sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

MEU PRIMEIRO ZUMBI


"Emily Hagins está fazendo um filme de zumbis. É um longa-metragem, é sangrento e os zumbis não correm. Como deveria ser. Mas há uma diferença entre o seu filme e os outros filmes de zumbi que você já assistiu: Emily tem doze anos".

Zombie Girl: The Movie é um documentário/diário de bordo que acompanha a menina Emily durante as gravações de seu primeiro filme, Pathogen. Como se vê no trailer, o clima é de total descontração e sorvete na testa, mas também percebe-se que a guria não teve supervisão dos pais quando ia à locadora. Zumbis lentos, nacos de carne arrancada e cabeças decepadas? Uau, essa garota fez a lição de casa.

E o troféu Vânia Cavalera da vez vai para a mamãe Hagins, por todo seu apoio moral. Além de agente da aspirante a cineasta, ela é sua produtora, técnica de som, motorista (Emily não tem carteira), figurante e por aí vai. Mas, claro, sem interferir no processo criativo. Isso seria imperdoável!

Zombie Girl foi dirigido a seis mãos - Aaron Marshall, Justin Johnson e Erik Mauck - e neste momento perambula pelo circuito de festivais alternativos norte-americanos (como o bacana Slamdance Film Festival). Até agora a recepção tem sido ótima.

Nada melhor que uns zumbis para reforçar os laços familiares.

Em tempo: George A. Romero não daria um belo nome de escola secundária?

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

O PROTOCOLO DE KLAATU


Então fizeram mesmo. Cai mais um dos intocáveis, numa contagem de corpos... ou melhor, de clássicos que não parece ter fim em Hollywood. Não sei se é mera falta de idéias novas ou de uma geração substituta à altura (onde estão os novos Ridley Scott, John Landis, Joe Dante, James Cameron...?), mas a partir do momento em que temos um remake de nome O Dia em que a Terra Parou (The Day the Earth Stood Still, EUA, 2008), é porque o cenário já passou do estágio "preocupante". A idéia, claro, é completamente desnecessária. E não só porque o original de Robert Wise é sci-fi de apelo humanista que soa universal até hoje ou porque foi corajosamente engajado e apartidário no auge da histeria anticomunista, mas porque é atemporal em essência. Havia ali uma moral, um recado. Sendo assim, como um remake se justifica neste caso? Segundo a nova versão, muda-se a moral, muda-se o recado.

Em tese, até que faz sentido. O ser humano vive se diversificando na autodestruição. Nos anos 50, compreensivelmente, a Bomba era a endorser oficial do apocalipse - ou, ao menos, a ameaça mais imediata. Hoje, pensamos mais nela como um parente distante e (muito) desagradável, ao passo que assuntos como poluição industrial, degelo ártico/antártico, desmatamento indiscriminado e catástrofes naturais cada vez mais subseqüentes estão na ordem do dia. Desenvolvimento humano acelerado rumo ao colapso ambiental definitivo. Está tudo lá, em Wall-e. É nessa verdade inconveniente que o remake encontra sua raison d'être. Ok, vamos classificar isso como uma boa ideia*.

* estreando uma das novas regras ortográficas. Sinto como se tivesse acabado de cometer um crime.

Fora esta e mais algumas leves adaptações, o filme reedita a narrativa e o timing original quase magicamente e sem traumas. Impressiona como a premissa segue funcional e instigante após 57 anos (eu disse que era atemporal) - um ovni invade o espaço aéreo norte-americano e aterrissa em pleno Central Park. Os rapazes do Tio Sam prontamente se posicionam para receber o visitante e o resto é história. O alienígena Klaatu desce para se comunicar pacificamente, mas a xenofobia do homo "sapiens" fala mais alto e o pior acontece.

Uma reverência necessária aqui... no original, esta sequência é uma das mais arrepiantes e icônicas que o cinema já produziu: logo que sai da nave, Klaatu/Michael Rennie é atacado sem qualquer motivo senão o da ignorância; o autômato Gort é ativado e investe contra os agressores, mas é impedido por Klaatu, que, mesmo ferido, salva as vidas de seus algozes. Quase um Trotsky alienígena.

Um momento perfeito e emocionante (justamente homenageado por Luc Besson em O Quinto Elemento). Importante reconhecer que, no novo filme, a cena não tem - e sabiamente nem busca - o mesmo impacto, mas ainda assim é recriada elegantemente. E pontuada com uma versão da lapidar "Klaatu barada nikto" em inflexão extraterrestre quase ininteligível. Adorei.

Klaatu sobrevive, mas fica sob custódia do governo norte-americano. Sabatinado pelas autoridades, ele afirma trazer uma derradeira mensagem para os líderes da Terra, mas esbarra em desconfiança, sectarismo e burocracia - problemas, segundo ele, há muito superados em seu mundo. Apesar do pedido simples, Klaatu descobre que a humanidade está dividida demais para ouvir sobre sua própria destruição. Mais tarde, ele consegue escapar do cativeiro e se mistura à população para compreendê-la melhor e, talvez, oferecer-lhe mais uma chance de redenção. Enquanto isso, a deadline vai se aproximando.


O nome de Scott Derrickson na direção me animou bastante (como já comentei anteriormente). Cineasta sensato e climático, que respeita o tempo e a ordem dos acontecimentos - característica mantida aqui, apesar da típica produção blockbuster com dinâmica acelerada. Puxar o freio, no caso, não deve ter sido tarefa fácil para o diretor, visto que seria mais simples ceder às convenções do gênero e seguir a cartilha de Michael Bay para ameaças espaciais. Afinal, aqui também temos um robô gigante assustador e o marketing já é pré-moldado nestes casos. Não duvido que houveram "sugestões" neste sentido. Contudo, o andamento do filme segue em ritmo cadenciado, sério e sombrio como deveria, com a merecida atenção para as boas performances aqui presentes. Se há mais alguma coisa errada neste remake além de sua existência, e há, não é por inépcia do diretor.

Tenho certeza que agora vou horrorizar o requintado senso crítico dos cinéfilos, mas foda-se: Keanu Reeves está perfeito no papel revisado de Klaatu. Diferente da abordagem suave, naturalmente curiosa e até paternal de Michael Rennie, o Klaanu é uma porta de mogno maciço. Melhor ainda, um tronco de sequóia, incisivo e pragmático. Sua presença 100% seca, indiferente e desprovida de substância (especialidade involuntária do rapaz) deixa o personagem ainda mais austero e sem qualquer afinidade pela condição humana. Numa metáfora simples mas atualíssima pincelada pela personagem de Kathy Bates, Klaatu veio para fazer o que eles (as nações do Primeiro Mundo) sempre fizeram: extinguir os povos menos avançados. Em outro momento, Klaatu diz representar um grupo de civilizações e que a Terra jamais "pertenceu" à raça humana, já que são raros os planetas capazes de suportar formas complexas de vida - o que a torna um objeto de interesse literalmente universal. Levando em conta o vandalismo ambiental que cometemos aqui, não só justifica-se o ultimato dos ETs, como mostra que eles foram até bonzinhos em não incinerar todo mundo sem aviso prévio.

Uma vez destrinchada a fabulosa contra-atuação de Kleatu, fica mole destacar os demais. O elenco é de outro mundo, uma conjunção de astros e outros chavões estratosféricos. Em ordem ascendente: a sempre maravilhosa Jennifer Connelly simplesmente rouba pra si a personagem Helen Benson, agora uma conceituada astrobióloga (atualização pertinente e pra lá de necessária); Kathy Bates superinterpreta e confere uma postura protecionista e republicanóide, o contrário de seu correspondente burocrata do filme original; e o venerável John Cleese, no papel do Prof. Barnhardt, me faz querer abraçar o responsável pelo casting, tamanha a iluminação do sujeito. É dele o melhor e mais importante momento do filme, mesmo numa participação desgraçadamente curta.

Coincidentemente, a partir dali todas as boas expectativas vão sendo frustradas uma a uma em velocidade de dobra. O remake tinha lá suas chances de dignidade (correspondidas até ali com um trabalho sóbrio e competente), mas o que se sucedeu foi um frango escandaloso do roteiro adaptado por David Scarpa.


Sequências como a do "dia em que a Terra parou" per se, soam tão irregulares quanto um furo de lógica (ora, um simples pulso eletromagnético em escala global não seria um genocídio de qualquer maneira?), e a mudança de opinião de Klaatu no final soa exageradamente prematura, ao passo que seu conterrâneo levou 70 anos para ser humanizado. O plot sentimental envolvendo o filho adotivo de Helen, Jacob (Jaden Smith, chato pra caralho), ocupa minutos preciosos de tela e se arrasta muito além da conta. O resultado não poderia ser outro, senão a mais pura pieguice que redime tudo e a todos salva do apocalipse. Quer mais? Na hora, mais que lembrei do filme Esfera (o modo promissor como começa e o modo miserável como acaba).

Mas o caso mais triste é o de Gort (acrônimo terrestre para "Genetically Organized Robotic Technology"), pois, afinal, conseguiram realizar a parte mais difícil antes de colocarem tudo a perder. O golem artificial foi discretamente redesenhado, mantendo o visual humanóide e com uma textura parecida com a do Monolito Negro, de 2001: Uma Odisséia no Espaço. As semelhanças bacanas não param na estética: Gort também é indecifrável, ameaçador e parece ter poder suficiente para arremessar a Terra pra fora da Via Láctea. Parece só uma questão de tempo para o badass espacial voltar a chutar bundas como em 1951, porém... Do jeito que ficou, Frankie Muniz, em O Agente Teen, resolveria a situação sem maiores dificuldades. Decepcionante assim.

Durante pouco mais de uma hora, foi o filme que traduziria satisfatoriamente o clássico original para as novas gerações. De volta ao status de remake que jamais deveria ter existido, O Dia em Que a Terra Parou se tornou um exemplo perfeito de potencial inimaginável limitado pela falta de imaginação. Além do quê, a humanidade não anda merecendo redenção ultimamente. Muito menos uma com gosto de Spielberg.