terça-feira, 13 de outubro de 2009

APOCALIPSE AFTER


Dia desses, numa roda virtual de amigos, comentei que David S. Goyer "é tão diretor quanto o Maradona é técnico". Pesou na equação sua desenvoltura na direção perigosa de Blade Trinity e Alma Perdida, que deveria se chamar "Hora Perdida" (mesmo com um pôster subornando simpatia). Também opinei que, como roteirista, ele tem a qualidade de tornar eventuais furos irrelevantes diante do objetivo principal. Se não tããão irrelevantes, pelo menos uma coisinha assim, digamos, mais perdoável se a farra for boa no saldo final. Obviamente que, quem execrou Dark Knight inteiro porque não recebeu um relatório detalhando tudo que o Coringa fez depois da invasão à festa, não vai concordar. Mas numa análise simplista, porém limpinha, é mais ou menos isso aí: o cara supervaloriza a relação dos personagens com a premissa e isso é quase tudo o que importa. Os detalhes discutíveis ele deixa para os fóruns de discussão.

O que me faz imaginar se ele não seria o escritor perfeito para algo como Heroes. No mínimo, a salvaria do tédio total. E antes que me esqueça, ao inferno com Heroes. Essa eu abandonei faz tempo - embora considere seriamente um comeback depois que a Mia, de Californication, abriu os horizontes da Clair-bear. Cruzamentos interséries são o que há!

Sempre achei que uma boa edição e uma equipe competente de revisores resolveriam as deficiências de Goyer. E a teoria se confirmou há pouco: FlashForward busca essa mão-de-obra especializada na melhor fonte da atualidade, a indústria americana de telesséries. Os dois primeiros episódios são as melhores coisas que já vi com ele na direção, fácil. Narrativa fluída, promissora, climão de apocalipse-na-hora-do-rush, personagens e plots bem conduzidos e triangulados com facilidade notável.

Goyer, que, ao lado de Brannon Braga, adaptou o roteiro baseado no livro de Robert J. Sawyer (nunca fui apresentado), realmente fez um trabalho muito bom... para o que se espera dele. O terceiro episódio, dirigido por Michael Rymer, é ainda melhor no que diz respeito à cadeira do chefe. Mas vamos dar um desconto. Não dá pra exigir que ele encarne um Orson Welles de uma hora pra outra.


A premissa de FlashForward reafirma o apelo comercial do sci-fi dos dias atuais. O gênero está mais em alta do que nunca, à frente de temas místicos/sobrenaturais e até dos policiais, que até pouco tempo eram os hors concours da audiência. Muito disso se deve ao sucesso Lost, da mesma ABC que adquiriu a opção de FlashForward da HBO. As duas séries não dividem apenas a network, mas também o conceito básico: distorções no tempo servindo como pano de fundo para dramas pessoais. Adicione à fórmula uma boa dose de suspense e ação policial e temos aí um case pop funcional e impecável. Até agora, pelo menos.

No plot central, todas as pessoas do planeta sofrem, ao mesmo tempo, um apagão que dura pouco mais de dois minutos. É mais do que o suficiente para uma tragédia generalizada. Aviões caem aos milhares, hospitais se transformam num caos, o trânsito vira uma Death Race 2000. Nas ruas, o cenário é de horror. Corpos amontoados, carros destruídos, prédios em chamas. Após o susto inicial, descobrimos que o apagão não foi um simples lapso de tempo. Em comum, todos tiveram uma premonição: uma visão de si mesmos, seis meses no futuro. Ou seja, um flash forward (duh!). Enquanto o mundo vai se recuperando, o FBI inicia uma investigação, encabeçada pelo agente Mark Benford (Joseph Fiennes), que, na sua visão, estará muito próximo de desvendar o fenômeno. A trama ganha ares de conspiração quando a câmera de segurança de um estádio registra uma figura misteriosa caminhando tranquilamente durante o apagão.

O maior gancho da série é o impacto psicológico do evento na vida de cada um. As reações são tão variadas quanto fascinantes - desde o flash forward do personagem Aaron Stark, onde a sua filha aparece viva, quando ele acreditava que ela havia morrido no Afeganistão, passando pelo Dr. Bryce Varley, que estava prestes a cometer suicídio quando viu que tudo iria melhorar no futuro, até a agente Janis, que estará grávida mesmo que no presente não tenha nenhuma expectativa disso acontecer. Mais complicado é o flash da esposa de Benford, a Dra. Olivia (Sonya Walger, a Penny, de Lost), que se viu corneando o marido dali a seis meses - mesmo o amando tanto quanto, sei lá, a Penny ama o Desmond.

Mas em termos de "dead line" (literalmente), ninguém bate o drama do agente Demetri, parceiro de Benford, que não vê nada em seu flash.


Na ficção, distúrbios temporais sempre dão boas deixas para zoar com a percepção do espectador. Pequenos detalhes que vão se concretizando como uma versão Godzilla do déjà vu mais forte que você já teve. Em FlashForward, os detalhes das previsões vão dando as caras mesmo quando o personagem em questão os evita - ou seriam eles desencadeados justo porque o personagem tenta evitá-los? Esse tipo de discussão não tem fim. Se continuar sendo bem desenvolvida, a ideia pode render mais que os seis meses regulamentares.

Também existem várias convergências com Fringe, especialmente no terceiro episódio. Quando Benford viaja até um presídio alemão para negociar informações cruciais com um prisioneiro (um velho nazi escaldado), a lembrança de Olivia Dunham confrontando o assustador David Robert Jones, na mesma situação, é quase imediata.

A abordagem "distorção temporal vs. prazo limite" já rendeu ótimas séries no passado, como Seven Days e a saudosa Early Edition, embora seja em Lost que FlashForward encontre sua maior referência - bem mais no estilo narrativo irresistível do que em easter-eggs largamente viralizados.

Certamente, há muitas possibilidades a serem exploradas naquele universo. Afinal, só agora tivemos o primeiro flashback em FlashForward...

8 comentários:

Sandro Cavallote disse...

Eu só vi o primeiro e achei bem legal. Vamos ver se as sequências seguram a onda...

E Goyer devia ficar mais na frente do computador tendo ideias do que na frente de atores, tentando ser diretor.

JoaoFPR disse...

Opa, perdão pela falta de comentários, estava bebendo como se não houvesse amanhã.

Chê, vi os dois primeiros episódios e eles me cativaram, acho que tem potencial. Gostei de todos os personagens té agora, inclusive do diretor do FBI, ponto para o roteiro, afinal de acordo com o 24 Horas, ninguém tem necessidades fisiológicas.

Abraço.

samurai disse...

Comentario apenas pra dizer que chegou aqui em pedra lascada o District 9. Fuderoso...muito embora a milicia sul africana atenda pelo acronimo BOPE e tenha um caveirão (esses tradutores).

Kalunga disse...

Doggma!!!

Pelo descrito no post, mais uma vez reforço a minha teoria de que toda a criatividade que um dia possa ter sido usada por roteiristas sagazes e criativos nos estúdios de Hollywood migrou para as séries de TV. Acho que Arquivo X deu o pontapé inicial (que até demorou a ser digerido e copiado, diga-se) em termos de qualidade e tensão constante sobre uma trama que parecia ser eternamente insolúvel, e o hype de Lost desencadeou uma onda (que bom!) de seriados mezzo ficção cientítica, mezzo sobrenaturais e/ou policiais.

Esta Flash Foward eu provavelmente não acompanharei por questões técnicas (HBO, certo? estou aguardando uma promoção da operadora aqui, rsrsrsrsrs), mas a premissa da série me traz alguns questionamentos: será que os roteiristas sabem o que estão fazendo? Pergunto isso pq Lost parece ter criado um mote genial, ferrou com nossos neurônios nas duas primeiras temporadas, e depois ficou enchendo linguiça com flash backs e sem uma solução em vista em torno da trama. A impressão que eu tenho é que os tais roteiristas criaram a genial premissa da série mas nem pensaram em como atariam os nós da trama. Coisa que meu querido Arquivo X parece ter feito também, diga-se (quem viu o último capítulo não disfarçou a decepção inicial).

Bom, eu não sou afeito a fins de filmes ou séries mastigadinhos pra todo mundo entender no melhor (pior!) estilo tatibitati e realmente não me incomodo em ficar com diversas interrogações na mente (vide os desfechos Twin Peaks e O Prisioneiro - série genial dos anos 60 exibida aqui uns 10 anos atrás no Multishow que ganhou um remake recentemente e que é uma notória insipiração para Lost) do que engolir um final nas coxas. Mas parece que invariavelmente os roteiristas atuais esquentam a batata e depois ficam passando-a de mãos em mãos sem que ninguém a pegue para descascar e comer...

***

A propósito, algo que exemplifica o que estou dizendo: alguém aqui acompanhou a série John Doe, exibida uns anos atrás na Fox, com aquele ator de Prision Break? A premissa era genial: um cara acorda nu num descampado no meio do mato, não sabe absolutamente nada sobre sua vida mas sabe tudo sobre TUDO (o cara parece ter engolido o google junto com a Enciclopédia Britânica). Daí surgiam fragmentos possíveis (ou não) de seu passado, incluindo aí algo meio como uma seita ou terroristas. Durou apenas uma temporada e nunca mais se falou sobre a série. Será que os roteiristas sabiam no que aquilo iria dar?

Kalunga disse...

meus comentários são muito longos, credo.

realmente nunca poderei ter um twitter, hahahahahaha

Luwig disse...

E aí, Dogg, beleza?

Olha, fiz um texto sobre a mulher contemporânea nos quadrinhos e dentro dele um “Top 5″ elencando as “mulheres de cinco autores” que admiro. Bem, não vim só fazer propaganda, aí é que você entra.

Indiquei (em ritmo de MEME) você e mais quatro chegados a fazer algo assim. Sinta-se livre pra usar o tema da melhor forma que puder, com HQs, cinema, desenhos animados, literatura, séries de tv e por aí vai.

Dá uma conferida*, pra quem entende do riscado e vivia abatendo “coelhinhas”, um post dessa natureza deve sair com um mão nas costas.

(*) http://pulseluwig.blogspot.com/2009/10/tpm-land.html

Abração.
Vida longa e próspera.

Avalanche(Lance) disse...

Serviço de utilidade pública:

http://avalanchereviews.blogspot.com/2009/10/cacadoras-de-vampiras-lebicas-o-caralho.html

Tiago disse...

Eu quero ver esta série, tem tudo para ser muito boa.
O livro podia sair no Brasil por aqui.