E lá se vão praticamente 15 anos desde o lançamento de Hard Boiled, mini-série em clima no future criada por Frank Miller e ilustrada por Geof Darrow. Só a menção desses dois nomes na mesma frase é motivo para estremecer o monitor do fanboy que está lendo. Recém-saído do circuito mainstream dos quadrinhos americanos, Miller resolveu apostar em um segmento menos visado, mais underground, via Dark Horse. E assim ele iniciou uma nova fase (que já acabou, por sinal), mais autoral e com um leque mais amplo de possibilidades. Sem protagonistas diretos, nem compromissos com a redenção de terceiros, ele começou a destrinchar o Sistema em atmosferas que, de tão opressivas, chegavam a ser palpáveis, e quase funcionando como um personagem ativo dentro das histórias. Vide as ótimas Liberdade e, mais tarde, Sin City. Mesmo a bem-humorada Big Guy & Rusty representa bem essa fase. É aí que entra Hard Boiled.
Lendo hoje, nota-se que a série destilava uma inequívoca ironia em relação aos governos, à cultura de massificação, ao poder da mídia, enfim... ao establishment. E o melhor de tudo: sem se prestar à qualquer panfletagem anarquista barata. Muito pelo contrário. Hard Boiled pode ser facilmente confundido com um combo hardcore movido à sexo, perversão e ultraviolência - e tudo sendo elevado à milésima potência, mesmo para os padrões atuais.
A história é uma espécie de Um Dia de Fúria high-tech e nos mostra a via-crúcis particular de Nixon, um pacato cobrador de impostos e pai de família, que está enfrentando uma senhora crise de identidade. Como pano de fundo, conspirações governamentais, sabotagem industrial e uma revolução artificial digna de Metrópolis e Eu, Robô em versões bloody disgusting. O clima geral lembra a Los Angeles de Blade Runner, só que muito mais caótica, claro. Aliás, a narrativa empregada em Hard Boiled exibe um fôlego cinematográfico que só vendo. Não existem aqueles recordatórios em off que Miller tanto gosta e vários ângulos são concebidos como se fossem gigantescos planos-seqüência de um filme.
Experiência é uma coisa valiosa. Está na cara que Miller já sabia o peso que a arte estilosa de Geof Darrow teria em Hard Boiled. Tanto é que a dinâmica principal se apóia na maior parte do tempo em perspectivas, noções de movimentação e ganchos de ação, em detrimento de textos verborrágicos. Neste caso, uma imagem realmente vale por mil palavras. Pode parecer redundância para conhecedores, mas Darrow dá um show aqui. Cada quadrinho dele é precioso, único, traz mais informações e detalhes que o catálogo inteiro da Image. São verdadeiros mosaicos com trocentas situações acontecendo ao mesmo tempo. E as splash-pages? Só Darrow tem moral para fazer uma seqüência matadora de treze splash-pages, uma atrás da outra (no diálogo entre dois robôs num ferro-velho). É um mestre.
Mesmo sem ser um clássico, Hard Boiled é tudo o que uma grande HQ deveria ser: sarcástica, espirituosa, ágil, repleta de adrenalina, inovadora e muito, mas muito divertida. Em meados de 2001, começaram a pipocar alguns boatos sobre uma possível adaptação cinematográfica. Eles davam conta de que Nicolas Cage ficaria com o papel principal e que David Fincher seria o diretor. Not bad. Nunca mais rolou nada a respeito, mas não custa sonhar...
Este já foi um dos registros piratas mais obscuros e disputados do deus da guitarra. Gravado em algum ponto de 1968, Hendrix viaja sozinho em seu apartamento com o gravador ligado. A fita ganhou forma de acetato, caiu no mundo e virou lenda. Mais do que um simples ensaio, o que se ouve aqui é a amostra da verdadeira essência de um gênio, desta vez despida de toda aquela catarse niilista. Em quase meia hora, Hendrix destila suas influências e desenvolve um diálogo intimista com as seis cordas.
Vale destacar o clima ambient que permeia toda a gravação. Detalhes como o ruído das páginas da partitura sendo viradas, os acordes que ele repete e que vão progressivamente evoluindo a cada nova tentativa e os curiosos improvisos vocais (que Ed Motta chama de embromation), atestando de uma vez por todas que Jimi Hendrix era sim um excelente intérprete. Durante a última música, a belíssima Gypsy Eyes, o telefone começa a tocar insistente ao fundo, mas Hendrix está tão imerso que nem liga e segue em frente, inabalável. Seja lá quem tenha sido, desiste após algumas chamadas e deixa a História seguir seu curso.
Confira aqui o set list e mais infos sobre este clássico não-oficial. E uma curiosidade: nos EUA esse disco foi lançado em 1995 pelo selo Bella Godiva Music, com o título Jimi by Himself - The Home Recordings, e veio junto com a edição especial de Voodoo Child: The Illustrated Legend of Jimi Hendrix, uma belíssima obra escrita por Martin I. Green e ilustrada por ninguém menos que Bill Sienkiewicz. Foda, né?
Na trilha: Speed, do Atari Teenage Riot. E um empate estranho.