sexta-feira, 25 de novembro de 2022

Não olhe para baixo


É estreita a ligação entre a altura e a loucura. Essa relação foi bem explorada no filme A Travessia (The Walk, 2015), cinebio de Philippe Petit, o acrobata-maluquete francês que passeou longamente por um cabo de aço ligando as torres gêmeas do World Trade Center. Para ele, desafiar aquela altura atordoante era a mais pura demonstração de comprometimento com a arte. E existe o exemplo inverso dos "viciados em adrenalina": paraquedistas, traceurs, bungee jumpers, a dupla de protagonistas de A Queda (Fall) e demais descompensados.

O filme é um teste para cardíaco e experiência certamente letal para quem tem vertigem de altura. Não tenho nenhum dos dois, mas desde o longa do Zemeckis não rio tanto de nervoso e aflição — até mais, pois lá a parte da altura só pega mesmo no terço final e aqui é praticamente o filme inteiro...

Direto ao ponto: a relutante Becky (Grace Caroline Currey, a Mary Marvel, de Shazam!) e a destemida Hunter (Virginia Gardner, a babá do Halloween 2018) são amigas que decidem escalar uma torre de TV de 600 metros no meio do deserto porque sim. Chegando lá, é visível o estado precário da estrutura, que está prestes a ser demolida, mas nem isso as faz mudar de ideia. Lógico que a coisa dá muito ruim lá em cima e elas têm que se virar para sobreviver e retornar ao chão de alguma maneira que não seja a 300 km/h.

A premissa é basicamente essa, embora também haja espaço para dramas pessoais e uma tensão entre as aventureiras. A eterna promessa Jeffrey Dean Morgan comparece, brevemente, no papel do pai de Becky.

O diretor britânico Scott Mann, que coescreve o roteiro com Jonathan Frank, abraça a causa survival horror, mas é atento ao sincronizar as diferentes motivações das personagens. Nem tudo são flores: uma delas está de molho deste esporte há cerca de um ano e nem sequer faz um alongamento antes da empreitada. Felizmente, as boas sacadas são bem desenvolvidas e até mesmo as "inspirações" em outras produções. E são várias delas.

De cara, a montagem tensa com closes da escadinha tremendo, de degraus enferrujados, de parafusos folgados e da edificação inteira rangendo remete às dicas gritantes da Morte na série Premonição. Em seguida, os mais escolados vão identificar catadas na caruda de outros thrillers de sobrevivência. Especificamente, e na ordem, dos filmes Pânico na Neve (Frozen, 2010), Águas Rasas (The Shallows, 2016) e Medo Profundo (47 Meters Down, 2017) — todos eles ótimas pedidas para qualquer dia normal precisando de uma traumatizada.

A narrativa é conduzida com precisão psicopática. Para sobreviver, as meninas precisam enfrentar uma sequência infernal de perrengues, cada um pior que o outro, num roteiro que parece ter saído da cabeça de um sádico (dois, na verdade). O que não funcionaria plenamente se não fossem as ótimas performances e química das atrizes. Com naturalidade, Currey e Gardner lidam com diferentes camadas orgânicas de uma amizade da vida real, fazendo com que o espectador de fato se importe com o destino delas.

Isso, com a vida por um fio a mais de meio quilômetro de altura, é o grande trunfo de A Queda.

O pôster, inclusive, já dá uma boa prévia.


Não assisti no cinema. Provavelmente, foi melhor assim. Teria saído de lá com tanto gatilho que não subiria nem num meio-fio.

7 comentários:

Greg Reis disse...

Se não assistiu no cinema, assistiu onde? Fiquei muito curioso

doggma disse...

Tem uns Webrip facinhos por aí.

Grimm disse...

Lembrando que filmaram mesmo em uma torre de altura considerável, tipo uns trinta e poucos metros em um penhasco de uns quase seiscentos metros de altura, usando cabos de segurança (claro) e a tela verde para aumentar a altura final da torre.
Vi uma pequena entrevista das gurias que elas fazer parecer um ida ao shopping. E a "plataforminha" é daquele tamanho mesmo e elas falaram que tinha muito vento. Sem dublês.

Marcelo Andrade disse...

Valeu pela dica...baixando aqui....

doggma disse...

Grimm, também li a respeito enquanto pegava os dados sobre o filme. Acredito que isso fez toda a diferença. Há um "punch físico" ali que não se replica num plano fechado com fundo verde. Vento, luminosidade, dinâmica e marcações das atrizes - a plataforminha nunca soa maior do que realmente é e a possibilidade delas darem um passo em falso e despencarem para a morte é real e incomoda o tempo todo. Fora o visual embasbacante nos planos abertos.

🗼 🗼 🗼 🗼 🗼

Pode ir sem medo, Marcelo. Ou melhor... rs

Marcelo Andrade disse...

Gostei bastante do filme...as informações me fizeram entender o macete ja que tela verde soaria absurdamente falso; destravaram uma nova fobia vendo o filme comigo..... Como adoro lugares altos adorei a perspectiva colocada pelas cameras posicionadas dando um clima bem tenso, mas admito que n subiria naqla coisa enferrujada pois a imprudencia marcou o filme do começo ao fim. Abraço e o obrigado pela dica.

doggma disse...

Fala, Marcelo!

Imprudência total, especialmente da Hunter. E pareceria bastante inverossímil, se não fossem os milhares de YouTubers fazendo o mesmo (muitas vezes filmando a própria morte!).

E, realmente, o trabalho de câmeras é bem sagaz. Plongée e contra-plongée, para cinéfilos tarados. Imagina assistindo num IMAX.

Abraços!