Zombie de Ouro 2018 no 18º dia de 2019. Como foi deixar isso acontecer, seu blogueiro imprestável?
O problema é que o melhor de fazer um ZdO (rabiscar) também representa o pior de fazer um ZdO (o bloqueio reverso). Se deixar, vou direto até junho, julho. Então nunca termino um ZdO, eu abandono.
Mas vou melhorar isso da próxima vez. Tenho um plano e vou ficar com ele. Espero.
Então, que novidade, 2018 foi um ano ruim. Tão ruim que até o Stan Lee morreu dentro dele. O Stan Lee. Nuff said... ou quase: Steve Ditko também.
A lista do irremediável ainda foi de Mike Fleisher a Carlos Eduardo Miranda, de Milos Forman a R. Lee Ermey, de Marie Severin e Gary Friedrich a Carlos Ezquerra, da eterna Lois Margot Kidder a William Vance, o finíssimo ilustrador da graphic belga XIII.
E Stephen Hawking. Harlan Ellison. Marielle Franco. Vinnie Paul. Aretha Franklin. Burt Reynolds. Dolores O'Riordan. Otis Rush. Charles Aznavour. Cherry Taketani. Mort Walker. Montserrat Caballé. Angela Maria. Gil Gomes. Agildo Ribeiro. Bernardo Bertolucci. Stephen Hillenburg. Até a Koko.
Ou seja, o lado de lá está muito bem servido. E o lado de cá, cada dia pior. O Brasil anda insuportável. O mundo anda insuportável. Mas eu sei que é cíclico, como quase tudo.
E só mesmo a arte para aliviar um pouco o pé no saco que é uma terra arrasada. Vi muitos gibis bacanas. E séries. E filmes - o estalar de dedos do Thanos em carne e osso digitais foi um sonho realizado, oras. Nesse ponto, também me senti muito bem servido. E esperançoso.
Simbora!
Melhores discos - ou Discos que mais ouvi
Ao contrário da maioria dos casos, Tanya Blount e Michael Trotter Jr. são um casal que vale a pena acompanhar. Sob o nome The War and Treaty, o duo toca o coração musical da América. Healing Tide passeia pelo folk, country, soul, blues, americana, spiritual e gospel com a naturalidade e a alegria que só um incrível dom natural pode proporcionar. Um álbum profundamente inspirador.
Children of Paradise marca o 2º renascimento do veterano Willie Nile - que só pode ser um messias, dados os longos períodos de breu total em sua trajetória. Forjado no folk rock amigo de fé/irmão camarada, aqui ele desata um rock 'n' roll orgânico e visceral; cheio de coração, mas sem afetação; tradicional, mas moderno em concepção e produção. Há inclusive uma pegada Clashiana - o timbre vocal de Willie chega a lembrar o do Tim Armstrong (Rancid). Só o tempo dirá, mas creio que temos um clássico aqui, rapazes.
Barrence Whitfield & The Savages está na pista desde 1977 e Soul Flowers of Titan não mexe na receita: uma batida de rhythm' blues e blues elétrico à Booker T. com um vozeirão shock rock rasgado à Screamin' Jay Hawkins/Little Richard. Em outras palavras, o disco é uma delícia. Pena que é curtinho.
O memorável The Satanist (2014) foi, disparado, o disco de capiroto que mais ouvi na vida. Assim sendo, era difícil para o Behemoth reeditar tais níveis enxofrísticos/leviatânicos, mas eu diria que I Loved You at Your Darkest consegue isso até com relativa tranquilidade. E com doces melodias. E violões. E coral de criancinhas. E, pasme, até rugidos guturais e blast beats. Bom gosto infernal o desse trio polonês.
Puta vontade de sair rasgando na tela que esse é o melhor álbum do Clutch. Problema é que adoro tudo o que esses caras gravam. Book of Bad Decisions - sugestivo, hm? - é hardão southernão funkão garageiro blueseirudo que não dá saber onde termina um e onde começa outro. Esse é pra ouvir guiando um Maverick GT 302 V8 ao lado de uma formosa señorita colombiana. E num toca-fitas Roadstar com auto reverse, por obséquio.
O veterano Cowboy Junkies lançou All That Reckoning sem muito alarde da crítica, mas é um disco que não saiu da minha parada dos 10+ do ano passado. O dark country dos irmãos Timmins - mais o baixista e tecladista Alan Anton - está afiado, atmosférico e intimista como nunca... ou como sempre. Em particular a voz etérea e misteriosa da Margo. Irresistível.
O início da carreira de Denzel Curry foi o mesmo da maioria dos rappers iniciantes atuais: tascando mixtapes na rede. O resultado é uma turbinada na liberdade criativa dessa categoria de base, afinal, isso representa um quebra com os padrões do hip-hop multimiliardário dos Jays Zs e Kanyes da vida. É o grande trunfo de Denzel em TA13OO, até agora seu melhor álbum: sua incrível desenvoltura ao explorar subgêneros, BPMs e variações métricas do rap - e ainda soar pop quando convém. O garoto é um craque.
A capa traduz visualmente o assalto sonoro de Sentinels, 4º álbum do Desert Storm. O quinteto de Oxford parece obcecado em carbonizar o mundo com seu mix basáltico de stoner, sludge e progressivo - que, em certos momentos, chega a remeter ao Mastodon dos primeiros discos. Armagedão já!
Cada audição do sublime 12 Little Spells apresenta um universo totalmente novo de possibilidades, sensações e cores. Esperanza Spalding é de outra estirpe criativa, outra dimensão musical. Jazz, neo soul, bossa nova, fusion, r&b e brincadeiras pop como só iluminados são capazes de fazer. Esse álbum - um conceitual sobre o corpo humano - bate de um jeito diferente em cada um, mas uma coisa é indiscutível: ninguém canta, toca baixo e compõe como essa menina.
A vida de Xavier Amin Dphrepaulezz, o Fantastic Negrito, daria um filme. E dos bons. Vá checar. Mas antes ouça mais uma vez o sensacional Please Don't Be Dead, que, sintetizando nas palavras do próprio Negrito, é "música negra de raiz para todos". Perfeito.
O High on Fire já é uma instituição do sludge metal. Prolífico como o diabo, Electric Messiah é seu oitavo full-length em 18 anos, fora EPs, splits e discos ao vivo. Sempre cumprindo uma porradaria de excelência. Sinceramente, não vejo ninguém na cena atual atuando nesse mesmo nível. Fora que a sonoridade do grupo nunca esteve tão alinhada com a do Titio Lemmy. Como diz a faixa-título: "My homage paid to the king in his grave... he's playing bass and he's melting your face..."
Ouvi esse até furar os fones de ouvido. Temet, segundo álbum do quinteto tuareg argelino Imarhan, faz a ponte entre o blues e o soft rock americano dos anos 1970 com o entorpecente desert rock africano. E ainda com boas doses de psicodelia, à Santana dos primeiros discos. Uma viagem.
Não conhece Ural Thomas, o "Pilar Soul de Portland"? Então, junte-se aos bons: fora da cidade americana, só aficcionados já ouviram falar no soulman septuagenário. Sua carreira começou no final dos anos 1950, no obscuro grupo vocal The Monterays; depois seguiu solo com alguns compactos e sumiu. Voltou só em 2011, com mais dois singles e, no ano seguinte, juntou os trapos com o grupo The Pain. Foi a hora certa para The Right Time, um discaço de rhythm' blues sessentista. É clichê, mas toma lá: valeu a espera.
Difícil convencer alguém que essa capa brega guarda um dos discos mais bonitos de 2018. Ou será que não? Jonathan Wilson tem sido incensado por revitalizar a outrora poderosa cena musical de Laurel Canyon. Excursionou e tocou com grandes nomes de lá, como Crosby, Stills & Nash, Jackson Browne e Bonnie Raitt. Abriu turnê de Tom Petty. E ainda é guitarrista na banda de Roger Waters (epa!). Rare Birds transmite aquela aura de obra autoral de quem vive e respira aquilo 24/7. Então, quando precisar de um folk rock psicodélico progressivo moderno e arranjado impecavelmente, vá direto neste aqui.
Uma excelente notícia foi que o "Hendrix do deserto" Omara Moctar, o Bombino, voltou à carga em 2018 após dois memoráveis álbuns, Nomad (2013) e Azel (2016). No novo Deran, o músico do Níger manteve sua pegada eletrificada, percussiva e hipnotizante - e, felizmente, ainda cantando no idioma tuareg Tamasheq, de sonoridade fluída e naturalmente musical. Desert blues de raiz é isso aí. Inshallah!
Acabei perdendo contato com Black Joe Lewis & the Honeybears após o escandalosamente bom Scandalous (2013), mas até que foi uma boa. Após este maravilhoso The Difference Between Me & You, ainda estou com mais dois álbuns inéditos do cara para destrinchar por meses a fio. Blues, funk, soul e pub rock de altíssima octanagem. A felicidade existe, afinal.
Tinha atualizado o status do Judas Priest para 1969-2008 após a saída do figurão K.K. Downing em 2011 e a tremenda decepção que tive com Redeemer of Souls em 2014. Felizmente, com Firepower aquelas almas foram redimidas. Mais do que boas canções, a produção coesa e o melhor Rob Halford possível aos 67 anos, é patente que a química e o tesão pelo heavy metal voltaram com força total. Firepower é fogo nas venta!
Em 2018 ninguém fez funk soul psicodélico quase instrumental tesudão como o Khruangbin. Também não lembro de ninguém que o tenha feito além do trio texano mesmo. Con Todo el Mundo respinga grooves lisérgicos com ganchos melódicos inspirados em gênios como Ennio Morricone e Lalo Schifrin. O disco é isso tudo e mais ainda - por "mais ainda", leia-se: a performance esfuziante da baixista e sussurradora-ao-pé-do-ouvido Laura Lee. Essa é talentosa. Muito talentosa. Talentosíssima.
Até um violão morreria de inveja.
Vivemos numa época em que quase toda a 1ª geração do blues elétrico já se foi - sobraram Taj Mahal, Buddy Guy e mais quem? O feeling anda em falta - e não só na música. Assim, é um alento ouvir Out of the Blues, do veterano hitmaker Boz Scaggs. Ao contrário do que sugere o título, é uma imersão no gênero em sua forma mais singela, sendo o último da trilogia iniciada com Memphis (2013) e A Fool to Care (2015). Um álbum perfeito para ouvir ao fim do dia, com um bom vinho e à companhia de bons e velhos fantasmas.
Kyle Thomas, o King Tuff, chegou a tocar na banda de Ty Segall e, musicalmente, guarda lá suas semelhanças em seu power pop psicodélico de garagem. Mas confesso que curti bem mais este The Other do que os últimos trabalhos do ex-patrão. Sem perceber, já ouvi um gazilhão de vezes. Agradavelmente chicletudo.
O Krisiun não faz disco ruim. Isto posto, estava curtindo demais a curva sutil dos últimos dois álbuns para um metalzão mais lento e... groove. Groove, mas com responsabilidade. Daí que a recepção por aí não foi muito boa (fools!) e Scourge of the Enthroned marca o retorno do trio-do-poder gaúcho para o old school death metal do qual são uma autoridade mundial. Mais uma vez, um arregaço de álbum extremo - mas já tem nego por aí reclamando que a banda não se arrisca. Apaporra...
Melvins é muindoido. Vai tentar classificar. Sludge classic rock hardcore schizo experimental? Pinkus Abortion Technician - é, homenagem aos companheiros de camisa de força Butthole Surfers - nem de longe é o mais acachapante de seus mais de 27 álbuns (!). É até bem acessível. Mas quando querem, King Buzzo e seus amiguinhos soam pesados como um desabamento no inferno. Vale dicar também Sabbath, EPzinho deles com o vocal do Sleep mandando bala em dois clássicos dos deuses de Birmingham.
Feast for Water, segundo disco do Messa, surpreende tanto pela proposta estranha quanto pela obsessão com que os músicos se agarram a ela. Não é todo dia que você ouve um som tramando doom, post-metal e jazz como se fossem estilos absolutamente compatíveis e simbióticos. E daí que a música do quarteto italiano - e escrevo música mesmo, não só pedregulho e decibéis - acaba oferecendo um duelo espetacular entre esses mundos sob a condução da bela voz da cantora Sara. Cool e pesado na mesma proporção.
Al Jourgensen já devia ter desovado o Ministry num desmanche faz tempo. E a ideia da Dama da Liberdade fazendo um facepalm não é nova, mas o cenário sócio-político mundial nunca necessitou tanto do esculacho dessa banda - e dessa capa. Ok, Titio Al já não é mais aquele (também, né), mas a zaga do Ministério ainda bate pesado que é uma beleza. Músicas como "Victims of a Clown", "Antifa", "AmeriKKKa" e outras porradas anti-idiocracia servem como uma catarse épica para qualquer ser humano racional e sensato. E trazem a certeza de que você não ficou maluco, não está sozinho e nem tudo está perdido.
Entre tantos Alpha's, Zero 7's e Hooverphonic's bons de trip-hop, ainda não conhecia o Poliça, quarteto (+ produtor pró-ativo) de Minneapolis. Isso mudou com Music for the Long Emergency, disco em parceria com o s t a r g a z e, coletivo orquestral radicado em Berlin. O som é bastante visual. Dimensões estranhas com paisagens evocativas e melancolia synthpop fluindo sob camadas de cordas e a voz onírica da Channy Leaneagh. Algo dramático e seríssimo vai se desvelando numa experiência igualmente libertadora e relaxante. No fim, o título do álbum até que faz sentido.
Black Coffee é o 3º álbum de estúdio de Beth Hart em parceria com o virtuose Joe Bonamassa e, até agora, o melhor. A fórmula é aquela mesma: covers de clássicos do blues, soul e r&b. A seleção é irretocável, a banda de apoio de 10 integrantes (!) é só o fino da encruzilhada e a guitarra de Bonamassa canta ao lado do contralto estrondoso de Hart. Café preto de safra selecionada.
Progressive death metal até a minha bisavó já ouviu. Mas com a parte progressiva remetendo ao Pink Floyd circa Meddle/Obscured by Clouds é nova. Tudo somado à musicalidade e técnica impecáveis dos músicos do Rivers of Nihil e às soberbas intervenções de cello, trompete e saxofone - instrumentos tão naturais para metal extremo quanto gaita de fole para samba, mas que aqui funcionam e dialogam em harmonia sobrenatural. Pra completar, a impressionante arte da capa de Where Owls Know My Name foi feita por ninguém menos que Dan Seagrave. Acertaram em tudo.
Acho mesmo All Melody, do músico, compositor e produtor Nils Frahm um dos grandes registros musicais de 2018, mas admito que busquei direto o álbum quando estava ocupado e queria "ouvir um som, mas nada que me desconcentrasse". A proposta do alemão colaborava: ambient eletrônico com um arsenal de pianos e teclados vintage fazendo a ponte entre o synth e a música clássica. 100% imersivo.
Assim Richard Thompson (co-fundador do Fairport Convention) definiu 13 Rivers: "cada canção é como um rio; algumas fluem mais rápido que outras". Síntese perfeita. Seu folk rock 'n' roll eletrificado é orgânico, ora soturno e melancólico, ora animado e otimista, com uma singeleza bluesy permeando as 13 faixas. Ou rios. A banda é brilhante e as letras são bastante intimistas ("Trying" me pegou no contrapé), conferindo um novo gás a um gênero tradicionalíssimo. De quebra, o veterano - fará 70 outonos em abril - está cantando como um rouxinol.
Conheci o figura Shawn Lee através do disco Golden Age Against the Machine (2014), um sensacional tributo ao electro-funk/freestyle/hip-hop do início dos anos 80. Em 2018, o produtor e multi-instrumentista americano fez um collabo fantástico com The Soul Surfers, grupo russo de funk psicodélico - ou, nas palavras dos próprios, "a primeira e única banda de soul/funk da congelante Rússia". A base do álbum é, claro, o funk pesado, mas curtido em psicodelia, dub, latinidades e IsaacHayesices no melhor estilo trilheiro blaxploitation setentista. Bolachão viciante demais.
Quer uma aula de doom metal clássico para nublar o seu dia ensolarado? Pode ficar aos cuidados do veterano Sleep e seu monolítico The Sciences. Com um pouco de sorte, durante a experiência você terá até uma visão da Muralha da Fonte - o que, piamente acredito, é o que o marijuanauta da capa está vislumbrando, atônito.
Um dos discos mais importantes de 2018 é também um dos mais divertidos. Em Your Queen Is a Reptile, o quarteto londrino Sons of Kemet faz uma saborosa e saltitante mistura de african jazz, swing, salsa, rumba cubana, soca, reggae, funk e o que mais vier pela frente. Um intensivão de História musical de raiz negra que só encontra paralelo em seu conceito político - os títulos do álbum e das músicas são um libelo contra a opressão da realeza britânica e os estragos que causou até aqui.
O quinteto lo-fi escocês Spare Snare existe desde 1991 e tem fama cult na cena alternativa, mas só fui saber da sua existência ao puxar a agenda de produções 2018 do Steve Albini - rá, isso que é trapacear, hein? E a 1ª surpresa que tive com 'Sounds' foi justamente a gravação de Albini, com a mão muito mais leve do que o normal. A 2ª foi o disco propriamente dito: um achado. Noise rock moderado com melodias grudentas e uma saudável influência pós-punk - no sentido The Cure/New Order do termo. Para colocar nos fones e sair assobiando pelas ruínas de alguma cidade industrial falida.
Body, do trio australiano The Necks, segue o padrão de sua discografia: uma única música com quase 1 hora de duração (já gravaram outras mais longas) onde excursionam pela seara do jazz vanguardista e do minimalismo - com uma peculiaridade desta vez: a catarse rock que explode lá pela metade da música. Uma viagem desconstrutiva e altamente climática.
Se Killing Joke e The Young Gods formassem uma banda punk, o monstrinho resultante seria o IDLES. O quinteto de Bristol tem camadas de guitarras abrasivas, baixo pulsante, batidas tribais e os vocais dramáticos/discursados de Joe Talbot indo direto nas jugulares de Jaz Coleman e Franz Treichler. Joy as an Act of Resistance é o 2º álbum do grupo - sem contar as arrobas de EPs e singles - e é, com todo o respeito, muito do caralho. Merecem o hype. Fico só imaginando o show. Ou melhor...
The Wake é o Voivod finalmente se concentrando naquilo que sabe melhor: thrash metal progressivo num álbum conceitual misturando ficção científica, tramas bizarras e estados (muito) alterados da mente. É um festim tecno-diabólico. Ajudou também o perfeccionismo do produtor Francis Perron. Normalmente, thrash metal superproduzido fica de plástico, sem punch, mas aqui ampliou a sonoridade requerida pelas pirações porrado-sensoriais desses violentadores de consciência canadenses.
Definitivamente há algo de especial no black metal do Watain. Uma banda que atinge tal nível de selvageria sob uma tempestade jupiteriana de decibéis no memorável The Wild Hunt (2013) e consegue manter a mesma insanidade no novo Trident Wolf Eclipse, só pode ser obra do tinhoso. Ave ouvido!
Sintomático que o novo álbum do Witch Mountain seja auto-entitulado. O álbum do quarteto do Oregon, que já tem 20 anos de estrada, de fato marca um recomeço artístico. O motivo principal é a nova cantora Kayla Dixon, que imprime uma performance 100% blueseira ao tradicional doom metal/occult rock da banda - algo que não ouço de forma tão efetiva desde os primeiros LPs do Danzig. A produção é capenga e a capa é uma droga, mas a música é de primeira.
Bonus tracks
Por bons 20 anos, o Dynamo Open Air foi, provavelmente, o festival de rock pesado mais bem-sucedido do planeta, amealhando centenas de milhares de almas condenadas (e felizes) a cada evento e todas as bandas pesadas que já importaram. O megafestival holandês teve sua última edição em 2005, mas no ano passado retornou da tumba, $edento. Sob a razão social Dynamo Concerts, abriu seus preciosos arquivos e lançou uma coleção de discos ao vivo. Na estreia, Pantera e Soulfly.
Live at Dynamo Open Air 1998 traz a banda texana pós-The Great Southern Trendkill, já desgastada pelos excessos - de turnês, de brigas e da agenda heroíno-cocainômana de Phil Anselmo - e isso se reflete no disco como uma supernova. O Pantera, então a banda pesada mais popular do planeta - depois, talvez, do Metallica - executa seus hits à perfeição (são grandes músicos, porra!), mas Anselmo bate o motor logo na abertura. O vidaloca canta mal (quando canta), esquece as letras, atravessa, grita sem alvo e ofega como se estivesse disputando o 1º páreo. Uma diversão só. Mas fazer o quê. Sou apaixonado por bastidores e vida real. Isso pra mim é acervo histórico. Ouço no talo.
Em 1998, Massimiliano Antonio Cavalera estava recém-saído do nosso maior produto de exportação junto com o café arábica. Na barriga da miséria, foi o mais próximo de um popstar mundial que esse Brasilzão já pariu. Todos queriam saber o que é que o mineiro tinha. E nada melhor do que debutar ao vivo sua novíssima banda Soulfly sob os holofotes do maior festival-pauleira da Terra. Você pode até encrencar com os tiques groove/nu metal e com a brasilidade-pra-gringo-ver, mas, puta, que show arregaçante. Seu Live at Dynamo Open Air 1998 é 1 hora de pau dentro, fome de bola e Max possuído no vocal - e ainda tocando umas guitarra aí. O setlist foi no seguro: um best of do disco de estreia e, claro, uns clássicos da ex-banda. Foi um dínamo no Dynamo.
E não é que, junto com os dois bônus, essa compilação perfaz exatos 40 discos?! Vou jogar no bicho.
Aquisição do coração
Apesar de 2018 ter sido o ano mais turbulento da história no mercado brasileiro de HQs, não lembro de ver tantos títulos lançados em tão curto espaço de tempo e em tantas plataformas. Os destaques foram vários. Alguns, inclusive, penavam há décadas num limbo criogênico, por N razões, e, numa terça-feira qualquer, foram lançados.
Das minhas aquisições de material editado em 2018, os pontos altos foram:
Os volumes da Coleção Histórica Marvel do Mestre do Kung Fu - essa nunca mais sai de novo - e, claro, d'O Incrível Hulk da saudosa era Bill Mantlo/Sal Buscema (Panini); a conclusão do descaralhante Blade - A Lâmina do Imortal, de Hiroaki Samura (parabéns, JBC!); os primeiros volumes do insano Justiceiro MAX de Garth Ennis (Panini); Howard, o Pato (Clássicos vol. 29, Salvat); Visão, de Tom King (Panini); Drácula de Bram Stoker, de Roy Thomas e Mike Mignola (Mino); enfim Vingadores - A Saga de Korvac (Clássicos vol. 39, Salvat); Etrigan, de Jack Kirby (Panini); Tex Gold vol. 11: Seminoles! (Salvat); Dylan Dog - Mater Dolorosa (Mythos); o Thor de Walter Simonson na versão recolorizada de Steve Oliff (Salvat); a Trilogia do Infinito, de Jim Starlin (Panini); a volta de Dampyr (Estoque 85); Conan Edição Histórica: Conan da Aquilônia (Mythos); Gibi de Menininha - Historietas de Terror e Putaria (Zarabatana Books); Os Novos Titãs, de Marv Wolfman e George Pérez (e lá vamos nós de novo, hein Panini); Coleção Definitiva do Homem-Aranha vol. 26: Nada Pode Deter o Fanático! (boa, Salvat!); Heavy Metal - Primeira Temporada (Mythos); e ainda a Panini, nos acréscimos, mandando no ângulo com Poder Supremo, de J. Michael Straczynski, e com a inacreditável publicação da Biblioteca Histórica Marvel - O Surfista Prateado vol. 2, fechando por fim a clássica fase Stan Lee/John Buscema do menino Norrin.
Ufa.
(aspira e...)
Claro que algumas aquisições se sobressaem pela combinação forma + conteúdo + brilho autoral. Foram os casos de Cinco por Infinito, de Esteban Maroto (Pipoca & Nanquim), O Perfeito Estranho, de Bernie Krigstein (Veneta) e Blue Note - Os Últimos Dias da Lei Seca, de Mathieu Mariolle e Mikaël Bourgouin (Mythos). Todas marotas, lindas, essenciais e vão te dar moral com a vizinha gostosa.
Mas quem leva o Zombie de Ouro da vez é Mort Cinder, do escritor e jornalista argentino Héctor Germán Oesterheld junto com o genial artista uruguaio-argentino Alberto Breccia. Claro!
A programação do pessoal da Figura é muito low-profile, mas quando lançam algo, sai de baixo. Após os magníficos volumes de Sharaz-De, do Sergio Toppi, a editora mais uma vez resgatou uma obra-prima.
Originalmente publicado no período 1962-1964, o estranho caso de Mort Cinder é fascinante. Tanto pela atmosfera de suspense e ficção-científica - sem ser nem um, nem outro - quanto pelas similaridades da condição peculiar do protagonista com a do personagem John Oldman, do filme The Man from Earth (2007). Ou simplesmente pelo exemplo de que flertar com o extraordinário é também buscar o entendimento sobre nós mesmos.
Ironicamente, a própria história de vida de Oesterheld - e seu destino trágico - é um precedente valioso para todos os seres humanos livres e pensantes neste capítulo da nossa própria história.
Quadrinho importado++ do ano
Sem pensar muito - X-Men: Grand Design e X-Men: Grand Design - Second Genesis, de Ed Piskor.
O quadrinhista underground levou um Eisner pela fabulosa série Hip Hop Genealogia (alô, Veneta, cadê os outros volumes?) e a Marvel Comics, lépida e faceira, canalizou para a turminha da Mansão X o talento do homem em inventariar o zeitgeist de figuras icônicas. É um emocionante tributo, à altura do legado dos personagens e da paixão dos leitores que os acompanham desde guris.
Além disso, pra mim, foi um déjà vu agradabilíssimo. O 1º quadrinho mutante que li na vida foi a história "Elegia", um pequeno clássico publicado na inesquecível SAM #34 - convenientemente, também um recap da 1ª e 2ª gênese da equipe até o funeral de Jean Grey. O primeiro deles...
Isso foi em abril de 1985. E até hoje mantenho algum exemplar desse por perto. Mesmo com as republicações...
Filme pipoca do ano
A história é bem conhecida. Em 1967, quando a atriz Nichelle Nichols disse a Martin Luther King que planejava deixar seu papel de Uhura em Star Trek para seguir carreira no teatro, o bom pastor lhe passou um sabão:
"Pela primeira vez somos vistos como deveríamos ser vistos. Você não tem um papel negro. Você tem um papel igual."
E continuou:
"Você é a nossa imagem do lugar para onde estamos indo. Você está a 300 anos à frente e isso significa que onde estaremos tem início agora. Continue o que está fazendo. Você é nossa inspiração."
Impossível não associar essas palavras à experiência de assistir Pantera Negra. A sensação de redenção e de sonho possível é contagiante e, sim, inspiradora. Não só durante as duas horas regulamentares, mas também na saída da sessão e no dia seguinte até... agora. Como se esse tivesse sido o objetivo maior do cineasta Ryan Coogler durante o projeto - e se foi mesmo, o Rei teria ficado orgulhoso do resultado final.
Da mesma forma, é difícil passar batido pelos paralelos históricos, políticos, sociais e culturais encravados no subtexto do filme como diamantes de sangue. Já faz muito tempo desde a corajosa, porém tímida, ação afirmativa de Um Príncipe em Nova York. Agora finalmente seguiremos para o próximo passo.
Há um bravo mundo novo aqui. Ainda.
Calaboca do ano
Titans, de Akiva Goldsman, Greg Berlanti e do onipresente Geoff Johns. O que parecia ser a fórmula da Equação Antivida, já nos primeiros episódios, mesmo confusos, se mostrou intrigante e até ambicioso. Ao longo da temporada a série engrenou em ritmo de road movie from hell com boas cenas de ação e um carismático elenco principal - em especial o Robin do ótimo Brenton Thwaites e a Raveninha da promissora Teagan Croft.
Ps: Debra Winger mora no meu coração, mas a nova Dianinha é loucura com Leite Moça(-Maravilha). Uniforme nela, já!
Pps: que droga Arrow já ter queimado o Slade Wilson.
Melhor talk show dos últimos 20 anos do ano
The Graham Norton Show (BBC One), fácil.
Sempre gostei de talk shows, mas é verdade que há muito tempo o gênero vem cheirando a peixe podre. Os motivos vão do desgaste do formato até a nova geração de hosts americanos engraçadinhos, como Jimmy Fallon - muito copiado, inclusive aqui no Brasil.
O esquema de Norton é um tanto diferente. Ao invés de um convidado por bloco, são vários ao mesmo tempo num sofá, o que é um crossover de dois formatos televisivos jurássicos (Hebe Camargo feelings). E conta com pesquisadores absurdamente competentes, o que é de se esperar vindo do Reino Unido dos Tablóides e da Imprensa Marrom.
O apresentador irlandês é um bon vivant divertido, cínico, sagaz e com um talento natural pra fazer a conversa fluir sem intervenções pentelhas e ainda manter o controle sobre os sofás - em sua maioria, formada por pesos-pesados e ainda fazendo algumas combinações surreais. É notável como as celebridades mais duronas são amolecidas pelo papo de Norton, que até já deu o devido crédito à beberrança fornecida pelo programa.
Plus, Norton é gay - não sou supervisor do rabo alheio, mas até isso ele torna um diferencial no contexto - e britanicamente cruel.
Aliás, é dele uma das entrevistas mais hilárias que já assisti. Bill Murray bêbado e zoeiro com Matt Damon e Hugh Bonneville abraçando a causa.
Derrocada do ano
Victor Civita e um sonho que chegou ao fim
Cresci lendo gibis e outras publicações da Abril, então vou confessar uma coisa: foi bastante melancólico ver a editora se desmantelando em praça pública. A cada semana uma nova rodada de demissões, escritórios fechados, cancelamentos de revistas e boataria incessante. A venda do Grupo Abril por uma quantia simbólica foi, de fato, o símbolo de uma das administrações mais desastrosas da História do business brasileiro.
De fato, foi um suicídio mesmo.
E agora, a continuidade das coleções Pato Donald por Carl Barks e Biblioteca Don Rosa a Shiva pertence.
QUACK!!!
Enquanto isso, na banquinha do Seu Zé...
Distribuição caótica, Fnac extinta no Brasil, Cultura e Saraiva em recuperação judicial.
Como explicar o mercado editorial brasileiro em 2018? Worst case scenario de bolha estourada? Defcon 1? Até poderia ser, não fosse a editora Panini lançando títulos e títulos loucamente e seus internal affairs com a toda-poderosa Amazon influindo diretamente em sua política de preços.
Mas é uma contradição explicável. E tem culpa nossa no cartório.
No ZdO 2016 escrevi:
"Amazon se revelou uma mistura de Galactus e Bill Gates, com ofertas e táticas claramente predatórias que um dia se voltarão contra nós sem uma gota de vaselina. Mas continuamos comprando. Malditos sejamos."
Não sou nenhum gênio (quem dera) e muito menos vidente (quem dera²²²). O tema é batido, apenas.
O Elio Gaspari chegou a comentar na Folha que "Saraiva e Cultura se enroscaram nas próprias gestões". E a "proposta" feita aos fornecedores foi muito além do nonsense. Isso é inegável. Mas não dá pra ignorar o principal, que, curiosamente, algumas editoras e canais do YouTube parças da Amazon fizeram e ainda fazem vista grossa: a prática de dumping num livre mercado sem regulamentação eficiente.
Primeiro, das duas supracitadas em cima das pequenas livrarias; depois, da própria Amazon em cima dessas duas (e outras mais) - a mesma Amazon que já havia feito um arraso no mercado livreiro de vários países europeus, inspirando até uma dura legislação anti-dumping na França.
A consequência da farra dos preços amazônicos acabou chegando aos consumidores, com os descontos reais (não em cima dos preços propositalmente inchados da Panini) cada dia mais escassos. Isso porque não fazem mais sentido: a concorrência foi aniquilada.
Há algum tempo tramita no CCJ um projeto que regula esses descontos, o que, a curto prazo e apesar dos pe$ares, seria a melhor solução que temos pra hoje.
Mas até lá, aguenta...
Pois é.