Depois de assistir The Invincible Iron Man (2007), tive a impressão de que o próprio Tony Stark anda dirigindo seu departamento de érrepê. Sem mais polêmicas sobre cachaçadas homéricas ou acusações de superfaturamento em cima da máquina de guerra texana - erros do passado que o humanizam perante a sociedade e lhe conferem agora até certo charme. O Tony Stark atual é a imagem do pop businessman calibrado para este iniciozinho de milênio. Uma cruza entre Larry Ellison, Howard Hughes e o Al Gore pós-An Inconvenient Truth com a vontade política que o cargo da Condoleeza Rice demanda. Vá passar por cima disso pelos canais oficiais.
Com passe livre pela Casa Branca e agora o frontman absoluto em todas as linhas de defesa, Tony Stark está em todas. Desmantela velhos símbolos e professa outros novos como se adicionasse um link no Favoritos da opinião pública. Mais que a fórmula mágica de Extremis, Stark injetou os Estados Unidos da América na veia. E o barato ainda está longe de acabar.
Pois toda esta reformulação no status-quo da Marvel (que terá reflexos durante o ano inteiro - quem aqui cria mega-sagas que não mudam nada, cara-pálida?) também teve seu devido impacto no novo desenho do Homem de Ferro. Não no sentido temático, não... mas na revisão de um super-herói tecnológico em atualização constante e nas analogias ao corporativismo, à globalização de assalto e ao Second Life-encontra-War que é o cenário geopolítico mundial. Se já não é, o Latinha, hoje, tem toda a vocação pra übermensch do Estado. Como visto na conclusão de Civil War, falta pouco pra chegar lá e o único limite parece ser o do elemento humano que existe debaixo de toda aquela parafernália de última geração. Ironicamente, Stark periga ser o seu próprio ponto fraco. De inferno pessoal ele entende bem e já pipocam indícios que a inevitável Queda se avizinha no horizonte.
Mesmo irregular, The Invincible Iron Man surpreende. De cara, é muito superior a qualquer longa animado que a Marvel já produziu, simplesmente por fugir daquele aborrecido standard animado - meio que desajeitadamente, mas foge. Consegue readaptar o rascunho minimalista que foi a origem do personagem, na esteira da Guerra do Vietnã (atualizada recentemente para a Guerra do Golfo). Provavelmente, os puristas renegarão a releitura, mas pensando bem... porque um purista perderia tempo com um personagem cuja maior característica é sua própria reinvenção?
Passado o espanto inicial, até que não ficou tão diferente assim. Só enxugaram a premissa (o famoso "cut the crap") e remodelaram algumas situações. Dos elementos tradicionais, Stark pessoa física continua tentando fazer do mundo "um lugar melhor" e o Stark pessoa jurídica ainda é a última palavra em lifestyle e commodities de tecnologia. Estão lá James Rhodes, amigaço do tipo que dinheiro não compra, e Virginia "Pepper" Potts. O Mandarim é o arqui-jurássico-vilão. De novidades, quem manda mesmo na Stark Enterprises é Howard Stark (o - ooopa - pai de Tony), o fiel escudeiro "Happy" Hogan sequer é citado, os vilões secundários são de uma milícia chinesa (rá! É claro!) e, aparentemente, chegamos muito atrasados pra festa das armaduras que Stark preparou. O legal mesmo é perceber que estas modificações deixaram a história muito mais dinâmica e verossímil.
O desenho começa mostrando uma grande escavação das empresas Stark em território chinês. A obra está sofrendo seguidos atentados terroristas de uma antiga facção chamada Jade Dragons, que reinvidica a retirada dos trabalhadores daquela área. Segundo uma crença local, uma profecia diz que o espírito do Mandarim, imperador da mais negra e sangüinária dinastia da História, está próximo de seu despertar. Num destes ataques, Rhodes e Tony, que foi mortalmente ferido, são capturados pelos terroristas e obrigados a fabricar armas de destruição em massa. Ao invés disto, Rhodes cria um suporte vital para salvar a vida de Tony e, juntos, desenvolvem a "primeira armadura" (aquela cinza metálica, à la Gort). Com equipamentos precários, eles garantem um poder de fogo limitado, mas suficiente para escapar do cativeiro.
Entre um fusível e outro, Tony acaba se envolvendo com uma bela insurgente chamada Li Mei.
Claro que o caldo acaba entornando e os Elementais, quatro guerreiros místicos leais ao Mandarim, são libertados durante o conflito. Cada um manipula um determinado elemento da natureza, e o objetivo deles é encontrar cinco anéis sagrados que estão espalhados pelo planeta. Estes anéis deverão ser utilizados pelo último descendente vivo do Mandarim para trazê-lo de volta à vida. Cabe a Tony Stark impedí-los, com a devida a carenagem do Homem de Ferro, enquanto resolve suas (muitas) diferenças com o Stark Sênior, escapa do cerco de uma desconfiada SHIELD e tenta salvar sua multinacional das garras de acionistas gananciosos.
Em outras palavras, serviço é o que não falta pro Latinha.
A maior surpresa, sem dúvida, fica por conta das generosas inserções em CG no ambiente 2D. Nada muito sofisticado: patinadas são freqüentes e o senso espaço-dimensional deve ter sido calculado sob efeito de muita erva do condado. Isso fica evidente nas quarenta vezes que H.d.F. é atirado pra longe e se espatifa no chão. Meio que sem querer, acabou conferindo uma sensação de imprevisibilidade e até certa coerência ao enredo, visto que Tony ainda está se adaptando à máquina. Este mix de animação tradicional com CG overdosado na tela ficou tão esquisito quanto atraente, como nas batalhas eletrizantes contra os Elementais dentro de um vulcão, contra uma legião de guerreiros de pedra (copy/paste do impressionante Exército de Terra Cotta) e contra um óbvio, maniqueísta e maneiríssimo dragão. Certamente, os melhores momentos no que tange à ação.
Também tenho de destacar a mão pesada dos diretores Patrick Archibald e Frank Paur. Apesar do desenho vir com suspeita classificação PG-13, não existe qualquer hesitação gráfica quando o pau quebra. Pessoas são assassinadas à sangue-frio aqui. Só na seqüência em que os Elementais arrebentam um túnel de metrô, morrem dezenas de homens, mulheres e, pasme, até um cachorro (matar cachorro no cinemão pop é impensável, num desenho então...), sem contar os infelizes que estavam dentro do trem. A cena da discussão de Tony com o pai é lavação de roupa suja da grossa, anos-luz distante daquelas xaropadas de matinê com lição de moral embutida. Há também nudez feminina sugerida, especialmente no final (e bem que podiam ter sido mais generosos ali).
Já as escorregadas ficam por conta de algumas falhas bestas na parte da animação tradicional (repare quando Pepper limpa uma marca de batom no rosto de Stark) e em vacilos escandalosos na continuidade (os óculos do Rhodey são ninja - confira no 1º ataque dos terroristas). Os agentes da SHIELD mais parecem os Intocáveis durante o reinado de Al Capone. O trauma físico sofrido por Tony é totalmente ignorado da metade pro final. E a ameaça dos Elementais em contraponto ao Latinha quase se restringiu ao equivalente da terra (um cover do Akuma, da série de games Street Fighter, com a grosseria de um Hulk), visto que os outros 3/4 do bando beiravam o estágio "bucha" de vilania.
Outro item discutível é sobre a maneira como o Mandarim se apresenta. Ficou inesperado e, sim, funcional, em concordância com sua natureza mística... mas sinceramente, detestaria se Jon Favreau aderisse à idéia.
Após esta análise toda - careta ainda -, uma dúvida persiste: ainda que não seja a Scarlett Johansson dos desenhos de super-herói, porque The Invincible Iron Man saiu tão bom? Algo me diz que é porque não teve nem um décimo do investimento em publicidade que os dois Ultimate Avengers tiveram. Estou quase certo disto. Só preciso de uma cerva gelando o bucho pra formular esta questão a contento.
Queria muito saber o que o cara do Âmago achou deste desenho.