terça-feira, 25 de janeiro de 2005

PELAS BARBAS DE AGAMENON!


Eu corri, mas não pude me esconder. Ignorei solenemente a exibição de Mulher-Gato nas telonas, e ainda hoje sou assombrado pelo pôster da cabeçuda sempre que vou à locadora. Como que marcado pela profecia de alguma sacerdotisa da Ilha de Lesbos, acabei sucumbindo após uma sessão protagonizada por uma heroína de histórias em quadrinhos. E se Elektra (2005) não for do mesmo calibre do filme da gatuna, ao menos deve chegar perto.

Nos quadrinhos, Elektra foi concebida por Frank Miller como parte de um processo de reciclagem do herói Demolidor. Com uma origem referencial nada discreta, a relocação da pesada tragédia grega para um ambiente urbano caótico foi um sucesso quase que imediato. Miller já sabia do tesouro que tinha em mãos, e o público rapidamente foi seduzido pela ninja urbana, tanto por seu conteúdo forte quanto pelo fetiche sadomasô imbutido em seu topzinho vermelho. Claro que um fanboy sensato (existe?) tem de perdoar, ou mesmo ignorar, certas liberdades adaptativas. Foi assim com filmes reconhecidamente bons, como Homem-Aranha e X-Men 2. Mas em Elektra esse limite foi (muito) ultrapassado, e não por trazer idéias melhores.

Apesar de ser um spin-off de Demolidor, Elektra traz poucas referências ao filme. Vemos ela ser levada em uma ambulância, morrer e ser ressuscitada por Stick (Terence Stamp, ex-General Zod e uma das únicas coisas que funcionam aqui). Logo, ela é treinada (mais ainda) pelo velho mestre, é mandada embora do templo e vira uma assassina profissional. Numa das "encomendas", ela tem de assassinar Mark Miller (Goran Visnjic) e sua filhinha, Abby (Kirsten Prout). Elektra, apaixonada pelos dois (você me entendeu), se recusa a fazer o serviço e, ao mesmo tempo, tem de enfrentar a ira do famigerado Tentáculo.

Pois é. É isso aí. Fora a grosseira incompatibilidade com o texto original das HQs (principalmente na relação de Elektra com o Tentáculo), o filme não consegue emocionar nem quando se resolve encará-lo como uma aventura de uma personagem X que não seja a Elektra dos quadrinhos. Aí a coisa piora, e fica parecendo uma sessão requentada de Temperatura Máxima (me perdoe a redundância e o trocadilho). O filme demora muito para entrar na ação (sendo que, na parte das "férias" de Elektra, ele dá uma parada quase que catatônica), e quando entra, ela é frouxa, econômica e mal-conduzida. Logo no início, quando Elektra puxa uma sai das costas de um alvo e quase não tem sangue na lâmina, já vi que algo estava muito errado. Aqui também predomina uma certa escassez de idéias. Durante o filme inteiro, os personagens ninja desaparecem como se fossem o Drácula do Gary Oldman, mesmo quando o recurso não é necessário naquele momento.

Fora os óbvios ninjas-padrão, alguns vilões são bem interessantes. O negão Stone parece até o Luke Cage de Azzarello/Corben, e Tattoo (não o da Ilha da Fantasia!) tem um poder tosco mas que rendeu ótimos efeitos. Já a desperdiçada Mary Tifoyd (a delícia Natassia Malthe), além da roupagem totalmente equivocada, ficou relegada a duas míseras frases durante o filme inteiro. E nem vou falar de Kirigi, nos quadrinhos um ninja gigantesco e cavernoso, aqui parecendo um modelo da SP Fashion Week.

Agora, vamos à parte que funciona (uma ou duas peças no motor). Stick num boteco de quinta jogando sinuca que nem o Rui Chapéu e humilhando Elektra com dois ou três movimentos. Igualzinho a revista, pena que dura uns 15 segundos. A Elektra da Jennifer Garner (falsa magra e agradavelmente rebolante) já é habitué dos fanboys cinéfilos. Não lembra em nada a fisionomia simétrica e o ar europeu-cosmopolita da ninja, mas assumiu o fogo e a paixão inatos da personagem, além de ser uma boa atriz com aquele elemento promissor de quem ainda vai ter o seu grande papel. Mesmo limitada por um roteiro tenebroso escrito à três mãos (dos losers Raven Metzner, Zak Penn e Stu Zicherman), Jennifer ironicamente acaba sendo a melhor presença dentro de um filme fraco baseado em sua personagem (até mesmo quando trava diálogos tosquíssimos com o seu interesse romântico).

Mas nada supera o inacreditável embate final. Fazia tempo que eu não assistia um roteiro sendo amarrado tão abruptamente. A impressão que deu era que toda a equipe técnica queria logo terminar tudo aquilo pra poder ir pra casa. Aquela adaga sai deve ter percorrido uns 4.000 metros com barreira até chegar ao seu alvo... putz, nem o poderoso Mjolnir faria igual.


E, retificando, um filme com uma cena dessas não só pode ser ruim como pode ser muito ruim. E dessa vez, nem o Evanescence (que comparece aqui com Breathe No More) deu jeito.

Assista por sua conta e risco, mas se você quer ver assassinas profissionais de verdade, recorra à Beatrix Kiddo ou Nikita.


dogg, pasmo.

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