Gosto do
Shazam de Os Novos 52. Pronto, digitei.
Acho a reformulação de
Geoff Johns uma atualizada bem-vinda e auspiciosa para o superguri octogenário de
Bill Parker e
C.C. Beck. Na busca por uma ponte com a nova geração, algumas mudanças foram até radicais, caso do próprio
Billy Batson. Mas, mesmo nelas, a HQ manteve boa parte daquele charme incipiente da
Fawcett na
Era de Ouro. É um
comic na mais pura acepção da palavra (mágica). Então, foi uma boa surpresa ver essa fase servindo de blueprint em
Shazam!, de 2019, e também neste
Shazam! Fúria dos Deuses. Foi a saída pop para o
Capitão Marvel.
A direção é do mesmo
David F. Sandberg com roteiro do mesmo
Henry Gayden, agora em companhia de
Chris Morgan, da franquia
Velozes & Furiosos. Em outras palavras, quem não gostou do 1º filme vai gostar menos ainda do 2º. A nova produção tem os mesmos vícios, forçadas de barra e infrações graves às leis da Física. Mas a química do núcleo principal, as referências e a dinâmica de aventurona oitentista valem o ingresso.
Ou o play em sua fonte de preferência, já que
Fúria dos Deuses foi um dos maiores fiascos de bilheteria do
Universo Estendido DC.
Não merecia. Cheguei a rascunhar uma lista de filmes da DC que são flagrantemente inferiores, como os dois da Mulher-Maravilha,
Esquadrão Suicida de 2016,
Liga da Justiça, o agregado
Adão Negro... mas a lista já estava enorme e alçando o Capitão Fraldinha a um Cidadão Kane de capa e é bem longe disso. O filme é só uma bobagem divertida e pueril para quem precisa de bobagens divertidas e pueris. E o mais importante: se assume como tal.
Note que usei aí minha melhor lábia de
Zeca Urubu vendedor de carros usados.
A história segue a deixa do 1º filme, em que Billy repassa aos irmãos adotivos a senha do Wi-Fi para os poderes do
Mago Shazam — tecnicamente, os poderes de um panteão de divindades greco-romanas e de uma suposta figura histórica hebraica, canalizados pelo Mago através de seu cajado, o MacGuffin de
Fúria dos Deuses. Logo no início, os garotos e garotas aparecem atuando como uma "Shazamília" (ou seria "Família Marvel"?) e sofrendo com a falta de experiência e de espírito de equipe. A opinião pública, claro, não perdoa.
A estrutura é bem Marvel: vida secreta de super-herói, dificuldades de manter o grupo unido, problemas financeiros do lar adotivo, bullying na escola e, no caso de Billy, a iminência da maioridade o obrigando a seguir seu próprio caminho. Em meio a tudo, a chegada das
Filhas de Atlas reivindicando os poderes divinos de seu pai que, por acaso, estão com os Marvels... ops, Shazams.
A premissa é um pires, porém o cânone era minimalista por natureza. Em contrapartida, o filme tem nada menos que
dez co-protagonistas. Impossível montar algo nivelado e com uma distribuição razoável de diálogos.
Zachary Levi, que embolsou 3 milhões e meio de doletas nesta sequência, obviamente monopoliza o tempo de tela. Já
Asher Angel, como Billy Batson, teve uma participação ridícula em relação ao 1º. Trabalhou de bandido, o jovem. Neste sentido, o carismático
Jack Dylan Grazer, reprisando o papel de
Freddy Freeman, é o principal
Júnior do filme. Sobra bem pouco para dividir entre os demais.
Para maquiar um pouco as deficiências, Sandberg usa elementos do gênero
coming of age. A inspiração são produções como
Deu a Louca nos Monstros,
Uma Noite de Aventuras,
Conta Comigo e até a série
Anos Incríveis. O tempo todo Billy usa uma camiseta dos
Goonies. O que funciona até certo ponto, já que o assunto principal da trama é outro e, bem, não estamos mais nos anos 1980. Infelizmente.
Pior é o fato dos meninos não serem nem de longe parecidos com suas contrapartes superadultas. Nem na fisionomia, nem no tom das interpretações — incluindo aí o "Capitão Marvel Jr."/Freddy Freeman adulto do
Adam Brody (que fazia o nerdão Seth Cohen na novelinha
The O.C. há 5 mil anos A.C.). Isso ocorre, literalmente, com
os meninos, porque as
meninas brilham.
Meagan Good está em sintonia perfeita com a atuação da figurinha
Faithe Herman no papel da simpática
Darla. E a
Mary Bromfield de
Grace Caroline Currey (de
A Queda) simplesmente veste o traje de super-heroína, me deixando com uma certeza:
Grace é uma graça.
Com isso, ela também gera um rombo na parte do roteiro sobre "identidades secretas". Quer saber? Tô nem aí. Quero um filme solo da
Mary Marvel.
Um pecado foi submeter
Lucy Liu e a maravilhosa
Helen Mirren — as vilãs
Kalypso e
Hespera, respectivamente — a um figurino que parece sobra de produção dos Power Rangers. Mesmo assim,
Dame Mirren parece à vontade e entrega 0.000½ de seu talento, o que, comparada ao resto do elenco, equivale a uma supernova dramática. Já Lucy Liu só bate ponto e está absolutamente canastrona, atuando como se estivesse tentando lembrar se deixou a torneira aberta em casa.
A presença de ambas só reforça a nova realidade do mainstream hollywoodiano. Cedo ou tarde, todos trabalharão numa adaptação de quadrinhos. O que deve tirar o sono do Martin Scorsese.
Um ponto bastante positivo foi o retorno de
Djimon Hounsou como o Mago. Os bate-bolas dele com o Freddy são espirituosos e algo atrapalhados, no bom sentido. E, em dado momento, o Shazam Sênior praticamente repete o visual do
Papa Meia-Noite, personagem de Hounsou em
Constantine. Pagaria para ver esse crossover.
Na boa sequência em que a cidade é atacada por Ciclopes, Minotauros, Manticoras e Harpias (que tanto queria ter visto nos longas da Maravilha) é impossível não lembrar dos deliciosos clássicos com a mão de Ray Harryhausen, como
Fúria de Titãs,
Jasão e os Argonautas e a série de filmes do Simbad. E também evidenciou algo que já acontecia desde os primeiros minutos — morre gente para um caralho nesse filme. Inclusive como resultado direto das ações dos heróis. É algo no nível
"precisamos de um recordatório do Mark Millar aqui!"
Parece que alguém na
Warner mandou largar mão do PG-13 que depois ele resolvia com os censores. Geoff Johns, foi tu, meu filho?
No final, apesar dos tropeços, a experiência foi deveras satisfatória. Certo que assistirei outras vezes. Talvez n'alguma Temperatura Máxima com aquela moqueca, muita pimenta, cerveja trincando no bucho e um joguinho do Galo ou da Lusa na sequência.
Quanto ao
nome do herói e as opções à pegadinha óbvia com a sua transformação, para mim, não há dúvidas...
O Billy Batson dos anos 70 é que sabe das coisas.
Ps: quando moleque, queria muito dar uma surra nesse cara.
Pps: tem duas cenas pós-créditos, bobas, esquecíveis e caras de mamão. Mas eu ri.