sábado, 4 de junho de 2005

AVENTUREIROS DO BAIRRO ESTELAR

Com vocês, a mais nova adição do BZ: Fivo, the contributor...




Ficar acamado tem uma série de situações ruins, dentre as quais posso destacar o sentimento de perda de dignidade quando duas mulheres de vinte e poucos anos te dão banho numa cama e não há tesão algum nisto. Só que, se não formos muito derrotistas, situações como esta destacam dentro de nós a filosofia de Polyana, fazendo-me encontrar o tal do lado bom até disto. O tempo de convalescença permitiu-me, dentre outras coisas, descobrir que o Louro José, o coadjuvante da Ana Maria Braga, é um cara brilhante e muito mais interessante que a protagonista do programa, mas tudo isto merece um texto à parte e em outro local. O importante é que serve como introdução para falar da sensação de prazer que apoderou-se de mim em cada tarde nostálgica de devoção à Sessão da Tarde.


Numa destas tardes a Globo reprisou Aventureiros do Bairro Proibido (Big Trouble in Little China, 1986). Tipo do filme que conseguia colocar em um só saco tudo aquilo que um moleque de 10 anos queria ver na televisão: porrada, seres fantásticos, pitadas de terror e heróis canastrões quase carnavalescos. Sempre figurou no meu top ten dos filmes mais divertidos que já vira e temia absurdamente vê-lo novamente.


Medo? Explico: como tem sido cada vez mais corriqueiro, os medalhões de minha juventude não têm sobrevivido bem à minha idade. Cada vez que vejo algo outrora fantástico e insuperável, percebo como a maturidade é capaz de ser muito mais severa do que qualquer dos vilões quase imbatíveis que acompanharam meu crescimento. Já esperando conclusões nesta linha, estava preparado para mais um ícone desnudo, mas fui extraordinariamente surpreendido quando percebi que Aventureiros conseguiu passar incólume pelo "meu" tempo. Incólume não – seria impossível – certamente percebemos que a tecnologia de hoje faria milagres naquele filme, mas a forma como foi construído, bem como a miscelânea de estilos, cenários, temas e referências consegue manter o filme atemporal.


No caminho inverso do esperado, minha dita maturidade ainda enriqueceu meu prazer em assistí-lo e perceber como, propositalmente ou não, foi influenciado e influenciou muita coisa da cultura pop destas duas ou três décadas que passaram.


O enredo todos conhecem, mas não custa dar uma lembrada: Jack Burton (Kurt Russel) é um caminhoneiro que vai com seu amigo chinês até o aeroporto para buscar a noiva deste último, mas esta é raptada por uma gangue chinesa e inicia-se uma perseguição para ter a garota de volta. Até aí, nada demais. Típica linha mestra de papo de bar com a profundidade de um pires, mas então John Carpenter nos presenteia contando mais-do-mesmo e tudo parece novo.


Carpenter é aquele tipo de autor/diretor de filmes B para quem fãs costumam sacrificar em seu altar um ou dois artistas pop semanalmente. Não o acho brilhante; vejo-o na verdade como um cara muito irregular. É capaz de obras-primas como Eles Vivem (They Live, 1988), O Enigma do Outro Mundo (The Thing, 1982) e Aventureiros – cada um no seu estilo – ao passo que também é responsável por crimes como Fantasmas de Marte (Ghosts from Mars, 2001) e Vampiros (John Carpenter's Vampires, 1998), passando ainda por filmes mais ou menos - como a série Halloween – e cults, como Fuga de Nova Iorque (Scape from New York, 1981).



Han Solo e Princesa Leia


A filmografia mostra que o diretor tem certa predileção por Kurt Russel. Atorzinho canastrão ao máximo, cujo sucesso é inteiramente devido a três dos filmes citados acima. Não culpo Carpenter, pois curiosamente sempre gostei muito de Russel e não sei explicar muito bem o porquê. Talvez seja justamente porque é canastrão, sabe que é canastrão, gosta de ser canastrão e não vai deixar nunca de ser canastrão, ou seja, é autêntico. Diferente de Stallones da vida que tentam ser o que não conseguem.


O jeitão dele combina perfeitamente com Aventureiros. O estilo "sou brucutu e mando pacas", com aquela roupinha mamãe-tô-forte-e-uso-bota casa com o clima do filme que nem queijo e goiabada, construindo um contra-ponto perfeito à personagem de Dennis Dun, o chinesinho mirrado que se acha o Pai Mei (este aí, depois daqui, só apareceu em O Último Imperador).


O mais gostoso de assistir este filme depois de 15 anos é perceber as influências sofridas e impostas. Não sou fã tarado de Star Wars, então não posso dizer se estou "no clima" de Episódio III quando digo que vejo referências da mitologia de Lucas em quase todo o filme. Certamente é ambientado no planeta Terra, mas a forma como a estória se desenrola te arranca de qualquer sociedade conhecida e em pouco tempo nos encontramos afogados em uma mitologia-colcha-de-retalhos. Jack Burton é um Han Solo estilizado e caricato com seu amigo carismático que precisa resgatar sua contraparte feminina. Trata seu caminhão à semelhança da importância que a Millenium Falcon tinha para Harrison Ford da trilogia original e passeia por ambientes que chegam a lembrar o triturador de lixo de Uma Nova Esperança.



Fla x Vasco no Maraca


Quando a perseguição os leva para os becos chineses, somos apresentados a um mundo fantástico, colorido, que desafia o bom senso e me leva à "Viagem de Chihiro". Logo ao entrar neste mundo temos um embate de exércitos idênticos – não... neste caso não farei alusão ao exército de clones, pois qualquer grupamento militar é caracterizado pela uniformidade visual – subitamente interrompidos por três figuras míticas simbolizando a Chuva, o Trovão e o Relâmpago. Aqui temos uma óbvia influência para a criação, uma década depois, de Raiden, do Mortal Kombat.




Somos apresentados então à toda uma sorte de criaturas que te afastam ainda mais do mundo real. Um "chefão" imortal que não passa de um cruzamento de Darth Sidious com Shang Tsung. Curiosidade interessante aqui é que o efeito do poder desta personagem serviu de clara influência para os efeitos especiais de Eles Vivem, filmado dois anos depois.



Hummmm... Acho que vou usar este efeito no meu próximo filme...


As influências não param. Uma espécie de "olho que tudo vê" circula pelos subterrâneos da cidade onde nossos heróis passeiam e é claramente um Jabba The Hutt estilizado. O trajeto pelos esgotos enevoados cheios de seres esquisitos nos remete ao planeta onde Luke foi treinado por Yoda em O Império Contra Ataca e, claro, este último não poderia ficar sem sua referência na pele da personagem Egg Shen, vivido por Victor Wong. É o ancião que detém os conhecimentos e o poder para fazer frente à verve mística do lado negro. Em dado momento ele chega a conceder a "força" a seu exército de "jedis", ao oferecer-lhes uma poção que confere poderes para quem a bebe.



Há uma cena igualzinha em Episódio II,
quando Yoda defende-se do ataque de Dookan


Quando o filme termina, percebemos uma série de buracos na estória, bem como motivações pequenas demais (resgate do caminhão) ou justificativas estapafúrdias (a necessidade da moça de olhos verdes para conferir mortalidade ao "Imperador"). Entretanto, temos a certeza da diversão, de ter visto o suicídio mais maneiro de todos os tempos e Carpenter apenas assegura a máxima de que no universo nada se cria. Tudo se transforma. Até o Chewbacca.



by Fivo (ainda em fase de testes)

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