sexta-feira, 8 de outubro de 2004

KILL BOURNE


Com o fim da Guerra Fria (e o início da "Guerra Quente"), os filmes do gênero ação/espionagem foram arquivados por Hollywood. Querendo ou não, é essa meca de sonhos pré-fabricados quem dita quais serão as próximas tendências do mercado. Daí que reassistindo hoje filmaços como O Dia do Chacal, A Traição do Falcão, Os 3 Dias do Condor ou Operação França, você percebe que os mesmos envelheceram bastante no quesito "temática". Os dias são outros, não podemos exigir dessas velhas pérolas mais do que a sua condição de serem grandes filmes. James Bond é um exemplo clássico. Sua licença 00 foi revogada no momento em que a União Soviética dançou. Tudo bem, existiram alguns elementos pós-Connery bacanas, mas isolados (o melhor deles foi no último filme, quando o 007 Pierce Brosnan foi preso, torturado e, certo de que ia ser executado, protagonizou uma das melhores cenas de toda a franquia). Em outras palavras, o resgate desse filão é um trabalho para os jovens.

Os elementos certos no lugar certo, boas interpretações, história envolvente, charme indiscutível e voilá: Jogo de Espiões, com Brad Pitt e Robert Redford (sempre ele), fez a alegria de ex-agentes da KGB. Mas essa alegria teve vida curta: logo em seguida, Vin Diesel e seu Triplo X (não confundir com uma certa seção do BZ) soaram tão comerciais e pasteurizados quanto uma propaganda da Nike na MTV. Aquilo foi um "Velozes & Furiosos All Over The World" - e olha que eu torcia pelo dito cujo.

Voltamos ao 0x0, mas esse filme pelo menos nos mostrou o caminho da luz: faltava O Ícone. Aquele mesmo que Tom Cruise foi em Missão: Impossível, e que tentou nos enfiar goela abaixo em M:I-2 (perdeu a vez, mané). Faltava um herói, um sujeito que exibisse desenvoltura, precisão cirúrgica, raciocínio cruelmente lógico, e moral suficiente pra sair batendo em todo mundo - e nos fazer acreditar que ele pode fazê-lo.


Doug Liman já tinha um certo respaldo comigo (como se isso fosse lá grandes coisas). Seu trampo atrás das câmeras em Swingers e Vamos Nessa! chegou a ser comovente de tão bom. Moderno sem soar comercial, espirituoso sem soar pretensioso, e, principalmente, um talento nato para escolher os atores mais improváveis para determinados papéis e acertar em cheio. Baseado no livro de Robert Ludlum, A Identidade Bourne (The Bourne Identity, 2002) foi uma grata surpresa por correr por fora do que andava na moda em Hollywood, e por trazer um Matt Damon surpreendente na pele do agente Jason Bourne.

Por partes: Bourne é ex-agente de um projeto ultra-confidencial que visava aparar as pontas soltas do mapa geopolítico mundial. Ou seja, seu serviço era eliminar figurões "para manter a estabilidade das coisas". Numa dessas missões, a Lei de Murphy pegou mais pesado, e ele foi encontrado à deriva no mar, com um tirambaço no lombo, sem idéia de quem é, ou de como foi parar lá. Os únicos que o reconhecem querem vê-lo morto. Se esse background já lembra o de um certo ex-agente do Projeto Arma X, as semelhanças não param por aí: Bourne é um assassino frio e muito eficiente, capaz de transformar uma simples caneta numa arma letal. A excelente performance de Matt Damon o diferenciou dos zilhares de brutamontes a que estamos acostumados em filmes de ação. Em combate, ele é extremamente racional, analisando e registrando todos os movimentos de seu adversário e antecipando o próximo. Ele não luta, ele joga xadrez. O resultado é impressionante - e muito legal!


Em A Supremacia Bourne (The Bourne Supremacy, 2004), Doug Liman não comparece, mas Paul Greengrass assume o comando e segue adiante com um belo serviço. Dessa vez, uma operação da CIA para compra de documentos russos fracassa quando o assassino profissional Kirill (Karl Urban, a cara do Kricek, da série Arquivo X) elimina todos os envolvidos. Claro que ele incrimina nosso herói e vai atrás dele para completar o serviço. Bourne, recluso em Goa, Índia, vive com Marie (Franka Potente), e após uma seqüência eletrizante de perseguição (e com um final inesperado, mas necessário), decide voltar à ativa para limpar o seu nome. O que vem a seguir é uma senhora varrida por baixo dos tapetes da CIA.

Mostrando um absoluto respeito ao material, o diretor Greengrass relembra, por meio de arquivos, todos os principais personagens da trama original. Estão lá até os que morreram, como o grande Chris Cooper. Muito inteligente. Também voltam a ex-assistente de logística Nick (a gracinha Julia Stiles), e o supervisor da CIA Ward Abott (Brian Cox), de quem eu continuo não comprando um carro usado.


E uma ótima surpresa foi a bela atuação de Joan Allen, no papel da agente Pamela Landy. Dona de um cérebro que funciona a 5000Ghz, ela até deixa Bourne passar, mas sempre joga uma casca de banana em seu caminho (putz, preciso trabalhar mais essas analogias).

Mas nem tudo são flores, e Greengrass chuta pra fora com o goleiro no chão em uma seqüência muito importante (pra mim, a mais importante até). Na hora, você saberá a que cena estou me referindo, mas posso adiantar que envolve falta aguda de coordenação motora.

No fim, fica a impressão de que eu vi foi um autêntico spy-thriller - com direito à locações globalizadas, perseguições de carro demolidoras, e tudo mais. Saí da sala hipnotizado e com aquela sensação de uma conspiração a cada esquina, desconfiando até do cara que vendia pipoca.

Jason Bourne é O Cara. Não sei se ele ganha do Jack Bauer na porrada, mas que ele arrebenta o Ethan Hunt, arrebenta.


A SUPREMACIA BILL
(ou "The Bride Will Kill Bill Vol.2")


Finalmente aporta em terras brazucas a segunda parte do novelão chinês de Quentin Tarantino. Kill Bill: Vol.2 (2004) vem carregado de promessas a serem cumpridas, mesmo se tratando não de uma continuação, mas da "outra metade" do mesmo filme. O final do 1º volume deixou um gancho digno de Janete Clair. A ex-Noiva e atual Beatrix Kiddo (Uma Thurman, interessante, gostosa e convincente - Ethan Hawke é mesmo um vacilão) continua a sua jornada de dilacerações, desmembramentos e... desglobalizações oculares. Logo no início, Tarantino finalmente mostra tudo o que rolou na igreja e o porquê da traição. O que eles fizeram foi mesmo uma puta sacanagem e dá mais dimensão ao ódio de Beatrix.

E a menina tem é serviço pela frente. Além dos já detonados O-Ren Ishii (Lucy Liu), Vernita Green (Vivica A. Fox), o Exército dos 88 Loucos (que de 88 só tinham o nome), e mais alguns stunts, ainda existem mais dois remanescentes do chamado Deadly Viper Assassination Squad: a má como uma pica-pá Elle Driver (Daryl Hannah, inspiradíssima e anos-luz de Splash) e o bad, bad motherfucker Budd (Michael Madsen, numa versão cowboy de Vic Vega, de Cães de Aluguel). Isso sem contar o próprio Bill (David Carradine, se acostumando com a vida pós-criogenia).


Kill Bill: Vol.2 é menos over que o volume 1. A ação está muito menos caricatural e mais realista. Bem mais. Que eu me lembre, só tem umas duas ou três "voadas" e "flutuadas" sobre-humanas, e absolutamente nada daqueles esguichos de sangue que pareciam um hidrante aberto. Muito pelo contrário, a violência aqui está mais seca e tátil. Diferente do anterior, onde os golpes apenas passavam de raspão (normal), dessa vez eles estão acertando bem no meio da cara, do tórax, onde for. A impressão é de que doeu mesmo.

Com essa abordagem mais comedida, as referências pop estão mais discretas também. Tudo bem, "discretas", segundo o manual de discrição tarantinesca. KBv2 (agora ficou mais fácil) é cheio de zooms que quase atravessam a cara dos personagens, trilha sonora esperta à Sergio Leone/Peter Gun, cortes inesperados na continuidade (com música rolando e tudo - proposital, claro), e aquelas pausas dramáticas antes de cada luta, típicas de duelos western. Pra bom conhecedor, as referências em KBv2 são tão discretas quanto dois elefantes em pleno coito, mas, no geral, a coisa está melhor particionada, mais fluída. Existem mais conversas e situações, e isso é legal. Por outro lado, não teve nenhuma genialidade tresloucada, como foi aquele Killnimê que contava a origem de O-Ren Ishii.


O melhor momento de KBv2, na minha opinião: o cruel treinamento de Pai Mei. Só essa parte já vai me render uma volta à bilheteria. Pai Mei é um mestre ancestral de artes marciais (lá eles falam em kung fu, mas acho que não é só isso não), antigo sanssei de Bill, e que agora está treinando Beatrix.

Reverência à um sem-número de "mestres" de antigos filmes de artes marciais - inclusive utilizando o mesmo visual clássico, com o cavanhaque quilométrico e as enormes sombrancelhas - ele é severo, marrento e, de fato, cruel em uma primeira impressão, mas acabou sendo uma das melhores sacadas de Tarantino. A seqüência em que Beatrix o encontra pela primeira vez ainda está latejando na minha cabeça. Memorável.


Na verdade, há pouco o que se falar de KBv2 sem que se revele o desfecho de algumas cenas. Existem falhas? Yep. Graves? Nope. O que eu posso dizer, com segurança, é que fiquei triste quando o filme acabou. Poderia agüentar mais um volume 3, 4 ou 5, mole, mole. Esse lance de matar Bill tava bom demais.

Ah, e prestem atenção na ponta cool de Nick Fur... digo, Samuel L. Jackson, logo no início de KBv2. Ele interpreta Rufus, o pianista da igreja.



Agora, um SPOILERzinho de leve. Lembre-se que eu nunca escrevo um spoiler, mas gostaria de comentar sobre algo e era impossível fazê-lo sem comprometer a integridade do filme. Não leia se não quiser saber o final.

Para ler, marque o comentário logo abaixo das imagens.




Ei, não leu lá em cima não? Já avisei que vou revelar o final. Depois não reclama não... pô.

Essas imagens são previews de divulgação liberados já na época do 1º Kill Bill. Como se vê aí, Bill detona alguns ninjas e mostra o seu virtuosismo empunhando um legítimo sabre Hattori Hanzo. Desde então, fiquei curioso pra ver o Carradine de novo em ação depois de tanto tempo. Desde a série Kung Fu, pra ser mais exato. Bem, nada disso constou em Kill Bill, e para a minha surpresa, nem em KBv2. É isso aí, Bill não mata nem mosca nesse filme! Toda a pancadaria de Beatrix no mano a mano só rolou com O-Ren, Vernita e Elle, ninguém mais. O encontro entre ela e Bill, se eficiente no sentido de amarrar o roteiro, foi lamentável no quesito "ação". Simplesmente não há luta, apenas um golpe letal, desferido por Beatrix. Decepcionante, visto que Bill supostamente seria seu adversário mais formidável.

Claro que foi uma opção consciente de Tarantino, que, a despeito da irregularidade do formato de Kill Bill (um filme dividido em dois), se tornou uma bela desculpa para incrementar o DVD em futuras edições especiais. Extras não faltarão.



dogg, que acabou de baixar o duplo Live in San Francisco, do Joe Satriani, e trocando juras de amor ao DC++...

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