segunda-feira, 31 de março de 2008

MELHORES DE 2007

Troféu Zombie de Ouro


Se rascunhassem um esboço do que foi 2007 na música pop, seria algo no mínimo rebuscado. Nenhuma tendência particularmente marcante e muita reciclagem de estilos e personas já exauridas - mas embalados e revendidos como novinhos em folha. Daqui deste canto, deu pra testemunhar como observador à distância: show reservadíssimo de um Led Zep quase original (o máximo que a genética pôde permitir), Van Halen na estrada com David Lee Roth, Anthrax fazendo feio demais, Tihuana ganhando na mega-sena, Revista Bizz de volta à zona fantasma, Iggor, Cansei de Ser Sexy, Rihanna, Pitty, jabá emo monopolizando TV e rádios, e por aí vai. Certas coisas nunca mudam, mas também houve espaço para bons lançamentos e alguns poucos realmente dignos de nota.

Com um providencial atraso, resolvi mapear o que entendi como notável na trilha sonora do ano passado. Organizado por estilo - o que deu um trabalho do cacete - e com direito a um "G5" musical de 2007, lá no final.

É aquele negócio: não há nenhuma análise decente sequer aqui. Neste ponto, acabei ficando no meio termo entre os comentários sem firulas da lista de 2006 e bate-papo de botequim vagabundo - sempre os melhores, por sinal.

In cachaça veritas!


Alternativo a quê
Radio rock FM


Primeiro aos créditos: Instiga foi o único representante da América Latina a chegar na semi-final do The Next Big Thing, o concurso de bandas novas da BBC, e entrou na programação normal da rádio norte-americana Woxy, além de colecionar elogios do público underground e da crítica especializada. O maior mérito do quarteto de Campinas/SP é imprimir uma identidade própria em sua música num contexto lírico totalmente idiossincrático. Influências vêm e vão, mas sublimadas, como relances sonoros. No fim das contas, é puro Instiga - e isto é ouro para uma banda de rock.

Menino Canta Menina (titulozinho mais gaiato) é seu segundo disco e tem bases melódicas certamente inspiradas na psicodelia, com uso esperto de backings e um eficiente dueto de guitarras - que dão show em canções mais turbinadas, como "Ivan, O Terrível" e a excelente "Herói". No entanto, é nos temas mais harmoniosos e elaborados que o Instiga parece se sentir em casa, vide a faixa "Assoprando", com gostinho de Television.

O grupo sedimenta sua trajetória ascendente com muito carisma e bom humor. Neste sentido, já é o que se pode considerar uma experiência bem-sucedida, tendo em vista o quão raros e incompreendidos são estes momentos únicos que a música nos proporciona vez ou outra.

"The next big thing" não... THE big thing.



Existe banda mais injustiçada do que o New Model Army? Provavelmente não. E este outsiderismo acaba sendo um elemento importante no charme obscuro do grupo britânico, ainda não decodificado pelo mainstream. 2007 foi o ano em que os laços do Brasil com o NMA ficaram mais estreitos, com shows marcantes e o excelente e-book do Gastão Moreira esmiuçando o antológico The Ghost Of Cain, de 1986. Além disso, 2007 foi ano de disco novo, ano de High.

O álbum segue a linha mais suave e contida do anterior, Carnival, com canções de texturas acústicas (mas não "desplugadas"), bases percussivas e letras exorcizando os anos de trincheira durante o reinado da dama de ferro. Justin Sullivan & Cia garantem mais uma boa trilha de revolução populista.




Sempre achei intrigante aquele Deep Purple dos dois primeiros discos (Shades Of Deep Purple e The Book Of Taliesyn, 1968), ainda com Rod Evans nos vocais. Psicodélico, mas sem o relaxo dos ripongas; rocker, mas longe da posse barulhenta de um MC5; virtuoso, mas com um Ritchie Blackmore recém-saído das categorias de base. Naquela época pré-Gillan, pré-Sabbath, pré-Zeppelin, pré-tudo, o DP lisérgico viajou e se diluiu por ali mesmo. E se deixou algum órfão no caminho, os ingleses do Kula Shaker trataram de adotar. O DP-LSD é uma referência constante na discografia do grupo desde sua estréia, com o ótimo K, de 1996.

Após um recesso de oito anos, em Strangefolk eles retomam sua psicodelia indie com empréstimos world/médio-orientais e arranjos bem-azeitados. O diferencial está nas harmonias pop nada ocasionais: na produção, constam nomes de ferinhas hitmakers e colecionadoras de Grammy's, como Sam Williams (Supergrass), Tchad Blake (Peter Gabriel, Crowded House) e Chris Sheldon (Pixies, Foo Fighters).

Não que seja contra as regras do "movimento hippie". Pelo contrário, é o que faz esta alquimia druida vanguardista funcionar como se fosse a coisa mais natural. Ou brilhante.



"To Die For", faixa de abertura do álbum homônimo do Hell Is For Heroes, impressiona. Muito. Com uma longa escalada melódica, a canção deságua em uma torrente de guitarras que explodem em catarse até o final. De arrepiar.

Sem dúvida, o grupo se embriagou na fonte do post-hardcore não afetadinho dos anos noventa. Mas sem radicalismos: as demais faixas ficam na retranca e seguem um padrão de fácil acessibilidade, à despeito do tranco noise das guitarras.

Quase arrasador.

Ps.: Hell Is For Heroes ("O Inferno é para os Heróis") também é o nome de um senhor filme de guerra com Steve McQueen.




Em meio a tantas informações, o que mais me surpreendeu em Make This Your Own é a facilidade do The Cooper Temple Clause em trafegar pelo pós-punk, brit pop, eletrônico, shoegazer e progressivo. Com personalidade e despreocupada fluidez, o grupo parece não se render ao passado de experimentalismos noise - e menos ainda aos seguidores xiitas daquela fase.

O álbum é puro exercício artístico, o extremo oposto da repetição estilística. A faixa "All I See Is You" é a musicalização desta idéia: o início ambient arremete para um fraseado progressista (ecos de Roger Waters), interrompido subitamente por riffs inexoráveis e uma ascensão melódica dramática. Momento único, assim como cada faixa aqui presente.

Infelizmente, O TCTC encerrou as atividades em abril de 2007. Make This Your Own se mostra à altura do papel que ganhou.



Pouco mais de 34 minutos que parecem muito menos. Em Make Another World, os escoceses do Idlewild cometem seu melhor disco desde o excepcional 100 Broken Windows, de 2000. Aqui, o grupo exercita seu talento natural para traçar linhas melódicas de primeira sem abrir mão do punch rock'n'roll.

As guitarras lascivas de Rod Jones e Allan Stewart constituem a força da banda, em que pese também os competentes vocais de Roddy Woomble. Canções tão interligadas e ao mesmo tempo tão opostas em estado de espírito, como "If It Takes You Home" (guitarras em chamas no topo das Marshalls) e "Future Works" (calmaria zen agraciada com um cálido trompete), deixam a paisagem ainda mais instigante.

Sem dúvida, o Idlewild aprendeu a compor com R.E.M. e The Smiths, mas foi com o Fugazi que o grupo soube da importância do stage-diving na formação de um ser humano.




A coisa estava feia pro lado do figura Billy Corgan. Com o Zwan e sua carreira solo na lona, o jeito foi reformar o Smashing Pumpkins. E preferiu uma linha reta pra chegar logo ao outro ponto - Corgan cantou, tocou guitarra, baixo, teclados, co-produziu, mixou e até fotografou. A batera ficou a cargo do simpático Jimmy Chamberlin, que parece imune à corganite.

O resultado é (c)orgânico, direto e pesado como no primeiro álbum, com composições que dão seu recado sem baixar a guarda em climas mais introspectivos. O Corgan-vocalista continua o sumo da androginia, mas o Corgan-guitarrista - que formava uma dobradinha infernal com o renegado James Iha - se desdobra aqui numa atuação visceral. Particularmente na música "United States", um descarrilhamento de quase dez minutos sem tirar de dentro.

Por hora, Corgan faz por merecer novos 15 minutos.




O The National até que merece o hype. Em Boxer predomina um perfeito pop rock semi-acústico com volumes mixados lá embaixo e leve tensão instrumental. As composições são emocionais, porém sóbrias, auxiliadas por belos arranjos de piano e cordas. "Mistaken For Strangers", o 1º single, lembra o sumido The The e os dias menos nublados do Joy Division.

Mas a melhor descrição do que é o álbum é a sua capa, que mostra a banda tocando no casamento do produtor Peter Katis. Esse é o clima.





O Satellite Party é Perry Farrell experimentando o sabor doce - porém pasteurizado - do mainstream. Sua patroa, Etty Lau Farrell (backings), e Carl Restivo (baixo) respondem pelos dois terços restantes. Restivo é ex-Extreme e da banda hard o Satellite também arrendou o guitarrista luso Nuno Bettencourt, mas só pra co-produzir. Ultra Payloaded é recheado de convidados, de Flea e Fergie a Peter Hook e Jack Irons - até Jim Morrison foi ressuscitado para a faixa "Woman In The Window". Toda badalação é pouca para um cara que ditou as regras da indústria ao melhor estilo riponga-itinerante.

O disco mostra Farrell o mais à vontade possível. Nem no Porno For Pyros ele esteve tão despachado. Talvez seja esta mesma sua verdadeira face musical. É pop deslavado, dançante e ensolarado. Parece Bee Gees dividindo uma temporada com o ABBA na Broadway. Tem orquestra de 30 integrantes em quatro das faixas e fica parecendo que a qualquer momento o próprio Tony Manero vai entrar deslizando no recinto.

Mas é simplesmente... contagiante. E aproveitando este meu momento Mary Poppins, resumo o álbum com o refrão repetido à exaustão na faixa "Awesome" - awesome!



É fácil admirar o White Stripes, tão reverentes que são a tudo que o rock tem feito de atemporal nestes últimos 40 anos. É o Delta 72 que deu certo. Icky Thump tem essa coisa que Jack & Meg White's fazem envolvendo guitarra, bateria e gritaria, com produção calculadamente tosca e uma bem-vinda incompostura comercial.

Realmente não há nada como eles nos charts, mesmo que na prática seja a reedição de velhos e clássicos acordes. Por tudo isso e pela freqüência nas capas da Rolling Stone, NME e outras, que se nota a eficiência de um bom management - afinal, um grupo que põe Michel Gondry pra dirigir seus clipes é tudo, menos besta.

Os discos dos Stripes sempre foram ótimas intros para este lado mais mitológico do rock'n'roll e Icky Thump não é diferente. Mas não perca muito tempo. Vá logo às fontes. Harvest, Quadrophenia, Led Zeppelin III, Ziggy Stardust, All The Young Dudes e Funhouse estão aí pra isso mesmo. Mudar o mundo.




O Beastie Boys já tinha dado a nota. The Mix-Up é praticamente a continuação de The In Sound From Way Out!, bacanuda compilação de instrumentais lançada em 96. Quando os Boys resolvem brincar com a grooverama 60/70's é que eles ficam Beasties mesmo, com o perdão da infâmia. Mike D afirmou que o disco era de pós-punk instrumental. Qual nada. A equação é jazz + Sly + Parliament/Funkadelic + The Meters + Augustus Pablo x Psicodelia².

Mario Caldato, o Beastie honorário, não assina a produção desta vez, mas a missão foi bem-sucedida. Quarenta minutos de pura indução alucinógena.




Herdeiro direto de Marvin Gaye? Quase. Em Lifeline, Ben Harper abraça apaixonadamente o legado do mestre em belas e intimistas canções. É de colocar o coração de qualquer um em liberdade condicional.

Meu álbum preferido continua sendo o Fight For Your Mind (1995), mas este aqui é bem mais efetivo em momentos a dois.

Perfeito sexual healing.




Na estrada desde 1980, o Meat Puppets já ganhou status cult, foi redescoberto e pendurou as chuteiras um par vezes. Lembro de quando Kurt Cobain, então no topo do mundo, fez uso ostentivo do sistema para apresentar os Meatboys a uma nova geração - e foi ali que conheci o grupo. Rise To Your Knees é o primeiro álbum em 7 anos, após mais uma ressurreição dos irmãos Curt e Cris Kirkwood. Sejam bem vindos de novo.

O som dos Puppets é uma fábrica de melodias perfeitas. Canções forjadas em harmonias country e folk rock à Neil Young, com uma indisfarçável atitude punk na essência. Cobain estava certíssimo. Um retorno soberbo.



Mais um em busca da canção pop perfeita. O Kaiser Chiefs segue no mesmo clima de sua boa estréia (Employment, 2005) - melhor ainda, parece recém-saído daquelas gravações. Yours Truly, Angry Mob é melodic power pop, com vocais e backings de puro fervor harmônico, guitarras new wave ganchudas e até um tecladinho "cassio" super-bonder. É uma jukebox de pop songs curtinhas, fáceis e bem-resolvidas.

Ouve-se numa tacada só, fácil. Se os Chiefs tivessem surgido nos anos 60, seriam para os Monkees o que os Beach Boys foram para os Beatles.




A capa captura perfeitamente o que é a essência deste dinossauro preguiçoso que acaba de acordar de uma soneca de dez anos. Beyond é o 1º disco do Dinosaur Jr. com a formação original desde Bug (1988). Desta forma, o clima não podia ser outro - total college rock, com o grupo se mostrando "além" dos modismos e do processo de fossilização que extingüiu tantas guitar-bands (lembra deste termo?) legais do fim dos anos 80.

O peso segue chutado e rasgado, agora sem o fator "metal para não-metaleiros" (que o Dino fez tão bem nos anos 90), em contraponto às doces harmonias talhadas pela guitarra-mestra de J. Mascis - que manda bem pra cacete debaixo daquele paredão de decibéis insanos.

Um ótimo retorno das profundezas, direto para um lugar bem alto na cadeia alimentar.



O fantasma dos natais oitentistas está de volta. O Interpol carregou na atmosfera no wave em Our Love To Admire, um álbum soturno de composições mais técnicas e menos espontâneas que os trabalhos anteriores. É complicado, principalmente no caso do Interpol, rebuscar certas sonoridades sem passar a impressão de que os espólios do Ian Curtis estão prestes a serem saqueados.

Mas a banda brilha quando sai pro ataque: "The Heinrich Maneuver", "Mammoth" e "Who Do You Think" resistiriam firmes até a década de 2080. Menções honrosas para "Rest My Chemistry", com levada à Pixies e letra cocainômana, e "All Fire Up", estilhaço do New Order de Power, Corruption & Lies, incluindo um baixão climático à Peter Hook.

E o álbum só melhorou de lá pra cá. Já não é a mesma coisa que da primeira vez. Bom sinal...




Os três discos anteriores de PJ Harvey, Is This Desire? (1998), Stories From The City, Histories From The Sea (2000) e Uh Huh Her (2004) são primorosos. A imagem daquela mulher num palco sob luz negra, empunhando uma guitarra e sussurrando tormentos blues-punk ficou gravada na minha memória, talvez pra sempre. A guitarra, antes utilizada com sagacidade e ressentimento, descansa em White Chalk. Em seu lugar, notas cinzentas de piano, em temas tão sombrios quanto pessoais.

Confessamente limitada no trato com o caudaloso instrumento, ela cunhou o seu registro mais difícil e também o mais revelador. Se uma balada da PJ é uma rua estranha a se visitar, White Chalk é uma cidade inteira.




Um novo da Tori Amos é sempre material para análises comportamentais/psicológicas que atravessam madrugada e parágrafos à fio. Prefiro me ater ao barulho de American Doll Posse, começando pela 4ª faixa, "Teenage Hustling". A menos que aquelas guitarras massivas sejam obra de alguma remanescente riot grrrl, nunca ouvi dela um discurso de auto-afirmação feminina tão rockeiramente masculino. O lado mais impetuoso das seis cordas comparece também na bluesy "You Can Bring Your Dog" (au-au!) e no boogie sujão de "Body And Soul", se sobrepondo ao, tão dela, piano. Gosto de pensar que Tori fez troca-troca (de instrumentos!) com a PJ Harvey em seus respectivos últimos discos.

Musicalmente, seus álbuns nunca respeitaram fronteiras - pra quem já levou Slayer no piano, até demorou pra que o rock, no que há de mais distorcido, fosse incorporado de vez. Porém, num registro particularmente extenso (23 sulcos de vinil), tais arrasos anti-eruditos são pequenas rebeliões num plano maior que é o senso musical da bela.

Canções de sonoridades tão díspares como "Big Wheel", "Digital Ghost", "Father's Son", "Programmable Soda" e "Velvet Revolution" convivem com jóias pop rock em "Secret Spell", "Code Red" e especialmente "Bouncing Off Clouds", o hit perfeito de um mundo menos ordinário.



A impressão que dá é que gastaram toda a energia que tinham na faixa de abertura. "Brianstorm" é de rachar o assoalho. Depois o ritmo frenético cai dramaticamente, mas ainda mantém algum nível de hiperatividade.

Perto do 1º álbum, Favourite Worst Nightmare soa hipoglicêmico, mesmo assim o Arctic Monkeys mantém a relevância.

Beware, caras...




Echoes, Silence, Patience & Grace lavou a égua no último Grammy, faturando o Best Rock Album e o Best Hard Rock Performance, com a canção "The Pretender". Esta parece mesmo a sina adquirida por Dave Grohl nestes anos de Foo Fighters: aliar qualidade comercial com autenticidade rocker. Nas raras ocasiões em que a balança pende pro lado errado (como no açucarado There Is Nothing Left To Lose, de 1999), Grohl é o primeiro a admitir e fazer algo a respeito (o kick-ass corretivo que foi One By One, de 2002).

Neste álbum de título bem descritivo, Grohl se mostra em harmonia consigo mesmo, lutando incansavelmente para atingir seu próprio nirvana - e se depender de discaços como esse, não tardará. Seja em rocks viscerais ou em baladas agridoces, sua essência musical cheira a espírito juvenil.



Cada década tem a "Children" que merece. "Atlantis To Interzone" é versão 2.0 do mesmo plug-in de batidas dançantes, guitarras e sirenes, agora relançado em várias extensões (nu-rave, rave rock, indie rave). Trocando um pouco em miúdos, é a síntese do que o Klaxons é e não nega: um liquidificador-mp3 player da dita cultura alternativa, mixando os mais novos acordes do Big Day Out com as últimas tendências das raves londrinas. E, sobretudo, projetado pra isso.

Porque uma banda sacramentada pela crítica como a maior revelação do ano antes mesmo de ter lançado um álbum é indício de armação pra - aqui invocando o apoio geriátrico dos meus contemporâneos - Malcolm McLaren nenhum botar defeito. Do visual in às entrevistas, o Klaxons é o orgulho dos publicitários de gravadoras, a marketing-band do século 21 para o século 21.

Exorcizadas as nóias mercadológicas, Myths Of The Near Future, mesmo atirando em alvos demais, tem seus momentos ("Two Receivers", "Golden Skans", "Forgotten Works") e momentos. Na minha época, hype assim era desarrumado, desengonçado e vinha de Manchester.




Guitarras altas, riffs memoráveis e vocais entregues. Essa é uma maneira analítica de encarar Send Away The Tigers, do Manic Street Preachers. A maneira mais justa seria: que puta discaço de rock do caralho! Nunca fui especialista nos Preachers, mas este álbum aqui deve ter deixado os caras extremamente satisfeitos.

Tanto nos momentos mais suaves quanto nos mais pesados, percebe-se que eles realmente acreditam no que estão tocando e cantando. Basicamente, é a única coisa que exijo de uma banda/artista - seja qual for o estilo - e é a maior característica deste álbum. Espetacular.

Ps.: maravilha a participação da mulher-maravilha Nina Persson (The Cardigans) em "Your Love Alone Is Not Enough" e a faixa escondida no final: uma "Working Class Hero" (Lennon) eletrificada e encharcada de guitarras, que só não ganha da versão do Screaming Trees. Afinal, era o Mark Lanegan lá...



Nem tanto ao céu. Neon Bible, do Arcade Fire, é de fato um ótimo disco de rock sombrio e autoral (um tanto tradicionalesco à sua maneira), mas sem que isto os projete ao festejado status de genialidade de última hora. Ok, o órgãozão barroco de catedral romana em "Intervention" assombra geral e a banda parece esconder mais o jogo que White Stripes, Muse e o Radiohead juntos - uma aura de mistério elevada à condição de arte sempre foi uma das maiores sacadas do rock'n'roll.

Tenho certeza que já ouvi algo parecido num disco qualquer do Chris Isaak, mas se estes são os novos messias do rock, so be it. O público comprou. Com Neon Bible, eles chegaram ao 2º posto das paradas norte-americanas, só esbarrando numa coletânea (mais uma) do finado Notorious B.I.G. Mas aí é até compreensível... já viu o tamanho do negão?




É sempre bom quando aparece um grupo cujo som não dá a mínima para as tendências estabelecidas. O The Snake The Cross The Crown vai mais além. É a antítese do velocismo nonsense do mainstream, das âncoras espirituais travestidas de tecnologia de ponta, da urgência-para-lugar-nenhum quase desesperada do universo urbanóide.

Cotton Teeth é um afago na alma. Música orgânica de absoluta espiritualidade e melodias graciosas. Uma espécie de country rock alternativo rural com uma aura de cumplicidade caseira, familiar. Insolentemente musical para os dias atuais.

Para sonhar flutuando num mar de tranqüilidade... ou melhor, de algodão...




Gente fina, elegante e sincera
R&b, chill out, trip hop, lounge, neo-jazz


Quem assistiu ao filme Lua de Fel sabe do poder que Bryan Ferry exerce sobre mentes e corpos desavisados. Rezo a Afrodite para que ele e Sade nunca façam um dueto, temendo pelas explosões demográficas que arrasariam o planeta.

Em Dylanesque, este Serge Gainsbourg pós-moderno pega leve no furor sugestivo por uma causa nobre. Fã de carteirinha do velho bardo, ele resgata um pouco da vibe smooth do recém-reformado Roxy Music em versões rock low profile. Em alguns momentos totalmente rearranjado ("Positively 4th Street") e botando pra quebrar nos standards ("Knocking On Heaven's Door", "All Along The Watchtower").

Um bom tributo? More than this...



Jurava que eles eram nova-iorquinos. Pra minha surpresa, o Room Eleven vem daquele quebra-cabeça territorial chamado Países Baixos (faltei essa aula). Mas este primeiro álbum deles, Six White Russians & A Pink Pussycat, respira Nova York.

Retirado do próprio site oficial: "é um coquetel apimentado de bossa nova, folk, blues e pop, executado por uma sessão rítmica jazzy, guitarras funky, trompetes adoráveis e a carismática voz de Jane Schra" - I rest my case.

O som é irresistível. E a Jane também (já ensaiando pra ser a nova garota Sukita).




Até então, tudo o que eu enxergava em Amy Winehouse era mais uma versão rediviva da velha história contada em O Ocaso de uma Estrela (produção de 1972, sobre a vida atribulada da cantora Billie Holiday). O que eu não esperava mesmo era a existência de um talento (sobre)natural, infinitamente acima de tudo o que ouve hoje como "música popular", o que torna a coisa ainda mais trágica - porque Winehouse está lá, com seu lugarzinho garantido na constelação. Back To Black é Motown, é Stax, é Blue Note. É talento que, imagino eu, talvez nem ela mesma se dê conta.

O álbum foi lançado em 2006 na Europa, mas só ano passado atravessou o Atlântico. Ironicamente, o mesmo ano em que o hype do disco cedeu lugar ao hype em torno dos excessos da cantora, que parecia decidida a seguir prematuramente o destino de Holiday.



A inglesinha Candie Payne foi uma das sensações do Reino Unido em 2007. Merecido. I Wish I Could Have Loved You More traz uma proposta deveras interessante, bem na pegada 60's/noir/mod... Portishead é a referência mais próxima.

Programações sofisticadas e ganchudas, e vocais doces e suaves que, se não são lá uma Betty Gibbons, são quase um cafuné sonoro. Fora que a mulé é de uma elegância 'bsurda.

A faixa-título, como diria Athayde Patreze, é simplesmente um luxo.



Em The President Of The LSD Golf Club, o belga Hooverphonic amaciou a carga trip-hop que marcou sua primeira fase. Bem mais light que down, a sonoridade flui entre ambient, dream pop à Mazzy Star/Cocteau Twins, electro psicodélico e um pop rock com guitarras até saidinhas em se tratando da banda.

Particularmente, ainda acho a antiga cantora Liesje Sadonius mais intrigante/instigante, mas é impossível não se render à sutileza cativante de Geike Arnaert - uma verdadeira MILF vocal e eu nem sei se ela tem filhos.




Vivendo e ouvindo. O britânico The Heavy é uma verdadeira máquina de processamento retrô. Sem exceção, tudo em Great Vengeance And Furious Fire já foi ouvido antes, mas não deste jeito. Trata-se de um mix insólito e irresponsavelmente ousado dos principais momentos da pop music circa 60's/70's. Soul, funk e rhythm'n'blues sendo destilados na acidez do southern, do swamp e do rock'n'roll - tudo isto sendo possível por meio de um tratamento eletrônico sutil e bem-tramado, com beats sujões e samplers em todo seu esplendor lo fi.

Revisionista e cool de um modo que nem Lenny Kravitz sonharia ser possível. É Tom Waits, Marvin Gaye, Curtis Mayfield, Parliament, Jimi Hendrix e The Stooges convivendo em uníssono. Com tais referências, não é à toa que o nome do grupo é The Heavy.

Um dos grandes álbuns de 2007, sem dúvida. E o que é melhor... "ninguém" conhece.

Ps.: confira o clipe hilário de "Colleen". Tem um "zombie" lá! :-)



It's Not How Far You Fall, It's The Way You Land é o segundo disco do duo britânico Soulsavers. A capa e o sábio título do álbum sugerem mesmo que há um espírito solitário, calejado e andarilho nas imediações. Mark Lanegan, com seu vozeirão de quem nasceu há dez mil anos atrás, participa de oito das dez canções e confere a tão difícil tridimensionalidade espiritual ao trip hop do grupo. Country, soul e gospel emoldurados em arranjos eletrônicos tênues, empoeirados, resultando num som impregnado daquela redenção que só se encontra no fundo de uma garrafa de vodka.

Pra completar a covardia, o disco traz duas covers matadoras - "No Expectations", dos Stones (álbum Beggars Banquet) e "Through My Sails", de Neil Young (álbum Zuma) - mais a releitura de "Kingdoms Of Rain", extraída do 2º álbum solo de Lanegan, Whiskey For The Holy Ghost.

Arrebatamento garantido.



Sempre achei Vanessa da Mata uma delícia. Não tanto o som, ela mesmo. Uma coisinha assim, graciosamente miscigenada, diferente, free spirit. E ao mesmo tempo com a postura e exuberância de uma modelo da Victoria's Secret. Que bonequinha! Ah, mas o som era mais uma daquelas tentativas mainstream da nova MPB, sem tanta credibilidade artística no que dependesse de hits como a lacônica "Ai, Ai, Ai".

Faltou nos discos anteriores o que começa a ser (bem) ajambrado neste bom Sim - sim ao fim da correção criativa pós-tropicalista e sim para composições mais antenadas com o mundo lá fora, desta forma valorizando o mundo aqui dentro. A produção sagaz de Alexandre Kassin (Caê, Mautner) e Mario Caldato (Jack Jonhson, Beastie Boys), a cozinha abençoada da dupla Sly & Robbie e o dueto bacana com Ben Harper fazem de Sim o álbum que Vanessa merecia há tempos.

E ouvi-la cantando docemente "Amado" não tem preço. Vanessa: "Tu és divina e graciosa, estátua majestosa do amor, por Deus esculturada..."




Bom, Delicate Sound, do francês 9th Cloud, é aquele negócio. O fundo ideal pra fazer alguma coisa boa pra você, no sentido mais narciso da expressão. E se o processo envolver um belo rabo de saia, melhor ainda. Christian Troy não desperdiçaria a chance.

Faixas instrumentais sintetizando trip hop, acid jazz, dub, lounge, downtempo... é por aí. Se não tiver pinot noir, pode ir de merlot mesmo. Claro, vai depender da companhia...




Eletrodomésticos
Beats, bits, bips



O LCD Soundsystem foi a one-man-band de 2007. O one-guy em questão é James Murphy, o Peter Murphy do mundo bizarro. Em Sound Of Silver ele conferiu um maior viço instrumental às canções, extravasando e muito o escopo IDM/electroclash do (ótimo) álbum anterior. E de uma maneira bem mais natural do que, por exemplo, Moby. Como se o LCD estivesse agora mais próximo de sua real vocação.

Não é o tal dance punk alardeado por aí (seria injusto com o You Say Party! We Say Die!) - muito embora "North American Scum" seja a própria vertente em beats & gritos de ordem - mas é bem mais divertido assim, à meio passo de várias possibilidades. Sound system de craque.



Na transição do chill-out mezzo trip hop para um acid house popular/pra pular, tudo certo com o Groove Armada, ratazanas de estúdio que são.

O único defeito de Soundboy Rock é a urgente necessidade que acomete o ouvinte de estar numa dessas franquias do Paraíso, tipo Ibiza ou Mykonos, enchendo o bucho de cerveja e cercado por sósias de Vida Guerra, Carolina "Pampita" Ardohain, Jessica Cirio, Pamela David, Sabrina Rojas e Silvina Luna - ou as próprias, se os euros permitirem.

Admito... este álbum me deixa um porquinho mais chauvinista. Mas só um porquinho.



Attack Decay Sustain Release, do Simian Mobile Disco, é pancadão electrofunk calcado nos ritmistas da velha guarda oitentista. Ouvi aí ecos de Grandmaster Flash e Afrika Bambaataa até M|A|R|R|S e Bomb The Bass, mas o copy/paste foi feito com esmero nos BPMs.

É pegajoso e será o álbum que salvará aquela festinha americana que está naufragando mais rápido que o Titanic. "I Got This Down" reanima até zumbi baleado na cabeça. Além do mais, quem faz um clipe desse tem imediatamente toda a minha atenção.

New rave do caralho, como bem classificou o Ph.D. em beats, DJ Kalunga.




Lá se vão mais de dez anos desde a festa das anfetaminas de Trainspotting. Renton, Spud, Sickboy, Tommy e Begbie se entupindo de drogas ao som de "Born Slip .NUXX", do Underworld - então na crista do progressive trance. Em Oblivion With Bells eles não trazem nada tão massificante e imediato, preferindo explorar atmosferas, texturas e camadas. Na estrutura, incursões mais sincopadas num contexto bem progressivão. Há flertes com hip hop, minimalismo industrial, rock ("Boy, Boy, Boy", com Larry Mullen Jr., baterista do U2), música clássica e até harmonias semi-gregorianas em "Crocodile", sempre com discrição britânica.

E de influência mesmo, pode-se considerar aí alguns megabytes de Kraftwerk, no senso melódico quilométrico, e Brian Eno, nos momentos mais falados/poéticos/cabeções (inevitáveis, dada a benzetacil de neurônios injetada nas programações). E como certos hábitos são inevitáveis, a bombadona "Beautiful Burnout", com seus beats tribais, percussão eletrônica, vocoders e teclados rasantes, vinga os velhos tempos de submundo do Underworld.




Mundial de Desconstrutores
Post-rock, experimental, kraut, shoegazing



Ah, o Grayceon. Uma das melhores surpresas do ano passado. Em seu debut auto-intitulado, o grupo despacha uma session progressista digna dos lados B mais complexos dos anos 70 - embora sua sofisticação acabe revelando uma afinidade maior com o post-rock. O trio de San Francisco formado por Jackie Perez Gratz (cello e vocais), Max Doyle (guitarra e vocais) e Zack Farwell (bateria) é incrivelmente inventivo, de uma dinâmica e agressividade exuberantes.

Riffs doom fluem em simbiose com incursões jazzísticas e devaneios folk subvertem-se em pulsos thrash da forma mais orgânica possível. Adotando o cello como base, as imersões são de entrega absoluta. Das quatro faixas do álbum, só uma tem menos de quatro minutos - as demais são forjadas em 8 e 12 minutos, até o soberbo ato final, de 20.

Espécie híbrida de Tool e Godspeed You! Black Emperor, o Grayceon é ainda mais simples e indescritível que isto. A banda mais promissora que ouvi em 2007, com certeza.



Tomahawk é aquela machadinha feita por tribos indígenas norte-americanas. Tudo a ver com o Tomahawk de Mike Patton, Duane Denison (guitarra, ex-Jesus Lizard) e John Stainer (bateria, ex-Helmet, atual Battles - que quase entra aqui no listão). Anonymous é resultado de uma intensa pesquisa de Denison sobre ritmos ancestrais de nativos americanos. Não por acaso, as músicas têm títulos como "War Song", "Ghost Dance", "Red Fox" e "Song Of Victory".

É mais ou menos a versão pele-vermelha do que o Sepultura fez em Roots, mas com o Massive Attack no lugar do metal. Trip hop noise apache!



Fundado em 2000, pelo baterista/vocalista Paul Christensen e pelo guitarrista/vocalista Matt Cronk, o Qui tem o insano David Yow (ex-Jesus Lizard/Scratch Acid) nos vocais e pertence ao cast da Ipecac, de Mike Patton. Adicione aí uma envergadura pós-rock desconcertante, tresloucada e performática, uma cover do Pink Floyd ("Echoes") e outra do Frank Zappa ("Willie The Pimp").

O resultado é encorpado, bizarramente ganchudo e imprevisível. Love's Miracle é uma adorável desordem. Mas o fino disto aqui deve ser on stage.




Novo registro do Einstürzende Neubauten, o blitzkrieg insano que antecedeu esse caos todo. Alles Wieder Offen ("tudo aberto novamente") é um mar de tranqüilidade se comparado ao turbilhão psicótico dos velhos tempos, mas isto também é sua maior virtude. Os intrincados arranjos estão agora mais soft e os vocais de Blixa Bargeld substituíram aquela catarse emergencial por uma amarga sutileza.

O arraso percussivo/perversivo, à base de ferramentas de construção e quinquilharias impensáveis (tubos, correntes, navalhas rapadas em um espelho), agora é redirecionado para uma abordagem mais ambient - mas nem por isso menos tensa: a faixa "Unvollstaendigkeit" é pura agressão psicológica. No álbum inteiro nota-se a perfeita e diametral unidade do set, como se fosse uma única peça, dividida em seções interligadas.

Precursor do industrial e do minimalismo em vertentes atuais, o Einstürzende Neubauten sempre excedeu rotulagens. Alles Wieder Offen completa mais um ciclo, sempre evoluindo, em constante desconstrução.



Na minha geração, o Tangerine Dream é mais conhecido pelos inesquecíveis temas eletrônicos que compôs para filmes como Negócio Arriscado e A Lenda. Mas o buraco é (bem) mais embaixo.

O TD foi fundado em 1967 pelo músico Edgar Froese, após algumas colaborações com o mestre do surrealismo Salvador Dalí. Inicialmente havia um direcionamento krautrock/psicodélico, com forte influência do antigo Pink Floyd. Nos anos seguintes, o grupo desenvolveu laços estreitos com a nascente música eletrônica (na verdade, a virada se deu com o advento do famoso sintetizador Moog, sensação na época e que mudou o curso da música popular contemporânea, mas isto é outra história). Apesar de ser tão influente quanto o Kraftwerk (pergunte ao Depeche), a banda sempre foi considerada de vanguarda, não raro categorizada como new age ou art-rock.

Madcap's Flaming Duty é uma boa amostra do impacto que o Floyd lisérgico teve sobre Froese. Pra começar, é uma homenagem ao lunatic Syd Barrett (1946-2006) e seu cultuado álbum The Madcap Laughs, de 1970. E também é o registro comemorativo dos 40 anos do grupo. Talvez por isto, fomos presenteados desta vez com vocais (não é sempre que tem) e belas intervenções bluesy de guitarra, além de um envolvente naipe de cordas e piano.

Ainda assim, são os beats analógicos e os teclados etéreos - marca registrada do TD - que fazem o álbum dar conta da dupla responsabilidade que lhe serviu de inspiração. Memorável.



Steve Albini foi uma abelhinha bastante ocupada em 2007. Entre outras coisas, produziu três discaços (Stinking Lizaveta, Neurosis e o Stooges novo), sem contar o quarto álbum do Shellac, ou Shellac Of North America, que ele vocaliza e guitarriza. Não fosse a aura (ego/)excêntrica de Albini (um tipo de T.O.C. musical), Excellent Italian Greyhound poderia ser encarado como um típico petardo da Touch & Go - também o antigo lar de suas crias mais cultuadas (Big Black e Rapeman).

Pós-punk noise minimalista com estrutura e andamentos matreiros, dispersos e evolutivos. Em certos momentos lembra um Fugazi sem o arranque hardcore - excetuando as pauladas "Steady As She Goes" e "Spoke", que miram mais no queixo que no cérebro.

Os vocais albinianos estão mais "calmos" e menos obsessivos do que na época de pérolas como "Kerosene", do Big Black, mas ainda são o retrato do descontrole sociopático. Quase um chill out para psicopatas.




O perfil do Unsane pode ser traçado só de ver os selos pelos quais já trafegou - primeiro na Matador Records, depois na Amphetamine Reptile e agora na Ipecac. Baita fichinha casca-grossa. O trio nova-iorquino fez parte da nata post-hardcore que estremeceu os alicerces do underground no fim dos anos 80. Estiveram na boa companhia do Prong, Helmet, Tad, Cop Shoot Cop, Pussy Galore, Helios Creed e Jesus Lizard, moendo cordas de guitarra em diferentes tonalidades e igual precedência.

Visqueen é um solavanco noise com camadas de guitarras em erupção. Convenções rítmicas são distorcidas numa estrutura rudimentar, quase percussiva. Com alguma atenção, o "Código Unsane" pode ser decifrado logo em sua trinca inicial - "Against The Grain", "Last Man Standing" e "This Stops At The River" são momentos de ganchos mais podrões que se popularizam na década passada, mas que o grupo já executava muito antes. Em outros fronts, a banda revela um sangue-frio matemático ("No One", "Disdain") e altamente visual: "East Broadway", a instrumental que fecha o álbum, é uma aterradora trilha de filme de terror (dá até pra ouvir o barulho das serras "trabalhando").

Um belo e perturbador vislumbre do caos. Não menos que excelente.



Explosões de magma, fendas gigantescas rasgando o chão, gases corrosivos sendo expelidos das rochas, tempestades de chuva ácida e um clarão mais brilhante que o Sol se erguendo no horizonte. É o fim (ou o início) dos tempos, numa visão do inferno patrocinada por Geisterstadt, debut opressor do Omega Massif. O nome do quarteto alemão tem toda a razão de ser: não deveria mesmo haver uma civilização depois que o álbum termina.

Post-metal instrumental de densidade basáltica e parentesco doom em 2º grau. Uma força violenta da natureza.



Formação post-rock chapada de evoluções neo-progressivas, linhas melódicas dark/no wave, ritmos desacelerados e vocais angustiados. Essas são as bases adotadas pelo Junius neste poderoso full-lenght auto-intitulado. Mas o verdadeiro "arsenal pesado" do quarteto de Boston - um monumental cânion noise de guitarras empilhadas - é acionado quase sem aviso na 2ª faixa.

É mais ou menos como se o The Cure do Disintegration trombasse de frente com o Killing Joke do Democracy e o My Bloody Valentine do Loveless.

Uma odisséia sombria, apaixonada e ensurdecedora.




Jesu é um projeto recente de Justin Broadrick, ex-membro fundador do Napalm Death e lobo frontal do extinto Godflesh. Em acuidade e introspecção está anos-luz à frente de tudo que ele já compôs. O peso continua, wagneriano, mas tão redirecionado em nuances ambient que praticamente passa despercebido. Mal descrevendo, o Jesu é um monolito drone/doom pós-industrial psicodélico, com andamentos floydianos e um pesar melódico quase consternado.

O grupo ainda conta com o baixista Diarmuid Dalton e o super-batera Ted Parsons, que fez história no Prong. Ao longo de 2007, a banda produziu 2 EP's e 1 split 12", fora estes dois álbuns. Conqueror tem uma pegada mais espessa, mais "rock" - o quanto pode ser, é só um parâmetro - e Pale Sketches é mais climático e tecnológico, chegando a lembrar o Kraftwerk em algumas passagens.

Tour-de-force sofisticadíssimo.




Protejam seus tímpanos. Em Stealth (Ad Noiseam), o Scorn engrossa ainda mais sua muralha subsônica, despejando ondas tão graves que poderiam arriar as caixas de som dos mais desavisados. Vários níveis de baixa freqüência fluindo sinuosamente - grande parte inaudível nos subwoofers mais simples - guiados por uma batida ressequida e pesada. Dub industrial de estourar marcapasso e aparelho auditivo. Com certeza, é um teste de qualidade para aparelhagem de som automotivo muito mais confiável do que aqueles CDs promocionais de dance music. Mas aí também ia sair quebrando muita loja de acessórios por aí. A maioria com certeza não ia agüentar o regaço.

O Scorn é capitaneado por outro ex-Napalm Death, Mick Harris. Harris era um baterista fenomenal e conseguia a proeza de enfiar jazz no meio da quizumba grindcore. Interessante esta relação de extremos musicais dos ex-Napalms (Broadrick, Harris, Nic Bullen e Lee Dorrian, do Cathedral - todos agora lentos e com afinações calibradas no centro da Terra). Deve ser uma espécie de efeito colateral aos anos de exposição à velocidades frenéticas e agudos tonitruantes. Tipo o Gato A Jato depois de tomar um punhado de pílulas tranqüilizantes.




Keep On Rockin' In The Free World
Arena, rock 4 the masses, we will rock you



O Chefão voltou com tudo em 2007. Os efeitos do tempo parecem inexistir para Bruce Springsteen e a E Street Band. De cara, Magic traz uma das melhores faixas de abertura do ano passado. "Radio Nowhere" é um rockão simples e emocionante que expressa à perfeição o porque disso tudo - desde estas linhas que escrevo até milhares de pessoas se acotovelando num estádio pra ouvir música sendo executada ao vivo. Essa comoção que nos move e nos une por alguns breves momentos ou pelo resto da vida (muito curta, por sinal). O Chefão sabe disso e dá seu recado.

Magic é rock popular. Tradicional, cosmopolita, refrescante e verdadeiro. Humano, na mais pura acepção da palavra. Autenticidade é isto aqui.



Os quase vinte minutos da música "Ordinary People" expressam perfeitamente a comunhão populista pregada por Neil Young neste Chrome Dreams II - continuação de Chrome Dreams, álbum engavetado de 1977.

Distante dos protestos anti-bélicos de Living With War, mr. Ohio agora se volta para o cidadão comum. Ele ainda acredita. E o que é pior, nos faz acreditar também. Ao menos durante os 66 minutos de um autêntico e orgânico rock'n'roll.

O melhor álbum desde Mirror Ball?



Interessante a proposta deste Wild, Beautiful, Damned, estréia do Gypsy Pistoleros. As bases giram em torno do já conhecido hard/sleaze/glam/punk, mas com fartas doses de flamenco correndo nas veias. Lance bem Gypsy Kings mesmo - uma das influências listadas pelo grupo no press release, juntamente com os veteranos Los Lobos e os hards Hanoi Rocks, L.A. Guns e Motley Crüe.

As fontes conferem, talvez só faltando mencionar Carlos Santana - o brujo ancestral de todo e qualquer crossover de rock pesado com latinidad. Desde o chicano Nuclear Valdez não aparece um grupo de rock'n'roll tão devotado à misturança hispânica - e os Pistoleros a executam com muito mais punch.




The Hoochie Coochie Men é uma superbanda integrada pelo veterano baixista Bob Daisley (Rainbow, Ozzy, Gary Moore, Uriah e lá vai dino), pelo baterista Bob Grosser, pelo guitarrista/vocalista Tim Gaze e pelo mago supremo Jon Lord na tecladeira. Como o nome do grupo sugere, Danger: White Men Dancing é puro blues rock.

Desnecessário tentar verter em palavras o feeling e a classe do timaço aqui presente. Blues para puristas, para aficcionados pelo classic rock e para pessoas de bom gosto. Participações especialíssimas dos cantores Jimmy Barnes (na cover stoneana "Heart Of Stone" e no standard "Hoochie Coochie Man"), Jeff Duff (em "Twisted System" e "Bottle O'Wine") e de um Ian Gillan arrepiante, na balada "Over And Over" e no bluesão épico "If This Ain't The Blues".

"Bluuues, man..."



O australiano Rose Tattoo é o AC/DC que pegou a estrada mais longa e acidentada. A banda liderada pelo vocalista Angry Anderson é tão influente quanto a gangue de Angus Young, mas com um pentelhésimo daquele reconhecimento - exceção feita aos círculos internos de grupos de sucesso (GN'R, L.A. Guns, Nashville Pussy), que os promovem e os coverizam, reverentes. Após várias mudanças de formação e a morte de alguns membros fundadores, o RT segue em frente com este Blood Brothers.

É a reafirmação da profissão de fé dos caras: um hard caipira com climão blueseiro, boogieeiro, southerneiro e estradeiro. Só a faixa de abertura, "Black Eyed Bruiser" (cover de um hit velhusco do cantor Stevie Wright), já suscita três imagens subliminares: uma Harley, um barril de cerveja e uma loira peituda com um coraçãozinho tatuado na bunda chamada Mandy. Álbum 100% badass.



Fundado durante o boom hard oitentista, o Tesla sempre se diferenciou da multidão com um rockão sólido, repleto de referências altamente confiáveis (Free, UFO, Triumph). Talvez por isto não tenha feito um terço do sucesso dos grupos mais laqueados daquela safra. Melhor assim.

Real To Reel é o álbum de covers da banda e um tipo de catálogo daquelas referências. Comparecem vários clássicos da raça, como "Space Truckin'" (Purple), "Bad Reputation" (Thin Lizzy), "Thank You" (Led), "Rock Bottom" (UFO), "Stealin'" (Uriah) e "Honky Tonk Women" (Stones), além de petardos mais rebuscados, como "Hand Me Down World" (Guess Who) e "Dear Mr. Fantasy" (Traffic).

Só esta última já vale o disco, mas as demais são tão perfeitas que quase independem do talento alheio. Detalhe que sobra no Tesla.




Num ano em que o mais próximo possível de uma reunião do Led Zeppelin aconteceu, o Lez Zeppelin foi a trilha celeste de tal providência divina. Não me furto em afirmar que Steph Paynes (Jimmy Page's guitar), Helen Destroy (John Bonham's drums), Lisa Brigantino (John Paul Jones's bass guitar, mandolin & keyboards) e Sarah McLellan (Robert Plant's lead vocalist) formam a melhor banda-tributo ao Zep do mundo! É ouvir pra crer.

Ok, não precisavam tentar "Kashmir", mas por outro lado, elas não encostaram em "Stairway To Heaven". Boas meninas.



The Cult nunca foi de regular estilo. A fase inicial gótica, a antológica (e visionária) "The Witch", o revivalismo AC/DC-Stoneano e as novidades tecnológicas do álbum anterior desencanaram qualquer resquício de radicalismo. Além disso, musicalmente eles costumam se garantir. Então foi isso aí: Born Into This é um disco de rock flex que não abre mão dos zilhões de botõezinhos que tem lá no estúdio.

A cultuar: "I Assassin" (que tem um riff, ops, assassino), "Illuminated" (hard estradeiro para os órfãos) e "Savage" (proto-punk loud & clear). A nota insólita fica pro Ian Astbury incorporando The Pelvis na faixa "Holy Mountain". Os ossos do Coronel Parker devem ter rolado na tumba.




Revival é o novo capítulo na história do lendário/folclórico John Fogerty. O rock'n'roll de raízes pantaneiras encoberto por um feeling country & gospel continua intocado em sua simplicidade. Quando começa a rolar a primeira faixa, "Don't You Wish It Was True", com o velho iniciozinho em dois tempos e aquela voz, a viagem no tempo começa. Parece até que 1969 foi ontem - e por aí a gente mensura um pouco do quão atemporal é a música de Fogerty.

No rateio em torno do legado, os remanescentes do Creedence (Revisited) ficaram apenas com a carcaça. A alma e o coração seguem inseparáveis, lançando um disco melhor do que o outro.



Enquanto Axl continua torrando milhões na Democracia Chinesa, o Velvet Revolver segue disparando projéteis hard de primeira linha. Libertad é sensivelmente melhor que seu antecessor, Contraband (2004), que já era um baita disco. Sem grandes novidades, inclusive na melhoria de "Can't Get You Out Of My Head", do ELO.

Convenhamos, a trinca do Guns (Slash, McKagan, Sorum) é de alto nível, o guitarrista David Kushner é um ex-Infectious Grooves (o maior depósito de músicos substitutos talentosos do mundo) e o vocal do pilot Scott Weiland é daquele tipo que "toca tudo".

Além disso, o show dos caras deve ser muito louco. Não só pelas músicas de estúdio, mas também pelas covers!




Eu diria que Snakes & Arrows é a continuidade do sentimento musical que gerou as sessions acústicas do mega-estourado Rush In Rio e de Feedback, o EP de covers de 2004. Produção seca, com dinâmica instrumental cadenciada e uma certa fúria melodiosa conduzindo as faixas. Os arranjos ganharam um visível destaque, com bastante mandolim, mellotron, guitarra acústica e até bouzouki. Um álbum visando performances mais climáticas do que físicas - mesmo nas instrumentais "The Main Monkey Business", "Hope" e "Malignant Narcissism" - configurando uma sutil recalibrada em seu target criativo.

É o décimo oitavo álbum de estúdio do Rush e a impressão é de que a viagem só está começando...




Metal contra as nuvens
Heavy, power, prog



Sempre se apoiando em coverizações diversas (Metallica e Sepultura até Fenemê), por muito tempo o Apocalyptica esteve à margem de uma identidade própria, à despeito do inegável talento dos músicos. Mas de uns 2 ou 3 discos pra cá, o grupo vem lapidando um repertório autoral que chegou às raias da perfeição em Worlds Collide. O trio de violoncelistas (mais o batera) faz miséria aqui.

O disco conta com convidados ilustres, como Dave Lombardo, Till Lindemann (Rammstein) e Cristina Scabbia (Lacuna Coil), que pôs a boquinha de veludo na candidata a hit "SOS (Anything But Love)". Gente boníssima. A produção é excelente, os arranjos são afiadíssimos com influência clássica da boa (saca Paganini?), climão - duh - apocalíptico, peso trovejante e um insuspeito timing radiofônico.

Na verdade, o Apocalyptica 2008 passaria fácil como um rock moderno dos bons, mas como a seara do rock moderno anda muito bundona é melhor não misturá-los com a ralé e keep'em metal mesmo.



Nunca tinha ouvido falar dos suecos do Bloodbound. Fui ouvir às cegas este Book Of The Dead, naturalmente atraído pelo título e com 0% de expectativa. Pra minha grata surpresa, a banda faz uma bem-dosada mescla de Iron e Sabbath fase Seventh Star ("feat. Tony Iommi"), com resultado surpreendente e bem funcional.

O supertrunfo do grupo são os ótimos vocais de Michael Bormann, cujo timbre é próximo ao do Tom Englund, do Evergrey. Com certeza, uma grande revelação.



3 álbuns e 1 EP em três anos. O Astral Doors é o operário-padrão do heavy metal. Em New Revelation a sonzeira ainda é aquela apoteose olímpica calcada em Rainbow, Trapeze, Uriah e Dio, executada com precisão cirúrgica pelos súditos. Ouvindo este disco no volume 10, as caixas de som ficam estroboscópicas e soltam fumacinha de gelo seco. Celebração total.

Hard/heavy transbordando garra, feeling e atitude long live the loud, muito citada por aí mas pouco justificada. Realmente, não dá pra entender a existência do Manowar no mesmo planeta de uma banda dessas.




Em 2007 dois lançamentos da cena prog metal motivaram sangrentas batalhas em fóruns metálicos web afora. Um deles foi Scarsick, do Pain Of Salvation, sem dúvida o mais polêmico, e o outro foi este Systematic Chaos, do Dream Theater. Sem entrar nos méritos da discussão, nada tenho contra o álbum excetuando o fato de suceder um trabalho inquestionavelmente superior (Octavarium, de 2005). Mas até aí a questão é ambigüa, visto que se tratava de um autêntico masterpiece. Então, qual é a bronca?

O ineditismo de Systematic Chaos reside nas nuances mais dub e soturnas - na cola de Animals, do Pink Floyd - e em discursos mais politizados que o usual para a banda. Em determinadas passagens há uma forte influência do Metallica do And Justice For All em riffs, andamentos, backings e mesmo em algumas inflexões vocais de James LaBrie. A produção também foi muito criticada e o tecladista Jordan Rudess encabeça a lista negra dos fãs.

Tirando as duas últimas acusações - Kevin Moore realmente faz muita falta e a produção sempre foi um problema sério - o álbum mostra o Dream Theater num de seus momentos mais maduros enquanto compositores. Andamentos e linhas melódicas estão mais simples e efetivos, menos pirotécnicos, talvez inspirados por aqueles dinossauros que eles andaram tributando nos últimos anos.

Nada como a experiência. Já que nunca ouviremos nada como Images And Words novamente, então que venha a velhice, com estilo e sabedoria.




O Iron Savior continua prestando um serviço de utilidade pública ao power metal. Em Megatropolis, o grupo alia seu alcance técnico e senso melódico a uma pegada quase thrasheira, por vezes lembrando os bons barulhos de LA nos anos 80.

O álbum segue uma linha conceitual/futurista e é uma pancadaria só, sem pausa pra baladices. Air guitar garantido.





Em New Religion, o Primal Fear se reafirma como o melhor súdito do Judas Priest que se tem notícia. Para bom entendedor, isto configura um heavy de primeiríssima - ainda mais com uma line-up que conta com o veterano baixista/vocalista Matt Sinner e com a voz de Ralf Scheepers (reza a lenda - e a Rock Brigade - que ele formou a banda após perder o posto de frontman do Judas para "Ripper" Owens). Metalzão rapid fire de técnica impecável.

...e com direito à susto na 3ª faixa, "Everytime It Rains", que abre com arranjos orquestrais, quebradinha drum'n'bass (?!) e vocais femininos lírico-góticos. Mas o que parecer-se-ia um novo hit do Evanescence logo retorna ao bom e velho status metálico. Além do mais, quem canta nessa música é a menininha ruiva Simone Simons, do Epica. Esta aí tem all access em qualquer backstage...




Sempre tive uma tremenda má-vontade com o W.A.S.P. e seu alter-ego, a Bruxa Má do Oeste Blackie Lawless. Muita pretensão para um sujeito constantemente relacionado à Motley Crüe, Ratt e poserices quetais. Mas o som mesmo sempre se garantiu: heavy/hard fumegante, com guitarras de trincar o retrovisor, ideal pra ouvir na estrada. Assim é este Dominator, um álbum direto, bem-resolvido e com a disposição de um velho rebelde com décadas de experiência nas costas e muito menos reconhecimento do que merece. Em certos casos, isto conspira a favor e este disco é exatamente um deles.

Aliás... o álbum é conceitual e senta o malho nas políticas externa e de imigração dos EUA, assuntos cada dia mais espinhosos nestes tempos republicanos.



A faixa é "Rewind Time", que abre o disco Memories In Black, do sueco Hellfueled. Primeiro rola aquela admiração. Instrumental hard metálico raçudão, com ataque e profissionalismo. Aí entram os vocais e o sorrisinho cínico é inevitável. O cantor Andy Alkman continua um clone do Ozzy Osbourne. Não só no timbre, retirado diretamente de alguma célula-tronco goelal do Madman, mas também na impostação e estilo, cheio de uuuoouu's e yeeeeaaah's. Impressionante.

Mas pensando bem, isto é algo necessariamente ruim? Ã-ã. O som é uma tijolada por vezes mezzo southern metal mezzo stoner rock? Ã-rã. Então pronto. Não tire do volume 10.



Quando eu estava finalmente pegando o barato do Mercyful Fate, Sua Excelência King Diamond manda fechar as portas para se dedicar ao grupo que leva seu nome. Mas na prática isto acabou não fazendo tanta diferença, ainda mais no caso deste Give Me Your Soul... Please. É mais um álbum de metal operístico conceitual (logo me vem à cabeça o Meat Loaf fantasiado de Fera), recurso já exaurido desde os anos 80. Felizmente, o Rei Diamante tem as manhas. O disco conta a história de duas irmãs que foram brutalmente assassinadas por seu pai e relata os acontecimentos do ponto de vista delas, direto do aquém, do além, donde véve os môrto.

Álbum de rock-horror que nem antigamente, recheado de navalhadas heavy de respeito! Com certeza fez a alegria de Jay & Silent Bob. A faixa "Never Ending Hill" até chegou a ser indicada ao Grammy - não que isto signifique alguma coisa, mas ia ser engraçado o King subindo no palco e agradecendo o prêmio com corpsepaints blasfesmos...




Antigamente era só falar em Scorpions que eu já lembrava de shows hard rock em arenas lotadas, laquês, colantes, isqueirinhos em "I Still Loving You" e por aí vai. Em Humanity: Hour I, o grupo alemão assume aquela mesma musicalidade com orgulho, mas sem as afetações. Sua especialidade desde sempre - melodias tão grudentas quanto pixe no sol quente - é exercitada aqui sem a menor cerimônia e com toda a razão de ser. Porque é arte da mais refinada e não é pra qualquer um, vide a quantidade de tranqueiras sem talento que infestam o dial atualmente.

Turbinada com guitarristas de verdade e com pedigree - Rudolf, sobrenome Schenker, e Matthias Jabs, cara-pálida - as faixas soam tão pesadas quanto ganchudas. A participação de Billy Corgan em "The Cross" foi certeira, por mais esdrúxula que possa parecer a combinação dos dois. Escorpião veterano é outra coisa.

Ah, tem balada demais? Tem sim e no meu entender em relação aos escorpiões, isso é ótimo. Se rolar um Acoustica 2 com uma nova participação da cellista Ariana Arcu, já valerá a pena. Ô.



Taí. Curti pra caralho este disco novo do (da?) Kittie. Funeral For Yesterday arremessa pra longe aquele ranço nu-metal que comprometia o som das meninas e investe forte em riffs cortantes e bases demolidoras. A influência gótica dá um caldo especial nas músicas, especialmente no timbre da frontwoman Morgan Lander. Que por sinal, começa a abandonar os agudos melódicos lá pela 4ª faixa e vira um demônio nos vocais.

Aliás, demônio não, demônia... ouça "Never Again", "Flower Of Flesh And Blood", "This Too Shall Pass" e "Last Goodbye", não por acaso as melhores faixas. Ao contrário de outras vocalistas de bandas extremas (a-a-aa-aaAngelaGossow-tchimmm), ela não nega o cromossomo X na hora de meter a moral nos mics. Ou seja, não tenta ser masculina pra meter o esporro.

Fora que o instrumental da mulherada bota muito grupo de marmanjo pra comer poeira aí. A música "The Change", p.ex., tem um riff tão stoner quanto qualquer um do Kyuss. Isto foi um pusta elogio ou não...?



O canadense Anvil sempre foi uma espécie de primo pobre do Motörhead (mais pobre ainda). Na ativa desde 78, são veteranos de um heavy'n'roll que é uma autêntica "bigornada" nas fuças. Influenciaram uma carreirada de thrashers, powers e speeders e contam com alguns clássicos subestimados no currículo - mais precisamente, os três primeiros discos: Hard 'N' Heavy (1981), Metal On Metal (82, com sua indefectível faixa-título) e Forged In Fire (83).

O "Lemmy" do grupo é o guitarrista/vocalista Steve "Lips" Kudlow e a maior semelhança entre os dois é a atitude "fodam-se os modismos". This Is Thirteen segue a tradição de peso e rudeza: só guitarra, baixo & bateria, puros, sem remorso. Disco pra macho. Uma verdadeira desintoxicação para as viadagens que estão fazendo hoje em nome do Rock.

Ps.: confira só a home-page dos caras. Porra... macho que é macho tá pouco se fodendo pra layout!




Bestial Devastation
Metal da morte, thrash com h



A carreira (musical) de Dave Mustaine é uma das mais singulares dentro do metal. Merecia mesmo um documentário. Seria uma saga de humanidade com tudo o que isto tem de mais desajustado, decadente, tragicômico, perseverante e redentor. Esta última parte ainda está acontecendo, agora com United Abominations, seqüência natural do excelente The System Has Failed, de 2004.

O álbum é uma declaração de guerra às Nações Unidas, começando pela capa mostrando o prédio da organização sendo destruído. O interessante é que as críticas são vorazes, mas não gratuitas. Mustaine sempre foi um ótimo letrista e soube dar vazão à possíveis feedbacks oficiais, se eles viessem - e vieram.

Apoiado pelo conteúdo polemizador e reviews positivos da crítica, o álbum continua vendendo igual pãozinho quente. O Mega merece. Mostrou muito mais serviço nesses dois últimos álbuns do que a "outra" mostrou em dez anos.

Quem é mais relevante agora?

Ps.: adorei a regravação de "A Tout Le Monde (Set Me Free)" em dueto com La Scabbia. O dia em que eu enjoar desta ragazza (nunca!), tô ferrado.



De 1987 pra cá, Phil Fasciana, à frente do Malevolent Creation, viu o death metal virar moda, gerar uma prole gigantesca, quase morrer (err) e até mesmo se transformar em influência modernosa. A prova disso é a presença do guitarrista Mick Thompson (o cara da máscara mais legal do Slipknot) numa das músicas do novo disco da banda, Doomsday X. O míssil em questão é a 3ª faixa, "Deliver My Enemy", capaz de empolgar até o deathster mais anti-nu-metal.

E assim seguem todas as outras onze porradas do álbum. Como se 1993 tivesse sido ontem, a Nuclear Blast ainda fosse um negócio da China e Tampa ainda fosse o point. Discão.




Xecutioner's Return, o novo do Obituary, é uma experiência com implicações físicas. Impossível terminar a audição sem o pescoço dolorido, com a sensação de headbangin' extremo. Os acordes pesadíssimos parecem reacender a prática tribal ainda entranhada no DNA do incauto ouvinte.

John Tardy continua o mesmo Capitão Caverna Gutural de sempre, mas o som agora está mais pesadão e arrastado. Um retorno digno do "Xecutioner" - por sinal, o nome da banda antes de lançar o LP de estréia.





Pois é. Da formação original, o Overkill agora só tem o baixista D.D. Verni, mas isto não importa. O que importa é que Immortalis é um dos melhores dentre os 14 CDs (e um EP!) da banda, com os riffs serra-elétrica da dupla Dave Linsk/Derek Tailer, a bateria ogra de Ron Lipnicki e os vocais enjuriados de Bobby "Blitz" Ellsworth. Só peso-pesado.

Minhas favoritas são "Skull and Bones" (com Randy Blythe, vocal do Lamb Of God), "Shadow Of A Doubt", "Charlie Get Your Gun" e "Hell Is", mas seria injusto omitir que o álbum inteiro é um traulatation in the brains.

Triviazinha rasteira: os últimos três álbuns têm títulos que fazem referências numéricas. Killbox 13 é o 13º álbum, ReliXIV é o 14º e Immortalis (ou Immortal15, via leet) é o 15º. E agora você diz: "e eu lá quero saber de numerologia, porra?!"



Com Commandment, o Six Feet Under vem convertendo uma legião de novos fãs - um feito em se tratando de death metal. A banda do incansável Chris Barnes (ex-Cannibal Corpse) foi meticulosa na fórmula - é um álbum de metal extremo, mas groovy e cadenciado, longe da tempestade sônica de sua antiga banda. Colaboram pra isto a mixagem bem distribuída, deixando tudo bastante claro e audível, e as marcações da bateria, acessíveis pra qualquer iniciante.

Em suma, o death package ideal para quem quer se aventurar no estilo pela 1ª vez. E claro, bom pra caralho também pra usuários avançados. As pauladas "Doomsday", "Zombie Executioner", "Resurrection Of The Rotten", "As Blades Turns" e "In A Vacant Grave" são legítimos hits post-mortem.




Enquanto existir Tommy Victor existirá o Prong! É bem mais fácil quando as coisas são simplificadas assim. Ainda mais quando somos brindados com nukezinhos sonoros como este Power Of The Damager. Neste disco, fica claro que Victor independe de elementos terceiros. Eles são apenas ferramentas pesadas que o guitarrista/vocalista utiliza friamente para construir seus Doomsday machines periódicos (ainda que a formação responsável pelo clássico Prove Your Wrong deixe saudades). Agora em péssima companhia - capturado pelo selo de Al Jourgensen, 13th Planet, e produzido pelo cyber-killer em pessoa - o Prong retorna mais Prong do que nunca: um pesadelo thrash/pós-punk semi-industrial, o filhote mutante do Killing Joke. Power Of The Damager é o epicentro de uma explosão nuclear com ondas de choque ritmadas.

E não posso deixar de registrar, pela enésima vez, minha admiração pelo massacre que é a guitarra Victor-Pronguiana. O cara é um mestre nas bases, nos licks, nos riffs, nas progressões e no barulho quase radioativo expelido pelas suas seis cordas. Lancinante.



DDP 4 Life, do Dublin Death Patrol é uma armação de fazer corar até o Paul Stanley. Tirado das cartolas de Chuck Billy (Testament) e Steve "Zetro" Souza (ex-Exodus e não estou gaguejando), o DDP é um who's who do thrash das 2ª e 3ª divisões. Na line-up, constam ex-membros do Vio-Lence, Rampage, Lääz Rockit, mais Andy e Eddie Billy, irmãos do Chuck. O som, óbvio, é thrash metal rasgado com algumas influências punk e heavy rock.

Mas porra... é um caça-níqueis divertido demais. A produção valoriza os pontos de pressão do gênero (ao contrário do álbum do Temple Of Brutality, a armação metálica de 2006) e faixas são carniceiras. E no meio tem três covers. Eu escrevi três covers e qualquer tentativa de seriedade artística acaba aí. São elas: "Iron Fist" (Motörfuckin'head), "Cold Sweat" (Thin Lizzy) e "Lights Out" (UFO). Nem chegam aos pés das originais, claro, mas renderam thrashões arrumados.




Em comparação com os álbuns anteriores, In Hora Mortis Nostræ, é o mais tranqüilo do The Project Hate MCMXCIX. Mesmo assim, o parâmetro de "tranqüilo" aqui é o mesmo de um dos infectados de Extermínio com uma guitarra na mão. Death/thrash industrial com nuances tecno e os urros abissais do lixo humano Jörgen Sandström em contraste absurdo com a doce voz de Jonna Enckell.

Apesar de funcionar muito bem no "Projeto Ódio", Jonna não tem nada a ver com metal extremo. E não estou me referindo apenas à sua aparência delicada e angelical, mas também ao seu outro grupo, o ótimo Siren On, de indie pop. Deve ser uma psicopata com dupla personalidade.



O Annihilator já foi mais reformado que a área de serviço lá de casa, mas o gerente Jeff Waters tem know-how. Empreendedor, ele operou o milagre de manter o mesmo vocalista do disco anterior (o excelente Schizo Deluxe, de 2005) e com razão, pois Dave Padden tem o estilo perfeito para o technical speed thrash do grupo.

Metal - título mais sintético, huh? - é mais uniforme e básico que Schizo e, portanto, mais old school em sonoridade, mesmo com passagens mais melódicas (pero íntegras). Mais uma vez, os bumbos do monstro Mike Mangini são de rachar placas tectônicas (não é à toa que é endorser da Pearl e da Zildjian), começando pela faixa de abertura, "Clown Parade", até a pauleiríssima "Chasing The High", que fecha o disco.

E cá entre nós, a música "Detonation" caminha à beira do limite legal. Se Sharon Osbourne escuta esta Children Of The Grave annihilated, vai exigir royalties.

Álbum físico e esmagador, típico do Annihilator, do tipo que vai lá e faz a porra do serviço. E cheio de participações. Tem Angela Gossow & Michael Amott (Arch Enemy), Jeff Loomis (Nevermore), Corey Beaulieu (Trivium), Jesper Strömblad (In Flames), Alexi Laiho (Children Of Bodom), Willie Adler (Lamb Of God) e até o Danko Jones. Será que no próximo o Waters vai gravar só com convidados?




Declaro para devidos os fins e efeitos que o último lançamento da associação neo-thrash Machine Head não se equipara, tampouco plagia, o atemporal e ainda hoje inexpugnável Master Of Puppets, do Metallica. Tal gravação se nutre, sim, de saudável influência e possibilidades lírico-estruturais abalizadas precursoramente pelo supracitado clássico dos ex-Deuses do Metal, se valendo de riffs em tons perfeitos, variedade de solos marcantes, evoluções instrumentais de refinado nível técnico, nuances modernas em franco diálogo com fórmulas oitentistas, batidas de alto impacto, refrões massificantes, ousadia, auto-superação e justificada ambição criativa.

Faz saber, a todos os senhores de ciência metálica e similares ondas sonoras de choque, a quem o conhecimento deste haja de pertencer, que The Blackening é o melhor álbum do segmento Thrash/Metal Extremo do ano-base de dois mil e sete.

Isto posto, certifico e dou fé.

Ass.: dogg the metalhead.




Minha nossa senhora das calças curtas, o EP Let It Stink, do Death Breath é uma porradaria animalesca! Os vocais são grunhidos quase death, mas o som é um hardcore old school furioso como um estouro de mamutes descendo a ladeira (se é que eles ficavam furiosos ao fazerem isso, mas a imagem que vem à mente não é nada bonita). A capa, zumbificando o clássico Let It Be, dos Beatles, já dá uma boa idéia do caótico contexto sonoro.

O disco ainda traz covers para "Maimed and Slaughtered" (Discharge), "Lycanthropy" (G.B.H.) e "Sacrifice" (Bathory), pérolas da podreira sônica. Deu pra ter a noção?




"La banda fue formada en la prisión para imigrantes ilegales en la frontera de El Paso con los EUA en 2006. Todos los integrantes intentavam entrar en el país para trabajar como limpiadores de piscinas e lavadores de platos, pero sus planos fueron frustrados por la migra. Enquanto esperavam la deportacion, escribieron las musicas como una alternativa para ganar dinero para pagar otro coyote que les prometio hacer la travessia con certeza en la proxima vez..."

Nota-se por este release pilantrão que o Brujeria fez escola! Parece que o WWDiablo finalmente está preparando seu CD de estréia. O que sei com certeza é que será imperdível, como são estas duas e-demos (?), WWDiablo e Lucha Libre - ambas disponíveis de grátis no MySpace dos cabrones.

É Motörhead numa roda de tequila com ZZ Top, Robert Rodriguez e Tito & Tarantula. Rock'n'roll ardido, blueseiro, mariachi e bandolero executado por - segundo informações - Chino Martillo (Beto Fonseca), Pancho Garcia (Babbo), Pollo de las Dolores (Galináceo) e El Patron (Samuel Casal). Arriba!


As capas capturam bem o clima da sonzeira e são de autoria de Samuel "El Patron" Casal, cujas ilustrações publicadas em seu site pessoal são um show à parte. Clique nas máscaras de luchadores acima pra conferir. Vale a pena.



Já é piada contada pela terceira vez, mas os caras sabem contar. Sgt Hetfield's Motorbreath Pub Band é o melhor do Beatallica até agora. Quer dizer, o melhor nessa zona que eles fazem com as músicas do Metallica e do Fab Four.

"Revel-ooh-tion", "Blackened The U.S.S.R.", "Helvest Of Skelter", "Ktulu (He's So Heavy)" e "Hey Dude" são primorosas. Mas a vencedora é "...And Justice For All My Loving", os dois minutos mais divertidos do metal no ano passado.

Em 2007, a banda caiu na estrada em extensas turnês pelos EUA e Europa, devidamente a caráter. Ninguém é famoso no grupo, como se especulava na época do primeiro álbum. Que por sinal, era de graça e disponível on-line - o oposto deste, bem real e pago. Essa brincadeira começou a minar grana e chamou a atenção da gigante Sony, dona da maior parte do catálogo dos Beatles e que não achou graça nenhuma.

O irônico é que eles foram salvos do processozilla por intermédio do samaritano mais improvável: Lars Ulrich, que adora a banda. Mundão louco este aqui.



Suicidal Tendencies, Twisted Sister, Anthrax, Ratos De Porão e Dorsal Atlântica já fizeram os deles. Agora foi a vez do Destruction atualizar seus... hinos thrasheiros em Thrash Anthems. Hino seria um tanto exagerado na opinião de quem não é, ahem, "true", mas os mad butchers germânicos deram uma bela garibada no material: tem 4 do grande Infernal Overkill (1985), 3 do Release From Agony (1988), 2 do Eternal Deavastation (1986) e do Mad Butcher (1987) e 1 do Sentence Of Death (1984, esse é true!) e do Cracked Brain (1990).

Ficaram tão ou mais porradeiras e infinitamente melhor produzidas, o que é até desnecessário afirmar. Impressionante o fôlego e a pegada do Destruction (Destrúcho, segundo o bullying-metal do Thrash com H) e principalmente do baixista, vocalista e quarentão Marcel Schirmer.

Quais serão as próximas releituras em nome da providência monetária? Apostem suas fichas: Exciter, Artillery, Nasty Savage, At War, Nuclear Assault, Dark Angel, Sodom...



Crossoverzão pauleirístico festeiro, bebum e no volume correto para furar os tímpanos da vizinhança. The Art Of Partying é o terceiro petardo do Municipal Waste e uma lenhada thrash/skatecore como há tempos não se ouvia. Chega a lembrar o velho e furioso Suicidal Tendencies dos primeiros dias. O clima do álbum remete àquelas tretas que rolavam nos shows de metal underground dos anos 80 (quem nunca esteve numa não teve infância...). Pura delinqüência sonora.

A banda também revelou todo seu bom-gosto no clipe de "Headbanger Face Rip". Tromacore? Demorou!





Aaaaaah porraaadaaaaaaa!
Death Metal, Death Metal, Death Metal!!
Se bem que está mais pra deathcore, mas foda-se.

DEATH METAAAAAAAAL!!!
Bleed The Fifth, primeirão do Divine Heresy. O cabrón asesino Dino Cazares está de volta! Puta que pariu de quatro!!



Em Age Of Tyranny/The Tenth Crusade, o Pro-Pain, um dos pilares do hardcore nova-iorquino, mergulha numa cruzada em busca de novas possibilidades criativas. Felizmente, com grandes resultados. Claro, os momentos mais crossover estão lá ("The New Reality", "Pigs In Glover") e o hardcore não pode faltar ("Three Minutes Hate", "Leveler"), mas há várias inovações em estruturas e vocalizações mais melódicas.

Porém, nada se compara à flexibilidade demonstrada na faixa "Beyond The Pale". Começa engatando um gancho de direita thrash, depois um pula-pula à Rob Zombie e chega o refrão desacelerando em slow heavy, dando lugar a inesperados backings soul femininos... o que é duplamente bizarro, pois estes mesmos backings soul femininos foram feitos por Matt Bizilia, cantor da banda Icarus Witch (!!). Sem dúvida, o rapaz encontrou seu lado feminino nestes vocais. É de cair o queixo. Logo a canção emenda num solo flamenco temperado em latinidad, como se fosse um acalento após o susto. Audição altamente recomendável.

Outro excelente motivo pra se conferir: é mais um disco anti-Bush. Confira as pedradas "All For King George", "Company Jerk", "Impeach, Indict, Imprision" e a já clássica "Iraqnam".




Com constantes alterações na line-up, o Exodus sempre sofreu com os baixos qualitativos que isto proporciona. Quando o grupo finalmente lança um álbum de responsa com Steve "Zetro" Souza nos vocais (Tempo Of The Damned, 2004), o cara é chutado - ou se chutou, dependendo da fonte. "Agora fudeu", pensei eu com minha palheta do Kirk Hammett. Mas aí o Exodus retornou à carga com um petardo ignorante de pesado (Shovel Headed Kill Machine, 2005) e incorporando um novo vocalista com vários decibéis acima do ZéTro.

Rob Dukes - bonachão com pinta de cantor southern - é a melhor aquisição da banda desde o usufruto em vida dos dotes de Paul Baloff. Em grande parte por "culpa" dele, The Atrocity Exhibition - Exhibit A é o melhor do Exodus em anos. Thrash metal atroz e exibido, como só os melhores profissionais da (Bay) área poderiam prover. Um espetáculo. "Riot Act", a faixa de abertura, é no mínimo contundente.

Agora é aguardar a continuação, Exhibit B, previsto para este ano. Vão em guerra, meus filhos, e que São Baloff os abençoe.



Devin Townsend já passou uma temporada num hospital psiquiátrico, diagnosticado com distúrbio bipolar (variações extremas de humor, indo da alegria e hiperatividade à letargia e depressão profunda). Eu nem citaria isto se não servisse para descrever perfeitamente a sonoridade deste Ziltoid The Omniscient. Cabe como uma luva.

Se no Strapping Young Lad as elucubrações barulhentas de Townsend cansam até o Bart e no Devin Townsend Band algumas jornadas zen se perdem entre Shiva e Vishnu, neste aqui há um equilíbrio inédito entre os dois... pólos. Não que a lucidez teve algum apelo - o álbum conceitual conta a história do alienígena Ziltoid, do planeta Ziltoidia 9, que viaja à Terra em busca do Copo de Café Supremo, necessário pra que ele possa empreender uma jornada no tempo e espaço. Essa nem Arnaldo Baptista teria concebido.

Assessorado apenas pelo 'Drumkit From Hell' (e eu achando que era o Gene Hoglan), Townsend justifica suas insígnias de produtor e multiinstrumentista numa mistura insana (ops) e bastante intrincada de thrash, hardcore, industrial, progressivo, ambient e pop. E aquele vendedor de cafezinho expresso no final foi demais.




Santa Vânia Cavalera...! Sem enganação: temos aqui um magnífico álbum de metal exploitation brazuca. Impressionante este Shadows Of Violence, estréia do Hargos. O quinteto mineiro exibe uma musicalidade ímpar ao fundir elementos de vários subgêneros pesados. Prog, doom, epic, heavy tradicional e thrash fluem com naturalidade e quase simultaneamente pelas 10 faixas do disco - cujo excelente design gráfico foi desenvolvido pela fera Gustavo Sazes.

Os músicos são de alto nível, mas sem aquela pecha de virtuose acadêmico. O batera Helder Nenem e o baixista Vinicius Ligano têm um timing mortal na cozinha, Victor Munhoz executa grandes intervenções no teclado, o guitarrista Reinaldo Alves é um solista nato ("dimebaguiano" nas passagens mais pesadas) e o vocal bem colocado e cheio de inflexões de Breno Lorenzo está entre os mais competentes da cena atual (mundial!).

Um excepcional debut do Hargos, com uma proposta diferenciada e pesada de verdade - e funcional de verdade. Todos os méritos para a disposição dos caras em demolir convenções e consolidar o seu próprio estilo, coisa rara de se ouvir por aí. Que venha uma carreira extensa, prolífica e rentável pela frente.




Excelente estréia do quinteto capixaba PoisonGod. Produção, composição e execução, enfim, tudo neste Daemoncracy remete a um trampo veterano e profissional ao extremo. Começando pela capa, mais uma descaralhante concepção de Gustavo Sazes (ainda que recorrente em conceito). O som tem raízes thrash/death cravadas nos anos 80, com influências que vão de Destruction e Sadus a Death e Morbid Angel - refs. in loco: The Mist e Chakal -, mas turbinadas com riffs e construções rítmicas de impacto atualizado e fuckin' hostile, se é que você me entende.

Não é exagero afirmar que o grupo atingiu a maturidade já no primeiro disco, inclusive transcendendo o escopo musical. Na ocasião do lançamento, correu na frente e disponibilizou o debut para download em seu site oficial, gratuitamente e na íntegra. Visão de mercado equiparável à sonzeira de altíssimo nível.



Este foi dica do bróder Barbarian. Direto do Paraguai, o The Profane detona uma pancadaria death'n'roll com levada motörheader sem, no entanto, parecer mais um leacher do Lemmy (e colocando tanto o Chrome Division quanto o Carburators no chinelo). Chaosbreed também mantém algumas conexões com o stoner metal, só não mais encorpada devido à velocidade voraz das músicas.

Álbum de coesão fudida, impossibilitando qualquer destaque que não seja a cerva geladaça quando estiver tocando. Quatro ace of spades de cotação pra este disco.

♠ ♠ ♠ ♠

Ps.: Confira uma entrevista com os caras e a resenha do show deles no Brasil.




E então... death'n'roll, sludge ou stoner rock levado ao extremo? Seja lá o que for, o Entombed evoluiu quando começou a puxar o freio de mão (lá pelo Wolverine Blues, de 1993). Este Serpent Saints: The Ten Amendments caminha na fronteira entre o peso do Black Sabbath e a explosão do Motörhead, sem esquecer a herança death dos primórdios. Rifferama impiedosa, cozinha devastadora, backings guturais e vocalzão de urso pardo manhunter.

As faixas "Ministry" e "When In Sodom" deveriam anteceder confrontos armados, só pra apocaliptizar os ânimos. Se não for o melhor disco do grupo, é o mais equilibrado em técnica, intensidade e fúria.



War Of Attrition, do Dying Fetus, é praticamente uma enciclopédia das fórmulas vencedoras do chamado technical/brutal death metal. Alguns elementos, como passagens melódicas dos solos e os famigerados blast-beats, muito populares hoje, podem até soarem tendenciosos, mas é justamente a projeção da influência do grupo, do alto de seus 17 anos de estrada. Num álbum emblemático de força e técnica, o Dying Fetus esmerilha em variações de velocidade (sempre rápido, pra mais ou pra muito mais), riffs thrash, quebradas hardcore, seções grind, construção instrumental de complexidade e peso psicóticos.

Pode até não ser o mais agressivo e rioter da banda, mas é o mais simétrico musicalmente e o mais próximo do alcance real dos músicos. E pô... também tem aquele vozeirão gutural de monstro do biscoito. Foda!




Festa no deserto
Stoner, doom, sludge, drone, children of Black Sabbath



Uma celebração ao peso do Universo. Cinético até a medula, o Neurosis quer inverter o eixo terrestre neste monumental construto que é Given To The Rising. Sinceramente, acho que este álbum já estava por aí, abandonado por uma civilização mais avançada, que esteve de passagem pelo planeta em tempos imemoriais. Tão sofisticado quanto primitivo, tão efetivo quanto definitivo.

Given To The Rising é o som de um celestial em movimento. Belo, épico e aterrador.



Quando o vocal Messiah Marcolin deu linha do Candlemass, em cima das gravações de King Of The Grey Islands, imaginei que banda e disco iriam pro saco. Mas ao exemplo do Judas Priest, nada melhor que usufruir de uma moral cult e descobrir entre seus fãs algum fenômeno - no caso, o cantor Robert Lowe, do Solitude Aeturnus. Ele nem é tão fenômeno assim, mas é tecnicamente OK, apesar de soar um tanto deslocado.

Diferente do carisma gigantesco e pesado de Marcolin (em todos os sentidos), o estilo de Lowe é mais calcado no heavy tradicional. Mas ele parece conhecer bem o modus operandi do Candlemass e evitou falsetes irresponsáveis, numa performance competente/convincente. Quanto ao instrumental, comandado pelo baixista-chefão-fundador Leif Edlin, continua aquele armageddoom. Ideal para ouvir durante um desabamento numa mina de carvão.




O Monster Magnet quase foi sepultado em 2006, quando o guitarrista/vocalista Dave Wyndorf sofreu uma overdose. Quase-tragédia à parte, do lá de cá ficaríamos desfalcados deste ótimo 4-Way Diablo. Seguindo a linha do Monolithic Baby!, de 2004, o MM abraça ainda mais o hard'n'roll, se afastando um pouco mais de seu passado - em ordem cronólogica - lisérgico, stoner, industrial e metal. A bem da verdade, uma banda que trafegou por tantas nuances e estilos sem perder o carisma só pode ser especial por algum motivo.

A cover dos Stones, "2000 Light Years From Home" (álbum Their Satanic Majesties Request), ficou à altura e a balada "I Calling You" é pra terminar com assuntos pendentes. Que Wyndorf pare com estas merdas e continue lançando álbuns sensacionais como este.



Sabbathesque. O Sheavy é um dos maiores seguidores do quarteto de Birmingham e isto se estende até as inflexões ozzmóticas do vocalista Steve Hennessey. Mas sem chupação descarada. O Sabá aqui é apenas o ponto de partida para a sonzeira estrondosa produzida pelo grupo canadense. O início de The Machine That Won The War é bem mais metálico que os combos stoner tradicionais, mas logo a turbulência sonora vai adquirindo contornos mais graves e as afinações vão baixando de forma gradativa. Os riffs são uma pedrada setentista.

Synchronized, de 2002, ainda é insuperável, mas The Machine That Won The War assegura ao Sheavy sua maior qualidade: é o som mais próximo do ronco enfurecido de um V8. Ouça na estrada.




O termo heavy psych (ou power fuzz) foi criado para designar certas bandas do período 1968-1972, como Dragonfly, Les Fleur De Lys, Andromeda, Josefus, Blue Cheer e JPT Scare Band. Em comum, estes grupos tinham um peso descomunal, vocais embriagados em lisergia e um tesão dechavado pelas trips progressistas do Van Der Graaf Generator, King Crimson e Hawkwind. E sempre com um pé fincado nas tradições musicais mais caras, como a densidade melódica do blues, a versatilidade acústica do folk e a quebradeira rítmica do jazz. Uma espécie de retorno às raízes groove da América nativa.

Entre inúmeros grupos stoner do circuito atual, o californiano Mammatus é dos poucos que conseguem atingir este nível de pureza. The Coast Explodes leva adiante a herança ancestral cauterizada em seu espetacular álbum de estréia, de 2006 - proposta já evidenciada desde a primeira faixa, "Dragon Of The Deep Part Three (Excellent Swordfight)", com seus mais de doze minutos de progressões instrumentais. Uma jornada mística transcedental.



Power trio com "P" maiúsculo, o sueco Spice And The RJ Band bebe na safra mastodôntica do hard setenteiro - lenhadas brutas como Mountain, Grand Funk e Pat Travers. The Will é blues rockão soulzeiro com guitarras triturantes e uma cozinha que é uma máquina de demolição em plena atividade. E eles conhecem do riscado: o guitarrista e vocalista Christian "Spice" Sjöstrand é ex-Spiritual Beggars - o que é até óbvio, dada a foderocitude do negócio.

Pena que os caras ainda classificam o grupo como "projeto". Uma pancadaria profissional dessa merecia um plano de carreira mais generoso.



O lugar mais adequado para ouvir este Coconut Bangers Ball, do canadense Electric Magma, é num boteco, mandando litros e mais litros de cerva goela abaixo. De preferência, lá no mesmo boteco onde eles costumam se apresentar. Já ouviu falar em "stoner casual"? Nem eu, mas é por aí.

Sonzão encorpado, pesado como o inferno, distorcido, groovy & jammy. Espontaneidade no máximo, com vários instrumentais pra acompanhar com arrotos no ritmo da música. Pra falar a verdade, só de escrever sobre o disco já bateu a vontade de detonar um chopp. Ah, se não vai rolar uma pausa agora... arrout!




Boulder é o segundo full-length do quinteto finlandês Kaihoro. Stoner da gélida Finlândia? Mais parece de algum ponto perdido entre El Paso e Tijuana. Blues rock ensurdecedor com grandes deixas para jamming desenfreado ao vivo. A cozinha é um trem desgovernado e o trampo das guitarras... é de lavar a alma. As notinhas espertas de órgão, à Spiritual Beggars, bem que poderiam ser mais freqüentes.

Álbum incandescente, com direito a intro/outro bombástica. Obrigatório em edição extraordinária.



Foi Dave Grohl quem deu o pontapé que faltava para o retorno do Trouble, desde 1995 fora do radar. Em 2004, quando Grohl lançou seu projeto-tributo Probot, o frontman Eric Wagner foi um dos convocados. O Trouble é padrinho do stoner, com pelo menos um clássico no currículo (Psalm 9, de 1984) e vários registros-referência no gênero. O jejum de 12 anos sem gravar terminou agora, com Simple Mind Condition.

É certo que a banda sentiu a ação do tempo oxidando seus captadores e pedais. O estilo evoluiu horrores em dinâmica e agressividade, enquanto este álbum remete rigorosamente ao Trouble dos primórdios, restando ao ouvinte mais calejado a apreciação do feeling - que transborda aqui. Flertando bastante com o southern metal a ponto de quase migrar de estilo, o grupo voa alto em petardos boogie/blues à ZZ Top ("Pictures Of Life") e quando cai nas boas graças do Sabá ("Ride In The Sky", "If I Only Have A Reason").

Para uma volta de (re)apresentação, tá ótimo.




Nos confins do deserto, o Big Bang é conhecido como Vincebus Eruptum...

Falar o quê do Blue Cheer, o grupo que deu origem à coisa toda? Dos patriarcas do heavy? Dos caras que, ao lado do Cream e do Jimi Hendrix Experience, são a quintessência do conceito "power trio"? Algum tempo se passou desde então (40 anos, quarentinha) e, da formação original, perduraram o batera Paul Whaley e o baixista/vocalista Dickie Peterson, acompanhados por Andrew "Duck" MacDonald na guitarra. Em What Doesn't Kill You... eles só estão afim de armar um rockaço. Daqueles.

Hard blues sólido, distorcido, lisérgico (quatro décadas depois e o efeito ainda não passou), incendiado pela guitarra vulcânica de Duck, com seus riffs e wah wah's insanos, e pela voz sempre visceral de Peterson. Estamos revisitando os melhores momentos de 1968 aqui e decididamente, What Doesn't Kill You... fortalece.




Em seu mais recente álbum, o venerável Mountain parece reinvindicar todos os méritos que sua influência seminal exerceu sobre o stoner rock e o southern metal. E realmente o hard rock bluesy e pesadão que o grupo de Leslie West detona desde o final dos anos 60 forneceu grande parte daquelas bases (o Black Label Society que o diga!). Masters Of War traz o power trio - West (guitarra/vocais), Richie Scarlet (baixo) e Corky Laing (bateria) - recolhendo os louros de sua excelência enquanto paga tributo a um velho ídolo de West, Bob Dylan.

O bardo mais tributado do ano passado deve ter ficado orgulhoso com as versões "Mountainrizadas" aqui presentes. O grupo fez autênticas releituras das canções do ex-Zimmerman, incorporando as músicas ao seu estilo - "Mr. Tambourine Man" e "Like A Rolling Stone" ficaram irreconhecíveis. "Serve Somebody" e "The Times They Are A-Changin'" tiveram participação da fera Warren Haynes (guitar/vocal do grande Gov't Mule) e na faixa de abertura homônima, West faz um dueto espetacular com Ozzy Osbourne - meu Deus, o Madman tinha de fazer mais coisas assim!

Como guitarrista, West há muito não tem mais nada a provar, sendo um dos músicos mais subestimados do rock. Mas como cantor, o ex-montanha está no auge do gogó, desatando suas influências soul com intensidade única. A versão acústica de "Blowin' In The Wind" é pra deixar qualquer um emocionado...



Se houvesse "movimento true" no doom metal (tem?), o inglês Electric Wizard seria uma das instituições mais ortodoxas. Ocultismo, bruxaria e H.P. Lovecraft invocados num som de arrastar correntes. Em outras palavras, o grupo assimilou tudo que o lendário Saint Vitus filtrou do Black Sabbath. Witchcult Today é um funeral doom macambúzio da velha escola mal-assombrada. Pra ouvir com as luzes apagadas e as velas acesas.

Reza a lenda que três funcionários do estúdio faleceram em circunstâncias misteriosas durante as gravações do álbum. Quem ouvir a penúltima música, "Black Magic Rituals & Perversions", trancado sozinho num quarto escuro às 3:00 da manhã, será surpreendido pela aparição de três presenças macabras, impregnando o recinto com um cheiro insuportável de enxofre e fazendo o sinal da besta em sua direção.

Ps.: é brincadeira, precisa dormir de luz acesa não...




Do Orange Goblin sempre se pode esperar intensidade. Healing Through Fire segue a tradição maldita de stoner metal fim da linha. Peso vil, melodias rudes, riffs curtidos em whisky vagabundo e vocais ásperos de andarilho profeta delirante do apocalipse prenunciando carnificinas em cidadezinhas perdidas em área de testes nucleares no deserto habitadas por prostitutas mutantes ninfomaníacas sádicas do velho oeste.

Massacre com ardor e pungência. Confira a odisséia "Beginners Guide To Suicide" e tente recobrar a sanidade.



Um tornado de distorção, batidas lacerantes e acordes áridos: isso é We Must Obey, último balaço do Fu Manchu. Dada a verve skater jovial e onipresente no som do grupo, sempre os tive como os "guris do stoner" (apesar dos 20 de estrada e de já ter contado com o mestre xamã Brant Björk na line-up). Mas a verdade é que o sonzão dos caras tem um dos maiores calibres da cena inteira.

Pesadíssimo, frenético e com uma virulência rítmica que só os veteranos mais calejados conseguiriam reproduzir. E isto é só "Let Me Out", que estou ouvindo agora. Esse álbum é uma liberação. Ouça no talo e simplesmente obedeça.



Afirmo por conta própria que o sueco Mustasch tem o magma stoner correndo nas veias. No mínimo, é consangüíneo. Este Latest Version Of The Truth tem uma envergadura heavy/hard bem evidente na primeira ouvida, com guitarras amoladas à Nugent e sujeita southern à Blackfoot. Mas os vocais estúpidos e a afinação baixa das músicas não nega a raça.

É peso-pesado nos andamentos, mas carece daquele gigantesco cogumelo de fogo, fumaça e destroços no clímax. Porém, o grupo parece estar desenvolvendo a própria trip - 100% lisérgica na última faixa, "The End". São mais de nove minutos que só encontram paralelo no Monster Magnet alucinado dos primeiros dias. As cinzas de Timothy Leary, que neste exato momento orbitam a Terra, devem ter formado um sorriso de satisfação.




Hah... mas isto aqui é uma obra-prima. Red Album, do Baroness, é o cabernet sauvignon do stoner rock! Com uma forte carga de rock progressivo clássico, o som passeia de mãos dadas com o metal, o sludge e o alternativo pós-hardcorizado, numa espetacular miríade de grooves, nuances e atmosferas. O Sol é o limite para este quarteto de Savannah, Georgia. Curte Mastodon? Então o Baroness aqui tem novos desafios pra essa sua cabecinha outsider.

Difícil acreditar que é só o 1º álbum do grupo (com dois EP's e um split no currículo). Desenvoltura e sabedoria de veteranos anciões. A julgar pelo que se ouve aqui, eles já deveriam estar na estrada quando os cânticos negros se propagavam pelas plantações de algodão, no século retrasado.

Se o Red Album é assim, fico só imaginando como seriam o Black Album e o White Album dos caras.



EPzinho esquartejante do Torche. In Return serve como aperitivo enquanto não sai o segundo álbum do grupo, Meanderthal (agendado pra início de abril). Sludgezão violento confrontando crueza doom, garra hardcore e vanguardismos post-rock. Um redemoinho sensorial que pode ser melhor descrito pelas semelhanças com as bandas com quem excursionou: Baroness, Isis e Mogwai. O Torche é como se fosse o caçula da família. Impossível ouvir o EP e não ficar instigado com o que virá por aí.

A propósito, a arte psicodélica da capa é de autoria de John Baizley, guitarrista e vocalista do Baroness (responsável também pela magnífica capa de sua banda). Pelo estilo do traço é fácil perceber. O cara manda muito bem:


Coisa chata. Não bastasse o talento musical... Este aí merecia uma daquelas compilações que jurei nunca mais fazer.




Mais uma festança escaldante patrocinada pela Small Stone Records. Sucking The 70's - Back In The Saddle Again é pra levantar poeira no deserto, entre Harleys, Mustangs, barris de chope e bem-alimentadas american women com chapéu de cowboy e topless. Tão bom quanto a primeira edição (de 2002), Sucking The 70's compila num CD duplo 31 versões de músicas de grupos seminais da vertente pesada daquela década. A maioria é realmente influente na jurisdição stoner (Grand Funk Railroad, Cactus, Foghat, Led Zep, ZZ Top), outros tantos são uma fonte inesgotável de peso e grooves readaptáveis (Funkadelic, Van Halen, Humble Pie) e alguns são alienígenas na ferveção desértica (Big Star, Donovan, Elton John, Devo).

As bandas escaladas estão bastante niveladas em qualidade, mesmo com ilustres desconhecidos (The Brought Low, Dozer, Greatdayforup) figurando ao lado de notórios demônios da areia (Alabama Thunderpussy, Acid King, Fireball Ministry, Orange Goblin).

Melhor que isso, só se fosse em vinil, igual à estampa do CD!



Neste terceiro disco, o sueco Witchcraft se desvencilha quase que definitivamente do doom metal que lhe foi atribuído num primeiro momento. The Alchemist é um registro de musicalidade muito mais abrangente, aliando psicodelia e elementos folk rock a progressões semi-eruditas. Algo entre Jethro Tull, Sabbath e Cat Stevens.

A inesperada conclusão de "Samaritan Burden" e o sax jazzy em "Remembered" são toques de gênio. E o peso: clean e soturno, tramado sob medida para acomodar os belos vocais de Magnus Pelander (1/3 Maynard Keenan, 1/3 Glenn Danzig e 1/3 ele mesmo). Álbum riquíssimo em detalhes, surpreendente e, até onde posso me lembrar, único.




E não é que o Down rendeu bem? Despanterizados, o baixista Rex Brown e o rosnador Phil Anselmo se reencontraram no stoner doom metalizado praticado pelo conjunto. Se reinventaram mesmo - Anselmo está mais bluesy e Brown está audível (finalmente, Rex!). E o melhor de tudo... eles parecem pertencer tanto ao Down quanto já pertenceram à quadrilha dos cowboys from hell - esta era a minha maior nóia com o grupo, desde sua estréia com NOLA. E com integrantes do calibre dos guitarristas Pepper Keenan (C.O.C.) e Kirk Windstein (Crowbar) e do batera Jimmy Bower (Eyehategod) mata a questão de vez.

Pronto, tá aí: III - Over The Under é o melhor, mais personalizado e mais safo álbum da banda. Destilando um hidromel southern com o legado do Sabbath, o som é de primeira. Pesado como a consciência e decidido como uma marretada no meio do caminho.




The Mind Is A Terrible Thing To Taste
EBM, indústria, darkwave



Em Year Zero, o Nine Inch Nails superou The Fragile, de 2000, em reações exaltadas e não menos contraditórias. Nem o ultra-complexo ARG que o precedeu pôde preparar o público para os últimos 16 pregos de nove polegadas. Também não é à toa que o álbum "é a trilha de um filme que não existe", segundo Trent Reznor. O conceito, pra lá de cinematográfico, é ambientado em 2022, o ano zero decretado pelo governo dos EUA para marcar o renascimento da América - um imbróglio massificante que deu vazão ao autoritarismo, conservadorismo e ao fundamentalismo religioso. O cenário é de total distopia num mundo de pesadelo totalitário com overdoses de 1984, Metropolis e V de Vingança (e se bobeasse, até Zeitgeist, se não fosse anterior).

A contraparte sonora, claro, não poderia ser mais intrincada. O DNA industrial do NIN é das subversões mais viscerais que o gênero já teve. Faz questão de mostrar, entre drum machines e sintetizadores, que existe o elemento humano e falho lá no meio. O que é, por si, a verdadeira psiqué do grupo e o que ocorre aqui em profusão, no decorrer de cada faixa. Diferente da facilidade de With Teeth (2005), Year Zero soa como um mergulho em sua real ID - já apresentada via "Happiness In Slavery", um electro sulfúrico que caberia aqui à perfeição.

Álbum de músicas peculiares ao extremo, ignorando convenções e concessões. E com um universo inteiro a ser descoberto lá embaixo.




Lançando um álbum/EP por ano desde 1986 (excetuando em 2000/01, período dedicado às aventuras paralelas), o KMFDM lembra a máquina assassina do filme Hardware, constantemente se aperfeiçoando para multiplicar seu poder de destruição. Em Tohuvabohu, os veteranos se mostram absolutamente democráticos. Aqui existe espaço para dance putesca, trance viajandão, EBM, terremotos industriais, fúria metal e até pop rock, sempre com atitude bélica.

O álbum todo é um massacre eletrônico, mas a favorita da casa não poderia ser outra senão "Saft Und Kraft", um vagalhão thrash de derreter as obturações do Tom Araya. Quatro minutos e meio de arranha-céu implodindo.

E sim, a garota da capa realmente vai abrir o capacete (e a cabeça) daquele soldado...




O Skinny Puppy é um dos paideumas do industrialismo, mas soa hermético e intraduzível até hoje. Pelo menos pra mim, que boto no crédito certas bizarrias que constituem a dorsal desses canadenses assustadores. Mythmaker, no entanto, não é tão inalcançável. Pra minha surpresa é até "dançável" em certos momentos (para uma dark rave subterrânea a um andar acima do inferno, obviamente), mas sempre com uma baforada espessa de perversidade e um frenesi psicopático enegrecendo a atmosfera.

O vozeirão basso profondo de Nivek Ogre é de petrificar os nervos - e talvez seja o que faça do SP um legítimo "industrial de autor". Muito mais identidade do que dinamismo estrutural. A presença do sujeito é um espectro monstruoso na composição. E a parafernália tecnológica vem logo atrás - barulhenta, minimalista e poderosa, mas seguindo os passos pesados do ogro.

Agora, curioso é ouvir o que seria uma balada nos padrões do SP, em "jaHer" (será que rolava nas rádios?), e o que seria um rap, em "politikiL" (na cola do Pigface). Sinistros, muito sinistros.

Ps.: a capa surrealista é uma adaptação skinnyzada de uma pintura do artista filipino Manuel Ocampo, entitulada "Why I Hate Europeans". Publico a seguir, pois deu um catralho do canário pra achar.

Clique para ampliar a imagem.





O Pain é a banda de metal industrial do músico/produtor sueco Peter Tägtgren, do phoderoso Hypocrisy. Em comparação com seus demais projetos (The Abyss, Lock Up, War, etc), é o mais acessível, mas também o mais arrojado musicalmente e melhor produzido - principalmente neste 5º disco, Psalms Of Extinction.

O espantoso é que Tägtgren canta de verdade. Ao mesmo tempo que nunca imaginei ouvir uma "balada" desse cara ("Just Think Again"), nunca pensei que ele tivesse tanta desenvoltura em mixar peso metalizado com samplers, batidas dançantes e refrões até assobiáveis. O sujeito entrou mesmo no clima, desde o barulho dos synths até a capa, ao melhor estilo "Evil Gary Numan".

A faixa "Bitch" é um primor. Parece uma briga de foice entre Foo Fighters, NIN e Andrew W.K. Deve bombar no Hell Club.



Os antigos fãs do Samael devem estar rolando em seus muquifos pagãos. Ex-bastião black metal, o grupo agora é um colosso do metal industrial e Solar Soul é melhor exemplar desta nova fase. As letras, outrora recheadas de satanismo de fim de semana, agora pendem entre o espiritual e o humanista, com alguns temas inspirados em ficção-científica e mitologia.

No som ainda se ouvem elementos dark e algum clima épico, mas o link com o passado acaba aí. As faixas são pesadíssimas e fazem um uso inteligente do sampler. É chato falar, depois de tantos anos, mas agora é que eles estão compondo músicas realmente impactantes.

Perdeu, pentagrama.




O Gangrena Gasosa da darkwave. Talvez seja a referência mais próxima para definir os Pecadores. Em seu debut 10% for Jesus, sobram farpas pra padres, pastores e instituições religiosas com fins lucrativos em letras que chegam a lembrar os melhores refrões do Não Religião. No momento, minha preferida é a do (sub)hit "Macumbaria": "passei pela porta da igreja, entrei - voltei pela mesma porta que entrei - disseram que eu estava com encosto do cão - saí da igreja sem nenhum tostão".

O paralelo com o GG não se limita à temática. O som é um despacho extremamente bem sacado de EBM, industrial e gótico com atabaques, samplers fantasmagóricos, Pomba Gira, Exu Caveira, Tranca Rua e descarregos hardcore em terreiros de umbanda. É verdade que a produção de primeira (por Bruno Kramm, do cultuado Das Ich) garantiu uma possessão bem-sucedida, mas o grupo sabe chutar a santa com as próprias pernas.

Uma surpreendente revelação. A se lamentar a ausência de um selo especializado no Brasil, como a Stiletto e a Cri Du Chat foram um dia.

Mó di sê não... eces aí, mizifío, ádi caí nas graça du Preto Véi.



Boa estréia do quinteto canadense Edges Of Seven. Born Again Hard traz uma mistura de rock alternativo (-a-quê?) e industrial safra mid-90's (Gravity Kills, God Lives Underwater). À primeira vista, não soa lá muito promissor - inclusive a arte gráfica, datadíssima - mas os caras sabem construir bases possantes e vão direto ao assunto: a porrada.

Tão direto, inclusive, que nem a produção consegue acompanhar. Fossem os bumbos mixados a contento, as paredes ruiriam (cortesia de Jay Hagen, ex-batera do Front Line Assembly). Fico só imaginando se "Caged", o torpedo mais poderoso do arsenal, tivesse a produção de um Terry Date da vida...




Too Much History (The Electro + The Metal Years) é uma ótima oportunidade pra quem ainda não conhece o Die Krupps. O álbum é uma compilação 2.0 com novas versões de suas músicas mais representativas, divididas por fases. A Electro compreende o período oitentista, com o EBM/tecno da época, e a Metal cobre o período noventista com a entrada acachapante das guitarras e a virada industrial definitiva. As releituras conferiram uma pegada mais atual às faixas, mas manteve o charme minimalista original intocado.

Nota-se que a (excelente) produção arrefeceu um pouco a fúria do Krupps pelo lado metálico, principalmente na escolha do repertório - para mais informações, corra atrás de pedregulhadas como Bloodsuckers (1994), Isolation (1995) e Paradise Now (1997). O disco ainda conta com alguns extras na faixa: "5 Millionen", raridade lançada numa obscura coletânea chamada Advanced Electronics Vol.5, "Ich Bin Ein Ausländer", inesperado cover do Pop Will Eat Itself (álbum Dos Dedos Mis Amigos), e uma música nova chamada "The Great Divide".

Too Much History comemorou os 25 (agora 28) anos da banda e, de certa forma, reitera seu status de precursor industrial correndo-por-fora-do-circuitão-USA/UK - um clube seleto que inclui The Young Gods, Laibach, Einstürzende Neubauten, KMFDM, La Muerte, Gore e alguns outros. E pode bem representar uma nova tentativa do Krupps em busca do merecido reconhecimento, principalmente de quem acha que foi o Rammstein quem começou a brincadeira.



Alemão é nego doido. Em Body Census, o :Wumpscut: reincorpora seu darkwave electro-industrial lúgubre, rígido, gutural e sinistrão. Um pouco menos febril que as bad trips de outrora, mas ainda assim de alta periculosidade.

O "grupo" é o DJ alemão Rudy Ratzinger, neto do Papa Bento XVI (brincadeira), que se desdobra em um registro de extremos. Se pega mais leve em alguns momentos, como nas suaves ondas sintetizadas de "Hide And Seek", também senta os drum machines e o gogó terminal em outros tantos - vide "The Beast Sleeps Within You", "You Are A Goth (ElCom2)", "My Dear Ghoul" e o hit vampírico "We Believe, We Believe".

Puta bailão living-dead!




O My Life With The Thrill Kill Kult é uma das melhores crias da Wax Trax! e sempre passou longe da barulheira de seus colleagues. O negócio deles é no sapatinho. São especialistas em tecer climas tão obscenos quanto o Paulo César Pereio recitando uma poesia do Wando. Trilha Sala Especial propícia para embalar loucas aventuras nas melhores termas da cidade.

The Filthiest Show In Town já chega metendo (n)as coxas da Betty Page na capa e conclama do alto de sua paudurescência: solta aí um acid jazz cyberputo swingante, porque hoje eu vou comer alguém nesta porra!

Review decente você encontra aqui. Da minha parte, só digo que este álbum tem gostinho de perereca.



Em seu 2º disco, o She Wants Revenge venera a continuidade como seu Graal particular. Tudo em This Is Forever remete à atmosfera Joy Division/Depechiana de seu ótimo debut, com uma ligeira expansão musical e tecnológica honrando a evolução natural das espécies (e das artes!). O SWR preza pela linearidade dos beats e pelos vocais monocórdicos, pincelando tons new-romantic ao fundo com guitarra e teclados de timbragem oitentista - vez ou outra a ousadia dá um passo mais longo e surpreende, como na percussividade industrial da faixa "Checking Out".

This Is Forever é um autêntico lado B do primeiro álbum. Músicas mais soturnas, sem nenhum hit wannabe (= nenhuma "I Don't Wanna Fall In Love") e até a capa parece uma versão clean dark da anterior. O grupo tem um ou dois créditos na praça - fazer um clipe com a deliciosa Shirley Manson (Garbage) de dominatrix é um deles - mas o disco se garante sozinho.

Pelo jeito, o desafio do "segundo álbum" vai ficar pro terceiro.




Dark electro, powernoise, aggrotech... seja o que for, o DNA do norueguês CombiChrist contém traços marcantes daquela geração EBM agressiva dos 80's, mais especificamente Nitzer Ebb e Ministry fase Twich, mais alguma coisa do vovô Front 242 (que, depois de velho, gerou um filhote funk carioca fora do casamento). Em What The F**k Is Wrong With You People?, o alter-ego Andy LaPlegua promove um bombardeio eletrônico com arranjos noise ultra-distorcidos, construções rítmicas pulsantes e um peso sísmico. Tudo isto com seus vocais de mandril raivoso (quem esbarrar com o sujeito na rua, vai achar que ele é punk).

Música massiva pra quem curte electrossauros como Swamp Terrorists e Cubanate. Eletrônico pra praticar mosh.




Into the dark
Gothic, death rock



Cara, Grigori Rasputin era muito louco e está ilustrando o álbum certo. Dead Again é o Type O Negative viajando doidão em sua própria existência bizarra. O mix deprê que o grupo faz de Sabbath, Sisters Of Mercy e Fields Of The Nephilim agora é acrescido da explosão do Carnivore - antiga banda do baixista/vocalista Peter Steele, que ensaiou uma reuniãozinha há um ano atrás. Só isto explica a presença de algumas castanhadas bem mais velozes e "ensolaradas" que o padrão do Type. A faixa-título, "Some Stupid Tomorrow" e a do-caralho "Halloween In Heaven" seriam uma espécie de quê... "gothicore"? Só sei que bate estranho, mas o barato é garantido.

Contudo, a velha malemolência tipo O- predomina, com destaques para a cavernosa "The Profits Of Doom", os 14 minutos slow & deep de "These Three Things" e os tecladões mal-assombrados de "September Sun". Também é interessante o fato de sempre haver uma faixa mais sabbáthica neste filão (no caso, "An Ode To Locksmiths", cujos riffs foram transplantados direto da Gibson SG de Tony Iommi). Eles não se contêm mesmo.

Um álbum absolutamente empolgante e animador, no bom sentido. Ou no mau, sei lá.



O último disco do The Mission é uma bala. Ou melhor, veio como uma bala. Após seis anos de limbo, os rock-gothiques voltam à carga com um álbum de teor bem menos sorumbático. God Is A Bullet não traz nenhuma "Severina", nem a antiga entonação vocal down in a hole do frontman Wayne Hussey. As faixas têm sim um neon introspectivo, mas a textura é mais rocker, sóbria e madura - inclusive nas baladas, como "Father", tranqüilamente uma das mais bonitas de 2007.

O The Mission já anunciou que após a atual turnê britânica a missão estará concluída. Uma pena. Mas pelo menos eles se despedem com um belo álbum, com músicas conduzidas pelo discreto arraso do guitarrista Mark Gemini Thwaite e pelos vocais elásticos e estilosos de Hussey. Que aliás, mora no Brasil. E morando aqui ninguém se mantém gótico por muito tempo...




In Requiem deve redimir o Paradise Lost com os fãs de sua fase gothic metal e, quem sabe, até com os da fase doom/death (visto que estes já devem ter crescido e parado de levar tudo tão a sério). Não que a era "Paradise Mode" fosse ruim - eu, particularmente, curti a trinca One Second (1997); Host (1999); Believe In Nothing (2001) - mas este novo álbum foi feito com certeza pra quem ainda não tirou o Icon (1993) e o Draconian Times (1995) do CD-player.

A agressividade e o peso metálico voltaram, a melancolia e a atmosfera densa continuaram. Nick Holmes ainda canta muito - um pouco mais ríspido desta vez - e a magia da banda parece estar completa novamente. Só o cover do hit "Missing" (do Everything But The Girl!) deve desagradar os puristas, mas que ficou legal, ah, isso ficou.



Nascido como um projeto death rock no início dos anos 90, o London After Midnight chega agora ao seu 4º disco, Violent Acts Of Beauty. Cultuado pelos porões dark mundo afora, o LAM é o codinome em estúdio do californiano Sean Brennan, cantor, multiinstrumentista, programador e (um puta) produtor. O cara tem uma abordagem atualíssima nas composições, se utilizando de doses generosas de tecno, jungle, industrial, metal e progressive pop, sem abrir mão da finesse dos arranjos e do espectro gótico tradicional.

Suas letras são altamente politizadas e estão entre as mais interessantes da cena atual, vide as faixas "Feeling Fascist?", "America's A Fucking Disease" e "Kids All Are Wrong", com linhas temáticas raríssimas neste estilo. Brennan ainda teve a manha de filmar um trailer (bem engajado) do álbum. Dá a impressão que ele está a um passo de uma versão gótica para "Street Fighting Man"...




Solo mio
Sem lenço, sem documento, no sol de quase dezembro



Em comparação com a sonoridade deste Trees Outside The Academy, a capa parece um velho retrato de tempos mais impulsivos e inocentes. O Sonic Youth que ainda vive em Thurston Moore comparece neste seu segundo solo como se fossem participações especiais: sugerido na intro de "Fri > Emd", na esquisita instrumental "American Coffin'", na rápida e rasteira "Wonderful Witches", na esquizofrenia semi-unplugged de "Off Work" e na vinheta auto-explicativa "Free Noise Among Friends". Mas o tom geral - e presente em cada uma das canções - é dado por guitarras acústicas e pelos esparsos violinos de Samara Lubelski.

Mas de certa forma, Moore surpreende por se mostrar mais próximo do velho SY do que o próprio SY dos últimos discos. Talvez seja pelo álbum ter sido gravado no estúdio caseiro do amigo barulhento J. Mascis (do Dinosaur Jr.), que guitarriza na faixa-título. Ou talvez por inspiração no estilo de vida bluesman - mesmo trilhando seu próprio caminho ele não abandona velhos (e ótimos) hábitos.



Esta mulher gemendo na cama deve ser uma loucura. MantaRay é o primeiro vôo solo de Siouxsie Sioux, muito embora ela fosse o Siouxsie & The Banshees desde sempre. E agora, aos 50 anos, ainda mantém o tesão aceso.

Em MantaRay, Siouxsie se atualiza na estampa. O disco trafega pelo pop, glam, eletrônico, diversidades world-percussivas e até esporro industrial, mas em essência ela continua a mesma. A verve dramática ainda está lá, misteriosa e provocante. Um bom exemplo é a canção "If It Doesn't Kill You", um acid jazz em que ela encarna uma cantora de cabaret decadente dos anos 30.

O resultado não poderia ser outro: um álbum sensacional. E eu ainda quero comer esta mulher.




O guitarrista Tom Morello já demonstrou sua admiração por Bruce Springsteen, na versão do Rage Against The Machine para "The Ghost Of Tom Joad". Agora, sob o codinome The Nightwatchman, ele praticamente incorpora o Chefão na época do clássico Nebraska, de 1982. A referência é imediata, mas percebe-se também influências de trovadores por natureza, como Bob Dylan, Johnny Cash e Woody Guthrie.

One Man Revolution tem treze faixas acústicas com seu já conhecido engajamento político, alvejando a política predatória norte-americana e as grandes corporações. Só que desta vez com uma abordagem mais irônica que panfletária, como na ótima faixa-título. A tocada das músicas é de muito folk rock (e folk de raiz em "The Road I Must Travel"), harmônica e espírito on the road.

Morello, que costuma estripar guitarras no palco para atingir um timbre específico, procura atingir a alma neste álbum. Marcante.



O pintor e músico Herman Brood foi um tremendo porra-louca considerado a personificação alemã da tríade sexo, drogas & rock'n'roll. Cultuado por muitos, inclusive por Black Francis/Frank Black, que dedicou Bluefinger inteirinho só pra ele. Todas as faixas são baseadas nas idéias e experiências pessoais do über-junkie.

Se este não for o melhor disco do Francis, chega bem perto. Nem é tanto pelo peso (da música), afinal ele já gravou álbuns pesadões que não ficaram lá essas coisas, é mais pela essência rock and roll que permeia o álbum o tempo inteiro. É um retorno à boa saga rockeira conceitual, The Who à frente.

Dá tão certo que o clímax não poderia ser outro senão a 9ª faixa, "You Can't Break A Heart And Have It", uma nervosa cover de uma canção do próprio Brood. Mais fundo na matéria, impossível.




Eddie Vedder é um sujeito legal. Andou numa fase meio estranha após a morte de Kurt Cobain, virando as costas ao oba-oba MTVístico e ao status icônico que o perseguia, preferindo ir tocar com todos os seus ídolos (e os meus também). E tratou de zerar todos os apelos de sua mis-en-scène rockeira - até o crowd-surfing de início de carreira foi pro saco, o que é até compreensível, já que ele não é mais um moleque de bermudão e camisa de flanela. Enquanto isso, Vedder vai envelhecendo bem, se valendo tão somente de sua música. Pra mim seria natural que um dia ele figure ali, ao lado de Young, Morrison, Daltrey e Dylan.

Into The Wild, seu primeiro solo, é o início de um fim para Vedder. Baseado na trilha que compôs para o filme homônimo dirigido por Sean Penn, o álbum é uma espécie de jornada em busca de verdade musical e espiritual. Despojado do rancor e do peso das guitarras, o vocalista brinca com sua introspecção e lirismo, num clima agradavelmente acústico e intimista, sem poses ou imediatismos.

Se um dia eu resolver largar tudo e me mandar pro Alaska (ou Macchu Picchu, que prefiro), este CD é um que irá na bagagem. Ou na memória.



Segunda incursão solo de Dave Gahan, o frontman do Depeche Mode. Em Hourglass ele navega em texturas synth atmosféricas, beats percussivos e naquela velha penumbra introspectiva que lhe é característica. Mesmo nas baladas, como na etérea "Miracles", não há qualquer rigor estrutural - exceções são os flertes mais efetivos com o Depeche hitmaker, como a arenosa "Saw Something" (com guitarra de John Frusciante), o electro-boogie "Use You" (meio-irmão do hit "Personal Jesus") e a soturna "Endless".

Um excelente álbum, tecnicamente impecável, bastante pessoal e poético. Mas a julgar pela letra da faixa "Down", Gahan, ex-rehab terminal, ainda está proibido de se hospedar num quarto de hotel em Amsterdam.




Você e eu, eu e você
Projetos, parcerias, universos paralelos


Fui descobrir Alison Krauss através de sua maravilhosa participação na trilha do filme E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?, dos Coen. Antes eu achava que country era só aquela coisa ali, de Hank Williams antigamente e Garth Brooks hoje em dia. Graças à Alison, eu vi a luz, my brothers! I saw the light! E alcancei a redenção definitiva com este fantástico Raising Sand, colaboração dela com o indefectível Robert Plant. Só pelos créditos dos compositores (inclui de Sam Phillips a Tom Waits), já dá pra ter uma ligeira idéia da trip interiorana que é este álbum.

Além do country tradicional, o passeio inclui idílicas paisagens de gospel, soul, r&b, folk, blues e talento em estado bruto, mas nunca embrutecido.

Sweet Jesus! Praise The Lord!



Ataxia (condição neurológica que afeta a coordenação e o equilíbrio) é um power trio alternativo formado pelo guitarrista/vocalista John Frusciante (Red Hot Chili Peppers), pelo baixista Joe Lally (Fugazi) e pelo batera Josh Klinghoffer (o guitar de apoio do RHCP ao vivo). AWII traz cinco faixas de uma sessão gravada em 2004 e dividida em dois álbuns - o primeiro foi Automatic Writing, lançado naquele mesmo ano.

Frusciante é ex-garoto prodígio da guitarra - quem lembra, sente saudades de seu estilo funkeado com direcionamento hendrixiano nos áureos tempos de Mother's Milk e BSSM, do Red Hot. E Lally foi o coração pulsante do Fugazi desde sempre. Impressionante como um baixista se destacou tanto em identidade musical logo numa banda de essência hardcore.

O resultado desta mixórdia é bem experimental, percussivo, improvisado e dub. Notam-se influências de pós-punk e das garage-bands oitentistas, com as linhas hipnóticas do baixo de Lally, a guitarra de Frusciante na raspa de tacho noise e os melhores vocais que já ouvi do ex-moleque (o que não significa necessariamente "os mais bonitos").

Mantras extra-sensoriais para ouvir degustando cogumelos e chazinho de Santo Daime. Entorpecente.




São álbuns como esse que me fazem agradecer aos céus pelos projetos paralelos. Heavy Trash é um combinado entre Jon Spencer ('s Blues Xplosion) e Matt Verta-Ray (Madder Rose). Going Way Out With Heavy Trash já é o segundo disco e traz um mix demencial da invasão britânica (Kinks, Stones, Troggs) com The Cramps, Bo Diddley, Johnny Cash e rompantes à Eddie Cochran e George Thorogood. Early rock and roll incendiário do início ao fim.

Tarantino deve ter chorado quando ouviu isso. Simplesmente imperdível.




Grinderman é a banda paralela dos membros do Nick Cave & The Bad Seeds. Temos aqui, além do próprio Nick Cave, 3 seeds: o baixista Martyn Paul Casey, o batera Jim Sclavunos e o multi-tarefas acordoejante Warren Ellis (não o quadrinhista!). Neste sangrento álbum homônimo, o grupo toca o terror nos pubs. Blues rock proto-punk garageiro de essência primal. Urgente, etílico, grosseiro e, ao mesmo tempo, sedutor e refinado.

Distingüe-se algo da subcultura estradeira e empoeirada ali por cima, entre uma dose dupla de bourbon e outra. Nada traduzível, ainda mais sóbrio. Mas talvez esteja aí a definição mais próxima: o Grinderman é mezcal em forma de música e a larva no fundo da garrafa é a inspiração que o disco oferece.

Já ouvi mr. Cave transtornado e exorcizando demônios antes, mas aqui ele se auto-exorciza, inconformado com a inevitabilidade do tempo. Dicotomia com som e fúria.




Eu não gosto do governo
Punk, garagem, entrada a 5 reais ou 3kg de alimentos não-perecíveis



O tempo alcançou o The Stooges? Isto depende do que se espera de uma banda que instaurou a noção de apocalipse, perversão e desobediência civil no rock'n'roll... há 40 anos atrás. Iggy Pop e sua Legião da Má Vontade abriram a Caixa da Prostituta Pandora e hoje a criatura é maior do que qualquer criador. Não adianta querer encarar The Weirdness como a segunda vinda do (anti-)Cristo, o contexto atual é outro. Se render um rock'n'roll virulento com plenos rompantes de anarquia já está mais do que bom.

Seja como for, a quadra que abre The Weirdness é impecável, até para os padrões stoogeanos (que "My Idea Of Fun" sensacional... acho que até um monge budista cantaria o refrão "my idea of fun is killing everyone"). Fora o velho Iguana, estão de volta os irmãos Ron e Scott Asheton (guitarra & bateria), auxiliados no baixo pela lendazinha underground Mike Watt (Minutemen, fIREHOSE). Nos controles, o gravador-man Steve Albini.

Claro que não se compara à trinca infernal clássica. Mas ainda assim eu quero ser seu cachorro.



Das bandas underground com alguma repercussão na grande mídia, o Autoramas é das mais rockers. E quase uma voz solitária. Não sei até que ponto "O Rock Errou" (do Lobão) foi profética, mas no caso deste trio há que se louvar a persistência, embora fique a impressão de que eles ainda têm muito o que render/evoluir.

Teletransporte é um batidão de Dick Dale, The Cramps, Man Or Astro-Man? e caipirinha (ic!). Um tanto mais sinuoso e polivalente que os anteriores, mas com a chinelagem rock & roll dando o tom. Pena que a baixista Selma Vieira (que já saiu do grupo) cantou muito pouco no disco. Algumas letras ficariam bem mais instigantes na voz dela, como aquele sensacional "foda-se" da música "Surtei".

Teletransporte funciona como uma injeção de adrenalina nesta UTI repleta de enfermeiros emos onde o róque brasileiro se encontra atualmente.



É a vingança do baixo transversal! O fabuloso Chega De Falsas Promesas, do Canastra, é uma melhores surpresas nacionais de 2007 - quiçá a melhor dos últimos cinco anos. É a volta das boas letras em português ao rock'n'roll. Numa época dominada por versos tortos e barbeiragens na métrica, a banda carioca é campeã do carnaval. Dez, nota dez. A faixa-título e a etílica "Dois Dedos de Conhaque" viraram meus hinos particulares.

É Léo Jaime, Santo & Johnny, Reverend Horton Heat e Squirrel Nut Zippers fazendo a festa em New Orleans. Ou simplesmente Canastra, a melhor da banda dos últimos tempos dos últimos meses.




Ano retrasado, o cantor Greg Graffin lançou um disco solo espetacular (de folk!) que me fez pensar se o Bad Religion já deu o que tinha que dar. Se depender de álbuns como este New Maps Of Hell ainda não. A trinca inicial é puro hardcore mach-5, abrindo com 52 Seconds (com 58 segundos, na verdade), "Heroes & Martyrs" e "Germs Of Perfection". Mas na seqüência, o disco pisa um pouco no freio, só voltando a romper a barreira do som na 11ª faixa, "Murder".

No geral, o approach é muito mais melódico e técnico do que o punk rock se permite (e do que o grupo se permitia nos primeiros anos), sendo exatamente o que eles oferecem de melhor hoje. As músicas "The Prodigal Son" e "Submission Complete" são ótimos exemplos. Enquanto a velocidade da primeira desemboca numa inspirada pop song, a segunda desenvolve uma cadência refinada, numa grande performance do batera Brooks Wackerman.

O Bad Religion envelhece numa boa e mantém uma produção regularíssima, sendo um dos últimos que restaram da sua geração, ao lado do já cambota Social Distortion (Minor Threat, Hüsker Dü e Circle Jerks se foram há tempos, Vandals e Stiff Little Fingers submergiram no mangue underground). Se continuarem assim, vou acreditar que eles vêm de novo ao Brasil.



Phoenix, Arizona, é uma cidade no meio de um deserto escaldante (Sonoran Desert, aquele do início de "Contatos Imediatos do Terceiro Grau"). Ironicamente, é o habitat natural dos morcegos punk do Calabrese.

Calcado no horror punk à Misfits fase Danzig, os caras fazem a festa (de Halloween, claro). The Traveling Vampire Show traz 12 pauladas assombrosas, com vinhetas sampleadas de filmes B.

Simples como parece e divertidíssimo.




Cuidado que elas pegam mesmo. Cuidado, hein. As rockeiras do The Donnas estão saindo da garagem direto para um estádio lotado. Bitchin' pode ser o álbum mais comercial das meninas, mas também é o mais lascivo, clitorizado, o mais tesudo e o que vai te pegar pelas bolas. Alunas da professora Jett se formando ao som de "Living After Midnight", do Padre Judas. Jeans rasgado, tênis All Star e camiseta do Ramones.

Pode soar um tanto arenão em alguns momentos, mas a intenção é lotar o Rose Bowl mesmo. E uma banda que tem o aval de Donita Sparks é insuspeita. Meu sonho é estar lá nos camarins das Donnas para a tradicional esticada pós-show. Deixo elas me usarem e me abusarem. Na boa.

Discão contagiante. Party all nite long!



Get The Gore, 3º disco das Gore Gore Girls, é rock bubblegum garageiro com uma botinha de salto alto em Girlschool, Runaways e Suzi Quatro, e outra em Beach Boys, Cheap Trick e Gary Glitter. Como se vê (/ouve), as meninas têm grandes referências e não pára por aí.

O nome Gore Gore Girls foi inspirado no clássico B homônimo de Herschell Gordon Lewis, pioneiro do sexploitation e do gore-nude. Uma pérola trash abarrotada de strippers, putaria e, claro, gore.

Yeah, eu me ofereço para ser sodomizado por elas. The Gooore Gore Girls!! The Gooooooore Gore Girls!!!




O termo "drunk punk gospel" parece auto-explicativo. Mas tem mais: Robert Johnson, Screamin' Jay Hawkins, Fats Domino, Hank Williams, folk e cajun dos pântanos mais lodosos da Louisiana. Pra completar o bizarre case scenario, o Reverend Beat-Man é suíço e one-man-band.

Estes dois volumes de Surreal Folk Blues Gospel Trash fazem parte de uma trilogia alcóolatra-messiânica de um preacher porra-louca que, pelo timbre destroçado de voz, andou bebendo whisky aos gargalos lá na sacristia. Mal posso esperar pelo volume três.




Em comparação com os primeiros discos, o Mukeka Di Rato não refinou um acorde sequer neste Carne. A gororoba desta vez parece até mais tosca (não na produção, fodona, mas na musicalização). Isso é ótimo! Obviamente, o crusty hardcore do grupo capixaba já não é mais aquele moleque mal-educado do hino "Minha Escolinha", mas em compensação está muito mais profissa, sujo e pesadão.

Com seu próprio tempero, Carne honra a tradição de chefs como Rattus, Riistetyt, Exploited, Discharge e Extreme Noise Terror. Moqueca finíssima pra digerir na porrada. E pô, os caras moram aqui ao lado.

Clipe de "Cachaça":




A trajetória do carioca Leela ilustra bem a situação precária em que se encontra hoje o pop rock nacional. Pequenas Caixas, seu segundo álbum, já era pra estar saturado nas rádios, nas trilhas de novela, no Raul Gil e emplacando disco de platina. Ou pelo menos ocupando o lugar das nulidades emossexuais numerísticas que assolam as paradas.

O Leela tem tudo pronto aqui: letras desfiando relacionamentos, instrumental power pop bem medido e a loirinha exocet Bianca Jordhão - e ninguém menos (ou mais) que Fausto Fawcett, o poeta da urbanidade oxigenada, contribui em três músicas: "Amor Barato", "1 Beijo Pede Bis" e "Delirium".

Em que pese contra a produção Liminha demais (novamente de Rick Bonadio, o Liminha com urânio enriquecido) e o Ctrl C/Ctrl V de dois momentos do Queens Of The Stone Age em "6 Horas Sem Desculpas", o Leela evidencia neste disco que um futuro promissor ainda aguarda no horizonte. Que não seja promissor eternamente.




Os três acordes de Jah
Haile Selassie, Johnny Rotten & dreadlocks



Disco novo do Bad Brains com a formação original é mais do que pedi a Jah. O quarteto seminal ainda transmite a mesma fúria e leseira catch a fire dos primeiros dias - mas bem distante daquele do-it-yourself todo. Os caras já provaram que são tão punks quanto o Dead Kennedys (Bad Brains, 1982) e tão virtuoses quanto o Living Colour (Rise, 1993). Contudo, o que todo dreadpunk gostaria de saber é se este Build A Nation bate tão forte quanto o descaralhante Quickness, de 89.

Recobrada a consciência, eu diria que até mais. Ganja de primeira. Viva o Leão de Judá!





O Tomorrows Bad Seeds mandou bem em seu primeiro disco, Early Prayers. O grupo faz um cross agradabilíssimo de reggae, rock e hip-hop, por vezes lembrando um mix de Sublime com 311. Não duvido nada que a faixa "Rhyme & Reason" esteja saturada nas rádios e eu não estou sabendo. Vibe total.

Pra descer a serra de manhãzinha em direção às ondas.



Em seu debut A Classy Mess, o The Bad Scene se revela um legítimo herdeiro do chamado "reggae branco" do início dos anos 80. A influência primordial aqui é o Police e o grande English Beat, mas também há espaço para pauladas raggapunk à Down By Law.

A versatilidade do trio de New Jersey é digna de nota. Destaque para a faixa "Corrections", que tem uma intro slapeada à Primus e linhas vocais à "Come Together". Um ótimo começo.

Legal também foi o post do conjunto em seu site oficial, quando estava prestes a assinar contrato: "Nós estamos realmente perto de assinar. Ser contratado não é exatamente um motivo de preocupação, é mais sobre as vendas do álbum. A parada é a seguinte, nós não sabemos porra nenhuma sobre esse contrato que a gente tem aqui. Bem, sabemos do que gostamos e do que não gostamos. Se alguém conhece um advogado por favor peça a ele pra olhar isso pra gente!"

Banda começando é uma maravilha. Não canso de ouvir "Spirit Of Radio", do Rush.




No extinto Dub War, o rude boy Benji Webbe detonava um ragga-metal mergulhado num oceano dub. Agora, no Skindred, o sound-system do cara está ainda mais pesado, mas sem abrir mão do fumacê wailer. Roots Rock Riot é uma legítima tora na cabeça - com trocadilho. Além do barulho extra das guitarras, os arranjos estão mais diversificados, incluindo até um naipezinho de metais (chegando a lembrar os vovôs do Fishbone). Inovações que só se ouviam no Dub War nos discos de remixes.

Um álbum sensivelmente melhor que o anterior, Babylon (2006), cujo nível já era bem alto - com trocadilho². É Bob Marley louvando Jah com uma ESP JH-2. Kingston-core #1 nos inferninhos mais concorridos de Zion.



Na capa, um sujeito sentado na rua, ouvindo uma radiola popular e segurando uma garrafa de mé. A faixa de abertura é um instrumental malandrão entitulado "Hold My Beer And Watch This". Mas é claro. Foi por isto que senti uma empatia quase imediata com este More Late Night Transmissions With..., 3º disco do Jaya The Cat.

O trio de Boston radicado em Amsterdam executa um mix de Kingston, Orange County e NY - muito embora as guitarras só compareçam apimentadas lá pela 6ª faixa, no punk rock "Mistake". Neste exato momento, tenho um carinho todo especial pela música "Closing Time", que me lembra de ontem à noite, e pelo ska "Hello Hangover" (olá!), que me lembra hoje de manhã.

Ao vivo, o grupo conta com vários músicos de apoio, incluindo David "The Germ" Germain, ex-baterista do Shadows Fall. Isto que é redirecionar a carreira.




Niggaz 4 Life
Periferia é periferia em qualquer lugar



Lembro até hoje. O filme era Faça a Coisa Certa, a música era "Fight The Power". O Public Enemy foi o primeiro grupo rap a tirar minha atenção dos Metallicas e Megadeths que eu consumia ininterruptamente na época. Instigado, peguei emprestado de alguém o bolachão de It Takes A Nation Of Millions To Hold Us Back (1988). Mal pude acreditar no riff de "Angel Of Death" (Slayer) dando o tom na faixa "She Watch Channel Zero?!". Fui tomado de assalto por colagens agressivas, drum beats contagiantes e uma panfletagem hardcore nos mics. Flavor Flav, Chuck D & Cia eram rappers de atitude fudidamente rock. Nem lembro que fim levou o elepê, mas sei que não devolvi.

How You Sell Soul To A Souless People Who Sold Their Soul? resgata boa parte daquela virulência dos bons tempos. DJ Lord (substituindo o lendário Terminator X) barbariza na escolha dos samplers, o malaco Chuck D e Professor Griff mandam 50 Cent e Akon de volta à creche gangsta e o preguiçoso Flavor Flav trabalha bem menos do que deveria. Voadora na orelha: "Black Is Back", que virou single.

Os trintões velhuscos vão fazer a festa black, mas não sei se surtirá o mesmo efeito nas novas gerações. Para estes: don't believe the hype. Pronto, agora só me falta um opalão.



Em casa de ferreiro, espeto de pau. O nova-iorquino Ron Braunstein, a.k.a. Necro, é produtor e rapper por profissão, mas o negócio dele é metal extremo. Ex-guitarrista de banda death metal (o Injustice, ativo nos píncaros do estilo), o sujeito não se furta em citar em suas letras trechos como "taste me you will see more is all you need, dedicated to how I am killing you" (Metallica) e "penetrate your skull like a riff from Obituary's Slowly We Rot" - e isto só em uma música, "Underground". Ele também já fez colaborações com integrantes do Exhumed, Testament e Sepultura em seu projeto The Circle Of Tyrants (homenagem à canção homônima do Celtic Frost!). Real deathster o cabra.

Na prática, a influência ruidosa quase se limita à lírica, realmente podrona e carregada de violência explícita. Death Rap tem lá seus momentos Body Count - "Suffocated To Death By God's Shadow" (com Brian Fair, Mark Morton, Mike Smith e Steve DiGiorgio), "Evil Rules" (com Scott Ian, Dave Ellefson e Ray Alder) e "Keeping It Real" - mas a tônica geral é de um ótimo trampo underground emcee, com samplers irônicos, batidões secos e vozeirão de b-boy do Brooklyn (e o cara é de lá mesmo).

Trilha pra customizar morto-vivo. E o Iggor já pintou lá na quebrada também, claro.




Alive and kicking
God bless you all, thank you very much, good night



Demorou, mas enfim. À esta altura do campeonato, o Live do Rob Zombie perde um pouco do impacto da novidade, com tantos e variados bootlegs flutuando na rede. Ao invés de um show único, o álbum registra as melhores performances da turnê do Educated Horses. Decisão deveras acertada, pois quem já ouviu os boots do Zombie solo e do Zombie white, deve ter reparado que o carburador do cara dá umas engasgadas a partir da 4ª ou, no mais tardar, 5ª música do set. Literalmente funde o motor de tanto forçar as correias vocais. Mas aqui não. Tudo bem distribuído, colocado e (re?)mixado.

Com um repertório massacrante misturando as porradas do White com seus próprios hits, o Zombie fica infalível. Ainda mais acompanhado de uma banda podraça e com fome de bola - e por mim desconhecida, com uns ex-Marilyn Manson, Wednesday 13 e um tal de Tommy Clufetos baterizando tão insanamente que até me fez esquecer a ausência do grande John Tempesta.

A patroinha Sheri Moon com certeza deve ter curtido. Né, Sheri?


Essa é a Farrah Fawcett que eu pedi a Deus.



A discografia de Paul Rodgers é generosa em alives e não podia ser diferente. O lugar do cara é no palco - e olha que é o mesmo sujeito que gravou clássicos em estúdio com o Free e o Bad Company, fora o injustamente ignorado The Firm, com Jimmy Page. Este show gravado em uma única apresentação (craque é assim mesmo) traz 17 faixas, mesma quantidade do DVD.

O set-list compreende, entre outras, os cavalos de batalha das duas primeiras bandas ("Feel Like Makin' Love", "Bad Company", "Wishing Well", "All Right Now", "Can't Get Enough"), os covers de "Louisiana Blues" (Muddy Waters) e "The Hunter" (Booker T & The MG's), mais a inédita "Warboys (A Prayer For Peace)", cogitada para um álbum de estúdio dele com o Queen. Repertório dos sonhos. Todo aspirante a cantor deveria fazer um intensivão disso aqui - e provavelmente a maioria iria repensar a vocação.

Além de dar aula em todos os fundamentos (rock, soul, blues, gospel e lá vai gogó), é impressionante como Rodgers melhora ainda mais com o passar dos anos. O timbre, as inflexões... é inexplicável. Vozeiraço. Apenas ouça, obrigatoriamente, no volume máximo disponível.




Carroçada ao vivo do Therapy?: Music Through A Cheap Transistor: The BBC Sessions captura a banda irlandesa derretendo amps e equalizadores na rádio BBC. O álbum tem 28 faixas, compreendendo performances nos programas John Peel, Evening Session, Friday Rock Show e Rock Show no período 1990-98. Ou seja: está aqui o material inflamável dos melhores discos do grupo de Andy Cairns.

Torpedos do calibre de "Perversonality", "Nausea", "Accelerator", "Teethgrinder", "Screamager" (yeah!), "Trigger Inside", "Knives", "Isolation" e vários outros projéteis industrial-punk-metal-hardcóricos.

Mais uma vez, parabéns à BB-fuckin'-C. Este é pra fazer coro: Therapy?!! Therapy?!! Therapy?!!!



E eis que chegamos ao Live do R.E.M.. Como todo artista longevo e criativamente produtivo, a grande questão matemática/metafísica de seus shows é o set-list. Sempre vai ter alguém querendo aquela do Murmur (1983) ou aquela do Document (1987 e, meu Deus, como é que tiveram o penacho de barrar "It's The End Of The World As We Know It (And I Feel Fine)"?). Neste sentido, o cultuado bootleg da apresentação do grupo no Rock In Rio 3 foi definitivo em performance, peso e repertório.

Mas este Live oficial, de gravadora, não fica tão atrás e funciona como uma sessão complementar àquele momento antológico da turma de Athens. E ainda rolou "Orange Crush" (ah, meus tempos de prancha). O saudoso Cliff Burton teria aprovado.




Motörhead comemorando seu aniversário de 30 anos no Hammersmith Apollo! Fiquei até emocionado. Acho que é a frase mais perfeita que já escrevi na vida.

Better Motörhead Than Dead captura a regozijante apresentação de 16 de junho de 2005, lançada só ano passado, com um set-list trazendo todos os clássicos usuais e algumas novidades. Adorei a inclusão de "Killers", "In The Name Of Tragedy", da sepulturística "Dancing On Your Grave" e principalmente "Whorehouse Blues", que é uma paradinha fora do standard heavy & loud da banda, mas legal pra caralho.

Isto que é aniversário.



Ao vivo do síndico mais rock'n'roll do Brasil. Sebastião Rodrigues Maia, o Tim Maia, já era punk bem antes de cunharem o termo. Em 2007 seu legado foi homenageado com um (excelente) especial da Globo, o comentado livro do Nelson Motta e o lançamento deste In Concert. O CD/DVD registra o histórico show no Hotel Nacional, RJ, em 1989, com uma big band regida pelo maestro Ivanovich e uma platéia entregue (e recheada de vips).

A banda Vitória Régia estava afiadíssima, o repertório reluzia e Tim, puxa vida, resolveu cantar. E como! In Concert é o total oposto do Ao Vivo lançado em 92, quando o soulman já pagava caro pelos excessos e largava o microfone a encargo dos backings, isto quando aparecia. Mas naquela noite foi bem diferente - o síndico não só foi, como cantou.




Black Sabbath: The Dio Years, banda Heaven And Hell e estes dois discos ao vivo. 2007 foi o ano de consagração do Black Sabbath com o trovejante Ronnie James Dio à frente. O tempo fez justiça: apesar da curta e descontinuada trajetória, a 2ª formação mais clássica do grupo foi a única sobrevivente íntegra. E ao contrário do que o Sabá original sequer poderia cogitar com os danificados Bill Ward e Ozzy, demonstra uma longevidade incomparável no palco. Simplesmente porque Tony Iommi, Geezer Butler, Vinny Appice e Dio, juntos, é sinônimo de superbanda. Fisicamente, é outro nível.

Live At Hammersmith Odeon fez a alegria de quem cultuava o clássico Live Evil (1982), mas sabia que a história tinha capítulos não-publicados, ou faixas não lançadas na edição final. Os bootlegs daquela tour adquiriram contornos lendários, com execuções que só agora viram a luz do dia ("Country Girl" e "Slipping Away") e com um set-list enfim alinhado corretamente. Discoteca básica, essencial.

Live Radio City Music Hall foi retirado de uma apresentação numa rádio de New York, promovendo uma das turnês mais concorridas do ano passado. Ainda sem dar as caras por aqui, o Heaven And Hell organizou um repertório dos sonhos, mixando o material do álbum homônimo, Mob Rules, Dehumanizer e mais duas composições novinhas, "The Devil Cried" e "Shadow Of The Wind" (a outra inédita, "Ear In The Wall", ficou só no Dio Years). Appice, Geezer e, principalmente, Iommi incrivelmente pesados e Ronnie D descontando no feeling. Mestres.

Fico na torcida pra que Iommi finalmente desenrole o vídeo com o legendário show do Live Evil. E também as pilhas de material ao vivo com Ozzy, Dio e até Ian Gillan que ele diz ter guardado, esperando por remasterização e transferência para DVD.




Raspas e restos que interessam
Inéditas



The Lost Tracks Of Danzig é uma surpreendente compilação de inéditas do Evil Elvis, já destrinchada aqui. Porque estas maravilhas só estão vendo a luz do dia agora, só Danzig sabe.

Isto não se faz. Esse cara é mau mesmo.




Os cinco invencíveis
Top f5ve de 2007


5


A melhor definição para Scream Of The Iron Iconoclast, do trio Stinking Lizaveta é esta aqui.

Scream Of The Iron Iconoclast é o equivalente musical desta capa expressionista à Pollock. Coisa de louco. E de louco genial.



4


Uma das minhas bandas favoritas (e ainda um dos segredos mais bem guardados do mundo). O britânico Gallon Drunk não tem concorrentes, até porque ninguém faz o que o grupo faz. Como bem falou o John Peel: "Porque eu gosto deles? Porque eles não soam igual a nenhum outro". Semi-verdade absoluta. O Gallon tem toda aquela aura dark/pós-punk do Birthday Party aliada aos riffs cavernosos do The Cramps, mas o princípio ativo é um jazzabilly noir destilado com pancadarias noise esporádicas.

Pub rock from hell. The Rotten Mile reverbera pelos subterrâneos de Londres e pelos pubs vagabundos freqüentados por John Constantine.



3


De certa forma, devemos agradecer ao George W. Bush. Ele foi a inspiração primordial do Ministry em sua última trinca de álbuns, concluída neste destruidor The Last Sucker. O disco, já periciado aqui na ocasião do leak, ainda é 100% cáustico e certamente um dos melhores já produzidos na fornalha industrial do grupo.

No momento, o chefão doidão Al Jourgensen segue fielmente a agenda de despedida do Ministry, com um álbum de covers (Cover Up, creditado como Ministry And Co-Conspirators) e agora na estrada com a C-U-LaTour. Tomara que o cara mude de idéia, mas se acabar mesmo, será em grande estilo. Como deve ser.



2


Desde Howl, de 2005, eu já esperava por uma continuidade memorável do Black Rebel Motorcycle Club. Mas não por Baby 81. Excedendo (e muito) minhas expectativas, o álbum estabeleceu mais uma guinada criativa na trajetória do grupo. Soa como se o BRMC cruzasse toda a sua produção até aqui, unindo a fase alternativa do início com a atmosfera rústica do country, blues e gospel da safra posterior. Em Baby 81, o Black Rebel se recria, utilizando apenas o que sempre soube e o que sempre fez.

"Weapon Of Choice", "666 Conducer" e "American X" são em feeling o que "Smells Like Teen Spirit" foi em niilismo. É muito animador que discos assim ainda sejam concebidos.



1


É curioso como logo a Suíça, aquele banco central mundial com pouca ou nenhuma tradição rockeira, foi o berço desta que é uma das formações mais bombásticas e inovadoras da música moderna. De todos os factóides dos últimos vinte anos apontando algum suposto "futuro do rock", nenhum se compara ao que o The Young Gods representa. E longe do alcance da mídia rasteira. Revolução não televisionada.

Super Ready/Fragmenté é o álbum mais orgânico destes visionários, mesmo sem ceder um milímetro da barragem tecnológica. A voz de Franz Treichler ainda é a mais pura articulação atmosférica, obscurante, fragmentando o espectro de uma violência sem limites. Uma submersão sonora por todos os níveis da percepção. Da sofisticação à brutalidade, do barulho ao silêncio, da ordem ao caos.

Ouso dizer, mesmo após L'Eau Rouge (1989), Play Kurt Weill (1991) e T.V.Sky (1992), que este é o melhor álbum de sua arrasadora discografia. Que os Deuses me perdoem se eu estiver errado.


Em breve a parte II. E na trilha: nada no momento.