quinta-feira, 14 de novembro de 2013

We have a Hiddleston


Thor: O Mundo Sombrio adota parcialmente a estratégia bigger-stronger-faster das sequências cinematográficas. No caso, maximizando apenas alguns dos ganchos do Thor edição #1, sendo o mais proeminente o inusitado humor físico - com resultados pra lá de variáveis, é verdade, mas, ei, estamos vivendo num mundo onde se produzem continuações ao vivo & arrasa-quarteirão do Thor... o quão orgástico é isso pra quem um dia teve que se contentar com os desenhos inanimados da Grantray-Lawrence? Além do mais, se na estreia do asgardiano imperava uma vibração condescendente e refém do evento Os Vingadores, O Mundo Sombrio se revela mais independente, malandro e ambicioso. Ao menos bem mais do que, por exemplo, Homem de Ferro 3.

Uma das maiores qualidades do filme é justamente a valorização da química proposta na primeira aventura. Voltam todos os elementos grandiosos/hollywoodianos de Asgard e o microcosmo indie terrestre - algo montado até com certa ousadia pelo diretor Alan Taylor e pelo roteiro a 3 mãos (chutando que nenhum é ambidestro) de Christopher Yost, dos divertidos Hulk vs., Christopher Markus e Stephen McFeely, que souberam extrair novamente bons frutos da colisão improvável entre esses dois extremos. Nota-se que não apenas apostam, mas de fato acreditam no material que herdaram. Claro, nem tudo é perfeito e o filme tem lá sua dose brobdingnaguiana de clichês e forçadas de amizade, mas até aí, a cota está dentro dos limites do cinema mainstream - não só o dos EUA.

A abertura de O Mundo Sombrio é praticamente um revamp da intro do primeiro filme, retrocedendo em 1 geração a família de Odin e apagando os Gigantes do Gelo para colar os Elfos Negros por cima. Remanescente de uma época em que ainda não existia a luz, a raça ancestral é liderada por Malekith, que pretende usar uma força obscura chamada Éter para jogar o universo de volta à escuridão, mas é derrotado por Bor, governante de Asgard e pai de Odin. Nesse ponto fiquei pensando como seria interessante uma abordagem maior desse personagem, que, apesar de sábio e o deus-in-chief, transparecia ser pouco mais que um guerreiro rústico e selvagem, fazendo o contingente asgardiano atual parecer um catálogo de modelos da Gucci. Só que a batalha é mostrada já em seus momentos finais (o ator, Tony Curran, sequer é creditado) e a narração em off de Anthony Hopkins, o Odin em pessoa, logo dá lugar a uma sitcom na Terra. Bizarro assim. Mas um bizarro bom.

Por incrível que pareça, esse crossover de gêneros funciona, já que o roteiro é bastante espirituoso ao desenvolver o segmento pessoas/rotina/perrengues do dia-a-dia. E o elenco, agora radicado em Londres, retoma a sintonia: Natalie Portman reprisa sua Jane Foster amargando uma fossa pelo sumiço do seu Deus do Trovão favorito enquanto tenta fazer a fila andar a contragosto (pueril, mas ótimo momento o do encontro no restaurante, graças ao timing cômico de seu parceiro de cena, o inglês Chris O'Dowd); Stellan Skarsgård faz um dr. Erik Selvig completamente noiado após sua experiência em Os Vingadores (impagável, mas eu podia passar sem vê-lo balangando as castanhas em Stonehenge); Kat Dennings continua fazendo com sua Darcy o que faz com toda personagem que cai em suas mãos, ou seja, cara de whatever; já o novato Jonathan Howard, que interpreta o estagiário Ian, é um raro caso de coadjuvante cômico da coadjuvante cômica (Darcy), também não muito feliz em nos fazer felizes.


Enquanto na Terra a vida segue, em Asgard, Thor (Chris Hemsworth, completamente à vontade) e seus camaradas concluem uma guerra de 2 anos que pacificou os Nove Reinos após as traquinagens de Loki - que pode até não ser um deus per se, mas com certeza dividiu o calendário de Tom Hiddleston em "antes de Loki" e "depois de Loki". Tudo corre bem, Asgard está em paz, Loki está em cana e Thor vê a sucessão de Odin cada vez mais próxima, mas aí o caldo entorna com o retorno de Malekith - que não desistiu de restabelecer seu antigo way of life, não hesitando em sacrificar seus semelhantes pela causa - e do reaparecimento do Éter, o elemento que fará a diferença numa guerra contra a toda-poderosa Asgard.

Há uma metáfora redondinha aí sobre a política externa dos EUA e seus reflexos pelo mundo, com direito à nave batendo em torre e tudo. É o tipo da coisa que o cinemão hollywoodiano vomita sem perceber e que faz o Žižek lavar a égua com Lux Luxo. Mas vou praticar o silêncio de rádio aí, pois a vida é muito curta. Apenas uma coisa: não há lugar melhor para captar o pensamento norte-americano, conservador ou liberal que seja, do que num blockbuster. Não pela mensagem que eles querem transmitir, mas pela mensagem que eles nem imaginam que estão transmitindo. Spy this, NSA.

Não deixa de ser instigante a estética Terra-Média-encontra-Guerra-nas-Estrelas da periferia asgardiana. Um saudável fuzuê pop-cultural com trolls, alienígenas e cavaleiros se digladiando com machados, espadas e armas de raios é a liberdade criativa primitive-future definitiva. Sword & sorcery &, porque não, sci-fi. He-Man e os Defensores do Universo agradecem. Thundercats e Thundarr, o bárbaro, mais ainda. Ver a Natalie Portman mais uma vez se aventurando nesse contexto foi um agradável déjà vu. Igualmente curioso é o centrão de Asgard, com arquitetura à Oscar Niemeyer in the 25th Century e naves "aladas" que lembram coisas d'O Incal, do mestre Moebius. Meio acachapante ver isso com tamanha amplificação sem esperar. Durante a invasão dos Elfos Negros eu queria mais era descer ali numa avenida qualquer e interagir com os cidadãos, conhecer a gastronomia local, bater umas fotos...

Esse esmero visual se repete no filme inteiro harmoniosamente; ao contrário do anterior, não há efeitos de 1ª convivendo com outros meia-boca. Pena que o coração nem sempre esteve no lugar certo. Um bom exemplo foi a deliciosa referência sabor Harryhausen à primeira ameaça que Thor enfrentou nos quadrinhos - um legítimo kronan da raça de guerreiros de pedra que o loirão combateu em sua estreia, muito bem-feito e impressionante. Aquilo foi de encher de amor e ternura o coração fanboy, mas a conclusão incrivelmente abrupta foi como levar um fora via SMS com emoticon triste no final. Por ali já dava pra ver que o cineasta Alan Taylor (claramente um não-nerd), ao contrário de Joss Whedon (obviamente um nerd), não ia se render tão fácil ao doce prazer culpado de gastar alguns milhões do orçamento em uma sequência de porradaria-pela-porradaria igual aos quadrinhos.

Aliás, Taylor deixa seu DNA profissional bem impresso ao longo da trama, particularmente a experiência acumulada em séries de ponta. As conspirações, subtramas, dramas familiares e anti-heroísmo têm um pé fincado em Game of Thrones, Roma e Família Soprano, sempre para o melhor. Em contrapartida, o delivery escancarado pra mocinha boba suspirar alto denuncia os vários episódios que dirigiu em Sex and the City. Pela primeira vez as namoradinhas de plantão vão gostar de ter ficado até o fim dos créditos. E pela primeira vez, eles não.


O Malekith do ótimo Christopher Eccleston é mais sombrio e unidimensional que o dos quadrinhos, onde era um tipo manipulador e shapeshifter, Loki-like. Em compensação, era bem menos poderoso, então fica elas por elas. Kurse nos quadrinhos era mais legal, mas esteticamente impraticável num filme - podiam ao menos ter poupado aquela bobagem de guerreiros "kursed". Já Odin, está mais irascível e menos ponderado, o que é compreensível dadas as recentes guerras e turbulências familiares, enquanto a Frigga de Rene Russo finalmente tem algo a dizer e fazer, sendo vital para uma das reviravoltas da trama.

Os Três Guerreiros tiveram uma participação tímida (Hogun foi dispensado logo de cara), com exceção do novo Fran "Chuck-você-por-aqui?!" dal, estranhamente destacado e mostrando que o agente de Zachary Levi é dos bons. E foi um crime o desperdício da Sif da deusa Jaimie Alexander. Além de boa atriz que convence nas cenas de ação, as diferenças parsecquicas entre Sif e Jane renderiam um triângulo promissor com o rapagão do martelo, o que foi tratado de forma apenas superficial.

Um dos aspectos discutíveis foi a superdosagem de humor, principalmente na 2ª metade. Se no filme de Kenneth Branagh o clima jovial já trafegava no limite, aqui a coisa acelera na ladeira - a já citada presença de dois coadjuvantes cômicos, mais Skarsgård no Jackass mode, não é menos do que sintomático. Chega a prejudicar a sequência final, diluindo qualquer tensão e sensação de perigo relativa ao ataque dos Elfos Negros em Londres. Até a luta entre Thor e o Malekith deusificado pelo Éter - bacana e expensive, se revezando entre dois mundos - ganhou toques engraçadinhos. Era só o universo conhecido que estava em jogo ali.

Fora que já deu assistir vilões de filmes conquistando seus respectivos MacGuffins-fontes-inesgotáveis-de-poder, pra depois não saber o que fazer com eles e, pior, serem derrotados num mano a mano com o herói. Thanos, a maior antítese disso nos quadrinhos, que se cuide.

Algumas inconsistências também batem ponto no roteiro, sendo a maioria TOCs aparentemente incuráveis do cinemão pop. Então dá pra eleger uma preferida e abstrair o resto em nome da busca pela felicidade: fico com a cena em que Jane e Thor se abrigam na mesma caverna onde está o portal de convergência com a Terra, no exato momento em que o celular dela está tocando por lá. Uma beleza de atentado ao item #19 das regras do bom roteiro propostas por Emma Coats, da Pixar. Escolhi bem ou não?


Como sequência, Thor: O Mundo Sombrio cumpre seu papel sem fugir ao script, não fosse um trunfo que o projeta sensivelmente acima do padrão: Tom Hiddleston, sério candidato a maior rockstar da Marvel Studios pós-Robert Downey Jr., talvez até apressando esse fim de era. Com um senso soberbo de continuidade, o ator não parou de evoluir e enriquecer o personagem em relação às já memoráveis performances em Thor e Os Vingadores - até porquê é evidente que ele está se divertindo pra caralho ali - e ainda gera interesse de sobra para justificar novas situações e aventuras. Solo, inclusive.

Ao final, fiquei muito mais curioso pelo "what's next?" de Loki do que o de seu meio-irmão. Fez por merecer essa sua "trilogia trapaceira" (a única do gênero!) e, tomara, os vários capítulos que virão, como deixa antever a conclusão.

Em Loki eu confio. Epa...

Thor: O Mundo Sombrio ("Thor: The Dark World", Estados Unidos, 2013), 111 min.
Direção: Alan Taylor
Elenco: Chris Hemsworth, Natalie Portman, Kat Dennings, Stellan Skarsgård, Tom Hiddleston, Anthony Hopkins, Christopher Eccleston, Jaimie Alexander, Zachary Levi, Ray Stevenson, Idris Elba, Rene Russo

Ps: então... Guardiões da Galáxia será esse camp todo mesmo? Schumachers me mordam.