Facão enferrujado? Confere.
Sorriso cativante? Confere. Pescoção? Confere. Fetiche por acessórios de hóquei? O-fucking-yeah. Tremei, amantes da nouvelle vague! O rei dos slashers está de volta! E quando eu afirmo "está de volta" eu quero dizer per se literalmente por extenso. Porque cada frame respingante de
Sexta-Feira 13 (
Friday the 13th, EUA, 2009) remete rigorosamente à franquia original, funcionando mais como um resumão dos três primeiros capítulos. Nada do que era circunstancial ou situacional foi modificado, o que faz deste filme uma autêntica 80's X-Party, com todos os machados, cutelos e loiras subindo as escadas em vez de fugirem pela porta. Mas antes que você me pergunte, sim, houve alguma reinvenção. Do próprio
Jason.
O filme é a segunda colaboração do diretor Marcus Nispel com a produção do decepticon Michael Bay - dobradinha que funcionou às maravilhas no ótimo remake de
Massacre da Serra Elétrica. Só que desta vez, o roteiro é de Damian Shannon e Mark Swift (do slasher-arena
Freddy vs. Jason), o que talvez explique o default sanguinário aqui presente. Ao contrário da refilmagem de
Massacre, aquele trocinho descaralhante no grafismo, o novo
Sexta (apelido carinhoso) pouco revitaliza seu lado mais explícito e visceral. Esteticamente, não traz novas informações àquilo já vimos antes, o que hoje, não é o bastante. Não depois de
Alta Tensão, Rejeitados pelo Diabo ou mesmo
O Albergue. Isso, pelo menos, na versão que foi para as telonas.
Segundo Nispel, eles deceparam cerca de dez minutos em gore e putaria só pra acalmar a MPAA e emburacar censura R. Mesmo assim, a quantidade de mamões em exposição é redentora! Contei três pares generosos de magumbos, todos em farol alto e com moranguinhos perfeitamente simétricos. E como nada se perde, o diretor já avisou que o DVD e o Blu-ray é que vão ser o canal e terão todas as cenas proibidonas, mais os gêiseres de hemácias, leucócitos e plaquetas que ficaram de fora. Oremos!
A premissa é trivial e conta com, provavelmente, a maior introdução da história do cinema (pra lá de vinte minutos). Começa com um flashback p&b do primeiro filme, com a serial-mom de Jason jurando vingança e perdendo a cabeça pra deixar de ser besta. Corta para um grupinho de amigos (dois casais e um geek) indo acampar nos arredores de Crystal Lake - novamente em busca de erva, tal qual em
Massacre. Papo vai, papo vem, a noite cai, uma menina mais assanhada paga peitinho (
sic!!) e não demora até todos serem atropelados por um bulldozer da marca VOORHEES. No meio do açougue, aparecem algumas novidades em relação ao
"man behind the mask" (já volto aí).
A cena que conclui a chacina chama a atenção por dois motivos: visivelmente, Derek Mears, o novo Jason, estava em plena realização de um sonho de infância; Dada a
disposição com que ele vai pra cima da última vítima, Whitney (a fabulosa
Amanda Righetti), você imagina que ele não só partiu a garota ao meio como abriu um novo afluente para o lago Cristal. Mas não é bem por aí - e essa é a primeira pista do estilo que Nispel imprime durante o resto do filme.
Finalmente, o título aparece e a história central começa. Seis semanas depois, o irmão de Whitney, Clay (Jared Padalecki, o Sam, de
Sobrenatural) varre a região à procura da garota, enquanto uma nova leva de presuntos com úteros e hormônios em fúria armam um
rendez-vous pelas redondezas. Os conhecidos estereótipos estão lá, desde o playboy cuzão e duas loirinhas bimbantes até um japa e um negão obedecendo o sistema de cotas - todos com etiqueta de identificação do necrotério amarrada no dedão do pé.
Também temos uma inevitável e virginal Pollyana no meio do grupo, a gracinha Jenna (Danielle Panabaker), interesse romântico de Clay. Aliás,
sempre me pergunto porque uma pattyzinha casta e inocente resolve ir até um fim de mundo com uma galera sedenta por drogas e orgias.
Os garotos intrometidos xeretando o velho acampamento abandonado, jovens transando num filme de terror (isso é assinar a própria sentença de morte, mermão!), policiais incompetentes que nunca observaram os índices de homicídios e desaparecimentos da região... tudo pronto para o psicopático Jason inundar a floresta com um maremoto vermelho-bordô, mas logo percebemos algo diferente no capiau de Crystal Lake. Bem diferente.
Na nova abordagem, Jason está mais safo, mais versátil. Ainda é aquela mesma máquina de moer adolescentes, mas longe daquela rigidez robótica de outrora. Sim, a unidimensionalidade, maior característica do immortal-killer, foi pro saco. O Jason 2009 está mais para os cajuns sacanas de
Amargo Pesadelo e
O Confronto Final do que pra Michael Myers, o que faz até mais sentido. O caipirão from hell agora se utiliza de vários apetrechos (armadilhas, gambiarras de alarme e... ainda estou pasmo... arco e flecha!) e até de joguinhos psicológicos - coisa que ele fazia muito nos primeiros filmes e foi que sendo esquecida conforme a criatividade foi descendo pelo ralo. Do jeito que está, Jason poderia alugar uma caminhonete, cair na estrada e protagonizar a continuação de
Wolf Creek.
Mesmo descrevendo tudo isso positivamente, confesso que fiquei meio dividido sobre essas modificações. Mas isso porque eu sou um maldito nostálgico. Jason pra mim é aquele que vai andando e mesmo assim pega o infeliz que está se desgraçando de correr lá na frente.
A direção de Nispel surpreende pela pouca ousadia, sugerindo até um certo cuidado com a marca. Também é meio canalha com o espectador, usando várias vezes o recurso do volume alto para amplificar sustos falsos (chega ao absurdo de um simples arrastar de cadeira criar um susto de mil decibéis). Outra estratégia furada que é repetida à exaustão e que se esgota rapidamente: Jason e seu poder mutante de se materializar atrás das vítimas, o que fatalmente chega ao ponto de comédia involuntária (a velha maldição da série original). E algumas passagens intrigantes como a da velhinha mal-encarada e adepta da causa Jasoniana não são desenvolvidas, o que é uma pena.
De positivo, temos boas homenagens aos primeiros filmes, como a cadeira de rodas que aparece jogada no muquifo de Jason (referência ao
paraplégico de
Sexta-Feira 13: Parte 2), a cachola da mamãe Voorhees reverenciada num altar (também da
parte dois) e o ônibus escolar tombado no meio da floresta (lembrando muito
a van que ele detonou na parte VI).
Também não poderia deixar de destacar que, após tantos
cancelamentos, finalmente alguém de
Sobrenatural conseguiu enfrentar o Jason - ainda que extra-oficialmente. O que, convenhamos, foi até melhor, já que os Winchester bros. nem abalariam o mascarado com os tradicionais sal grosso e rituais de exorcismo. Jason esquartejaria os dois num piscar de olhos e a série é bacana demais pra terminar assim.
Sexta-Feira 13 em muito se assemelha àquelas bandas hard rock de antigamente. E não me refiro apenas aos canhões de luz e gelo seco que impregnam as florestas de Crystal Lake à noite. A série retorna com um lançamento divertido, mas flagrantemente datado para os padrões atuais, na ânsia de recuperar um pouco do seu passado de glórias. O que consegue, no entanto, é mostrar mais uma autocaricatura, regurgitando as convenções criadas por ela mesma e que influenciaram as gerações seguintes - o que, de um certo modo, não poderia ser mais bem-vindo e lisonjeiro.
Jason está de volta. Vida longa a Jason Voorhees, o maior rockstar dos anos oitenta.
Friday the 13th Films
Camp Blood
Desciclopédia do Jason!