É... nunca diga nunca. A última vez que lembrei disso foi através do dublê de ator Ashton Kutcher. Achei que não havia vida pra ele fora de That 70's Show, um sitcom até bacaninha. Pelo menos, não algo que realmente valesse a pena de ser visto tanto por homens quanto é pelas mulheres (nota: jamais, jamais assista algum filme dele acompanhado por uma mulher - é um porre). E, quem diria, os elogios não páram por aí. Estou pra te dizer que Kutcher está ensaiando um quê de "visionário" também. Bem, pode ter sido uma daquelas felizes coincidências, uma espécie de Lei de Murphy ao contrário. Um gol de placa sem querer. Seja o que for, acabou dando certo aqui, e eu, movido pelo mais puro preconceito anti-galã teenager, acabei não conferindo isso na tela grande. Mas deu tempo de me redimir por módicos $ 3 na locadora mais próxima.
O Efeito Borboleta (The Butterfly Effect/2004) tem lá as suas referências (já vou falar delas), mas caminha com as próprias pernas. E é surpreendente. É do tipo do filme em que você não sabe onde vai dar a próxima esquina. Do início até a metade é cheio de nós, que - aí que mora a diferença - serão deliciosamente desatados até o final. E - outra diferença, a principal - de maneira plenamente satisfatória.
A história acompanha a vida de Evan Treborn (Kutcher), começando pela sua atribulada infância. Desde cedo, Evan sofre de uma espécie de acesso, que, do ponto de vista do espectador, é retratado como um lapso de tempo. Através de uma recomendação médica, ele passa a escrever diários relatando toda a sua rotina, com o intuito de instigar o seu subconsciente. Os anos se passam e, acidentalmente, Evan descobre que através da leitura de seus antigos diários pode transportar sua consciência para aquele momento específico que foi descrito. Como Evan tem uma coleção de erros e desventuras de fazer inveja a este que vos escreve, ele decide então consertar algumas coisas. No processo, ele dá sentido ao título da produção.
Em teoria, ao matar uma borboleta, você causará um efeito dominó que pode culminar num desastre sem precedentes - não se preocupe, no início do filme tem uma definição bem melhor. Essa é a premissa do filme e, mais do que simplesmente "viagem no tempo", existe o conceito de transposição de realidades alternativas. Sempre há uma co-relação qualquer entre as realidades criadas a partir das intervenções de Evan, o que acaba por minar suas seguidas tentativas de criar um "universo perfeito" para os seus padrões e para o daqueles a quem ama - afinal, sua felicidade depende intimamente da felicidade destes. Na tentativa de identificar e corrigir a "falha", Evan acaba criando realidades falsamente paradisíacas, realidades decadentes ou até realidades onde a sua total infelicidade parece ser a única saída viável.
Os filmes De Volta Para o Futuro e, principalmente, De Volta Para o Futuro 2, são o Alcorão do efeito borboleta via trangressão das leis da Casualidade. Talvez sejam os filmes que melhor exploraram as possibilidades desse conceito (e um dos que menos erraram, considerando a facilidade disso acontecer nesse contexto complicado). É uma das influências do filme, mas não a principal. Quando Evan começa a brincar de Deus, alterando a linha temporal para criar a realidade que melhor lhe convinha, a lembrança é imediata: Donnie Darko, com certeza sua maior referência. Existe outra, pouco lembrada e bem mais rebuscada: Em Algum Lugar do Passado, antigo sucesso em que Christopher Reeve transmigra a sua consciência para o passado através de uma perigosa técnica de auto-sugestão. Um procedimento bastante similar é utilizado em O Efeito Borboleta.
Nessas idas e vindas, só encontrei um erro sério no argumento, mesmo que puramente técnico. Quando uma nova realidade é criada por Evan, flashbacks simulam a anulação dos eventos da linha temporal anterior, destoando do fato de que Evan ainda se lembra deles na nova realidade. Se eles foram apagados, tecnicamente, Evan não deveria se lembrar de nada relacionado àquele universo "deletado", o que não ocorre. Perdoável, afinal, até Marty McFly pisou nesse tomate.
Claro que o filme não se destacaria meramente por essa temática - que muito me agrada, por sinal. Escrito e dirigido pela dupla Alec Bress e J. Mackye Gruber (a mesma do bom Premonição 2), o filme traz atuações de esforçadas e razoáveis até muito boas. Por "esforçadas", entenda como sendo a performance de Kutcher. Sinceramente, após algumas cenas, parei de associá-lo aos habituais personagens estilo garanhão-burrão (todos iguaizinhos ao Kelso, seu papel em That 70's Show). E lembra do "visionário"? Ok, alguns minutos já se passaram desde então. Confesso que exagerei. Mas pelo menos um tapinha nas costas o cara merece. Se não fosse ele, o filme não teria nem saído do papel (daí o seu crédito como "produtor executivo").
Melora Walters (interpretando Andrea, a mãe de Evan) está ótima como sempre, mesmo com uma pequena participação. Já a gracinha Amy Smart, no papel de Kayleigh Miller (o interesse amoroso de Evan), me surpreendeu numa atuação quase perfeita (chegando a ser perfeita na Kayleigh "versão decadente"), sem dúvida a vice-campeã do filme. Mas a medalha de ouro vai para os moleques que interpretaram os personagens principais aos 7 e aos 13 anos de idade. Impecáveis.
O Efeito Borboleta ainda teve o penacho de ter um final feliz - opção esconjurada por aí, o que eu acho bastante curioso. Será que filme bom tem que ter final deprimente? Isso é oficial agora? Se fosse assim, eu dedicaria o resto da minha vida a reprises de Papillon e Irreversível...
Aliás, eu escrevi "feliz", mas calma lá... Esse é um "feliz" sacana, daquele que dá na boquinha e tira na última hora. Chega mesmo a cortar o maldito coração, e ao som de "Stop Crying Your Heart Out" (que covardia), meus olhos quase se afogaram. Nem lembrei da velha desculpa do cisco.
Agora dá licença, que, depois desse filme, eu tenho de dizer uns "eu te amo" por aí.
...ouvindo Everywhere with Helicopter, do Guided by Voices, pra ver se anima um pouco...
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