quinta-feira, 6 de abril de 2006

ALTAR BOYS & THE ATOMIC TRINITY


Quatro amigos passam os dias vivendo (ou, na maior parte do tempo, bolando) grandes aventuras, enquanto encaram, cada um à sua maneira, o turbilhão da adolescência. A primeira vez que assisti Conta Comigo (Stand by Me, 1986), foi identificação no ato. Mesmo levando em conta a enorme diferença, sei lá, "existencial" entre eu e os personagens do filme, a sensação de que minhas memórias poderiam se encaixar perfeitamente dentro daquele contexto era quase tangível. O sentimento e a busca por adrenalina era o mesmo. O filme me fez lembrar que também fui revoltado como o Teddy, fútil como o Vern, escapista como o Gordie e que ao menos 1% da minha consciência me mandava fazer as coisas certas, igual ao Chris. Isso sem contar a narração intrigante e a breve participação de Richard Dreyfuss, e a linda Stand by Me na trilha, além do verniz suave que deixava a história acessível - ao contrário do ótimo-mas-pesadão Vidas Sem Rumo, de 83. Tudo muito distante dos bacanas e estereotipados Goonies (lançado um ano antes), dos maconheiros de Picardias Estudantis (nunca nem pitei) e do super-herói Ferris Bueler (Save Ferris!). Claro... cada um com a sua viagem, mas Conta Comigo tinha um apelo universal. Esse filme foi um divisor de águas e efetivou um estilo todo próprio de se contar uma história, até hoje revisitado à exaustão.


...talvez só encontre paralelo no ótimo Clube dos Cinco (Breakfast Club, 1985), disparado o melhor filme de John Hughes - mas ainda assim tem um target muito mais preciso.


Depois desse tributo aos deuses, já dá pra falar sem reservas de Meninos de Deus (The Dangerous Lives of Altar Boys, 2002), filme já bem rodado nas locadoras. Estrelado e produzido por Jodie Foster para sua Egg Pictures, o filme é a estréia de Peter Care na direção de um longa. Até então, ele havia dirigido vídeos do R.E.M. e Depeche Mode, entre outros. O título em português parece nome de filme sobre a vida de Joseph Mengele, mas tem lá a sua justificativa (detalhe inédito, visto que as distribuidoras nacionais sacaneam os títulos por hobby). A tradução literal seria "A Perigosa Vida dos Coroinhas (Estrelando Michael Jackson no papel de Padre Jacko)". Pegava mal pra uma certa instituição religiosa patrocinadora das Cruzadas (sabe aquelas revistinhas da Ediouro?).

Nos Estados Unidos, apesar das pressões, a jagunça Jodie Foster sacou a peixera da liberdade artística e manteve o título original - o mesmo do livro no qual é baseado, escrito por Chris Fuhrman, falecido pouco depois de terminá-lo.


O filme se passa em meados dos anos 70 e é protagonizado por dois amigos, Tim (Kieran Culkin, de Sempre Amigos) e Francis (Emile Hirsch, o vacilão morde-fronha de Show de Vizinha). Ambos cursam o ginásio de uma escola católica e auxiliam o Padre Casey (Vincent D'Onofrio!) como altar boys, digo, coroinhas. Ao lado de mais dois colegas, eles vivem armando trotes sem-noção, tipo aqueles do Delinqüente, Inconseqüente & Demente, e têm como alvo principal a severa e implacável Irmã Assumpta (Jodie Foster). Enquanto o grupo está próximo de aplicar o seu maior trote, Francis se apaixona pela doce Margie (Jena Malone).

O roteiro, adaptado por Jeff Stockwell e Michael Petroni, segue por uma linha aparentemente simplista, mas guarda várias surpresas, em sua maioria muito positivas. Os quatro amigos andam de bicicleta, bebem, fumam, enfim... curtem adoidado aquela fase de suas vidas, mas têm em comum uma paixão em especial: histórias em quadrinhos. Eles discutem sobre personagens, poderes, inventam super-heróis calcados neles mesmos (criam um supergrupo chamado "Trindade Atômica", ignorando um dos colegas, que desenha mal pra chuchu) e rabiscam sem piedade as páginas de seus cadernos de escola. Quem curtiu hq nessa idade, pode se preparar para um déjà-vu daqueles.

Destaque também para os temas abordados ao longo do filme. Alguns bem pesados para o consumidor acostumado à produções mainstream, mas que conferem toda aquela pecha alternativa heróica, típicas do circuito independente (além de serem únicas, artisticamente falando).

Uma boa sacada ficou por conta das intervenções animadas, que funcionam como uma metáfora ao momento que o grupo de amigos atravessa no mundo real. Ali, a Trindade Atômica ganha vida e, com o tempo, o ponto de vista vai se centralizando em Francis (o filme gira sob a ótica dele). Assistindo aos desenhos, fica mais clara a influência da Tragédia Grega no mito do super-herói. A dramaticidade é exagerada ao extremo, tanto nas posturas e ações físicas, mas sempre mantém uma analogia única com a realidade cinzenta. Outro detalhe bacana é que Francis é fã do Monstro do Pântano e sua contraparte animada por acaso é um ser vegetal chamado Samambaia - cuja trajetória acaba incluindo uma versão "guerreira" de sua namorada Margie (mais déjà-vu).


A inspirada animação ficou a cargo do businessman Todd McFarlane, notório criador do herói Spawn. Como de praxe nessa área, ele fez mais um bom trabalho, anos-luz à frente de tudo que já produziu nos quadrinhos (vide o excelente clip da música Do The Evolution, do Pearl Jam). Ficou tão legal que os extras do dvd trazem essas seqüências na ordem, compondo um único desenho independente do filme. Aliás, só soube agora que McFarlane abocanhou um cobiçado prêmio Emmy, pela série do Spawn produzida pela HBO.

Algumas pequenas falhas pipocam na narrativa, mas nada muito grave. Os dois amigos de Tim e Francis, p.ex., apresentam uma certa personalidade, mas acabam se tornando invisíveis ao longo da história. O filme chega a descartá-los por uma boa parte do tempo e quando eles voltam, a boa caracterização do início já evaporou. Francis, por sua vez, ganha a interpretação sempre relutante de Emile. Isso, diante do carisma agressivo de Kieran Culkin, é praticamente um suícido cênico. No entanto, soam absolutamente naturais em seus diálogos, o que salva a química de ambos. É fácil ver que os dois também são amigos longe das câmeras, facilitando a proposta do roteiro. Já o tal grande trote final tem uma tendência tão forte a dar numa merda sem tamanho, que arrisca seriamente a condição de "heróis-contra-o-sistema" dos garotos. Por fim, o momento em que Francis vê o espírito de uma mulher na casa de Margie fica em aberto, e nada mais é dito a respeito após a cena.

Por falar em Margie, ela é, de longe, a personagem mais complexa do filme. Jena Malone (a namorada do Donnie Darko e a versão jovem de Jodie Foster, em Contato) prova que é uma das melhores atrizes de sua geração, conferindo sutileza, introspecção e amargura à nuance mais densa e hardcore do filme. Quanto à Jodie Foster... puxa vida... desnecessário descrever o seu nível de atuação infinitamente superior ao da maioria dos colegas de profissão. Resta observar, humilde como um gafanhoto diante de seu mestre shaolin, o que ela pode fazer com uma personagem que é um dos estereótipos mais antigos do cinema. Não muito, pra falar a verdade. Nos extras, ela mesma explica que não poderia fazer a típica vilã caricatural, pois destoaria da atmosfera realista do filme. Na mesma entrevista, ela ainda dá uma bela alfinetada no roteiro por representar uma irmã de um modo tão maniqueísta. Jodie é foda.

Meninos de Deus está longe de ser perfeito, mas, antes de tudo, é bastante humano e cativante na medida certa. E é incrível como um filme independente, com orçamento pra lá de modesto, consegue ser muito mais criativo do que esses blockbusters barulhentos de verão. Viva a independência!

Ah... o Vincent D'Onofrio. Há uma "certa" tensão no olhar de seu personagem, o Padre Casey. Ecos do Recruta Pyle?



CINCO


Finalmente estréia na sexta-feira a adaptação cinematográfica de uma das hqs que mais me marcaram na vida. É até estranho dizer "foram os quadrinhos que eu mais curti" (essas coisas não se decidem assim, pois dependem do estado de espírito no momento), mas se me entendessem mal e ficasse por isso mesmo... tranqüilo pra mim. Anos após a primeira leitura, as idéias desenvolvidas em V de Vingança até hoje me assombram com a mesma intensidade. Principalmente sendo eu um brasileiro vivendo no Brasil, neste momento em específico. Talvez esta seja a explicação de tanta empatia.

Sem querer menosprezar os vindouros X-Men: O Conflito Final e Superman - O Retorno, esse é o filme mais aguardado do ano por este que vos escreve. Após tantas CPIs, absolvições, caso Celso Daniel, quebras ilegais de sigilo bancário, corrupção ativa e passiva... eu preciso deste filme. Com Joel Silver, Wachowski Brothers e tudo.


dogg... assistindo FHC no Jô Soares e pensando em dar à distinta Câmara do Congresso a mesma decoração que Codinome V deu ao Parlamento inglês.

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