terça-feira, 29 de abril de 2008

A GUERRA DE STARK


Bem antes da controversa Guerra Civil, Tony Stark já promovia sua própria guerra particular. Igualmente conturbada e batendo de frente com quem se colocasse em seu caminho - seja o governo, conglomerados industriais, vilões e mesmo seus superamigos. Aliás, esta sempre foi a característica mais interessante do personagem. Seu modus operandi é todo baseado numa visão macro dos eventos e, como nada é tão simples, isto acaba gerando uma intensa batalha interna pra que ele não perca o foco da situação. É mais ou menos como um "daqueles dias" na vida do Jack Bauer... Stark corre na contramão e contra o tempo, faz sacrifícios outrora impensáveis, não raro se vilaniza, mas vai até o fim, não importando os meios ou as conseqüências. Ou as questões éticas e legais envolvidas no processo.

Com esta peculiaridade em mente, é sempre um prazer revisitar uma de suas melhores sagas: A Guerra das Armaduras. Com roteiro de David Michelinie, desenhos de Mark D. Bright e arte-final de Bob Layton, o arco foi publicado no Brasil em 1991, em O Incrível Hulk, edições #102 a #107 (originalmente em Iron Man #225 a #231). A revista, por sinal, andava numa fase escabrosa. Convenhamos, o universo do "Tira-Teima" era puro trash e os desenhos do Jeff Purves pareciam feitos durante um terremoto. Ah, sim... tínhamos também as aventuras dos Novos Mutantes (irc!).

Então, literalmente afirmando, o Homem de Ferro salvava a pátria a cada edição. Michelinie e Layton já vinham de uma marcante cronologia com o personagem, sendo os responsáveis pelas mudanças mais importantes de seu perfil desde sua criação (alcoolismo, variação de armaduras, novos inimigos, etc). Certamente, uma das duplas mais representativas na história do Latinha.

Guerra das Armaduras foi um daqueles grandes momentos, inserindo os valores dúbios que hoje são sua marca registrada. O principal: controle... com mão de ferro.

Ah, os trocadilhos.



A história começa com Tony analisando a armadura do vilão Força, derrotado por ele meses antes. Tony descobre que grande parte da tecnologia da armadura foi criada por ele mesmo. Pressupondo uma situação de espionagem industrial, ele investiga o caso e logo chega ao industrial multibilionário Justin Hammer, notório e desleal concorrente da Stark Enterprises. Numa missão digna do roubo da lista NOC, em Missão Impossível, Tony, seu velho camarada Rhodey, o finado geek "Abe" Zimmer e Scott Lang, o Homem-Formiga, invadem os sistemas de Hammer e descobrem que as informações foram roubadas pelo 1º Espião-Mestre, pouco antes de sua morte.

Os dados indicam que a tecnologia foi adotada por vários supervilões em suas armaduras e demais trajes especiais de combate. A lista surpreende o Ferroso, que se culpa pelos inocentes mortos em função do uso criminoso de suas invenções.


Pra piorar, os caras maus não foram os únicos beneficiários, visto que agentes federais também se fartaram no high-tech rapinado - entre eles, o Arraia, os Mandróides da SHIELD, os Guardiões produzidos para o governo por Obadiah Stane ('El' Monge de Ferro, que está em carne, metal e Jeff Bridges no filme) e até num novo - e monstruoso - projeto do exército.

Um detalhe interessante foi Stark e Zimmer coibindo o vazamento da tecnologia pelo ciberespaço (anos antes da popularização da internet), criando um vírus programado para rastrear e apagar todos os dados referentes ao esquema das armaduras. Uma aula de como evitar rombos no roteiro!

Outra boa sacada de Michelinie são os upgrades do Homem de Ferro sendo colocados à prova. Alguns de seus velhos arquiinimigos eram pedreiras na "Era de Prata" (aquela, focada pelo ótimo [e aparentemente incomunicável] Âmago), mas, após a enésima versão da armadura, a maioria não passa de punguistas metalizados perto do Latinha.


A exceção, claro, são os que têm "patrocínio" e contam com suportes técnicos de alto nível - especialmente do governo. E para isto, Tony contava com um equipamento de primeira. Na época, ele tinha como titular o adorado e odiado Centurião Prateado, construído para suplantar o Monge de Ferro. Foi seu maior salto visual e tecnológico até então, ficando atrás apenas da transição Vingador Dourado/Protoclássica. Mesmo hoje, na "Era Granov", seu design soa bastante radical - embora longe de atrocidades conceituais como a armadura SKIN.

"Melhor, mais rápida e mais forte", a armadura era cheia de recursos, batendo facilmente os subvilões e fazendo frente a equipes inteiras de Mandróides e Guardiões - com ajuda de joguinhos duplos por parte de Stark, claro. É neste ponto que vemos um lado não tão heróico do personagem (os tais sacrifícios éticos), que passa a perna em Nick Fury, então diretor da SHIELD. Em uma seqüência antológica de canalhice suprema, ele neutraliza todos os Mandróides da temida superintendência, manipulando o cerco ao Homem de Ferro debaixo do tapa-olho do experiente diretor.

A desconfiança se instala, mas Tony consegue cobrir seus rastros. No entanto, o próximo passo se complica, pois envolve os Guardiões, que estão operando na Gruta, a prisão federal para supercriminosos. E em departamentos do governo, a jurisdição é de Steve Rogers, o Capitão América...

Stark e Rogers já se estranharam antes em algumas ocasiões, geralmente associadas à liderança dos Vingadores. Mas em Guerra das Armaduras, essa briga ganhou contornos muito mais pessoais e ideológicos, próximo do que acontece hoje - ironicamente, em lados opostos dos que seriam defendidos em Guerra Civil (aqui, o Homem de Ferro é um cruzado fora-da-lei e o Cap é uma máquina do estado). O resultado do confronto já era previsto, mas o mais importante foi a influência que ele exerceu sobre toda a cronologia posterior.

Sem dúvida, aquele era o início de uma péssima amizade.



Com quase todos os alvos do território norte-americano neutralizados, Stark inicia a missão mais difícil de sua cruzada: "desplugar" Dínamo Escarlate e o Homem de Titânio, seus velhos desafetos de Guerra Fria. Para tanto, dá um merecido descanso ao Centurião e opta pela armadura negra Stealth, mais leve e menos poderosa, mas perfeita para invadir o espaço aéreo soviético sem ser detectado, já que é, por assim dizer, stealth... duh!

Claro que encarar dois pesos-pesados com munição na conta é assinar um atestado de óbito. Mas Stark soube triangular o cenário e se utilizar da notória soberba de seus adversários, especialmente do Homem de Titânio (um anão cabeçudo chamado Gremlin). Além disso, ele preparou algumas supresinhas que fizeram toda a diferença.

Ao final, o Dínamo Escarlate teve seus circuitos destruídos e o Homem de Titânio, aparentemente, foi morto quando o Homem de Ferro elevou sua temperatura ao nível de combustão (quase 20 anos depois, o feioso ainda não reapareceu, então deve ter morrido mesmo).

Stark poderia dar sua guerra como encerrada, não fosse um projeto secreto dos militares que acabava de ser finalizado.



A armadura Poder de Fogo era uma monstruosidade bélica desenvolvida por um velho concorrente de Stark, Edwin Cord, a partir de seus projetos roubados. Era muito mais poderosa do que qualquer modelo da série Mark criado para o Homem de Ferro até aquele momento, incluindo o Centurião Prateado.

A batalha que se seguiu foi a mais eletrizante da saga. "Batalha" não... a surra. Jack Taggert, o homem que operava o Poder de Fogo, foi muito bem treinado e era extremamente violento em combate.

Mesmo após tomar ciência de sua superioridade, Stark não desiste até esgotar todos os recursos, mas é estraçalhado impiedosamente pelo gigante. Gravemente ferido, ele simula sua morte e faz uma retirada estratégica.

É o fim da era do Centurião Prateado.


Transição Centurião Prateado/Neoclássica: Bob Layton é mestre!

Com armadura e orgulho destruídos, Tony mergulha de cabeça na garagem. É hora de um novo upgrade: nasce a Neoclássica, que foi uma espécie de retorno às raízes no quesito visual, voltando ao vermelho e dourado básicos, mas anos-luz à frente em sofisticação e desempenho. O novo traje era tão avançado que a revanche contra o temível Poder de Fogo - já totalmente fora do controle dos militares - foi sopa no mel.

A Neoclássica era mais precisa, mais forte e mais rápida que o oponente. De quebra, salvou a vida do inimigo, já derrotado. Em outras palavras... Stark humilhou. Era a saga clássica do guerreiro se fechando em mais um ciclo.

Terminava aí a primeira Guerra das Armaduras, com direito a um epílogo escrito por Michelinie e ilustrado pelo grande Barry Windsor-Smith - um tanto dark, é verdade, mas necessário para não deixar apagar a chama do herói.

Guerra das Armaduras quase não envelheceu após todos estes anos e permanece como um dos momentos mais referenciais na cronologia do Latinha. Obrigatório num destes Maiores Clássicos da vida (alô Panini!).



"Tony Stark tira onda que é cientista espacial, mas também é Homem de Ferro, elétrico! Atômico! Genial! Dura armadura, Homem de Ferro, é lenha pura, Homem de Ferro!"
Hooray!


Assim espero, logo após o rascunhado do filme: Guerra das Armaduras II, por John Byrne e John Romita Jr. É a revolta dos Johns!


Patrô deste post:



Impressionante a cavucada arqueológica do site.


Na trilha: o que mais... "Iron Man", do Sabá, e "Machine Men", do Dickinson.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

ROCK AND SOUL


Motown vs. SubPop. MC5 + Aretha Franklin. The Stooges com Tina Turner no lugar do Iggy Pop. Para um crossover deste nível são imprescindíveis: talento, intima com o lado mais selvagem do rock'n'roll e a disposição de tornar tudo isto possível (e palatável). Calhou do californiano The BellRays ter estas três características em abundância.

Conheci a banda só ano passado, pelo excepcional álbum Have A Little Faith, de 2006 (pra que servem as listas, senão pra deixar alguém indispensável de fora?). É uma porrada na cara e um orgasmo para o espírito. Bob Vennum (baixo) e Craig Waters (batera) gerenciam uma cozinha pesada, carregada de grooves matadores, e a guitarra de Tony Fate parece uma cruza dos riffs de Wayne Kramer e Johnny Ramone.

Mas a estrela é mesmo a poderosa vocalista Lisa Kekaula. Quando ela começa a cantar, a mística deste mix entra em ação e faz todo sentido do mundo. Que voz. Que voz. Que voz.

Quem compareceu aos shows da banda no ano passado (no Inferno Club, em Sampa, e ao lado do Mudhoney no festival brasiliense Porão do Rock), com certeza saiu extasiado. Ainda mais com o presentão que ganharam no bis...



Angus ficaria orgulhoso.

The BellRays está de disco novo, Hard Sweet And Sticky. Já é o 9º álbum de sua discografia, fora os splits e EP's. Ainda estou degustando, mas a primeira impressão é de que a sonzeira agora flui mais acessível. Contudo, o punch rocker continua intacto - e o vozeirão também!


"Blues is the teacher. Punk is the preacher."

terça-feira, 15 de abril de 2008

MEME: filmes subestimados

A Thalita, do blog Pipoca no Edredom, me indicou para este MEME irresistível. Pô, listas e filmes? Já é. Cinco filmes subestimados pela crítica e/ou público. Tentei evitar superproduções e ser um pouco mais sutil.



Matador em Conflito (Grosse Pointe Blank, 1997)
Direção: George Armitage.

Top 3 de uma lista dos melhores do John Cusack. Aqui ele é Martin Q. Blank, assassino profissional de primeira linha e um dos mais requisitados no ramo. Na sua cola estão um concorrente traiçoeiro (Dan Aykroyd) e dois agentes da NSA, mas nenhum deles o irrita tanto quanto o convite para uma reunião de sua classe do colegial. Segundo seu terapeuta (Alan Arkin, impagável), podem haver questões mal-resolvidas aí - como o fato dele ter abandonado sua namorada e sua cidade logo após a formatura, sem aviso prévio.

A grande sacada do sumido diretor Armitage foi contextualizar essa gama distinta de linhas narrativas (ação, romance, comédia) com a delicadeza de dois trens em rota de colisão. Com diálogos afiadíssimos e uma trilha sonora espetacular (produzida por Joe Strummer), Matador em Conflito, senão subestimado, merecia ser superestimado.

Assim como o script, o título original ("Grosse Pointe Blank") está abarrotado de trocadilhos que se perdem na tradução. Point Blank (À Queima-Roupa, no Brasil) é um filme de 1967, estrelado por Lee Marvin e dirigido por John Boorman, sobre um matador de aluguel que revisita seu passado. Grosse Pointe é a cidade natal (e verídica) do protagonista Martin Blank. E o termo "point-blank" é usado pra designar a distância entre uma arma de fogo e seu alvo.



O Preço da Ambição (Swimming with Sharks, 1994)
Direção: George Huang.

Imagine uma mistura dos piores chefes com os quais você já o desprazer de trabalhar. Os mais egocêntricos, arrogantes, hipócritas, imorais e exploradores. Os de pior caráter. Ainda assim, não deve chegar aos pés de Buddy Ackerman, produtor cinematográfico interpretado desumanamente por Kevin Spacey. O esporte favorito de Buddy é massacrar o psicológico de seu assistente, Guy (Frank Whaley). A rotina de abusos e humilhações segue impiedosa, até que um belo dia, Guy resolve revidar...

Filme bastante tenso e recheado de humor negro. A vingança de Guy vem no mesmo valor (mas não na mesma moeda), culminando num interessante paradoxo caça/caçador. A moral da história seria algo como "não façam isso no escritório".

Foi adaptado para o teatro no ano passado, com Christian Slater no papel de Buddy.



Miracle Mile (idem, 1988)
Direção: Steve De Jarnatt.

Esse era hors-concours nos clipes do finado Cinemania, da igualmente finada TV Manchete. Anthony Edwards (o Dr. Mark Greene, de Plantão Médico) revira a cidade atrás de sua namorada numa corrida contra o tempo: mísseis nucleares soviéticos estão a caminho e, em 70 minutos, Los Angeles será varrida do mapa. Ou pelo menos é isto que ele acha, após atender um telefonema assustador.

Thriller surpreendente que dividiu a crítica e passou batido pelo público. Encabeçou a lista dos "filmes mais depressivos" da revista britânica Neon.




Alone in the Dark - O Despertar do Mal (Alone in the Dark, 2005)
Direção: Uwe Bo...

Brincadeira, brincadeira.

Este já foi devidamente pulverizado aqui, até com uma certa moderação, eu diria.


Próximo!



Sucesso a Qualquer Preço (Glengarry Glen Ross, 1992)
Direção: James Foley.

Uma firma imobiliária atravessa uma fase negra e estabelece novas metas e premiações para quatro de seus corretores. Quem vender mais, ganha um Cadillac, o segundo colocado ganha um conjunto de facas (ginsu?) e os demais ganham um pé na bunda. Obviamente, o que vem a seguir é um banho de sangue administrativo - incendiado ainda mais após o roubo de uma lista com dicas de clientes em potencial. Os corretores: Al Pacino, Jack Lemmon, Ed Harris e Alan Arkin, gerenciados de perto por Kevin Spacey.

Baseado numa peça teatral de David Mamet e adaptado pelo próprio, Sucesso a Qualquer Preço é um deleite cênico e performático. Como é de se esperar, as atuações são de níveis muito acima do standard hollywoodiano, mas Jack Lemmon está insuperável (e arranca até uma gargalhada involuntária de Pacino em uma cena).

Filmaço de atores, artístico per se. Até Alec Baldwin faz bonito aqui.



Os Matadores (1997)
Direção: Beto Brant.

A estréia de Beto Brant impressiona até hoje pela segurança e independência da estética Globo Filmes de se fazer cinema no Brasil. Filme com cara de filme mesmo, de cinema. Talvez tenha sido o primeiro de uma nova geração de cineastas transgressores e descentralizadores - geração que, anos depois, reproduziria os mesmos conceitos nos hits Cidade de Deus e Tropa de Elite.

O filme acompanha dois pistoleiros, o novato Toninho (Murilo Benício) e o veterano Alfredão (Wolney de Assis), virando a noite num bar na fronteira Brasil-Paraguai, aguardando um alvo. Enquanto esperam, eles conversam sobre a vida que escolheram e sobre o assassinato de Múcio (o ótimo Chico Diaz), o melhor pistoleiro da região. Wolney de Assis (foto) numa excepcional atuação, com um personagem de extremos dramáticos bastante complexos. Destaque também para a rápida e memorável participação de Stênio Garcia.

Tecnicamente, o filme é impecável. A montagem é um arraso, redesenhando a história à base de flashbacks, e a fotografia se mostra riquíssima, numa paisagem interiorana e terra-de-ninguém, ainda pouco explorada por cineastas brasileiros e hermanos. Não por acaso, a produção varreu os principais Kikitos de Gramado naquele ano - fora o sucesso atingido em outros festivais.

A crítica não subestimou, mas os que fariam este filme atingir um público maior, com certeza o fizeram.



Bom, é isto. Pelo que entendi, este MEME começou no Assistimos Muito e chegou até aqui via Blog do Vinicius, Cinéfila por Natureza, Caminhante Noturno Cinema e, finalmente, o Pipoca no Edredom.

E agora, repassando a corrente para os próximos cinco blogs, escalarei... hã, deixa eu ver os laureados... o bróder Sandro, do All Star Velho, o Luwig, do Pulse, o Rodolfo Castrezana, do OMEdI, o Érico Assis, do Parênteses, Inc., e a Ana Maria Bahiana, do blog dela mesma. :)

Vamos lá pessoal, animem-se. Este é mamão-com-açúcar e uma delícia de escrever. Notem que fiz a gentileza de não incluir O Gigante de Ferro. :P


Na trilha: o novo do Bob Mould.