Antes de começar o post, devo informar que vou falar sobre todo o volume 2 de Ultimates até a nona edição. Aqui no Brasil acho que só publicaram a primeira ainda. Spoilers a granel, portanto.
Doggma registrou ano passado um depoimento de Mark Millar afirmando que um filme do arco Wolverine: Enemy of the State, que ele escreveu e John Romita Jr desenhou, teria um orçamento de 300 milhões de dólares. Brincou também dizendo que as proporções astronômicas do arco seguinte, Agent of S.H.I.E.L.D., duplicaria este orçamento se fosse filmado e colocou esta figura para dar uma idéia. Quase um ano depois temos The Ultimates v2 #09, também roteirizado por Millar, só que com o ultra-realista Bryan Hitch no lápis (sem desmerecer Romita Jr. de qualquer forma – ele é phueda demais, mas com outra proposta) e fica claro que o mega-roteirista tem uma tara secreta pela queda dos aeroporta-aviões "shieldianos", como pode ser visto na imagem acima: praticamente uma revisão do mesmo tema. Peguemos então as considerações a respeito do orçamento dos filmes do Wolverine e consideremos que o mesmo estaria para um filme dos Ultimates V2 como um Xuxa e os Duendes estaria para Senhor dos Anéis.
Não dá para apenas reverenciar Hitch em duas palavras no meio de um parágrafo. Certamente o roteiro de Millar é o maior responsável pelo sucesso dos Ultimates, mas estaria blasfemando se dissesse que é responsável único. A arte de Bryan Hitch, mesmo que constantemente atrasada, é de um realismo cinematográfico. Os enquadramentos, splash pages, seqüências, dinâmicas e fisionomias são embasbacantes, e ainda permite-se fazer citações claras a diversos filmes como, por exemplo, O Silêncio dos Inocentes. Assim como Millar, Hitch também parece que desenha tendo todo o arco de eventos na cabeça, capaz inclusive de realizar contrastes que cruzam várias edições para serem percebidos; visão que não é própria de qualquer artista por aí não.
Triskelion antes e depois do puxadinho (#1 e #9)
O volume 1 dos Ultimates já havia sido algo absurdamente impressionante no sentido de que tem sido difícil encontrar material deste nível dentre as HQ's mais – digamos – comerciais. Sim, temos coisa muito boa acontecendo por aí (destacando-se o samba do crioulo doido ocorrendo na DC, Supreme Power, Demolidor, Astonishing X-Men – segundo arco - e, como pôde ser visto no post abaixo, New Avengers), mas a maioria é concentrada em 4 ou 5 roteiristas que trabalham mais tempo do que as tais 24h que, dizem por aí, compõem um dia. Se pegarmos tudo que é publicado nesta linha (eixo comercial Marvel/DC, repito) por mês, a quantidade relativa de material extraordinário deve ser bem pequena.
Com isto, sempre que algo muito bom surge no horizonte, sentimos como quando aquela mulé muito-gata-arrasa-quarteirão enlouquece e se exibe contigo na rua, o que torna natural a expectativa ferrenha pela continuidade do sonho. A primeira temporada ainda tinha a preocupação de apresentar os personagens e dar um mínimo de background para cada um deles antes da porradaria desenfreada. Agora, um ano depois daqueles eventos, houve uma queda de ritmo sugerindo que a cadência seria mais light. E, cara, que orgulho de dizer que estava enganado! Não sei se alguém percebeu mais acima, mas ao invés de chamar o volume 2 de arco, classifiquei-o como temporada, o que me leva a dizer que Millar está sendo vanguardista numa forma de escrever quadrinhos como se fossem temporadas de tele-séries. Um tema que toma conta de um ano inteiro com eventos paralelos plenos e estufados de verossimilhança para dar mais gosto à massa, tudo isto com um paralelo político contemporâneo digno de palmas.
E as influências cinematográficas não param nos exemplos dados. Fora a primeira edição, sem título, todos os outros são cópias de títulos do cinema ou adaptações dos mesmos ou de outras mídias populares. Lidos em seqüência, praticamente contam a história por si só:
#2 - Dead Man Walking – referência a Os Últimos Passos de um Homem, filme com Sean Penn que mostra um homem condenado esperando o tempo passar no corredor da morte.
#3 - The Trial of the Incredible Hulk – Referência óbvia.
#4 – Brothers – Referência a filme homônimo que denota a existência de outros que nem eles.
#5 - The Passion Play – referência a uma peça homônima que representa a Paixão de Cristo.
#6 - The Defenders – O único caso que não achei referências.
#7 - The Wolf in the Fold - Referência à fábula do lobo em pele de cordeiro.
#8 - Born on Forth of July – Filme com Tom Cruise, mostrando o descaso pelo ex-combatente.
#9 - Grand Theft America – que é uma referência à cidade tomada pelos bandidos de Grand Theft Auto – o jogo.
Pois pergunto: como é que Millar consegue escrever o que escreve, vender aos borbotões e ninguém dizer o cara é um terrorista em potencial? Na temporada anterior já pintara um Capitão América que é o perfil comportamental da classe que comanda os EUA e sua relação com o mundo, agora toda a equipe e os eventos que participam tornam a visão mais sistêmica, abrangente, pintando os EUA como um elefante imenso em desabalada carreira, numa inércia impossível de conter. Todo o cenário faz companhia à postura intempestiva, autoritária e egoísta do personagem, dando ainda mais sentido de "vejam como eles são féladaputas" ao chamar atenção para as operações do grupo não mais restritas ao solo americano e aguçando os ouvidos da mídia.
Ihhh... Fodeu!
E é esta a linha principal: Ultimates sendo usados como milícia na defesa dos interesses norte-americanos onde quer que seja, mas de preferência onde não possam se defender e tenham algo de valor para ser tomado. Na tangente surgem diversas sub-tramas que, aparentemente, não têm como se cruzar, mas rapidamente nos surpreendem e vemos que tudo tinha que ser como está sendo mesmo e somos completamente tapados por não termos percebido antes! Elementar, meu caro Zombie-son!
pouco dos limites e usaram uma pessoa de destruição em massa
em um delicado caso político internacional."
Larry King – The Ultimates v2 #1
Parêntese: curioso notar como um personagem criado para envergar uma causa nacionalista legítima na aurora dos quadrinhos é chamado agora de "pessoa de destruição em massa", encarnando tudo de ruim que temos no direcionamento da postura americana.
Voltando: Por alguns momentos, como dito um pouco acima, chegamos a acreditar que as histórias paralelas, apesar de fantásticas independentemente, não teriam como convergir em algum ponto futuro de forma perfeitamente satisfatória e coerente, mas em 26 páginas da nona edição todos os nós são atados, mostrando que nada do que aconteceu até então foi gratuito. Vemos, depois de tropeçarmos em nosso queixo no chão, todo o cenário de conspiração global que sempre quisemos ver em qualquer veículo de entretenimento e ainda podemos brincar com novas questões nas próximas 3 edições. Mark Millar deve ser um enxadrista de mão cheia! Definida a linha central, para chegarmos ao que acontece na estrondosa nona edição, cabe um resumo do que aconteceu até aqui.
Senão vejamos: Após a ação no Oriente Médio, onde os Ultimates libertaram alguns reféns americanos, além da frase de Larry King acima, temos também Thor dizendo que a operação no Iraque ocorrida sob a bandeira de ajuda humanitária é, na verdade, um golpe publicitário para trazer a opinião pública para um lado favorável. Sugere que servirá para quando forem necessários futuros ataques preventivos.
Com o alerta de sacanagem no ar, surge a linha que coloca Thor em posição de louco megalômano tarado por teorias de conspiração – e aqui Millar brinca não só com a percepção que os personagens têm do Deus do Trovão, mas também embaralha qualquer coisa que nós, leitores (ou espectadores, as you wish) possamos vir a pensar. Quando lerem a estória onde acontece o almoço com Volstagg, reparem bem na figura asiática de verde que passa ao fundo.
Tá vendo a merda acontecendo?
Somos envolvidos, aparentemente sem motivo, nos problemas na relação entre Steve e Janet, narrados com propriedade ácida rodriguiana (assim como a sugestão da relação incestuosa entre Pietro e Wanda), ao passo que percebemos o acentuado isolamento de Hank Pym (humilhado, encostado nos Defensores e encoxando uma defensora pré-púbere) e Bruce Banner. Este último ainda coloca indiretamente mais óleo para a fritura de Thor, acusado de ter vazado as informações a respeito da natureza do Hulk e sua ligação com os Ultimates. Em paralelo, temos a informação de que há mais de dezoito meses os europeus vêm trabalhando no seu exército de super-soldados, dando pela primeira vez conotação de "corrida armamentista".
correndo para lutar contra quem quer que seja ao lado deles.
Suponha eles achem que a China é uma ameaça daqui a alguns anos."
Thor para Tony – The Ultimates v2 #6
A trama então elimina o primeiro peso pesado ao executarem o Hulk (ou pelo menos tentarem), enquanto mostra o envolvimento de Natasha e Tony Stark, uma relação clássica do universo normal que aqui toma rumos bem mais interessantes.
Thor é a bola da vez e Nick Fury não pensa duas vezes ao mandar que o cacem sob a alegação oportunista e super up to date de que o Deus Nórdico estivera "(...)encorajando o uso de violência contra governos democráticos eleitos". Parece Bush, mas foi Loki quem disse - o Deus da Farsa e Mentiras - que coisa não? A arte imita a vida. Aliás, esta edição merecia um post separado. Aqui ocorre uma verdadeira via-crúcis para Thor, justificando o título. É porrada do começo ao fim, grandioso como tem que ser e terminando com um "Father" que é praticamente um déja vu, além de referência que não lembro ter visto tão bem aplicada nesta mídia ou em outra qualquer.
Acontece então a primeira afirmação categórica de que existe um traidor no grupo e este procura Pym, o desacreditado e humilhado pseudo-herói. Ultimates e heróis europeus atuam no Oriente Médio e apreendem ogivas em "ataque preventivo". Esta ocorrência faz com que um chefe de estado da região – em Ultimates Annual v2 #1 – ameace Nick Fury caso ele continue com o programa de supersoldados.
O Traidor para Hank - The Ultimates v2 #6
Com dois pesos pesados fora de combate, chacinam a família de Clint Barton – o Gavião Arqueiro – e fritam mais um maioral: Steve Rogers. A personificação do perfil autoritário americano sucumbe ao próprio veneno, já que, depois de tudo o que fez pelos seus superiores, é caçado e derrubado após Fury dizer "Não posso acreditar em como foi estúpido. Como pude trazer este punk para o time só pela sua palavra quando fizemos seis meses de análise de passado de qualquer outro?".
Há espaço ainda para mostrar que o exército dos EUA, tradicionalmente extremista politico, mostra-se incomodado com o papel dos Ultimates solapando o seu, bem como verbalizam a insatisfação quanto ao desenvolvimento de tecnologia que Tony Stark provê à SHIELD e veda às Forças Armadas, deixando-os com recursos tecnológicos atrasados em 5 anos. Prato cheio para teorias da conspiração.
Sobram apenas o Homem de Ferro, Natasha, Pietro, Wanda e os reservas para começar a nona edição. E aqui a batalha toma proporções que nunca tinha visto na série até então. A seqüência inicial Oldboy style, onde a conspiração mostra como consegue os códigos de acesso ao Triskelion, é o prenúncio de que algo grande viria e, quando vem, não faz por menos. Com as defesas tecnológicas derrubadas e as super-humanas enclausuradas, o último peso pesado é pego numa autêntica chave-de-perna enquanto a(s) cidade(s) é(são) varrida(s) numa seqüência matadora (literalmente) de eventos. Em minutos os EUA estão no chão.
Ihhhh.. Fodeu³!!!!
Mermão... é uma trama de dar nó! Só um psicótico pensaria em algo deste tipo. Só que o cara não surpreende só por isto. Por mais paradoxal que possa parecer, já estamos nos acostumando a nos surpreender com sua criatividade chocante em diversas publicações, mas até em detalhes contingenciais ele se destaca. Assim como abusou da imaginação ao fazer o Capitão América derrubar o Gigante no volume 1 de forma crível, aqui ele chacina a tropa de gigantes de um jeito que só com muito scotch daria para imaginar (sacanagem falar isto... tá no meio de um tratamento quimioterápico - será que é por isto?)! Não satisfeito, foge da institucionalização natural dos roteiristas da cronologia normal e nos traz aquilo que seria o óbvio, mas era uma questão intocada até então: se Tony faz uma armadura para si, por quê não faz outras para outros membros? Somos agraciados pois com Natasha de posse de uma das maiores armas do mundo. Isto sim é uma pessoa de destruição em massa.
Poderia agora me meter a futurólogo e tentar prever o que vem por aí, afinal o desenrolar dos fatos mostrou que Pym e Banner estão por aí e querem voltar a ser gente, mas este é o tipo de coisa que, tratando-se de Millar, é muito arriscado tentar.
Durante algum momento cheguei a pensar que a evolução que esta armada teve necessitaria de um tempo de maturação que não existiu. No entanto, ao rever as edições anteriores para escrever este post, notei detalhes que antes não notara, como a quase onipresença de Loki no limite dos eventos, a passagem de um ano dos eventos do V1 para o V2, além da existência de 18 meses separando a adoção de Thor pelo grupo ainda no V1, quando a frente européia do programa de super-soldados já era bem evoluída. A cena final e o turbilhão de informações que voltam à superfície da memória nos faz perceber que as citações de Millar, além de oportunistas, não cessam. Loki tem aparência oriental e lidera o exército que derruba a grande potência do ocidente - o Grande Satã. Numa tacada só ele insere elementos que vão de Nostradamus à Bíblia (novamente).
Esquema ilustrativo do que aconteceu até agora
O detalhe é que Loki esteve inserido no projeto de super-soldados europeu desde seu início, o que leva a crer que a iniciativa oriental deve ser contemporânea - talvez anterior - à americana. Cabe lembrar que, dada a iniciativa de desenvolvimento tecnológico e criação do Homem de Ferro ser uma questão pessoal de Stark, além do patrocínio da S.H.I.E.L.D para Pym e Banner - este útimo só logrou êxito por acidente e de forma descontrolada - , o resto do programa de super-soldados americano era um fiasco, contando com dois mutantes desacreditados depois de Retorno do Rei e meia dúzia de agentes bem treinados, mas que de super não tinham nada. Creio que no fim tudo ficará bem e os EUA se reerguerão, mas aí é obrigação editorial comercial. O que importa é que todas as críticas internas e geo-políticas que queria fazer já foram feitas. No post sobre os Ultimates de quase um ano atrás, meu chefe brincou perguntando se já dava para chamar Millar de Mestre. E agora eu pergunto: Tem jeito de fazer diferente, gafanhoto?
O traidor? Não conto. Baixem e leiam, mas isto não me impede de deixar algumas questões que ficam no ar:
Thor é ou não um Deus pagão? Se é, por quê perdeu os poderes quando lhe tiraram o cinturão? Se não é, por quê o colocaram na cela destinada ao Hulk?
Qual a natureza daqueles soldados voadores que agiam como um enxame?
Os POD´s teriam sido os protótipos antigos do Homem de Ferro cujos projetos foram passados pela Viúva (ou pelos militares) para a armada inimiga?
Por fim: O que segura Thor e Capitão em suas celas no Triskelion agora que ele está sem energia? E Pym e seus "Visões"?
Para vocês brincarem: Quem seriam – além do Loki – os carinhas que estão nesta imagem aqui?
Faltando apenas 3 edições para o fim da era Millar/Hitch à frente dos Ultimates, digo que tenho medo, muito medo, pelo que Jeph Loeb e Joe Madureira - os novos responsáveis pela série - podem fazer. É de revirar o estômago. Sei que Loeb já acertou mais do que errou, mas não consigo – nem com muito álcool – ver como ele pode manter este nível. E Madureira e sua fúria mangá não tem nada a ver com a idéia de realismo que permeia tudo o que foi feito com o grupo até então. Podia ser, ao menos, Tim Sale (afinal, já é íntimo do Loeb e tem uma arte menos caricata), mas vendo o que vem sendo feito em Amazing Spider-Man, acho que Deodato seria o cara perfeito para o trabalho.
The Ultimates é seguramente o que de melhor vem sendo publicado nesta linha.
Tão esperando o quê? Leiam logo! Não sabem o que estão perdendo!
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SAM KIETH VAI ANIMAR A GALERA
SAM KIETH VAI ANIMAR A GALERA
Todo mundo já deve estar sabendo que Sam Kieth vai emprestar seu estilo cinematográfico-surrealista e seus pontos de vista únicos para o Batman, correto? Pois então: seguem dois links para download das duas obras independentes que Sam lançou nos últimos anos. Zero Girl e The Maxx. Cliquem nos nomes para baixar.
Não li The Maxx ainda, mas arrisquei ler 2 páginas de Zero Girl e só percebi que tinha sido capturado na terceira edição de um arco de 5. A última vez que lembro ter sido arrebatado assim por algo novo foi quando li 15 edições de Y - The Last Man seguidas. Zero Girl é original em tudo que mostra, até mesmo quando trata do clichê da outsider vs grupinho de malandras do colégio. Num universo com meia dúzia de personagens Kieth consegue fazer uma história com premissas absurdas ser completamente atraente. Tô bobo.
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PESQUISA DE OPINIÃO
O que vocês acham desta action figure? Se disser que comprei eu seria louco?
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