quinta-feira, 13 de abril de 2006
TORNA-TE QUEM TU ÉS
Este local aqui não é muito usado para este tipo de texto, mas, como não deixa de ser uma mídia e definitivamente é veículo de cultura e entretenimento, vou falar sobre livros. Como todas as coisas, abordar este "negócio" tem um/vários lado(s) ruim(ns) e um/vários lado(s) bom(ns). Ruim pois é mais difícil inserir imagens com adesão satisfatória ao que se aborda, algo que textos sobre quadrinhos, música e filmes tem em abundância. Ruim também porque as imagens dão ritmo a textos longos – característica deste blog - , como pontos de descanso em uma trilha. E bom, pois, como não há precedentes por estas bandas, as reações ao texto são inteiramente novas, assim como novas pessoas podem surgir pelos comentários se o assunto falar mais ao pé d'ouvido.
Falar sobre as paixões que os livros criam, bem como a magia intrínseca à excitação das idéias causada apenas pelo velo das palavras e o desvelo da imaginação é chover no molhado, então vou abordar dois outros focos, um passional e outro oportunista.
O passional vem através de uma obra que se esconde por trás da frieza de uma lápide de racionalidade, mas olha enviesado para o calor da emoção fundamental; a aceitação pela convivência. Trata-se de "Quando Nietzsche Chorou" (When Nietzsche wept - Yalom, Irvin D.; 1992). O livro traz para o mundo da ficção o relacionamento de pessoas reais e relevantes na história de nossa sociedade: Friedrich Nietzsche – filósofo prussiano do século XIX, Josef Breuer – médico vienense e mentor de Sigmund Freud – "pai" da psicanálise. A relação de mentor e discípulo entre Breuer e Freud foi factual, mas Nietzsche (pronuncia-se "Nitch", mas sempre que falo assim, sou forçado a apelar pro Niétch para reconhecerem de quem falo) nunca encontrou com ambos.
Resumidamente, Nietzsche sofre de doenças terríveis e é convencido, através da ação da única mulher foco de seu amor recalcado, a tratar-se com o renomado Dr. Breuer. Até aí parece que é um livro maçante, mas a forma como a relação entre estes dois homens evolui é inapelável, além de contar com vários coadjuvantes de peso, bem como arranha a porta da aurora da psicanálise.
Não é qualquer livro que, focado em diálogos, consegue fazer alguém sentir-se em um liquidificador de emoções. Os diálogos que travam Nietzsche e Breuer são inebriantes, os duelos retóricos apaixonantes, as diferenças de personalidades praticamente saltam do livro, tomam vida, e o desfecho é um ensinamento. Não um ensinamento como estes filmes edificantes e redentores que surgem por aí, mas, ao menos para mim, um ensinamento cuja clareza chega a cegar, dado o espectro de situações que ambos vivenciam até chegarem às suas conclusões. Especifico o "ao menos pra mim", pois, cético que sou, nunca li palavras que estivessem tão ligadas à minha forma de pensar, quase fazendo-me sentir como se fosse minha própria mão, conduzida por algumas entidade mais esclarecida, que escrevera alguns trechos do livro. As tormentas que cada um deles passa são tão reais quanto às suas ou às minhas, mas exaustivamente, - e nem por isto arrastadamente - interpretadas. Sabe aquele sentimento que às vezes temos aqui dentro, mas não conseguimos verbalizar? Neste livro todas estas sensações são detalhadas, quase como se fosse um manual para quando sentirmos os sintomas de nossas angústias e quisermos nomeá-las. O real sentido de amizade sofre abordagem tão honesta quanto a forma como o escudo intransponível da razão dá lugar à sólida, mas permeável, emoção.
Não satisfeito, o livro é um manancial de frases-verdade; destas incontestáveis por quem entende que a vida é menos romântica do que se pensa. O que dizer, por exemplo, da frase "as pessoas, em verdade, amam o desejo e não a pessoa desejada"? Na minha fase de maturidade, não vejo verdade mais absoluta. A busca pelo desejar é arrebatadora, as pessoas desejadas são transitórias. E o "Transforme o 'assim se deu' em 'assim eu quis', caso contrário, não viverás uma vida, pois se não escolhes seu destino é a vida que te vive. Deseje o necessário e ame o que desejar. Amor Fati". Claro, são retórica e, por vezes, podem estar longe demais do que sentimos, pois falam à razão. Mas até isto o livro sabe e, para não permanecer imparcial, trabalha a conversão do discurso para a mente em discurso para o sentimento de forma natural, aproximando as palavras pensadas das palavras sentidas.
Na foto acima, à direita, temos Lou Salomé, Paul Rée e Nietzsche em foto cuja importância é bem destacada no livro.
Há tempos não leio algo tão bom, tão envolvente e com tanta mensagem, pois "bom" e "envolvente" vários são, mas também são rasos de significado. Li emprestado, vou comprar. E as obras de Nietzsche estão na mira, certamente, até porque após pesquisar sobre o cara na net, a wikipedia fez-me passear por conceitos impossíveis de se ignorar.
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Um comentário:
Gostaria de conversar melhor sobre este livro contigo (que leu). Você se afiniza com as idéias de Nietzsche? (pergunta primeira). Se a resposta for positiva, podemos dialogar sobre ele... Eu sei alguma coisa sobre seu pensamento, escassa se comparado á vasta bibliografia do filósofo-literato. Risos... Mas estou lendo atualmente outras coisas sobre ele, gostaria de estudá-lo mais á fundo. Que me diz? Um msn pra bater papo? Voltarei para ver sua resposta. Abraço, Denise.
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