O Ultimato Bourne (The Bourne Ultimatum, EUA, 2007) é o exemplo prático de uma continuação que se justifica. Em nada soa gratuito e desde a sua essência mantém conexões íntimas e indissociáveis com os filmes anteriores sem, no entanto, se tornar formulaico. Muito pelo contrário.
Mesmo respirando independente e estabelecendo um fluxo intenso de novas informações e saídas criativas - em paralelo mais que perfeito com o frenesi dopante da ação física - o filme parece implorar que a experiência de assistí-lo seja feita com a bagagem de tudo o que já houve até então. Ver A Identidade, A Supremacia e O Ultimato Bourne não é apenas dar um passo atrás pra enxergar o grande quadro. É testemunhar todo o processo, desde a inspiração, passando pela criação, até a assinatura.
Mais do que o desfecho de uma premissa, o filme dá a dimensão real deste parâmetro. A coesão atingida aqui, sem individualismos e abnegada ao aspecto dramático daquele universo, atesta a autenticidade da trilogia enquanto produto de excelência. Méritos deverão ser distribuídos pelo mais honrado tesoureiro de Asgard: Doug Liman (Swingers, Vamos Nessa!), diretor do primeiro filme, foi uma escolha inusitada pela pouca experiência no gênero, mas sabia construir uma narrativa instigante, e aqui isto é moeda corrente; Paul Greengrass (Livre Para Voar, United 93) foi uma escalação mais improvável ainda, mas foi a partir dele que a franquia se tornou consciente de que vôos mais altos não eram uma opção, eram uma necessidade; e Matt Damon... bom, segura aí enquanto eu vou matutando a respeito.
Uma tendência em particular já avançava em sentido ascendente nos filmes anteriores e se manteve no pico durante toda a projeção: o crossover muito bem sedimentado de trama, tensão e ação, fruindo com tal vigor que pode até causar um choque anafilático nos paladares anestesiados pelo fast food ingerido voluntariamente via Hollywood. O Ultimato Bourne é entretenimento adulto com conhecimento de causa. Diversão sem constrangimento e sem ofensas a neurônios alheios. A antítese do guilty pleasure.
Existe um elemento-chave na dinâmica da história que funciona meio como um gatilho de percepção - quando o nó é desatado, lá pelo ato final, é que sabemos onde realmente estávamos o tempo todo. O resultado é nada menos que genial. E simples. Sabe o que dizem das melhores idéias. Não tenho formação o suficiente na matéria para reconhecer referências pré-existentes do recurso, então encaminho todos os créditos para o escritor Robert Ludlum (póstumo) e para a adaptação bombástica de Tony Gilroy. Eles merecem.
O filme começa exatamente onde Supremacia parou. E por exatamente, entenda como cravado em suas artérias, ainda durante a fuga na Rússia. O desmemoriado Jason Bourne (Damon), ex-assassino da Operação Treadstone, continua juntando os fragmentos de seu passado obscuro. Ao mesmo tempo, mergulha fundo nas ações extra-oficiais que desenvolveram o programa - atualizado e agora com o nome Operação Blackbriar. O objetivo de Bourne é descobrir quem são os envolvidos e vingar o assassinato de sua namorada, Marie (Frank Potente). Na tentativa de eliminá-lo e preservar a operação, Noah Vosen (David Strathairn), Diretor-Representante da CIA, não mede esforços e recursos. Por outro lado, a sagaz Diretora Pamela Landy (Joan Allen) também retorna, estreitando cada vez mais sua relação de cooperação-mútua com Bourne.
Às vezes, termos como "artesão de atmosferas" são utilizados sem muito critério, mas aqui cabe milimetricamente na proposta de Greengrass. O esmero e a dedicação do cineasta em construir cenários de crise com longas e absolutamente dramáticas seqüências chega a emocionar. Eu nem era nascido quando Gene "Popeye" Hackman perseguiu Fernando "Charnier" Rey nos dois Operação França - mas daqui a trinta anos (sou um otimista!) poderei me refestelar dizendo que eu estava lá quando Jason Bourne driblou uma equipe inteira da CIA e um sniper usando apenas um celular pré-pago. E como classificar a tensão absurda que precedeu a luta de Bourne com o assassino profissional Desh (o silencioso e apavorante Joey Ansah)? O que dizer da luta propriamente dita?
Se em Supremacia, Greengrass carregou na instabilidade do camera-man, aqui ele insiste e reconstitui a mesma técnica, mas com um resultado final a anos-luz no que tange à eficiência. A sincronia da explosão performática com o desvario visceral das imagens remetem, veja só, à adrenalina de uma luta de verdade. Mas apenas o suficiente para deixar o espectador moendo os braços da cadeira com a ponta dos dedos. Nota dez com louvor para o formando Greengrass por sua outrora desacreditada monografia sobre Porrada no Cinema.
Comparece também a já tradicional perseguição-monstro de carros, que desta vez destrói uma New York City e meia. A quebrada meio-fim é praticamente reeditada do filme anterior (com o dobro de caos, obviamente), o que, se rendeu o momento mais ganchudo e acessível da produção, também serviu de base para uma retomada psicológica definitiva do protagonista.
Pecadilhos: o excelente Scott Glenn só faz breves pontas, como Ezra Kramer, Diretor-Geral da CIA. E a presença gigantesca de Albert Finney, no papel do Dr. Albert Hirsch, é reservada para um momento específico, do tipo que nunca dura o bastante.
Ao lado de Kiefer Sutherland, em 24, Matt Damon e a Franchise Bourne reinventaram as regras dos estúdios neste filão. Tom Cruise, personificação de todo o mainstream gilete cinematográfico, reorientou sua franquia de espionagem fake para capitalizar o fenômeno. Até James Bond teve de se adequar. O complicador nisto tudo é a carga humana crível presentes tanto na mitologia de 24 quanto na de Bourne. Isso não se acha na esquina. E ainda entre estes dois, Damon sai na vantagem, pois é melhor ator. Desde já, a herança icônica de seu personagem é tão garantida quanto merecida, mesmo que a festa acabe por aqui - o que não acredito...
...afinal, a trilogia foi impecável inclusive nas subtramas: já no filme anterior eu me perguntava sobre a presença cuvilheira e concomitante de Nick Parsons (Julia Stiles). Essa menina tem tinta no cabelo...
Pretendo reassistir, comprar o DVD e encher a burra desses caras de grana. Quero The Bourne Legacy e The Bourne Betrayal nos cinemas, mesmo que um Ludlum-wannabe tenha escrito as novelas.
"Se Jack Bauer fosse viado, ele seria Chuck Norris. Pois bem, se Jason Bourne fosse viado, ele seria Jack Bauer" - autor campestre.
8 comentários:
Sem exageros... essa é a melhor trilogia do cinema depois do Poderoso Chefão e da trilogia das Cores do Kieslowski. Não tenho receio nenhum em afirmar que é uma obra prima. Acho que os filmes do Borune são os primeiros que não têm a ação como razão de ser, ela é coadjuvante, apesar de estar presente o tempo todo. É paradoxal, eu sei, mas é isso mesmo. Ela só aparece pq é exigida, mas o essencial é o caos na mente do Bourne. Greengrass levou isso ao extremo.
Tu disse tudo. Daqui a 30 anos vou me lembrar de ter visto esses três filmes no cinema. Jason BOurne vai entrar pra história do cinema de ação. Tô até vendo o que vai ter de imitação dele no futuro. Mark Walhberg se arriscou no "Atirador" e o resultado foi pífio. Muitos virão, mas igualar o original vai ser impossível.
Os filmes do James Bond e Missão Impossível ficam tão infantis perto desse aqui... E Jack Bauer tomaria um pau do Bourne.
O link entre 'Supremacia' e 'Ultimato' na segunda metade do filme foi de encher os olhos. Aliás, mais precisamente, quando ele diz: "Pamela, você precisa descansar", o "arrã... caraaalho!" foi obrigatório.
Será que Damon debanda mesmo da franquia? Já vi em algum lugar que ele não volta pra um quarto.
Sem ele, metade da graça vai pro ralo.
Yo Dogg, já viu Breach? É legal? Eu to com medo de baixar :[
Cara, ainda não ví esse filme, mas estou ansiosa pra baixar, falta espaço em disco... hauhauhaua!!!
Alguém tem espaço aí pra me emprestar? No bom sentido heim, não levem á mal! rs
Gosto do seu blog, sempre passo por aqui, te add em minha lista de links ok??? Vc tem banner??
Abração dear!
Té mais!
Cara, eu preciso muito comprar esses DVDs. foda de mais.
Como sempre Dogg, vc está de parabens pelo ótimo post!!!
Matt Damon estava maravilhoso! O Lin c/ o segundo filme me deixou boladissima! Sem reação. Não soube o q pensar....
fodafodafodafodafodafodafodafodafoda
Eu cheguei a comentar c/ o Rô q gostaria da Nicky c/ o Rô, antes de ver o filme.
Melhor filme do ano com certeza. Dificilmente acho q algum superará....
Cara, qquer foto do Damon me lembra a piadinha sobre ele no "Team America"...
Tô revendo A ID Bourne. Vou ver se acho a Supremacia hj ainda pra poder ver essa porra desse terceiro no cinema, senão a Bimba vai encher o saco o resto do ano todo...
Olá, sempre leio os textos escritos aqui no blog e sempre acho eles de grande qualidade =D
gostei muito do texto sobre o hulk world war, geralmente eu gosto dos textos =)
Estou agora com um blog que está tentando ajudar na divulgação do ZOMBIE WALK RECIFE =D
Se vocês puderem dar uma força ajudando na divulgação ficariamos gratos =)
abraço
http://pasticher.blogspot.com/
'anônimo', ainda não vi "Breach", mas tá sendo muito bem cotado lá fora, a despeito da pouca experiência do diretor Billy Ray. A sinopse parece muito promissora para o gênero e só a presença do Chris Cooper já faz jus ao download (ou a ida ao cinema).
Sunreva, este blog tem um banner sim. Dá uma garimpada nos blogs à direita que você deve achar. Abração!
Buca, você gostaria "da Nicky c/ o Rô"? Explica esta história direito menina, rs...
Sandro, vá ver logo esta porra. Porra.
Pastiche, claro que darei um apoio moral! Ainda mais por uma causa tão nobre! Abraço.
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