Os Supremos 2 (Ultimate Avengers 2: Rise of the Panther, 2006) é uma boa oportunidade para testemunhar as misteriosas forças da Lei de Murphy em ação. Assim que terminei de assistir, deu vontade de arquivar o DVD numa pasta de evidências e aguardar pelas edições dos Supremos na versão de Jeph Loeb e Joe Madureira. Impressionante como tudo anda conspirando contra, de uns tempos pra cá. É o verdadeiro Pesadelo Supremo. Vou ficar fazendo gênero não: esta segunda adaptação animada dos Vingadores Ultimate é fraquinha com gosto de gás. Pior que cerveja miada. Mas justiça seja feita, não foi propaganda enganosa. Os previews e teasers divulgados continham algumas cenas pseudo-violentinhas, mas no geral não transmitiam a ação vertiginosa e produção bem-sacada que se espera de um calhamaço assumidamente pop como esse. Isto aqui tinha de ser um desenho blockbuster dirigido Michael Bay, oras. Podiam até reaproveitar a malaquice imperialista de Bad Boys 2, Armageddon, etc.
O primeiro longa já era bastante convencional na estrutura, mas adotou as matrizes da HQ com uma fidelidade animadora. Por simpatia a isto, descontei a burocracia da narrativa e fiquei até esperançoso quando soube que a continuação estava sendo produzida logo na seqüência. "Talvez dêem um passo adiante, desenvolvendo as boas qualidades desta 1ª adaptação, aproximando o conceito da geopolítica hardcore dos quadrinhos e assimilando um pouco do senso de humor doentio do texto original. Nada muito radical, claro... não queremos traumatizar os molequinhos que acabaram de comprar a lancheira do Capitão Ultimate", pensei demoradamente eu, como se pertencesse ao staff de Os Supremos 2.
No fim, acabei me sentindo como o Rambo, quando foi abandonado pelo helicóptero de resgate em pleno território inimigo. Nada mais apropriado, aliás. Por vários momentos, Os Supremos 2 lembra a série animada do Campeão da Liberdade. Holy cow.
Adaptado por três, dirigido por dois e supervisionado por um, o desenho tem até uma boa seqüência de ação isolada com o Cap enfrentando alguns soldados da Hydra (cuja participação pára por aí mesmo). A maior parte da história se passa em Wakanda, reino africano ultra-avançado, rico em vibranium e governado por T'Challa, mais conhecido como Pantera Negra. Wakanda está sofrendo sistemáticos ataques dos alienígenas Chitauri remanescentes do primeiro desenho, o que leva o Pantera a solicitar ajuda a SHIELD e, por extensão, dos Supremos. O interessante é que nos quadrinhos não existe uma versão ultimate do Pantera Negra e devido ao forte tom político do personagem, em tese, até seria uma boa idéia sua introdução neste universo. Mas conseguiram a proesa de estragar tudo.
Não só descaracterizaram completamente o herói ("pedir ajuda a SHIELD"... bah!) como também o reino de Wakanda, supostamente dona de uma tecnologia de anos à frente do resto do mundo. Visualmente, Wakanda parece uma civilização asteca cheia de máquinas terceirizadas extraindo o raríssimo vibranium. Uma reserva indígena cujos recursos naturais estão sendo saqueados por alguma gigante corporativa. Lembra tudo isso e não faz a mínima questão de parecer o contrário. Justamente o oposto do que o personagem e sua simbologia atual significam.
Só pra ficar na parte dos quadrinhos, o Pantera aqui tem poderes místicos ancestrais e pode se transformar em um "panteromem" - uma transposição direta do Coal Tiger (o príncipe T'Chaka II, filho de T'Challa no universo A-Next). Como se o herói original não fosse suficientemente atrativo. Ou, mais provável, como se não houvesse talento suficiente à mão para mexer com um personagem tão complexo.
O resto do super-time mantém o ar de tosqueira enlatada feitas às pressas. Os heróis são robóticos, desinteressantes, chatos e sem química alguma. Por Zeus, até aqueles guris enjoados do Capitão Planeta tinham química. A campeã disparada é a Viúva Negra. Se no primeiro desenho a atriz Olivia d'Abo nos presenteou com o sotaque mais canastrão da História Contemporânea, aqui ela eleva seu russíngrish a novos patamares. Impressionante. Já o Thor fanfarrão de outrora (quase um Hércules animado) perdeu toda aquela falastronice e senso de humor. Não satisfeitos em terem o transformado num bucha de primeira linha, ainda colocaram o cara pra jogar runas em Stonehenge como se fosse um pai-de-santo jogando búzios no Pelourinho.
Pra não dizer que ninguém se salva, os belos atributos da Jan Vespa Pym a deixaram com o pé mais na América Latina que na Ásia. E Tony Homem de Ferro Stark é de longe o mais carismático e faz a festa com brinquedinhos de última geração e armaduras de várias fases (o Máquina de Guerra em ação é muito bacana). Parece ser o único desenho com alma por lá.
O roteiro é de lascar. Bruce Hulk Banner é desperdiçado até a última célula gama e Herr Kleiser é outra vez o vilão. Avemaria. Naves aliens com design de insetos, um campo de energia cobrindo o planeta (Manual da Invasão Alien, capítulo 5), Kleiser se transformando num monstrengo gigante na seqüência final (capítulo 3), enormes pods atacando os grandes centros (prefácio)... Qualquer episódio de Defensores da Terra dá de 10 nesta clicherama empilhada. Nem a morte de um dos mocinhos causa impacto após 73 minutos de letargia criativa.
No geral, bocejei tanto que quase desloquei a mandíbula. A vida é assim mesmo. Uns escrevem um texto sensacional sobre uma animação maravilhosa, outros se sujeitam a roubadas como Os Supremos 2.
Mas fora o alívio dos créditos finais (em todos os sentidos), existe alguma razão para conferir este disco? Ooh, temo que sim, caro padawan...
Não perca tempo e vá direto aos extras, na parte "Quem são os Supremos?" Lá, o escritor Mark Millar e o artista Bryan Hitch dão uma geral no processo criativo dos volumes 1 e 2 dos Supremos. Quem considera os Vingadores Ultimate o melhor quadrinho desta década, eu diria que é, bem... não consigo me decidir entre "obrigatório" e "imperdível"... E quem apenas curte quadrinhos em geral, a importância disto aqui é praticamente a mesma - os comentários do editor-chefe da Marvel, Joe Quesada (maior jeitão de fanboy metido e que não empresta revista), as frases sempre políticas do editor Ralph Macchio (realmente não é o Daniel-san) e do producer Avi Arad tornam o semi-documentário um Roda Viva de quadrinhólogos numa troca de idéias e impressões que não se vê todo dia. Não neste nível tão avançado. É só fera.
Claro que é um deleite ouvir Millar e Hitch destrinchando cada personagem, cada inspiração, motivação e conhecimento de causa, com uma montagem entrecortando os melhores momentos da revista. No entanto, o momento principal e o que fez valer-valer-valer a assistida, não poderia ser outro. Nas palavras de Millar:
e o vilão pergunta a ele: 'Quer se render, Capitão?' (...)"
...e aí o roteirista segue tentando analisar toda a polêmica com uma cara-de-pau invejável (e piorando tudo, pois seu cinismo é mais palpável que muro chapiscado), Macchio botando panos quentes e Quesada grunhindo uma interessante variação de "shit happens". Mas o comentário mais impagável fica por conta de Hitch...
É... o Capitão Ultimate jamais será o mesmo.
Na trilha: Dawnrazor, Fields Of The Nephilim.