sexta-feira, 2 de maio de 2008

IRON, IRON MAN


Stan Lee já dizia que Tony Stark era a persona quadrinizada de Howard Hughes, cujo talento pra fazer dinheiro só era comparável ao vício por adrenalina. Ou, nas palavras do homem, "um inventor, aventureiro, multibilionário, um sedutor e, finalmente, um maluco". 'Nuff said!

Homem de Ferro (Iron Man, EUA, 2008) parece buscar justamente essas coordenadas do mestre. E fica evidente que o grande achado do filme foi a escalação de Robert Downey Jr. Poucos atores são tão qualificados para personificar o playboy quanto ele - que conta, inclusive, com uma "valiosa" "experiência de campo", ao melhor estilo live fast, die young, que vitimou tanta gente boa ainda na curva ascendente. Mas onde Stark tem um quê de Willy Wonka, Downey tem de Keith Richards: talentoso, carismático (menção honrosa à Chaplin, de 1992) e quimicamente imortal. Um super-anti-herói da vida real, perfeito para o cargo - já comentei que ele aparenta ser um sujeito bacana?

Faço questão de destacar isso, pois nada pode ser tão definitivo numa adaptação. E raramente esses filmes têm acertado nas caracterizações. Felizmente, agora tem o Downey para engrossar a lista. Parece que já o estou vendo decidir entre a garrafa e a armadura. No filme, Stark se notabiliza por uma inesperada identificação com o espectador, senão na conta-corrente, ao menos no cinismo e falhas de caráter. Um ser humano de carteirinha, bon-vivant, mulherengo e um adorável calhorda.

Em outras palavras, um papel que é um verdadeiro presente para qualquer ator, mas não para qualquer ator.


O roteiro faz um mix bem resolvido do universo do personagem nos quadrinhos, desde a origem atualizada (à frente da ótima releitura de Warren Ellis, em Extremis) até citações para quadrinhófilos colecionarem e o ótimo desenvolvimento dos personagens secundários. Muitas informações em um curto espaço de tempo fluindo sem maiores desníveis narrativos, o que é, sem dúvida, sua maior virtude. Um grande trabalho do quarteto de roteiristas Mark Fergus, Hawk Ostby (ambos de Filhos da Esperança), Art Marcum e Matt Holloway.

O início da história é colocado para apresentar o espectador não-iniciado ao sempre espirituoso Tony Stark. Gênio inventor, bilionário e dono da Stark Enterprises (uma das maiores fornecedoras de armas para as forças armadas), ele é seqüestrado por um grupo de terroristas denominado "Os Dez Anéis" (boa!). Gravemente ferido, o magnata é salvo pelo Dr. Yinsen (Shaun Toub), também prisioneiro. No cativeiro, Stark se surpreende com o farto arsenal da guerrilha, fabricado pela sua própria companhia, e é forçado a reproduzir seu novo míssil tático, Jericho. Mas com ajuda de Yinsen, ele constrói na surdina uma armadura rudimentar à prova de balas e equipada com algumas armas.

Após uma fuga conturbada e de volta aos EUA, ele se dedica a aperfeiçoar o conceito da armadura (Projeto Mark) e dar fim à divisão de armas da Stark Enterprises. Para isto, tem de enfrentar seu sócio, o ambicioso e perigoso Obadiah Stane (Jeff Bridges). Ao seu lado, estão o Cel. Jim Rhodes (Terrence Howard, de Valente), seu melhor amigo, e Virginia "Pepper" Potts (Gwyneth Paltrow), sua leal assistente e um quase interesse romântico.


Homem de Ferro é um PG-13 de altíssimo nível e que não se deixa mutilar em criatividade por causa disso. Que nem antigamente. Existe aqui uma violência física considerável e algumas mortes, mas enquadradas de maneira implícita e até com certo bom humor, algo que Hollywood parece ter desaprendido nas últimas décadas. Há tempos eu me pergunto onde foram parar aqueles filmes tão divertidos que eu curtia na adolescência. Por esta facilidade em lidar com abordagens mais pop, o ator/diretor Jon Favreau se revela um cineasta da velha escola - mesmo sem pertencer à velha escola. Isto já era perceptível no ótimo Zathura: Uma Aventura Espacial (2005), bem como a sua simpatia por Caos & Destruição, aqui orquestrados com gosto de gás pela gigante ILM em associação com a Orphanage e a Embassy.

De fato, os efeitos são bem mais moderados que os de um Hulk (2003) ou de qualquer Homem-Aranha, no entanto, soam muito mais verossímeis, facilitados pelas composições geométricas do vilão e do herói. Que, aliás, conta com um elegante design, casando a concepção do artista Adi Granov com elementos de sua armadura clássica. Já o Monge de Ferro (apelido com que Obadiah se refere aos fabricantes de armas), que tem uma clara inspiração cinética no Cain, de RoboCop 2, é um protótipo maior e atualizado da armadura que Stark construiu precariamente. O que nivela o confronto final, onde Stark/Homem de Ferro se apresenta em péssimas condições - caso contrário, ele venceria facilmente com sua armadura, muito mais sofisticada. Uma boa sacada que talvez tenha arrefecido um pouco as possibilidades da seqüência. Decisão difícil, hein?

Um problema: Stark poderia ter sido mais poupado naquela aterrissagem de nariz, durante a fuga do cativeiro. Aquele trechinho sugeriu um direcionamento estilizado que pra mim teria sido o horror, o horror. Só pra não estragar a criança. Afinal, é o primeirão totalmente indie da Marvel Studios.


Acima de tudo, o que faz todos os mecanismos de Homem de Ferro funcionarem como um motor de uma Ferrari, é a interação do cast principal (incluindo aí as pontes que o roteiro cria entre os personagens e a direção técnica dos atores). Invejável. Aqueles quatro são a força do filme. Não vejo Gwyneth Paltrow soar interessante desde... desde... A Força de um Passado (sem trocadilhos, 1993). Pepper é tridimensional, frágil, corajosa e cativante. A cena em que ela dá uma "mãozinha" a Stark é uma das minhas preferidas, com humor - negro até - e uma boa troca dramática. Terrence Howard, apesar do espaço limitado, se sobressai ao espectro do mero sidekick, mesmo ao lado do magnético protagonista. Não é surpresa que tanto Pepper quanto Rhodes salvem o traseiro metálico de Stark em momentos-chave.

Outra boa idéia foi o JARVIS, acrônimo de "Just A Rather Very Intelligent System" (voz de Paul Betanny, o sujeito mais sortudo do mundo), e seus diálogos sutis e mordazes com o dono da festa.

E Jeff Bridges... é uma força da natureza. Sua caricatura vilanesca é uma delícia de se assistir, subvertendo aquela aura bom-mocista que predominou em sua carreira. Valeu cada fio de cabelo tosado. Com certeza, é o campeão do elenco - Downey Jr. não conta... é o próprio Stark cuspido pra fora dos quadrinhos.

Se esse filme fosse uma armadura, me serviria perfeitamente. Sem exageros: não saio do cinema tão satisfeito desde os anos 80, quando tudo parecia mais legal.


Mais uma coisa...


Não esqueçam do final dos créditos. Cameo mais cool do L.J. desde Irresistível Paixão?

A arte imita a arte que imitou a vida.


Na trilha: por coincidência, "Institucionalized", do Suicidal Tendencies, que rola no filme. Que trilha, hein.

11 comentários:

Anônimo disse...

Pena não ter cinema na minha cidade...tava esperando muito esse filme.
Bem,download assemble!! :)

Mas o Iron Man tá mais prum Homem-Aranha ou um Indiana Jones e o templo da Perdição?? :p

Anônimo disse...

Grande resenha. O filme de fato tem um quê anos oitenta desaparecido no cinema de hj. Tem tudo para ser uma franquia interessante. Tomara que deixem para estragar lá pela quarta continuação, dado a tendência a ferrar tudo na terceira. Abraços e aumenta a frequencia das resenhas.

Anônimo disse...

Grande adaptação, BAITA filme. O filme é muito anos 80, sim, a trilha rock caiu como uma luva.

:[marz]: disse...

Também gostei e me surpreendi, depois das decepções de Q4 1 & 2 e Spider 3.

Ricardo kanashiro disse...

Parabéns pela resenha! De todas eu li, foi a com o melhor conteúdo! Infelizmente, não pude ver este final de semana, mas com certeza, irei assim que puder! Grande abraço!

Sandro Cavallote disse...

Doggster... mais uma vez mandando muito bem... o sentimento é este mesmo, de realização. Favreau conseguiu destilar todo o conteúdo quadrinístico organizando um roteiro enxuto e bem direcionado. Pra mim, é a melhor representação de um herói de HQ até hoje (e vc sabe que eu tinha Hellboy na linha de frente...) porque conseguiu manter a essência sem necessariamente se dobrar ao status quo da indústria. Aliás, uma crítica muito bem dosada ao "americanismo".

Até mais.

Kalunga disse...

Pra variar, mais uma resenha foda e instigante de um filme que o mané aqui que vos comenta tá correndo o risco de perder o bonde...

até agora o filme tem cumprido com minhas expectativas: polêmica no ar, uns gostam, outros odeiam. tenho de tirar minhas conclusões

abração!

tha disse...

Puxa, até sair esse filme eu nem sabia que existia um Iron Man. Mas depois de ler sua resenha, fiquei MORRENDO de vontade de ver. Parece ser bem o tipo de filme que eu gosto!

Eurico Dias disse...

Parabéns pela resenha!

Marco Aurélio disse...

Se não me engano, foi feita uma reunião com o grupo do filme e roteirista da Marvel, entre eles Mark Millar e se não me engano, Bendis tbm.


A Marvel, pode se tornar numamepresa milionária com seus personagens e roteiritas trablahando no cinema.

Luwig disse...

Porra, queria que o Edward Norton* virasse um pouquinho mais para direita para se encaixar no perfil do Bruce Banner da versão Ultimate.

Imagina só, como o mundo seria um lugar melhor se tudo desembocasse naquele visceral primeiro arco dos Supremos, com o Hulk como vilão!

(*) Pelos trailers exibidos até agora, parece que o bom doutor está muito seguro de si, exalando auto-estima por todos os poros.