quinta-feira, 2 de março de 2006

THE LIGHTMATES


Dessa vez eles se mexem. Tudo bem que não é aquela movimentação hiper-realista com que eu vivo sonhando desde Akira, mas está longe de lembrar aqueles desenhos desanimados dos anos sessenta. Logo nos primeiros instantes de Ultimate Avengers: The Movie (2006), não fica difícil imaginar que esta não é uma adaptação lá muito fiel. Sem chance de comparecer toda aquela malaquice anti-republicana, anti-democrata, anti-globalização, anti-Mac Donalds, anti-Marvel, anti-DC, anti-Bono Vox e anti-atitude-de-ser-anti-alguma-coisa, que fez a fama dos Supremos de Mark Millar e Bryan Hitch (já sinto saudades). Nada de Capitão América apontando o dedo pra cara de algum infeliz e sentenciando "son... you're goin' down", Hank Pym cobrindo Janet de bolacha, muito menos do Hulk vociferando que tá morrendo de tesão e que vai catar Betty Ross a todo custo. Ficou só a estrutura antenada da concepção Ultimate. O inusitado era saber como os Supremos se sairiam jogando pelas regras do standard que tanto debocharam nos quadrinhos.

A direção ficou a cargo de Steven E. Gordon e Curt Geda, que é profissional do ramo. Ele tem no currículo bons episódios de X-Men: Evolution (sim, eles existem!) e do interessante Projeto Zeta, além do excelente Batman do Futuro: O Retorno do Coringa.

A adaptação tem início em 1945, mostrando a última e fatídica missão do Capitão América na 2ª Guerra. Durante a batalha, Cap descobre que os nazistas tiveram uma mãozinha da perversa raça alienígena Chitauri em seu suporte tecnológico. Daí em diante, a história clássica retoma o curso: ao impedir a trajetória de um míssil intercontinental nazista, Cap cai nas águas geladas do Atlântico Norte e vira picolé de bandeira americana até os dias atuais, quando é resgatado pela SHIELD em perfeito estado criogênico. Reincorporado ao esforço de guerra norte-americano, Steve Rogers (o Cap) passa a fazer parte de uma nova linha de defesa pós-humana, que conta com outros integrantes também com "talentos" fora do comum: Hank Pym (a.k.a. Gigante, um cara que cresce), sua esposa Janet (a Vespa, que encolhe, cria asas, solta buscapés e não paga peitinho na versão animada), Natalia Romanoff (a Viúva Negra, aqui chamada de Natalia mesmo, em vez de Natasha), a supervisora de pesquisas Betty Ross e o Dr. Bruce Banner (esse dispensa apresentações).


Entre os relutantes com postura de participação esporádica, estão o bilionário Tony Stark (o Homem de Ferro) e o filho de Odin e ativista de plantão Thor. Clint Barton (Gavião Arqueiro), Pietro e Wanda Maximoff (respectivamente Mercúrio e Feiticeira Escarlate) nem chegaram a ser citados.

Ainda em fase de testes e sob a batuta de Nick Fury, diretor da SHIELD, o supertime encara a missão de escorraçar a ameaça alienígena de uma vez por todas, enquanto tenta lidar com a instabilidade emocional de Banner e de seu alter-ego indócil.

Apesar de ser ligeiramente acima da média, Ultimate Avengers deixa claro que uma animação com boa qualidade técnica não passa de um preciosismo dispensável para a indústria americana. É tudo tão padronizado, tão pré-moldado, que eu acho até que deve existir algum plug-in pra Photoshop que reproduz aqueles cenários fielmente. A fisionomia dos personagens segue o tal standard e remetem a qualquer sessão animê matinal de sábado. O que é um grande desperdício, se pensarmos que tudo foi baseado no conceito original criado por Bryan Hitch, um dos melhores desenhistas de quadrinhos da atualidade. Sem contar que isso revela uma absurda falta de timing e criatividade para criar muito com poucos recursos.

Digamos que cada frame adicional incrementaria sobremaneira uma animação, mas custaria os olhos da cara para os produtores. Sem problemas. Gente inspirada e inovadora como Genndy Tartakovsky (Samurai Jack, Star Wars - Clone Wars), Bruce Timm (Batman, Justice League Unlimited) e os artesãos shaolin da cultura anime, estão acostumados a tirar água de pedra, trabalhando e até utilizando longos quadros estáticos ao seu favor (retratando, p.ex., um momento de suspense). Até mesmo a relação estreita com a sétima arte já rendeu momentos memoráveis, como a despirocante série The Maxx, criada pelo insano Sam Kieth como se fosse uma transposição literal, mantendo o mesmo traço estiloso que fez a sua fama nas HQs.

No caso, sobraram apenas algumas cenas inspiradas no original, como essas aqui - pra quem acompanhou as histórias, fica quase irresistível a releitura das revistas.

Claro que pensar em Hitch como o ilustrador da adaptação é querer demais (se já é difícil ele manter a regularidade nas HQs...). Mas nos créditos finais, com uma seqüência de seus desenhos para a revista, transparece que esta talvez tenha sido uma possibilidade cogitada. No entanto, voltamos à questão do orçamento à toque de caixa, do lançamento em esquema direct-to-dvd (inequívoco sinal de estratégia mercadológica) e do "risco-Ultimate", que pesa o custo-benefício de se levar ao alcance das crianças um produto mais sofisticado que o bê-a-bá Stan Leeano (sem ofensas, mestre!).


Ultimate Avengers não reedita o tsunami anárquico das HQs e se o fizesse seria a animação mais revolucionária dos últimos dez ou quinze anos. Calma, fãs de A Viagem de Chihiro, Cowboy Bebop, Metropolis e Steamboy, já explico. Imagine essas HQs como um veículo pop, já que são produzidas por uma major editorial como a Marvel Comics ("não exatamente um bastião anti-capitalista"). O conteúdo polêmico que Mark Millar criou para os Supremos, apesar de se ater mais à geopolítica internacional, também critica furiosamente o próprio sistema do qual a editora faz parte. Isso pra não falar da veia "Nelson Rodrigues" existente na HQ - por si só, impublicável. Toda essa pólvora temática disseminada em um veículo ainda mais pop e sendo vendida aos lotes em gigantescas megastores, seria como a mordida final que o sistema daria no próprio rabo. Uma justiça poética que arrancaria um sorriso maquiavélico de Millar.

Teorias de conspiração à parte, Ultimate Avengers até que se sai bem como aventura descompromissada PG-13.

Apesar de exageradamente curto (72 min.), o desenho sintetiza de forma eficiente as tretas nazi-alien-Hulkísticas que a equipe enfrentou em seu 1º volume nos quadrinhos. Alguns designs foram até melhorados, como os porta-aviões aéreos, os aliens e as naves chitauri (que deixaram de ser arremedos de ID-4). Após uma lerdeza inicial, a ação fica mais solta, dinâmica, e finalmente se vê a influência de todos aqueles nomes nipônicos enfeitando os créditos finais. Um bom exemplo é a segunda vez que o Cap atira seu escudo em um alvo múltiplo (gesto tão tradicional quanto o Clark voando com o braço esticado na frente ou o Parker lançando teias). Bem melhor que da primeira vez. Outras nuances foram perfeitamente traduzidas, como a tragédia pessoal/temporal do Cap (que, estranhamente, não contou com a simbólica olhadinha na bandeira do original. Eu, que nem sou americano, achei um vacilo - mas acho que é só meu lado Michael Bay falando).

Hank Pym não faz Janet de sparring, mas a tensão doméstica existe e nota-se claramente que o cara não vale um copo de cachaça. A Viúva Negra, por outro lado, ficou tão gostosa quanto artificial, tendo como maior atrativo o sotaque russo canastrão. Já Nick Fury continua linha-dura e controlador - e é compreensível que ele não tenha herdado o famoso visual L. Jackson, mas bem que poderiam ter chamado o ator pra fazer a dublagem. Seria perfeito e ele já disse até que é fã dos quadrinhos. Tony Stark, do alto de sua playboyzice no jet set internacional, ficou bastante carismático. Pena que ele aparece muito pouco sendo Stark. E por falar em aparecer pouco, Thor consegue dar o recado apesar da participação reduzida e protagoniza a cena mais engraçada do filme ao recusar a oferta de Fury. Aquilo lá ficou muito melhor que na HQ...


O momento mais esperado, claro, é o inevitável confronto contra o Hulk. Não decepciona. O Golias Verde (aqui, Golias Eucalipto) arrasa naves chitauri, nocauteia o Gigante duas vezes, esfrega o chão com a cara do Cap, destroça o Homem de Ferro e até faz o Thor sentir o gostinho de levar com o Mjolnir na cara. Exagero bacana!

Talvez o maior defeito de Ultimate Avengers seja a falta de um target mais preciso. O principal vilão da HQ, o impiedoso Ming... digo, Herr Kleiser (um alien travestido de milico nazi), só aparece no comecinho e dali por diante figuram apenas aliens operários e anônimos. Fica uma certa ausência de clímax. Isso sem contar nas cenas em que a Viúva dá em cima do Cap. Muito forçado, e pra quem está acompanhando as últimas edições americanas da HQ soa mais absurdo ainda.

Dá pra afirmar que essa é a melhor adaptação animada de personagens da Marvel. É um passo à frente no que tem sido feito até então. E a conclusão indica que algo interessante pode rolar mais pra frente. Mas a sensação que fica é que poderia ter sido muito melhor - principalmente após o alto nível estabelecido pelas animações da Divina Concorrente.


Na trilha: CD I, do classudo Nightingale. Sabe, revendo os últimos posts... acho que vou mudar o nome do blog pra Zombie Ultimate.

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