconstrução da personagem ao longo do filme deixa sua figura ainda mais trágica e humana, com todos os seus erros, adversidades e superações. E terceiro, é dela as sequências de ação mais eletrizantes do filme, com a Surfista de fato surfando em um rio de lava, em perseguição faster-than-light ao Quarteto dentro de um buraco de minhoca e até no campo gravitacional de uma estrela de nêutrons. A tela grande ficou pequena.
E Galactus. Na cena em que ele é apresentado num crescendo nervoso, emergindo lentamente das sombras, confesso que até esqueci de respirar. Sonho realizado #385, check.
Pode ser a saudável influência de James Gunn em assumir o esdrúxulo para o mundo sem medo de ser feliz. O fato é que o velho Galan enfim saiu das páginas em toda a sua glória live action – armadura roxa e balde na cabeça inclusos. O vozeirão basso profondo do britânico Ralph Ineson confere um tom imponente, solene e ancestral ao Devorador de Mundos. O design segue o padrão clássico das HQs quase à risca, com linhas e detalhezinhos high tech ao longo da gigantesca armadura, lembrando a concepção do artista italiano Giorgio Comolo. Na Terra, ele é um arranha-céu ambulante, muito maior que nos quadrinhos.
Logicamente, algumas bolas batem na trave. Ao invés de consumir os planetas diretamente com o auxílio de seus conversores, Galactus tritura os astros em sua nave como se fosse o Unicron. Bem menos impressionante. A nave, aliás, parece ser a Star Sphere que Galactus usa quando sai de Taa II, sua nave-mãe-pai-e-avós com as dimensões de um sistema planetário. Pena não rolar ao menos uma frase com um fanservice maroto.
Outro detalhe esquisito foi a fuga do Quarteto da nave. Como nas HQs, o Galactus do filme pode imobilizar seus oponentes com o pensamento, assim como faz com a Surfista em dado momento. Então não tem muito sentido aquela correria toda, senão o fruto de uma procrastinação galáctica.
Sobre a celeuma em torno da Mulher Invisível empurrando Galactus, posso listar umas notas de argumentação: 1) Sue é uma mãe defendendo o seu filho (além da Terra, óbvio); 2) A verdadeira extensão de seus poderes nos quadrinhos é tema de discussões a perder de vista e é algo que pode e deve ser aplicado à sua contraparte cinematográfica – e sabiamente evitaram o sanguinho no nariz; 3) Por fim, Galactus estava pronto para sua próxima lauta refeição e, portanto, com fome, enfraquecido e nessas condições, como todos sabemos...
Em suma, nada para ver aí, senão orgulho da Sue.
Me incomodou mesmo foi o Toupeira do canastrinho Paul Walter Hauser, numa repaginada clean e hipster do nosso grotesco favorito. E um desperdício pop do H.E.R.B.I.E. que Jon Favreau, Dave Filoni e, raios, James Gunn não deixariam passar.
Quarteto Fantástico: Primeiros Passos é o filme que os Quatro Fantásticos mereciam há tempos. Não é a Mona Lisa do audiovisual, nem a reinvenção do Universo Marvel nos cinemas, mas reinventa a Primeira Família de uma forma genuína e digna. Digna do legado, da influência, dos gibis e, o mais importante, da pipoca.
Ps: só me faltou mesmo o Balde-Galactus.
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