É estreita a ligação entre a altura e a loucura. Essa relação foi bem explorada no filme A Travessia (The Walk, 2015), cinebio de Philippe Petit, o acrobata-maluquete francês que passeou longamente por um cabo de aço ligando as torres gêmeas do World Trade Center. Para ele, desafiar aquela altura atordoante era a mais pura demonstração de comprometimento com a arte. E existe o exemplo inverso dos "viciados em adrenalina": paraquedistas, traceurs, bungee jumpers, a dupla de protagonistas de A Queda (Fall) e demais descompensados.
O filme é um teste para cardíaco e experiência certamente letal para quem tem vertigem de altura. Não tenho nenhum dos dois, mas desde o longa do Zemeckis não rio tanto de nervoso e aflição — até mais, pois lá a parte da altura só pega mesmo no terço final e aqui é praticamente o filme inteiro...
Direto ao ponto: a relutante Becky (Grace Caroline Currey, a Mary Marvel, de Shazam!) e a destemida Hunter (Virginia Gardner, a babá do Halloween 2018) são amigas que decidem escalar uma torre de TV de 600 metros no meio do deserto porque sim. Chegando lá, é visível o estado precário da estrutura, que está prestes a ser demolida, mas nem isso as faz mudar de ideia. Lógico que a coisa dá muito ruim lá em cima e elas têm que se virar para sobreviver e retornar ao chão de alguma maneira que não seja a 300 km/h.
A premissa é basicamente essa, embora também haja espaço para dramas pessoais e uma tensão entre as aventureiras. A eterna promessa Jeffrey Dean Morgan comparece, brevemente, no papel do pai de Becky.
O diretor britânico Scott Mann, que coescreve o roteiro com Jonathan Frank, abraça a causa survival horror, mas é atento ao sincronizar as diferentes motivações das personagens. Nem tudo são flores: uma delas está de molho deste esporte há cerca de um ano e nem sequer faz um alongamento antes da empreitada. Felizmente, as boas sacadas são bem desenvolvidas e até mesmo as "inspirações" em outras produções. E são várias delas.
De cara, a montagem tensa com closes da escadinha tremendo, de degraus enferrujados, de parafusos folgados e da edificação inteira rangendo remete às dicas gritantes da Morte na série Premonição. Em seguida, os mais escolados vão identificar catadas na caruda de outros thrillers de sobrevivência. Especificamente, e na ordem, dos filmes Pânico na Neve (Frozen, 2010), Águas Rasas (The Shallows, 2016) e Medo Profundo (47 Meters Down, 2017) — todos eles ótimas pedidas para qualquer dia normal precisando de uma traumatizada.
A narrativa é conduzida com precisão psicopática. Para sobreviver, as meninas precisam enfrentar uma sequência infernal de perrengues, cada um pior que o outro, num roteiro que parece ter saído da cabeça de um sádico (dois, na verdade). O que não funcionaria plenamente se não fossem as ótimas performances e química das atrizes. Com naturalidade, Currey e Gardner lidam com diferentes camadas orgânicas de uma amizade da vida real, fazendo com que o espectador de fato se importe com o destino delas.
Isso, com a vida por um fio a mais de meio quilômetro de altura, é o grande trunfo de A Queda.
O pôster, inclusive, já dá uma boa prévia.
Não assisti no cinema. Provavelmente, foi melhor assim. Teria saído de lá com tanto gatilho que não subiria nem num meio-fio.
7 comentários:
Se não assistiu no cinema, assistiu onde? Fiquei muito curioso
Tem uns Webrip facinhos por aí.
Lembrando que filmaram mesmo em uma torre de altura considerável, tipo uns trinta e poucos metros em um penhasco de uns quase seiscentos metros de altura, usando cabos de segurança (claro) e a tela verde para aumentar a altura final da torre.
Vi uma pequena entrevista das gurias que elas fazer parecer um ida ao shopping. E a "plataforminha" é daquele tamanho mesmo e elas falaram que tinha muito vento. Sem dublês.
Valeu pela dica...baixando aqui....
Grimm, também li a respeito enquanto pegava os dados sobre o filme. Acredito que isso fez toda a diferença. Há um "punch físico" ali que não se replica num plano fechado com fundo verde. Vento, luminosidade, dinâmica e marcações das atrizes - a plataforminha nunca soa maior do que realmente é e a possibilidade delas darem um passo em falso e despencarem para a morte é real e incomoda o tempo todo. Fora o visual embasbacante nos planos abertos.
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Pode ir sem medo, Marcelo. Ou melhor... rs
Gostei bastante do filme...as informações me fizeram entender o macete ja que tela verde soaria absurdamente falso; destravaram uma nova fobia vendo o filme comigo..... Como adoro lugares altos adorei a perspectiva colocada pelas cameras posicionadas dando um clima bem tenso, mas admito que n subiria naqla coisa enferrujada pois a imprudencia marcou o filme do começo ao fim. Abraço e o obrigado pela dica.
Fala, Marcelo!
Imprudência total, especialmente da Hunter. E pareceria bastante inverossímil, se não fossem os milhares de YouTubers fazendo o mesmo (muitas vezes filmando a própria morte!).
E, realmente, o trabalho de câmeras é bem sagaz. Plongée e contra-plongée, para cinéfilos tarados. Imagina assistindo num IMAX.
Abraços!
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