No começo dos anos zero (esquisito demais isto... Anos zero... Tomara que passe logo para começar a chamar de anos dez, que também é estranho, mas vá lá... Bem melhor que anos zero) estávamos vivendo o momento onde as adaptações de quadrinhos recentemente feitas colhiam seus primeiros louros, já semeando o campo para uma seqüência alucinante de anúncios de novos filmes nesta linha, além de adaptações também de video-games (foi desta gosma que surgiu Uwe Boll, o Ed Wood dos anos zero - ARRRGHH), o que me fez elocubrar a respeito do paradeiro daquilo que existiu um dia sob o nome de roteiro original. Não que não curta filmes de quadrinhos e tal - tipo da possibilidade ridícula em se tratando deste blog - mas diversidade é interessante também. Eis então que começaram a anunciar a possibilidade de produzir um filme sobre uma atração de parque de diversões! Pensei: Aí forçaram! Atração de parque de diversões é o cúmulo. É muita falta de boas idéias mesmo. Ainda por cima sendo esta atração da Disney, o que traz consigo a idéia inequívoca de filme água com açúcar.
Era natural que, ao acompanhar as novidades acerca dos filmes que me interessavam, as notas de produção de Piratas do Caribe: A Maldição do Pérola Negra (Pirates of the Caribbean: The Curse of the Black Pearl, 2003) viessem misturadas, mas mesmo assim desdenhei muito, a ponto de nem ver trailers e não saber qual seria o elenco. Por acaso, por força de uma namorada da época, acabei por ver o filme no cinema e logo de cara percebi algo de bom poderia ter, já que Johnny Depp estava no elenco. O resultado final foi muito positivo. Achei tudo muito divertido, engraçado e com uma dose de aventura que, se não era extraordinária, ao menos valia o ingresso. Claro... O filme devia 87,25% de seu êxito a Depp e seus trejeitos e sotaque, sem isto seria um filme ordinário (prova disto tive umas duas semanas atrás, quando vi o filme novamente na TV, só que dublado... Graça nenhuma). Foi o suficiente para respeitar a seqüência. Não estava apreensivo nem nada, mas tinha ótimas expectativas. E não me decepcionei.
O primeiro era um balão de ensaio. Claro, visava a bilheteria das férias, mas para saber se conseguiria arrancar muito mais dinheiro do público em seqüências, tinha que testar a empatia de personagens daquele tipo, já há algum tempo sem dar as caras no cinema. Além disto, arriscou também ao não colocar nenhum destes personagens como protagonista, quer dizer, até acho que o Will Turner de Orlando Bloom seria este cara, mas o ator é tão inexpressivo que foi nivelado aos "coadjuvantes". Em Piratas do Caribe: O Baú da Morte (Pirates of the Caribbean: Dead Man's Chest, 2006), com balão de ensaio já digerido, naturalmente ousaram mais, muito mais. A começar pela própria estória, onde duas linhas independentes seguem seu caminho, cada uma com complicações suficientes para render um filme independente, mas convergem mais à frente e criam outras tantas situações. Por óbvio, um roteiro deste tipo não pode ser executado em menos de 2 horas, sem contar que é um tanto quanto complicado manter a atenção do público desta forma, a não ser que tenha ação suficiente. E ação não falta. Não diria que é non stop, já que há de se criar os elos entre os acontecimentos, mas o filme é dinâmico o suficiente para fazer as duas horas e meia passarem voando e não percebermos alguns furos aqui e ali. Mas furo em filme é que nem celulite... Se a mulher não tem, não é de verdade.
Pareceu-me menos "engraçado" que seu predecessor, certamente pelos maneirismos de Jack Sparrow não serem mais novidade para ninguém (segundo Depp, a composição do personagem é uma mistura de Keith Richards com Pepe Le Gambá... vai saber), mas isto foi compensado com um jogo de situações que há muito não vejo. Os problemas e soluções vividos pelo personagem são tão bem escritas e executadas que não sentia o mesmo prazer que tive ao assistí-las desde as aventuras de Indiana Jones, especialmente a seqüência da gaiola de ossos - regurgitada após na forma de um moinho d'água - onde faltou pouco colocarem o hino de Indy para tocar. Todas as seqüências do Kraken (Kray-ken ou Kráken?...rs...) também são competentíssimas.
Comentei também quanto ao estereótipo que filmes da Disney têm, e o curioso é que este aqui passa longe disto. Morre gente a dar com pau, mutila-se mais do que em muito filme que se pretende terror, humor-negro em situações propícias e, principalmente, a falta do herói de caráter indiscutível (Orlando Bloom não conta). Não que ter estes elementos seja sinal de filme bom, longe disso, mas é interessante sob o ponto de vista dos pré-requisitos que a gigante do entretenimento estaria partindo em suas obras. Para um filme da Disney, diria que tem gente lá quebrando seus paradigmas, só para usar uma expressão chatíssima de ambientes empresariais. Talvez seja estímulo de gente politicamente incorreta tirando mingau da sua cumbuca, como Shrek, por exemplo.
Por falar em rótulos, vejo por aí o pessoal classificando PdC como um "ótimo filme de piratas", mas creio que este tipo de designação encarcera o filme num rótulo que diminui sua envergadura. É um filme com elementos do mundo fantástico, transcendendo em muito a definição do que seriam filmes de piratas, ou seja, aqueles embates em alto mar que têm muito mais a ver com Errol Flynn do que com Johnny Depp. As figuras que povoam os roteiros da cine-série constituem uma mitologia à parte, assim como os respectivos das séries Star Wars e Senhor dos Anéis, por exemplo. Por falar nos elementos fantásticos, os efeitos dos piratas mortos-vivos do primeiro já eram ótimos, mas a caracterização dos marujos do Holandês Voador é qualquer nota. Em alguns momentos não sabia ao certo para onde olhar, já que naqueles seres tudo se move, tudo me era curioso, inclusive o capitão, Davy Jones, um Homem-Coisa genérico, interpretado por Bill Nighy, único ator à altura de Depp e também cheio de trejeitos que, mesmo embaixo de toda aquela maquiagem, ainda mostravam que era o roqueiro Billy Mack o dono dos tentáculos.
Como esperado, Depp ainda é o ponto alto do filme, mas o roteiro extremamente bem dirigido por Gore Verbinsky faz com que não seja mais o único trunfo, o que é muito bom. Ele, para mim, é o melhor ator de sua geração (de onde vieram Brad Pitt, Tom Cruise, Christian Slater, Keanu Reeves e outros). Costumo dizer que, se há Depp no elenco, pode até ser que o filme seja ruim, mas certamente Depp é muito bom. Claro, tem lá suas exceções medianas, mas normalmente ele é o destaque. Keira Knightley faz a boneca que tem que ser, chegando a protagonizar uma cena de comicidade até mesmo ingênua, mas bem bacana, mas sua atuação não superou a do macaquinho morto-vivo que servia de alívio de tensão para o Capitão.
Vale lembrar, após os créditos ainda tem uma cenazinha que não acrescenta nada, mas diverte. Quem não viu antes pode ver abaixo. O terceiro já está filmando e, a julgar pelo final muito bem sacado deste, vai ser mais um arraso.
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