terça-feira, 7 de junho de 2005

SESSÃO DO HUGHES



E não é que este negócio de licença médica me premiou com mais um filme digno de um post? Nesta terça-feira passou na Sessão da Tarde Curtindo a Vida Adoidado (Ferris Bueller's Day Off, 1986), obra prima das comédias adolescentes de High Schools americanas.

Este filme é certamente outro dos tijolos que construíram o conceito impregnado no inconsciente coletivo de minha geração (tenho 28 anos) como um dos "filmes maneiros – MESMO - de antigamente". Certamente é motivo para eu tomar alguns Valiuns, pois a primeira vez que vi foi na Tela Quente, quando só passava filme inédito. É muito tempo, vamos concordar! Ainda mais se pensarmos que hoje já é clássico da Sessão da Tarde e todos sabemos que um filme, para almejar este posto, além de impreterivelmente exibir aquela dublagem perfeita de antanhos, tem que gastar muita cabeça de vídeo da Globo para chegar lá!

Mas este sentimento de velhaco vai embora rapidinho ao percebermos como aquelas comédias, para serem ótimas, não precisavam apelar para piadas de baixo calão nem para atitudes Michael-Baynianas para divertir a platéia. É o tipo do filme que faz o espectador sentir-se leve e satisfeito com o que viu, guardando-o na memória, coisa tão rara hoje em dia. Leveza e competência semelhante só vim a sentir novamente pouco tempo atrás ao assistir Simplesmente Amor (Love Actually, 2003). Foi o primeiro (e último) em muito tempo que conseguiu estampar o sorriso bobo no meu rosto como se fosse algo inédito, mesmo sendo outro estilo.




John Hughes é o responsável por esta pérola; é praticamente o Papa das comédias adolescentes, o dono da Sessão da Tarde. Foi responsável, além deste, por O Clube dos Cinco (The Breakfast Club, 1985) e Mulher Nota 1000 (Weird Science, 1985). Seus filmes são tão venerados mundo afora que hoje são vendidos como uma espécie de box especial de filmes de High School para DVD. Este box tem ainda as obras onde suas outras participações, bem numerosas por sinal, foram no roteiro (Garota de Rosa Shocking e Esqueceram de Mim, por exemplo) ou na produção.

Curtindo a Vida Adoidado nos apresenta um personagem que faz com que qualquer moleque com calos na mão direita (esquerda para os canhotos) queira ser um Ferris Bueller. É o cara que consegue ser querido por todos (tá certo que toma contornos exagerados durante o filme, mas serve para ilustrar), mais esperto que todos, aproveita a vida como ninguém, sempre se dá bem e ainda por cima tem uma namorada muito gata. Lembro-me que passei alguns dias em casa, tal qual um babaca, tentando reproduzir o truque do manequim na cama e do ronco no micro-system, sempre me frustrando.



Viu? Sei fazer cara de pato!!


O curioso disto tudo é que Ferris, apesar de ser um bon vivant, devia ser um geniozinho do crime, pois não é qualquer um que, na era pré-Internet (dez anos antes da popularização da www), sem redes de informática, consegue invadir o micro da escola para reduzir suas ausências. Nem tampouco é trivial para um estudante do segundo grau a montagem do circuito da campainha integrado a um gravador e ao interfone. Estas bugigangas só reforçavam o sentimento "Quero-ser-Ferris-Bueller" que eu e meus colegas de escola alimentávamos.



Jo te quiero!


O filme tornou-se tão popular que ganhou uma série fracassada em 1990. Curioso que os personagens principais não tenham servido para construção de sólidas carreiras no futuro. Charlie Sheen, fazendo ponta (teve que ficar acordado mais de 48 horas para conseguir ficar com aquela cara de viciado), conseguiu muito mais destaque que Alan Ruck (Cameron) e Mia Sara (Sloane).

Matthew Broderick, que disputou o papel com Eric Stoltz, compôs um personagem cínico e boa praça na medida certa, aproveitando o sucesso alcançado com Feitiço de Áquila (Ladyhawke, 1985) um ano antes. Daí esperava-se o surgimento de um nova mega-estrela carismática de comédias, a exemplo de Tom Hanks em Quero ser Grande (Big, 1988), mas surpreendentemente só estrelou filmes de qualidade duvidosa, apenas conseguindo algum destaque novamente ao emprestar sua voz para o Simba, de Rei Leão, 8 anos depois. Tentou então uma ressurreição frustrada com O Pentelho (Cable Guy, 1996) passando ainda por Godzilla (1999) e Mulheres Perfeitas (Stepford Wives, 2004) - todos fracassos.



Vocês vão ver como vou me dar bem depois do filme


Por tudo isto, sou obrigado a concluir que o cagado diretor do colégio de Ferris, Ed Rooney, vivido por Jeffrey Jones, acabou conseguindo sua redenção na vida real. Apesar de não conseguir protagonizar nenhum filme, coadjuvou várias obras de relativo sucesso e/ou qualidade, como Os Fantasmas se Divertem (Beetle Juice, 1988), Valmont (1989), Advogado do Diabo (Devil's Advocate, 1997), A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça (Sleepy Hollow, 1999) e muitos outros.

Durante o filme, para reforçar a identificação com minha geração, somos apresentados a várias situações que repetiam-se identicamente nas nossas vidas, como a irmã recalcada, os pais cegos para o que fazemos e o professor chato bagarái que fica repetindo "Alguém sabe? Alguém?" naquele tom monocórdio.



Então em 1500 o Brasil foi descoberto por... alguém sabe? Alguém? - Cabral.


Curiosidade: o professor de economia realmente era um cara formado em economia que nem usou script naquela cena. Entretanto, daí para frente o cara coadjuvou diversos filmes, a maioria comédias infantis.

Curiosidade²: os atores que fazem os pais de Ferris acabaram casando-se na vida real depois do filme.

Estes artifícios de identificação com o público são normais, assim como os papos que Ferris bate com a câmera, mas nada funciona tanto quanto o sentimento de comoção geral que toma conta na antológica cena em que Ferris dubla Twist and Shout em um carro alegórico na Von Steuben Day Parade de Chicago. Aquele povo todo cantando/dançando e a paixão que Matthew empresta ao personagem fazem com que até o mais frio espectador seja arrebatado e sinta vontade de cantar também. Não satisfeito com este golpe baixo populista, John Hughes ainda faz com que um grupo dance na escadaria reproduzindo exatamente a coreografia de Thriller, vídeoclip-supra-sumo de Michael Jackson que todo mundo adorava na época. É golpe baixo. Sacanagem mesmo. Mais fdp, só o Capitão Ultimate.




Não sei se foi proposital ou se é um lance de época, mas é impressionante ver o roteiro que os personagens seguiram para alcançar aquilo que mais a frente seria definido como "aproveitar a vida". Hoje em dia, ao perguntarmos para qualquer adolescente o conceito de "aproveitar a vida", certamente as respostas serão concentradas em dois ou três itens fisiológicos regados a sexo. Certamente isto é ótimo, mas não é tudo.



Cameron, intrigado com um quadro no museu


Aqui o conceito é transladado um pouco, pois os protagonistas vão saudavelmente apreciar a vista do alto da Sears Tower (um dos prédios mais altos do mundo), almoçar em um ótimo restaurante, assistir a um jogo de baseball, curtir uma no Art Institute of Chicago (onde várias obras são mostradas, bem como o efeito delas sobre os personagens), o desfile e uma piscininha no final da tarde. Não dá para negar que foi um dia muito porreta, afinal, como o próprio Ferris diz no final, "a vida é muito curta. Se você não parar um pouquinho de vez em quando e vivê-la, estará perdendo tempo".


PS: Cabe dizer ainda que foi a primeira vez que vi usarem os créditos para passar algumas seqüências interessantes, saindo do lugar comum das letras subindo no fundo negro que a Globo sempre corta. Mesmo assim, para não perder o costume, a Vênus Platinada ainda meteu a tesoura na última parte do filme, quando o protagonista sai do banho e diz "Vocês ainda estão aqui? Acabou! Vão embora!" Esta eu tinha decorado!

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