terça-feira, 14 de junho de 2005

A SPHINX TEM A RAZÃO



Uma das práticas mais corriqueiras das pessoas – mesmo que alguns não assumam – é a tentativa de tentar saber como seria o futuro. Percebemos isto nas mais variadas áreas, seja com os especialistas em futurologia (tarot, búzios e genéricos) ou simplesmente quando olhamos para o horizonte, geralmente já meio bêbados, e tentamos montar um cenário futurista na nossa cabeça como se fossem peças de Lego com manuais conceituais atualizados. Este último exercício já deu muito dinheiro para muita gente e, se às vezes soa absurdo, em outras acerta em cheio. Com a palavra os fãs de Star Trek, precursor de uma penca de gadgets inimagináveis duas décadas atrás e super corriqueiros hoje.

Nesta linha de tentar imaginar o futuro peguei para assistir Código 46 (Code 46, 2003), filme bem elogiado no ano passado que saiu no Festival do Rio e em circuito restrito, mas perdi ambas as chances de ver na telona. Ali estamos alguns anos no futuro, onde o mundo é formado de cidades com acesso restrito, onde seus moradores devem portar uma autorização e são impedidos de viajar para outras, exceto em situações muito especiais. As pessoas que não vivem nestas cidades ficam naquilo que chamam de al fuera (lá fora), cidades no meio do deserto onde a fome impera e não há o controle nem os benefícios da cidade controlada. As cidades fechadas acumulam os efeitos da globalização em proporções assustadoras, perdendo suas identidades até no mais básico símbolo de definição de um povo: sua língua. Estas não existem mais de forma definida. Todos falam algo que é 65% inglês, 15% espanhol, 15% francês, 4% árabe e 1% de outras línguas mortas. Não há tampouco etnias dominantes, sendo que boa parte da população é fruto de clonagem.



Parece comercial de leite Molico, mas é o sol do futuro castigando a pele


Em um mundo como este, a reprodução deixa de ser arbitrada aos cidadãos, pois a clonagem maciça diminuiu substancialmente as diferenças genéticas e o cruzamento de pessoas com até 25% de semelhança genética é proibida pelo Código 46. Pessoas cientes desta semelhança genética que incorrem no erro ferem o código e, além de terem o feto retirado, são exiladas para al fuera, curiosamente onde ainda existem as diferenças e as identidades.

Todo este cenário é controlado por uma corporação mundial chamada SPHINX, responsável pelo fluxo de pessoas entre cidades, passes de cobertura de estadia e chega até mesmo a fiscalizar o deslocamento das pessoas dentro das cidades através de câmeras, numa espécie de Big Brother (por favor... falo de 1984, não é para pensar no programa global). William é funcionário desta empresa. Através de um vírus de empatia consegue sentir o que as pessoas estão pensando, sendo usado então para caçar contraventores da lei mundial. Ao investigar um caso de fraude de certificados em Pequim, apaixona-se por Maria Gonzáles, uma local, e dá-se o desenrolar da história.



Amor do futuro é assim: Frio e distante.


Não é um filme que poderia classificar como bom ou recomendável pelos critérios que normalmente avaliamos as produções por aí, já que sofre de um problema sério de ritmo, ficando extremamente arrastado em alguns momentos, mas as curiosidades destacadas em um mundo globalizado embebido em caldo de Blade Runner (as pessoas são andróginas, mecânicas, tristes) realmente saltam os olhos e nos oferece um aspecto curioso e indesejado do futuro, mas terminando falando de amor, solidão e relevância das relações inter-humanas de um mundo pasteurizado. Michael Winterbottom dirige este filme e, na minha opinião, poderia aproveitar muito melhor a idéia apresentada.



"Acho que vi um piolho por aqui"


É o primeiro produto que vejo deste diretor reconhecido por obras que tocam públicos que parecem escolhidos a dedo, especificamente sintonizados com o que se passa na tela, como se trabalhasse em modulação de freqüência. Antes fez A Festa Nunca Termina (24h Party People, 2002) e depois 9 Canções (9 Songs, 2004). O primeiro não me tocou e o segundo não passa de um porno movie rock'n'roll sem sentido. O pessoal mais inteligente até diz que tem uma mensagem ali. Eu não peguei a idéia.



Falsificando o Vale Transporte do futuro


Quanto aos atores, gosto particularmente de Tim Robbins. Adorei seus papéis em O Suspeito da Rua Arlington (Arlington Road, 1999), Um Sonho de Liberdade (Shawshank Redemption, 1994), Sobre Meninos e Lobos (Mystic River, 2003) e vários outros, mas aqui ele desempenha uma atuação automatizada. Talvez seja justamente esta a intenção, já que reflete bem o meio frio em que está inserido, onde nada é intenso, nada é vivido, nada é superlativo (reforçado pela fotografia azulada). Ou melhor... de superlativa, só a apatia. Opa, acho que estou começando a entender a atuação do cara e pode ser que ele tenha sido perfeito...

Samantha Morton contracena com Robbins e repete não só o tom de atuação do parceiro como o papel da pre-cog de Minority Report (2002), inclusive com o mesmo visual, mas com um momento de exposição do seu "eu" bem interessante (quem viver, verá!), mas que parece coisa de dublê de corpo. Aliás, creio que está ficando marcada como atriz de filmes que poderiam ser mega-foderosos e ficaram pelo caminho.

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