Bem antes da controversa Guerra Civil, Tony Stark já promovia sua própria guerra particular. Igualmente conturbada e batendo de frente com quem se colocasse em seu caminho - seja o governo, conglomerados industriais, vilões e mesmo seus superamigos. Aliás, esta sempre foi a característica mais interessante do personagem. Seu modus operandi é todo baseado numa visão macro dos eventos e, como nada é tão simples, isto acaba gerando uma intensa batalha interna pra que ele não perca o foco da situação. É mais ou menos como um "daqueles dias" na vida do Jack Bauer... Stark corre na contramão e contra o tempo, faz sacrifícios outrora impensáveis, não raro se vilaniza, mas vai até o fim, não importando os meios ou as conseqüências. Ou as questões éticas e legais envolvidas no processo.
Com esta peculiaridade em mente, é sempre um prazer revisitar uma de suas melhores sagas: A Guerra das Armaduras. Com roteiro de David Michelinie, desenhos de Mark D. Bright e arte-final de Bob Layton, o arco foi publicado no Brasil em 1991, em O Incrível Hulk, edições #102 a #107 (originalmente em Iron Man #225 a #231). A revista, por sinal, andava numa fase escabrosa. Convenhamos, o universo do "Tira-Teima" era puro trash e os desenhos do Jeff Purves pareciam feitos durante um terremoto. Ah, sim... tínhamos também as aventuras dos Novos Mutantes (irc!).
Então, literalmente afirmando, o Homem de Ferro salvava a pátria a cada edição. Michelinie e Layton já vinham de uma marcante cronologia com o personagem, sendo os responsáveis pelas mudanças mais importantes de seu perfil desde sua criação (alcoolismo, variação de armaduras, novos inimigos, etc). Certamente, uma das duplas mais representativas na história do Latinha.
Guerra das Armaduras foi um daqueles grandes momentos, inserindo os valores dúbios que hoje são sua marca registrada. O principal: controle... com mão de ferro.
Ah, os trocadilhos.
A história começa com Tony analisando a armadura do vilão Força, derrotado por ele meses antes. Tony descobre que grande parte da tecnologia da armadura foi criada por ele mesmo. Pressupondo uma situação de espionagem industrial, ele investiga o caso e logo chega ao industrial multibilionário Justin Hammer, notório e desleal concorrente da Stark Enterprises. Numa missão digna do roubo da lista NOC, em Missão Impossível, Tony, seu velho camarada Rhodey, o finado geek "Abe" Zimmer e Scott Lang, o Homem-Formiga, invadem os sistemas de Hammer e descobrem que as informações foram roubadas pelo 1º Espião-Mestre, pouco antes de sua morte.
Os dados indicam que a tecnologia foi adotada por vários supervilões em suas armaduras e demais trajes especiais de combate. A lista surpreende o Ferroso, que se culpa pelos inocentes mortos em função do uso criminoso de suas invenções.
Pra piorar, os caras maus não foram os únicos beneficiários, visto que agentes federais também se fartaram no high-tech rapinado - entre eles, o Arraia, os Mandróides da SHIELD, os Guardiões produzidos para o governo por Obadiah Stane ('El' Monge de Ferro, que está em carne, metal e Jeff Bridges no filme) e até num novo - e monstruoso - projeto do exército.
Um detalhe interessante foi Stark e Zimmer coibindo o vazamento da tecnologia pelo ciberespaço (anos antes da popularização da internet), criando um vírus programado para rastrear e apagar todos os dados referentes ao esquema das armaduras. Uma aula de como evitar rombos no roteiro!
Outra boa sacada de Michelinie são os upgrades do Homem de Ferro sendo colocados à prova. Alguns de seus velhos arquiinimigos eram pedreiras na "Era de Prata" (aquela, focada pelo ótimo [e aparentemente incomunicável] Âmago), mas, após a enésima versão da armadura, a maioria não passa de punguistas metalizados perto do Latinha.
A exceção, claro, são os que têm "patrocínio" e contam com suportes técnicos de alto nível - especialmente do governo. E para isto, Tony contava com um equipamento de primeira. Na época, ele tinha como titular o adorado e odiado Centurião Prateado, construído para suplantar o Monge de Ferro. Foi seu maior salto visual e tecnológico até então, ficando atrás apenas da transição Vingador Dourado/Protoclássica. Mesmo hoje, na "Era Granov", seu design soa bastante radical - embora longe de atrocidades conceituais como a armadura SKIN.
"Melhor, mais rápida e mais forte", a armadura era cheia de recursos, batendo facilmente os subvilões e fazendo frente a equipes inteiras de Mandróides e Guardiões - com ajuda de joguinhos duplos por parte de Stark, claro. É neste ponto que vemos um lado não tão heróico do personagem (os tais sacrifícios éticos), que passa a perna em Nick Fury, então diretor da SHIELD. Em uma seqüência antológica de canalhice suprema, ele neutraliza todos os Mandróides da temida superintendência, manipulando o cerco ao Homem de Ferro debaixo do tapa-olho do experiente diretor.
A desconfiança se instala, mas Tony consegue cobrir seus rastros. No entanto, o próximo passo se complica, pois envolve os Guardiões, que estão operando na Gruta, a prisão federal para supercriminosos. E em departamentos do governo, a jurisdição é de Steve Rogers, o Capitão América...
Stark e Rogers já se estranharam antes em algumas ocasiões, geralmente associadas à liderança dos Vingadores. Mas em Guerra das Armaduras, essa briga ganhou contornos muito mais pessoais e ideológicos, próximo do que acontece hoje - ironicamente, em lados opostos dos que seriam defendidos em Guerra Civil (aqui, o Homem de Ferro é um cruzado fora-da-lei e o Cap é uma máquina do estado). O resultado do confronto já era previsto, mas o mais importante foi a influência que ele exerceu sobre toda a cronologia posterior.
Sem dúvida, aquele era o início de uma péssima amizade.
Com quase todos os alvos do território norte-americano neutralizados, Stark inicia a missão mais difícil de sua cruzada: "desplugar" Dínamo Escarlate e o Homem de Titânio, seus velhos desafetos de Guerra Fria. Para tanto, dá um merecido descanso ao Centurião e opta pela armadura negra Stealth, mais leve e menos poderosa, mas perfeita para invadir o espaço aéreo soviético sem ser detectado, já que é, por assim dizer, stealth... duh!
Claro que encarar dois pesos-pesados com munição na conta é assinar um atestado de óbito. Mas Stark soube triangular o cenário e se utilizar da notória soberba de seus adversários, especialmente do Homem de Titânio (um anão cabeçudo chamado Gremlin). Além disso, ele preparou algumas supresinhas que fizeram toda a diferença.
Ao final, o Dínamo Escarlate teve seus circuitos destruídos e o Homem de Titânio, aparentemente, foi morto quando o Homem de Ferro elevou sua temperatura ao nível de combustão (quase 20 anos depois, o feioso ainda não reapareceu, então deve ter morrido mesmo).
Stark poderia dar sua guerra como encerrada, não fosse um projeto secreto dos militares que acabava de ser finalizado.
A armadura Poder de Fogo era uma monstruosidade bélica desenvolvida por um velho concorrente de Stark, Edwin Cord, a partir de seus projetos roubados. Era muito mais poderosa do que qualquer modelo da série Mark criado para o Homem de Ferro até aquele momento, incluindo o Centurião Prateado.
A batalha que se seguiu foi a mais eletrizante da saga. "Batalha" não... a surra. Jack Taggert, o homem que operava o Poder de Fogo, foi muito bem treinado e era extremamente violento em combate.
Mesmo após tomar ciência de sua superioridade, Stark não desiste até esgotar todos os recursos, mas é estraçalhado impiedosamente pelo gigante. Gravemente ferido, ele simula sua morte e faz uma retirada estratégica.
É o fim da era do Centurião Prateado.
Com armadura e orgulho destruídos, Tony mergulha de cabeça na garagem. É hora de um novo upgrade: nasce a Neoclássica, que foi uma espécie de retorno às raízes no quesito visual, voltando ao vermelho e dourado básicos, mas anos-luz à frente em sofisticação e desempenho. O novo traje era tão avançado que a revanche contra o temível Poder de Fogo - já totalmente fora do controle dos militares - foi sopa no mel.
A Neoclássica era mais precisa, mais forte e mais rápida que o oponente. De quebra, salvou a vida do inimigo, já derrotado. Em outras palavras... Stark humilhou. Era a saga clássica do guerreiro se fechando em mais um ciclo.
Terminava aí a primeira Guerra das Armaduras, com direito a um epílogo escrito por Michelinie e ilustrado pelo grande Barry Windsor-Smith - um tanto dark, é verdade, mas necessário para não deixar apagar a chama do herói.
Guerra das Armaduras quase não envelheceu após todos estes anos e permanece como um dos momentos mais referenciais na cronologia do Latinha. Obrigatório num destes Maiores Clássicos da vida (alô Panini!).
"Tony Stark tira onda que é cientista espacial, mas também é Homem de Ferro, elétrico! Atômico! Genial! Dura armadura, Homem de Ferro, é lenha pura, Homem de Ferro!"
Hooray!
Hooray!
Assim espero, logo após o rascunhado do filme: Guerra das Armaduras II, por John Byrne e John Romita Jr. É a revolta dos Johns!
Patrô deste post:
Impressionante a cavucada arqueológica do site.
Na trilha: o que mais... "Iron Man", do Sabá, e "Machine Men", do Dickinson.