domingo, 22 de julho de 2007

NO NO NO NONONONONO


Todo mundo sabe como é o Michael Bay. O cara gosta de empunhar uma câmera como se fosse uma metralhadora. Bay não filma, ele fuzila. Planta as minas terrestres, joga as granadas, dispara os morteiros e grita "Ação!". O que vem a seguir são duas horinhas de firulagem pirotécnica, escoradas por edição vertiginosa, piadinhas infames, sexismo e aquela patriotada em câmera lenta de fazer corar as bochechas do Tio Sam. Estes são os termos de Bay, take it or leave it, e presença tão certa quanto um momento contemplativo num filme do Kurosawa.

Mas não vou ficar fazendo pose de intele-cu-tualzinho entendido em cinema iraniano e dizer que tais elementos não agradem vez ou outra. Afinal, cresci assistindo Rambo 2, Comando Para Matar e todos os Máquina Mortífera. Bay é apenas e tão somente um subproduto disso aí, com ênfase no 4 de julho. E, convenhamos, A Rocha e A Ilha foram bacanas em um nível quase sério de conversação - fora Con Air, dirigido na mesma tocada por Simon West, resultando no filme mais Michael Bay que Michael Bay não fez.
Temos o diretor, os equipamentos, temos a história. Transformers (idem, EUA e bota EUA nisso, 2007) era o case perfeito para um cineasta como Bay. Na adaptação haveria pouco o que contar e muito o que destruir. E Spielberg, puta velha que é, sabia disso. Nos anos 80, os personagens, baseados nos action toys da Hasbro, ganharam um background sob encomenda para o desenho animado e para os quadrinhos. Em um tom infanto-juvenil, a história versava sobre uma guerra civil num planeta artificial chamado Cybertron. De um lado, estavam os heróicos Autobots liderados por Optimus Prime com as cores da bandeira americana. De outro, os bad-guys Decepticons liderados pelo tirânico Megatron.

Eventualmente, a briga entre os dois clãs vem parar na Terra, onde os Autobots recebem a providencial ajuda de sidekicks humanos, como o jovem Spike e seu pai, "Sparkplug" Witwicky. Essa lasquinha de premissa era o máximo de complexidade que o universo dos personagens alcançava em seu primeiro momento. Para o filme, era a matéria-prima a ser trabalhada. Claro, depois houve até um desenvolvimento interessante, mais violento e grandiloqüente, ambientado num "futuro" (2005!) cujo clímax gerou um longa-metragem em 1986, excepcionalmente à frente dos padrões da época.


O velho Spike ganhou outra personalidade e outro nome. Agora ele é Sam (o ótimo Shia LaBeouf), e seu pai agora é apenas um coroa gente-boa e tapado (Kevin Dunn). Sam é tratado como um nerd em negação, tentando em vão driblar os valentões da escola pra chegar junto da estonteante Mikaela (Megan Fox) - justiça seja feita, o rapaz tem pressa nessa mudança de status e faz tudo isso da maneira mais corajosa, sarcástica e auto-confiante possível. A menina só não reconhece isso porque deve ser tão burra quanto bonita. Não demora muito e logo Sam e Mikaela se vêem às voltas com robozões de dez metros brigando por aí. A começar por Bumblebee, o simpático Fusquinha do desenho original, agora um Camaro.

Também temos um pequeno contingente militar no epicentro da ação. Liderados pelo Capitão Lennox (Josh Duhamel), alguns sobreviventes de uma base destroçada pelo Decepticon Blackout (um robocóptero) também passam o diabo ao serem atacados por Scorponok, outro Decepticon. E como não poderia deixar de ser em tempos de 24 Horas, temos o Secretário de Defesa norte-americano (Jon Voight) participando ativamente da aventura. Já o habitat preferencial do grande John Turturro é qualquer produção dos irmãos Coen, mas aqui ele faz um divertido MIB cuja organização mantém Megatron (vocais perfeitos de Hugo Weaving) congelado em segredo há anos.

Pelo roteiro, dá pra perceber que os três escritores contratados são broderzões de Michael Bay. Não só preservaram todas as características usuais dos combos cinematográficos do diretor, como chegaram ao ponto de citar até Armageddon numa das inúmeras piadinhas rasteiras do filme. Também se mostraram atualizadinhos com a cultura e-trash - o que tem de closes numa página do e-Bay e neguinho filmando pelo celular não é brincadeira. E não dá nem pra citar furos do roteiro aqui. Se isso já é carne-de-vaca em qualquer produção do gênero, em filme do Michael Bay é quase um regulamento estatutário. São muitos, de todos os tipos e tamanhos. Existem flutuações também. Vários personagens (como a gatíssima "nerd" Maggie) e situações (os robôs criados pelo Cubo AllSpark) são atirados ao limbo assim que deixam de importar para a narrativa. Mas admito que tenho esses vacilos como uma atração à parte. Isso que dá assistir filme B direto. A gente acaba ficando paternalista.

Só pra comentar sobre um errinho específico, em certo momento, Sam pergunta a Optimus Prime como eles aprenderam falar inglês e o bom Autobot responde dizendo "World Wide Web". Beleza, até aí tudo bem. Mas quando Megatron (que esteve preso no gelo por milhares de anos e vem sendo mantido congelado pelo governo há décadas) consegue se libertar, a primeira coisa que ele fala é "I am Megatron" e já sai praticamente cantando o hino americano por aí. Ou seja, até tentaram justificar o aprendizado do idioma, mas não se furtaram em desrespeitar as próprias soluções criativas. Deus, como eu adoro blockbusters.


A visão de Michael Bay é lisergia pura. Tem sua própria constituição de tempo e espaço. É algo viciante essa montagem de videoclip com cinema 180º - "viciante" no sentido de bad trip. Chega a dar um nó na cachola a distorção temporal que ele imprime na maioria das cenas. Tudo acontece rápido demais e em slow motion. É a mesma física usada em pesadelos. A edição estilhaçada faz com que os personagens cruzem os extremos do planeta no tempo de um comentário em off. Vou tentar descrever o momento em que o Secretário de Defesa vê um pelotão emboscado no deserto e manda o tradicional "tirem nossos rapazes de lá" - no "tirem...", uma cena mostra um porta-aviões e um grupo de pilotos correndo em direção aos caças; no "...nossos rapazes", os caças estão em pleno vôo; no "...de lá", os caças (mais um AWAC e um bombardeio) já estão no meio do deserto detonando o inimigo.

Assistir uma cena ou duas até que não traz danos significativos, mas duas horas e vinte minutos disso aí é pra fazer qualquer um sair andando do cinema com a sensação de gravidade zero. Estrago sensorial.

Do lado dos Decepticons foram escalados Starscream, Frenzy, Barricade (uma puta carreta de polícia com a inscrição "para punir e escravizar") e Bonecrusher, fora os já citados Megatron, Scorponok e Blackout. Dos Autobots, além de Optimus Prime e Bumblebee, comparecem Ironhide, Ratchet e Jazz. Todos os Transformers (graficamente irrepreensíveis) se provaram bem selecionados, mesmo que não faça muita diferença as peculiaridades de cada um em relação ao nível de destruição que eles causam - e a despeito de todas as possibilidades dos robôs terem sido exploradas ao máximo durante as lutas. A vantagem para os Decepticons é evidente, principalmente na superioridade de Megatron frente a Optimus. O que me surpreendeu e foi um tanto frustrante, visto que pouco antes o líder dos Autobots havia detonado um enorme Decepticon no braço, com a mesma habilidade de um Jason Bourne.

Já houveram grandes momentos no cinema com uma guerra acontecendo num centro urbano, mas nunca deste jeito. A batalha final é um exercício catártico e caótico, do jeito como só Michael Bay seria capaz. Porque ele não tem filtro. Em seu universo particular, não existe preocupação com enredo, diálogos e atuação. O limite de Bay é o limite do nonsense e não dá pra rivalizar com isso. O resultado é que, óbvia e inegavelmente, com todos os seus erros e até por causa deles, Transformers é o melhor blockbuster do ano.
Finalmente encontrei o substituto de Tropas Estelares pra quando eu quiser impressionar as visitas.


Na trilha: Money, Pink Floyd.

15 comentários:

JoaoFPR disse...

Bem, eu REALMENTE quero ver esse filme, mas com o cérebro desligado.
;-D

Ah, Doggma, heckearam o OMEdI, o novo endereço é www.OMEdI.net (Não, não é jaba, é recado mesmo).

Abraço.

Amaro Mota disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Juro que não te entendi...rs
Vi hj. Ótima diversão.

Fivo disse...

Cara... fantástico texto, mas a forma como tu coloca a coisa deixa ver que tem uma série de senões aí para o cara gostar do filme. A postura frente a estas questões farão o espectador amar ou odiar o filme... tô bolado.

Unknown disse...

Fivo, é simples: os clichês e diálogos que geralmente são a ruína desse tipo de filme funcionam muito bem em Transformers. É difícil explicar, mas os furos de roteiro e atuações ruins não atrapalham. Esse filme tem um tipo de magia que te hipnotiza, faz vc fechar aos olhos aos defeitos e ressaltar as virtudes.

Deve ser porque os robôs estão tão foderosamente bem feitos que todo o resto perde a importância. Depois de ver Optimus Prime em cena, vc acaba esquecendo qualquer coisa que chegue perto de verossimilhança. Vc simplesmente relaxa e goza, como diria Marta Suplicy.

Anônimo disse...

Foram muitas as piadas, o umbigo da Maggie Fox apareceu diversas vezes (sem necessidade, é claro!, só agradar os homens vorazes que pagaram a o caro ingresso) e tinha o Shia Lebouf no meio de tudo isso com o seu carisma. Resultado: Michael Bay mostra mais uma vez (como fez em Pearl Harbor) como sabe gastar dinheiro e esquecer do roteiro. E quem se importa? Se você visse a platéia que estava na sala onde eu assisti os autobots vencerem os decepticons, se perguntariam: esse pessoal vem a cinema para entender alguma coisa? Não precisa responder, né?

(http://claque-te.blogspot.com): Últimos Dias, de Gus Van Sant.

Kelzi disse...

tsc... preciso ir ver esse filme no cinema msm... to vendo q/ não vai rolar esperar..

Sandro Cavallote disse...

Texto fantástico, Dogg! Vc fez uma excelente descontrunção do trabalho do Bay.

Acho que o grande lance de Transformers é saber que suas limitações não são limite nenhum.

Há anos não via um blockbuster tão... blockbuster. Eu estava sentindo falta de um filme assim, porque mesmo os blockbusters dos últimos anos estão querendo ser sérios demais.

O filme-pipoca do ano. Sem dúvida.

Anônimo disse...

Já assisti 2 vezes, irei comprar o DVD com os extras e já encomendei as miniaturas. O filme e foda, no canal National Geographic passa toda hora belos documentarios sobre a vida real, mas diversão non sense é com este filme mesmo. E olha que nem era muito ligado neles quando era moleque.
Matuschka

Luwig disse...

Esse é um trecho do meu texto lá no Pulse, como postei ainda agora, nenhum caboclo ainda teorizou sobre... Então, como tu és o maluco mais inventivo que conheço, lá vai:

Se o Sistema de Navegação do Megatron foi acidentalmente ativado em 1897 e conseqüentemente enviado um sinal aos demais Decepticons e, por tabela (vai saber), aos Autobots, por que raios todas as máquinas apenas sobrevieram à Terra em 2007?

Como organismos robóticos autônomos essencialmente milhões de anos à frente de qualquer tecnologia terrestre, demorariam 110 anos para alcançar nosso planeta? Não acredito que alcançar a velocidade de dobra (superior a da luz) seria problema para eles...

Outra coisa, o que explica a vinda de Bumblebee antecipadamente? Tudo bem, ele é o “guardião” e coisa e tal, mas aparentemente todos os inimigos já estavam devidamente infiltrados entre maquinários bélicos e de autoridades locais (Blackout, Starscream, Brawl, Frenzy e Barricade), o que reforça minha dúvida: por que Optimus Prime e seus soldados demoraram tanto? Por acaso estariam, um a um, sondando outros sistemas solares? Seria este o motivo do “esporro” de Megatron ao seu assecla, visto que seu grupo tivera tempo e meios suficientes para localizar o Allspark, antes da intervenção dos Autobots?

Luwig disse...

Quer dizer que quando um mecanismo é atingido pela energia do Allspark (o “Energon”), o robô que ascende vem ao mundo com atitudes hostis, típicas de um Decepticon? Onde é que fica o livre arbítrio nisso tudo? Ser um “Autobot” é ser um pária? Uma exceção a regra?

Alcofa disse...

ram .. ram .. deixa eu limpar bem a goela antes de falar:

TRANSFORMERS É SESSÃO PIPOCA NA VEIA!!!

Me diverti bagarai assitindo o filme ! Nem tentei ficar imaginado essa ou aquela explicação felomenal para os trocentos furos de Michael bay ... e dae? Legal foi ver o starscream (que ficou MUUTO FODA no filme, só esqueceram da vozinha irritante dele, que era marca registrada)detonar uma frota de ataque em pleno ar, e se transformando no meio do quebra pau!!

Tomara que tenha uma sequencia ... e que seja tão nonsense quanto esta estréia!

Mas a melhor personificação dos Transformers ainda é Beast Wars!

Abração!

Anônimo disse...

Eu não estava muito afim de ver Tranformes mas a frase "Estrago sensorial." me animou bastante...

doggma disse...

Rodrigo, tu também viu a frase "bad trip" né?

Mas foda-se, Transformers é o blockbuster do ano e eu também quero os malditos bonequinhos!

Unknown disse...

Excelente resenha, concordo com cada linha escrita.