terça-feira, 27 de dezembro de 2005

MANGUE-THING


Sinal dos tempos: antigamente, produções B estreavam nos cinemas mais capengas da cidade. Mas estreavam no cinema. Hoje em dia elas vão direto pra locadora. Até a "arte" de produzir filmes com baixo orçamento teve de se adequar aos novos tempos, acordar de sua inocência artística, abrir mão de certas liberdades, pagar as contas em dia. Tudo em nome do box-office. Vê se Lucio Fulci, Mario Bava e Roger Corman se preocupavam com isso (Ed Wood então). Naquela época, havia um certo glamour maldito em ser trash casual. Hoje, um filme B já nasce sabendo que é B. E o pai, todo orgulhoso, ainda espalha aos quatro ventos a Bzice do filho, sem maiores constrangimentos. Sou B sim, e daí? Este é o clima. Taí o Uwe Boll, todo pimpão, que não me deixa mentir. Existe até uma linha de falsos B, cujo maior representante é Malditas Aranhas!, produzido pela dupla Devlin/Emmerich, de ID-$, digo, ID-4. Mas existem também os B que, no início, não se assumem, e que vão relaxando aos pouquinhos até saírem de vez do armário (falar nisso, que tirinha aquela do Laerte, hein. Já é clássica).

Esse é o caso de Homem-Coisa - A Natureza do Medo (Man-Thing, 2005), alardeado como a primeira incursão da Marvel Comics no gênero terror. Primeiro, seria mais um direct-to-video típico, mas a coisa (sem trocadilhos) foi mais além e o filme estreou mesmo no Sci-Fi Channel. O que acaba sendo a união atualizada de dois paralelos B: filmes de monstro daquela safra antiga da Hammer Films e da Universal (mais precisamente, variações em cima de A Criatura da Lagoa Negra) e a tosqueira proeminente da Marvel. Tenho de admitir, mesmo sendo marvete: a Casa das Idéias é trash com força, principalmente em comparação com a DC. Mas é aí que está a graça deste universo. Algumas sacadas são tão nonsense ou inverossímeis que acabam rendendo conceitos interessantes. Nos quadrinhos, o Homem-Coisa é uma criatura mucosa, musgosa e lodosa com imensos olhos vermelhos que, com apenas um toque, incendeia todos aqueles que o temem. Lindo, não? Chega a ser poético.

Na verdade, o monstro era um cientista chamado Ted Sallis que, recrutado pela SHIELD (Superintendência Humana não-sei-o-quê Espionagem, Logística e-alguma-coisa), estava trabalhando na recuperação do soro do super-soldado (aquele do Capitão América). Durante um ataque da IMA (essa eu lembro: Idéias Mecânicas Avançadas), o bom doutor destruiu suas anotações e aplicou o soro na própria veia, com o intuito de malocar a fórmula. Acuado e ferido, ele acabou afundando em um pântano próximo do laboratório e deveria ter ido pro saco, mas o soro começou a agir juntamente com as forças místicas do lugar (sim, haviam forças místicas lá!) e ele se transformou no Homem-Coisa, um ser irracional e instintivo. Não seria nada demais se a adaptação não fosse 100% fiel à fonte, afinal, o Monstro do Pântano, a contraparte leguminosa da DC, teve dois filmes fidelíssimos (o primeiro deles dirigido pelo Wes Craven) e igualmente xexelentos. Mas em Homem-Coisa, o roteiro está pouco se lixando para o background fornecido pelos quadrinhos. Com sorte, esbarramos no nome "Ted Sallis", meio que largado sem muita importância lá no meio.

Então qual é a história do filme? Perguntando assim, fica até difícil. A ferpa de roteiro se resume à uma série de violentos assassinatos ocorridos nas imediações de um pântano. Com o sumiço do delegado da região, a batata-quente fica com seu substituto, Kyle Williams (Matthew Le Nevez). À princípio, tudo indica que os crimes estão relacionados à ação de ativistas ambientais contra a exploração inconseqüente do pântano por uma mineradora inescrupulosa. Mas Kyle, assessorado pela deliciosa professorinha Teri Richards (Rachel Taylor... biita!), se depara com estranhos eventos e uma seita indígena mal explicada pra cacete.


Na seqüência inicial, Homem-Coisa parece filme de caipira psicopata imortal (incluindo o tradicional fúqui-fúqui de abertura que, ao invés de um orgasmo, culmina em um estripamento). Nos 40 minutos seguintes, parece um suspense padrão de serial-killer (no caso, vegetal-killer), cheio de investigações, perícias e suspeitos sorridentes. Sejamos justos... o estado das vítimas embrulha o estômago pra viagem. Nessa parte, capricharam. Daí pra frente, o roteiro fica cheio de nhém-nhém-nhém indígena pró-naturalista, que inclui até um projeto de ninja totalmente deslocado na história. Tem um coroa lá que consegue ser particularmente irritante, pois só fala através de enigmas ruins de lascar. Já os irmãos crusty, aparentados com a família Sawyer, foram desperdiçados. Poderiam render um embate trash-emporcalhado contra o monstrão brejeiro. E por falar no bicho...

Durante a produção, o diretor Brett Leonard disse que o Homem-Coisa não seria o protagonista. Foi modesto: o monstro só aparece por inteiro nos últimos cinco minutos. Antes disso, são só alguns cipós, vultos e um braço aos quarenta e tanto do 2º tempo. Sacanagem. Ele não ficou tão ruim assim, por incrível que pareça - à exceção das trancinhas de samambaia rastafári. O Homem-Coisa é parrudão, quase do tamanho do Hulk, com o poder de controlar raízes, cipós e células vegetais que crescem instantâneamente, explodindo as vítimas por dentro. Tudo bem, nada do classudo toque chamuscante, mas - novamente - o estrago que ele causa aos incautos te faz enxergar uma folhinha de alface com outros olhos.

Apesar disso (e da fotografia bacanuda), Homem-Coisa é fraquinho pra chuchu. Fraco como adaptação, fraco como filme-trash e fraco como filme-filme. Só não é tão fraco quanto os dois do Monstro do Pântano, verdadeiras ervas-daninhas. Esses aí, só com Randup.

domingo, 18 de dezembro de 2005

GOD SAVE THE KING


De todas as formas de arte, o Cinema talvez seja a que captura o imaginário popular da maneira mais urgente e direta - mesmo que o objeto dessa imaginação preze pela mais absoluta bizarria. Sabe-se lá por quê diabos certas premissas, de tão insólitas, acabam alçando uma condição de quase-mito e criando verdadeiros ícones pop. Um gorila de dez metros arrebentando em Nova Iorque é uma delas. Talvez seja pela personificação do nobre selvagem, pela crítica subentendida à intervenção inconseqüente do homem na natureza ou pelo simples cagaço de imaginar um bicho desses solto por aí. Ao longo dos anos, a imagem do King Kong se tornou uma marca tão reconhecível quanto Mickey Mouse e Superman (só perde para o Papai Noel da Coca-Cola, aquele velho batuta). Até mais, eu diria, visto que, fora os remakes e o vale-tudo com o Godzilla, a referência primordial é unicamente o clássico de 1933, limitando-se aí ao merchandising e à uma gama de referências soltas ao personagem. Mesmo assim, Kong ainda é o King. Imagina se o mito tivesse sido bem administrado esses anos todos.

Outro ponto é o arco fechado que constitui o filme original. A saga tem início, meio e fim, o que (teoricamente) inviabilizaria qualquer pretensa continuação. É possível que se trate de uma obra atemporal, visto que provoca curiosidade até hoje. Então, fica difícil justificar a existência do King Kong de Peter Jackson a não ser pela sua divulgadíssima devoção ao filme. O mesmo se pôde dizer do ótimo Gus Van Sant e seu desnecessário Psicose, clonado frame a frame do clássico de Hitchcock - o que me leva a questionar a validade de refazer algo que já é perfeito em sua proposta. Contudo, desse mal Jackson não sofre. O que ocorre no novo King Kong é bem mais um upgrade do qualquer outra coisa. Ao contrário do remake de 1976 (bastante competente, diga-se de passagem, e aí vai o meu escalpo a preço de banana), o filme se atém às mesmas marcações situacionais do original, devidamente anabolizadas com vitamina CG e belas jogadas individuais do zagueiro Jackson. Até cenas cortadas na edição do original foram recriadas, sem qualquer prejú para a fluidez da história.

Fico imaginando que representar os personagens de King Kong seja mais ou menos como encarnar figuras como Hamlet, Lobo Mau ou Chapeuzinho Vermelho. Todos os trejeitos, inflexões e motivações estão lá, bem sedimentadas e se completando mutuamente. Tem o galã fake, o herói puro de coração, a mocinha em perigo, o louco obsessivo, e por aí vai. São a matéria-prima para os estereótipos que ajudaram a forjar a cara da cultura popular moderna. Todos se saem muito bem.

Maravilhosa de linda, Naomi Watts encarna à perfeição o papel de Ann Darrow, a Bela. É uma grande atriz e ocupa tranqüila a lacuna que Nicole Kidman vem deixando com seu progressivo distanciamento daquilo que realmente importa. A cena em que ela tenta ganhar a simpatia de Kong é bem espirituosa e, ao mesmo tempo, desconcertante. Já Adrien Brody tem um olhar tão piedoso que dá vontade de meter a mão no bolso e lhe entregar a carteira com o salário do mês. Usando isto ao seu favor ele eventualmente - e merecidamente - se dá muito bem (como em O Pianista), mas, às vezes, acaba resvalando numa irritante mistura de auto-comiseração com falta de atitude. Nada que chegue a atrapalhar, já que seu personagem, Jack Driscoll, é hesitante por natureza.

Quanto ao Jack Black, confesso que estava bem curioso e fiquei ainda mais após ver seus comentários hiper-exaltados no vídeo-blog da produção. JB é um Taz live-action. Como Peter Jackson iria domar a fera? Ajudou bastante o fato dele ter ficado com o papel do diretor-showman Carl Denham. Bem mais contido que de costume, mas mantendo o fôlego de sempre, ele consegue ser engraçado, malandro e (bastante) odioso, exibindo um timing invejável. Sempre tive um interesse especial por este tipo de personagem obsessivo e algo irracional. Cineastas que encaram a profissão quase como uma ciência (ou uma religião, ou um vício) já renderam performances memoráveis, como John Malkovich em A Sombra de um Vampiro, Johnny Depp em Ed Wood e até Burt Reynolds em Boogie Nights. Faltou isto aqui pro Jack Black chegar lá.

Pórem, o melhor ator em cena é mesmo o Kong, digitalizado a partir das macaquices de Andy Serkis, ex-Gollum. Kong faz caras e bocas, é divertido, orgulhoso, melancólico e assustador. O gestual, a anatomia e a física envolvida estão às raias da perfeição, à exceção de um ou outro relance mínimo. O resultado final é um passo à frente na área e isso está estampado em cada pêlo tremelicante do gorilão.

Serkis também comparece em carne e osso no filme, no papel do marujo Lumpy (o bigodudo de boina). Bom ator, hein.


Talvez o grande desafio de Jackson tenha sido rechear um argumento que, no original, durava pouco mais de uma hora e meia pra ser contado. Atualizando a narrativa pra lá de sintética do cinemão da época, estica-se aí para umas duas horas, já exibindo uma barrigada de sete meses no roteiro. Pois Jackson espichou a coisa pra pouco mais de três horas. Contudo, são três horinhas saradas, cheias da disposição, com alguns poucos pneuzinhos aqui e acolá. Tudo bem, King Kong é uma ode ao minimalismo (quer algo mais minimalista que um macaco gigante no topo de um arranha-céu tentando estapear uns biplanos?), o que não impede a viagem de ser divertida até o clímax-referência pop. Na verdade, é em seus dois terços iniciais que King Kong superfatura o preço do ingresso.

A New York fudida da Grande Depressão foi retratada primorosamente. O clima de desolação e pendura geral foi ilustrado de forma rápida e eficiente. Mas é na Ilha da Caveira que o mesmo doente que realizou Fome Animal dá as caras e a diversão alcança níveis quase diabólicos. O lugar faz a ilha de Jurassic Park parecer... um parque. É o inferno na terra. Nativos que parecem possuídos pelo espírito do Aiatolá Khomeini em dia de segunda-feira, insetos, ácaros e zicziras gigantes, dinossauros sempre em horário de almoço, fazem o King Kong parecer o Frei Damião, tamanha sua bondade em apenas atirar os humanos a esmo por aí. É uma festa no apê do capeta, cheia de greatest hits - a mais incômoda foi a parte em que nossos heróis tentam sobreviver em um ambiente que lembra uma fossa do tamanho do Maracanã e infestada de criaturinhas adoráveis querendo fazer uma boquinha (ou duas, três...). Essa cena, inclusive, foi uma das descartadas no filme original. O ponto alto, como sugerido dos previews, é o telecatch de Kong contra uma turba de T-Rexes insandecidos querendo comer a Naomi (realmente eles tinham uma boa motivação). Antológico. A seqüência nos cipós, com a variação dos pontos de ação, é Spielberg puro.

- E só pra registro: a seqüência em que Kong revira o tronco atravessado no abismo ficou muito mais tensa e arrepiante no remake de 1976 (sendo um dos melhores momentos daquele filme).

Como nem tudo é perfeito, o andamento dá uma brecada a caminho da reta final, no que poderíamos chamar de "parte sensível" do filme. O problema é que a química entre Naomi e Kong se desenvolve ao máximo bem antes da conclusão. Daí pra frente o bom trabalho deles fica seriamente comprometido pela esticada do roteiro. De qualquer forma, ainda rende uma cena realmente bela, quando os dois brincam na neve. Pode parecer piegas, e é mesmo, mas é bonito de se ver.

Sobre a readaptação do enredo, há pouco a se comentar. Muito daquela logística perneta do original foi mantida, afinal ela acabou atrelando um certo charme involuntário ao conceito. Use a imaginação. "Como eles conseguiram tirar o navio do meio das rochas?" - Maré. "Como eles transportaram o gorila até o continente?" - Pediram ajuda pelo rádio. "Onde foram parar os nativos?" - Se esconderam, pô. "Como Jack conseguiu encontrar Kong e Ann naquela ilha infernal e gigantesca?" - Não sei, só sei que foi assim. E por aí vai.

King Kong é o último blockbuster de 2005 e pra ser sincero eu nem lembro quais foram os outros. Mas uma coisa eu posso dizer: se restasse esse filme como referência do cinemão pipoca desse ano, eu diria que ele está muito bem representado.

Long live the King.

terça-feira, 6 de dezembro de 2005

ENFIM! O PIOR DA MINHA VIDA!


"Me conta, Coruja! Que eu tô fazendo neste filme?"

Este espaço aqui, quando usado para filmes, normalmente vem enaltecer uma ou outra obra nesta linha pop/alternativa que aparece por aí, seja pelo hype, seja pela qualidade. Desta vez escrevo pelo motivo inverso: vou descer a lenha num dos filmes que mais tive propriedade ao dizer "odiei" quando saí do cinema. Normalmente não sentimos aquele impulso de escrever algo a respeito quando vemos filmes ruins. Entramos na filosofia de que a fila anda e esperamos que o próximo seja melhor e mereça um texto. Eis que experimento um sentimento novo desta vez. Naquele papo sem futuro padrão de segundas-feiras, quando contamos o fim de semana para alguém e fazemos comentários breves sobre filmes que eventualmente tenhamos visto, tive tanto prazer em escrever coisas ruins sobre a "obra" em questão que resolvi fazer um post.

Antes de falar diretamente do filme, acho interessante dar um pouco mais de base para entenderem as minhas expectativas. Eu diria que o cenário do cinema ao qual temos acesso hoje vive uma fase bem particular. Nem boa nem ruim, apenas particular. Especifico o "temos acesso", pois todos sabem que tem muita coisa boa sendo feita no mundo, mas que nunca veremos, o que nos limita a Hollywood e guerreiros solitários de outras culturas ou espasmos esporádicos da retomada brasileira. O cenário atual é bem caracterizado pelos seguintes pontos:

[1] – Crise de privação de criatividade de Hollywood. O que vemos hoje, a grosso modo, ou é uma adaptação de quadrinhos, ou de livro consagrado, ou seqüência de franquia, ou biografia, ou refilmagem de obras antigas, ou refilmagem de filme obscuro e de sucesso em outro país que não seja EUA ou GBR. Roteiros originais, com algumas exceções, além de escassos, não fazem muito jus à palavra "original".

Quais os maiores blockbusters do ano ou maiores candidatos ao Oscar vindouro? Batman Begins, Guerra dos Mundos, King Kong, Star Wars III, Sin City, Harry Potter, A Fantástica Fábrica de Chocolates, Cinderella Man, Jardineiro Fiel e Munique. Três remakes, duas adaptações de HQ, duas de livro, uma sequel, uma biografia e um roteiro original (que eu acho que deve ser original... não tenho certeza). Sintomático não?

[2] – Importação de atores de países emergentes com o objetivo de ter mais entrada em outros mercados.

[3] – O já tardio acesso às obras magníficas de outras paragens, algo que até bem recentemente era completamente solapado pelo mercado americano, mas o fenômeno dos meios de comunicação e revolução das formas de acesso (pelo menos nisto os piratas têm lá seu valor) mudou isto. Doggma falou sobre isto na introdução de Vidocq e Casshern e aqui reforço a idéia. Tenho me encantado pelo cinema asiático e europeu de uma forma que nunca consegui antes. Adeus Lênin!, Edukators, Swimming Pool, Sonhadores, Encontros e Desencontros (que até pode não ser europeu ou asiático na ficha técnica, mas é ao mesmo tempo ambos e em nada americano em sua essência), Primavera, Verão, Outono, Inverno... e Primavera, os filmes de terror japoneses e chineses, os animes Fantasma do Futuro, A Viagem de Chihiro e até mesmo estes dois (e ou outros) que o Doggma comentou, mas ainda não consegui ver, corroboram a idéia.

Então, quando vi o trailler de Guardiões da Noite (Nochnoy Dozor/Night Watch, Rússia, 2004), cheio de ação, imagens de impacto, efeitos interessantes e o que parecia ser uma história bem bacana - tudo isto em russo - fiquei bem empolgado e curioso. Quando cheguei ao cinema e vi que restavam poucas opções, ao invés da famosa pergunta "E aí? Quer ver o quê?", forcei logo a decisão para este filme, certo de que era a melhor escolha a ser feita e que nada faria com que me arrependesse. Até porque havia assistido Oldboy na véspera – mais um filme que confirma o terceiro ponto destacado acima.

Pelamordedeus!! O que era aquilo?

Nada se encontra naquele negócio. Os primeiros cinco minutos fazem crer que é um filme interessante, mas até nisto consegue ser completamente contraditório quando:

[a] – se o filme é russo, por quê a narração em off em inglês? Cheguei a pensar que havia me enganado sobre sua origem, que havia sido re-dublado ou sei lá o quê;

[b] – A qualidade das imagens, fotografia, filtros e afins utilizados nestes tais cinco minutos era bem interessante;

[c] – A historinha contada pelo yankee é até legal, mas chupadaça daquela introdução feita para Senhor dos Anéis, além de feita com muito menos competência.


Senhor dos Anéis?

Basicamente, há o exército da escuridão e o da luz, ambos formados por seres semelhantes aos humanos, mas com dons e características que os diferiam e lhes davam a alcunha de "Os outros" (maniqueísmo temos em tudo que é canto, mas desta forma ficou meio Star Wars/Senhor dos Anéis, dont'cha think?). Há muito e muito tempo atrás estes exércitos viviam em conflito, até que se encontraram em uma batalha sangrenta onde descobriram que se equilibravam - Senhor dos Anéis em estado bruto e mais déja vu ainda. Por falar em déja vu, havia uma profecia que apontava um escolhido que mudaria tudo – The One (e aqui temos um match up de Matrix com SdA – para variar) – e carregaria o fardo de sua responsabilidade, mas constantemente tentado entre os dois lados. Aqui podemos vislumbrar o Frodo, mas a colcha de retalhos referenciais é tão grande que cabe até o Spawn.

Listando deste jeito, ponto por ponto, parece ruim de cara, mas até que o sentimento – provavelmente amparado pela expectativa – era positivo até então. A introdução épica na língua de Shakespeare termina e começa a história contemporânea – em russo, tovarish, até que enfim!! Nos apresentam um cara querendo a mulher de volta e recorrendo a uma destas bruxas que trazem a pessoa amada em 3 dias (sempre são 3 dias, né? Parece cartel! No dia em que um destes conseguir um SLA que baixe para 2 dias, vai dominar o mercado!). De quebra ela ainda mataria o feto que estava no ventre da ex-mulher dele, já que seria filho de outro. Na hora H surge uma equipe que caça este tipo de entidade para salvar a pátria e tacar água no chope do cara. Uma espécie de Ghostbusters, com direito a uniforme de encanador e furgão. A experiência foi traumática faz o cara que queria a mulher de volta perceber que é um d'Os Outros. Seu poder? É vidente. Só. E a partir daí parece que é o protagonista também, mas, com um poder ridículo destes, consegue ser tão bundão quanto Harry Potter é em seu mundo (não sou aficionado pelo personagem, mas vi os quatro filmes e acho que HP só é sortudo... mais nada).


"Deixa eu te falar... este é o meu pior filme!"

O que parecia ser interessante acaba aqui. Daí pra frente começa o samba do crioulo doido, com um roteiro sem pé nem cabeça, vidências feitas em Neo-Geo, personagens esdrúxulos e eventos que se sucedem ridiculamente. Em dado momento a linha da história é uma. Depois é outra. Mais a frente torna-se ainda outra. No final surge uma solução bem batida para dizer que tudo se encaixava. A solução? Ahh... colocam na boca de um dos personagens a frase "Ahhh... então tudo se encaixa!" (ou algo do tipo), mesmo que isto não tenha sentido algum.

Certamente é difícil para quem lê este texto visualizar tamanho caos, então tentarei uma analogia para ver se ajuda. Tempos atrás conheci um cara que tinha um Puma. Estava insatisfeito com seu carro e não tinha grana para um melhor, então construiu uma carcaça em fibra de vidro em forma de uma Testarossa para substituir o ‘visual’. Dado que o Puma já não é um troço legítimo, pois é um carro "esporte" sobre uma base de Fusca, a Ferrari do cara ficou um arremedo de coisa qualquer com porra nenhuma - que nem o filme. Entendeu?

E não pára por aí! Não há sequer um personagem em quem possamos nos fixar, os antagonistas não se definem em quem é o bam-bam-bam da vez, o "escolhido" é o "chosen one" não se sabe o porquê e devem ter raiva de quem sabe. Não bastando, cabe a informação de que é um filme barulhento pacas. É esporro de tudo quanto é lado, com direito a barulho de mosquito irritante a cada dois minutos. Quando – raramente - bate um silêncio qualquer, o único sentimento é "putz... que alívio".

Creio que o processo de edição do filme deve ter deixado claro que o material era fraco. Então, para tentar disfarçar o absurdo, foi recheado com muitos efeitos especiais bem feitos, mas os efeitos não aliviam a barra do filme cujos realizadores não têm a mínima idéia do que significa a palavra "coerência".


"Ei, você aí no cinema! Xô... sai daqui! Vai embora!"

Por que então não fui embora logo? Pensei nisto umas 277 vezes, confesso, só não o fazendo ao lembrar que paguei caro pelo ingresso. Várias vezes ouvi gente falando ao redor "que eu tô fazendo aqui?" ou "mermão... tu tá entendendo alguma coisa?". Em certas ocasiões as pessoas riam - e riam mesmo - quando a intenção da cena não era bem esta, tudo culminando com uma entusiasmada salva de palmas espontânea e recheada de sarcasmo após um dos "climax" do filme. Achavam que tinha terminado, o que gerou um "Ahhh não! Porra... não terminou ainda...".

Há muito, mas muito tempo que não vejo um filme e percebo em todas as suas nuances que eu o odiei com todas as forças! nem Sete Múmias conseguiu isto (lá tinha umas vampiras interessantes). Depois deste, Uwe Boll é praticamente um Scorcese e O Guia do Mochileiro das Galáxias um clássico! O pior de tudo é que ainda vai ter seqüência!

Ahh... e o filme termina com mais uma narração em off em inglês. É ou não é uma Ferrari-Puma-Fusca?

Conclusão: Alguém colocou no cinema o que provavelmente foi feito no projeto final de um graduando em programação visual. Estou convicto disto. E eu devia é estar escrevendo sobre Oldboy ao invés de perder tempo com isto...

terça-feira, 22 de novembro de 2005

THE SHOW MUST GO ON


Lembro de quando vi o primeiro Jogos Mortais (Saw, 2004) e o sentimento era de que ainda existia vida inteligente em filmes que tratam do medo das pessoas, do sentimento mais cru do ser humano: o instinto de sobrevivência. Aquele trabalho foi muito bom; ouso – e não sou o único – a dizer que, de certa forma, era um filme que redefinia o gênero, criando uma linha um tanto quanto distinta nesta coisa de filmes-de-suspense-com-serial-killer, linha esta bem distante de Se7en – não concorrente – sentido inverso do que dizia a besta que criara a outra tagline.

Bem, como toda redefinição de gêneros, novas boas obras só costumam surgir em outros universos ficcionais, deixando clara a influência, mas assumindo identidade própria. Arriscar continuações da mesma franquia é dançar frevo na beira do precipício, ou seja, a queda é certa; é mais do mesmo; a história está aí para provar. Filmes que destacavam-se pela inventividade e tentavam uma seqüência caiam sempre na mesmice (A Noite dos Mortos Vivos, MIB etc), dando a impressão de que era o mesmo filme com atores novos, uma refilmagem. O próprio Se7en, na sua linha, deixou que outras produções explorassem o mesmo tema, sem arriscar se expor ao ridículo de uma continuação desnecessária, já que o primeiro amarrava todas as pontas possíveis (e aqui destaco que David Fincher é um dos meus preferidos – Se7en e Vidas em Jogo são obras-primas).

A continuação de Saw era óbvia, diversas pontas ficaram soltas ao final do primeiro e o sucesso alcançado nas bilheterias com tão pouco investimento trazia a certeza de uma continuação. E com o anúncio da sequel veio também a notícia de que os membros da equipe criativa do primeiro, apesar de já ter o rascunho do roteiro do segundo pronto, resguardariam-se ao papel de produtores, o que trazia ainda mais apreensão quanto à qualidade. Tudo isto (e mais os comentários negativos de amigos e fóruns) contribuiu para que minha expectativa baixasse absurdamente, a ponto de deixar passar algumas semanas de sua estréia para assistí-lo. E novamente digo: ainda existe vida inteligente em filmes que tratam do medo das pessoas, do sentimento mais cru do ser humano: o instinto de sobrevivência.


Jogos Mortais II (Saw II, 2005), numa sinopse básica, trata da relação de um policial que vem vivendo um momento de crise com seu filho e, em paralelo, envolve-se em um caso do serial killer (apesar de nunca ter efetivamente matado ninguém) Jigsaw. Em um destes casos o psicopata coloca 7 ex-detentos e mais o garoto numa casa infestada de gás Sarin, com tempo de vida de 2 horas, sendo que a única coisa que o policial pode fazer é olhar. A partir daí, o filme toma um rumo que faz com que o espectador sinta-se assistindo realmente mais do mesmo. Algo básico, meio sem graça e previsível, deixando de lado a inventividade e caindo de cara no caldo da mesmice hollywoodiana. Este sentimento só muda com o final, quando quem viu o primeiro percebe que o roteirista, psicopata em potencial, idealizou os dois filmes de uma vez só. Aqui cabe uma reverência a Leigh Whannell. Ele era o fotógrafo preso no banheiro do primeiro filme e que assinava o roteiro em parceria com James Wan. Aqui, como já dito, não protagoniza, mas também assina o roteiro em companhia de Lynn Bousman. Percebe-se que a mente por trás do todo é realmente a dele.

Jogos Mortais II mantém o nível do primeiro filme. Ele parte de princípios fundamentais para quem deseja respeitar a inteligência do público, ao assumir que: [1] – já sabemos quem é o psicopata; [2] – já sabemos suas motivações; [3] – escondê-lo não tem mais efeito algum. Abusar destes pilares, base do primeiro filme, seria jogar água no feijão para esticar o almoço. Mataria a franquia. Então ele faz justamente o contrário, ou seja, pega estes três pilares e coloca em super-exposição. Vemos e "conversamos" com o psicopata durante a maior parte do filme, sendo que a todo tempo ele mostra todos os pontos que levarão à montagem do quebra-cabeça final, criando um elo com o anterior que chega a secar os olhos de espanto. Planejamento é o que há.


Acrescentando mais um ponto em que Whannell demonstra o respeito pelo público, aqui ele deixa de lado outra das armas do primeiro filme quando, para criar impacto, mostra diversas armadilhas de Jigsaw, sedimentando seu perfil e background. Agora temos apenas um, mas que é ponto necessário para o que fica em tela durante todo o filme e, depois, percebemos que era mais um meio para outro fim.

A estrutura do anterior, com os pontos destacados mais acima, conferia à narrativa um ritmo cadenciado, dando coesão aos eventos. Aqui, tendo tudo estabelecido, a cadência dá lugar à força e ao sentimento de caos que impera, mas mesmo assim previsível, arrumando a cama para a festa de viradas dos últimos 15 minutos. Tudo aqui é maior: a ação, os ambientes, os conflitos e a armadilha. Sabemos que o que vemos não é o que acontece, mas a obviedade proposital dos três quartos de filme cria dúvidas quanto à capacidade de inovar no final. E temos ainda outra questão: dizem por aí que algo que acontece uma vez, pode não acontecer uma segunda. Mas se acontece a segunda, a terceira é inexorável. Só que Jigsaw, como sabemos, é canceroso. Esticá-lo até um terceiro filme seria uma ofensa que não condiz com o trabalho até aqui, então deve-se pensar na continuidade. A solução, clichê, é o único ponto fraco, mas não desabona a qualidade do filme que, novamente com atores desconhecidos, mostra como uma boa história pode se sustentar sem rostos famosos ou CGI a todo tempo, mesmo com um furo aqui e ali que dá para ignorar pela continuidade do filme.

E novamente baixo minha expectativa para um terceiro. Ainda bem.

segunda-feira, 14 de novembro de 2005

DUCK MUSTAINE


Sábado retrasado (5/11) o canal pago Boomerang exibiu um episódio bem atípico do desenho Duck Dodgers (um Patolino from the future), chamado "In Space No One Can Hear You Rock/Ridealong Calamity". O convidado especial da vez foi ninguém menos que Dave Mustaine, o Megadeth-man em pessoa.

No desenho, os marcianos estão tentando escravizar os terráqueos com a execução massiva de easy-listening. Pra quem não sabe do que se trata, tenha em mente: saxofones, teclados, pianos, música de elevador, Ray Coniff, Baden Powell, Kenny G, Richard Clayderman... sentiu o drama? Pois bem, Patolino/Duck Dodgers resolve tirar a humanidade dessa fria e resgata Mustaine de seu estado criogênico pra executar os acordes de Holy Wars, Tornado Of Souls e outros hinos do thrash metal. O problema é que, sem querer, ele apaga a memória do cara durante o processo. Mustaine precisa reaprender a tocar e o Pato mostra pra ele uns discos velhuscos do Megadeth, tenta reensiná-lo a bangear, fazer stage-diving, mosh, etc, sem nenhum resultado. Patolino então monta o grupo Megaduck, que, por sinal, tem um logotipo igualzinho ao do Megadeth. Saca só um trechinho do desenho.

Fica aí a dica para a caça ao Pato... ou melhor, ao episódio. E, como não poderia deixar de ser, o desenho também é mais um elemento na guerra fria entre o Megadeth e o Metallica. Quem assistiu ao filme Some Kind of Monster teve a impressão de que Mustaine virou um mendigo após sua expulsão do grupo de Lars Ulrich. Com quinze milhões de discos vendidos, hype total de seu último álbum, The System Has Failed (e num momento de baixa comercial no heavy), e aparições freqüentes na grande mídia, acho que mr. Mustaine vai muito bem, obrigado. Correndo por fora, o 'Metllica' gravou, em setembro, a comentada participação no desenho dos Simpsons. Peace sells... but who's buying? :)



METAL É LINDO


Na próxima quinta-feira (17/11) haverá um bom... não, ótimo... não, excelente motivo pra assistir ao Programa do Jô (até para os que adorariam bater no rotundo apresentador). O grupo holandês Epica será o convidado especial do programa, e deverá executar duas músicas em versões acústicas. Pra quem não conhece, a banda pratica aquele heavy melódico, técnico e, hã... "épico", que fez a fama de bandas como Nightwish e Lacuna Coil. É bem-feitinho, bem tocado e tudo mais, embora não seja muito a minha praia. Mas o motivo real de existirem estas linhas, de assistí-los no Jô (e até de existir a banda...) é a vocalista, frontwoman e deusa Simone Simons. Minha nossa... desde que o Epica começou a se destacar, há uns dois anos atrás, que o heavy metal ficou mais bonito. Com uma presença constante nos principais festivais de rock da Europa (Graspop, Dynamo Open Air, Wacken, etc), a banda vem conquistando uma carreirada de admiradores, 99% destes atraídos pelo canto da sereia Simons.

Ah, sim... ela canta muito bem. É mezzo soprano formada. Tecnicamente superior à Amy Lee, sem a frieza excessiva da Tarja Turunen e mais linda que as duas juntas. E ainda traz no nome uma aliteração de fazer inveja à Lois Lane e Marisa Monte. Prevejo bons ventos para o Epica, visto que Tarja está fora de combate (chutada - quase literalmente - do Nightwish), e o pessoal do Evanescense ainda está curtindo a ressaca do primeiro disco.

Galeriazinha de leve. A moça merece.



PRA OUVIR EM ALGUMA ENCRUZILHADA DO MISSISSIPI


Se um dia você resolver vender a alma numa encruzilhada pra se tornar uma fera no violão, vá ouvindo no caminho a trilha sonora de E Aí, Meu Irmão, Cadê Você? (O Brother, Where Art Thou?, 2000). Evitará qualquer arrependimento ou hesitação, e o chifrudo enxofrento ainda lhe agradecerá por mais um bom negócio. Do filmaço dos Coen saiu uma das trilhas mais legais dos últimos anos. É irresistível. Eles dão uma verdadeira garimpada na música popular americana da primeira metade do século 20. Folk, blue-grass, country, blues, soul, gospel e cajun se misturam com a mesma reverência de uma procissão interiorana. Convivem no mesmo ambiente um canto chamado-e-reposta com batida minimalista (Po Lazarus, de James Carter & The Prisioners, logo no início), um hit matusalém (You Are My Sunshine, de Norman Blake), um spiritual à capela (O Death, de Ralph Stanley), um doo-woop negão (Lonesome Valley, do Fairfield Four), uma relíquia raríssima (Big Rock Candy Mountain, de Harry McClintock), o resultado daquele rolo com o coisa-ruim (Hard Time Killing Floor Blues, de Chris Thomas King), e por aí vai. Mas não dá pra deixar de mencionar dois pontos...

1) O sensacional trabalho de Alisson Krauss (estrela do country americano) em Down To The River To Pray e na "melô das sereias" Didn't Leave Nobody But The Baby (nesta, acompanhada de Emmylou Harris e Gillian Welch). Excepcional;

2) A "aderente" Man Of Constant Sorrow, do Soggy Bottom Boys (Fivo, não sei se te agradeço ou te amaldiçôo...). É difícil acreditar que isso veio dos gogós de George Clooney, John Turturro e Tim Blake.

Veja o filme, ouça o disco e leia o conto Old Man, de William Faulkner, que serviu de inspiração para os irmãos Coen. Se conseguir o conto, me manda que eu quero.

Stubbs The Zombie periga ser o jogo mais legal do século (tá, ainda tem mais um chãozinho pela frente). A história se passa em 1933 e começa com Stubbs, um caixeiro viajante, tentando sobreviver à Grande Depressão. Com uma vida repleta de fracassos, e um loser quase profissional, Stubbs é brutalmente assassinado por um desconhecido e enterrado como indigente em um campo da Pennsylvania. Corta pra 1959... um industrial bilionário chamado Andrew Monday constrói uma cidade futurista bem em cima do campo onde Stubbs apodrece anonimamente. Aí, o nosso anti-herói levanta de sua sepultura sem saber como e porque retornou, ou quem foi seu algoz. O novo Stubbs só tem uma certeza: cérebros irão rolar...

A trilha desse combo splatter/gore nonsense é uma surpresa. Composto de covers de hits dos anos 50 (sejam canções rock, jazz ou pop da época), a seleção mantém um clima sempre irônico, que já dá pra antever só de conferir o cast, basicamente de bandas alternativas. Lollipop, de Ben Kweller, é a típica pop song dos charts cinqüentistas. If I Only Had A Brain, com o Flaming Lips, é uma vinheta radiofônica de dois minutos, pingando de tanto cinismo. Lonesome Town, com Milton Mapes, é uma balada rock à Ritchie Valens. The Living Dead, do Phantom Planet, já carrega bastante nas guitarras, e My Boyfriend's Back, com The Raveonettes, é aquele bubblegum grudento que parece coisa da Olivia Newton-John dos tempos de Grease.

Mas os vencedores são o badalado Death Cab For Cutie, com a 'xonadinha Earth Angel, e o mais-badalado-ainda Cake, com o clássico Strangers In The Night, do old blue eyes Frank Sinatra.

Agradecimentos ao Lobo Schmidt por me informar sobre a existência do Stubbs. :P


Acabei reparando que o Type O Negative aí ao lado não tem nada a ver com doom ou stoner. Eles são gothic. A culpa é do Black Sabbath, que influenciou três estilos distintos do rock. Agora a gente fica aí, confundindo tudo. :)

domingo, 6 de novembro de 2005

JÁ FOMOS OS DEFENSORES

Defenders #1/#4 (de 5)


Antes mesmo de sair o segundo capítulo da Liga da Justiça "tosca", em JLA Classified #4, Keith Giffen já havia espalhado aos quatro ventos que esse seria o último arco que ele escreveria para o grupo. Cascata? Aposto que é, mas também acho que naquele momento ele mesmo acreditava nisso. Afinal, já devia saber que alguns meses mais tarde iria assumir a batuta dos Defensores, supergrupo da Marvel que sempre exibiu um inegável apelo cômico (ainda que involuntário), até mais forte do que a equipe B da Liga. Uma equipe no qual ninguém concorda com ninguém, nenhum dos integrantes tem a mínima empatia e cujos inimigos remetem aos padrões vilanescos mais esdrúxulos da chamada 'Era de Ouro'. De JLA para Defensores? Nada se perde...

Mas não me entenda mal. Sempre curti muito os Defensores. Apesar de sua formação ter sido modificada meia-dúzia de vezes (sai Valkíria, entra Daemon Maelstrom, sai Felina, entra Gavião Noturno, etcs), os titulares mesmo eram Namor, Hulk e Surfista Prateado, liderados pelo Dr. Estranho. É que nem o Black Sabbath... com o Dio foi bom, mas com o Ozzy é que era o bicho. Além do mais, os Defensores eram a equipe mais overpower que se tinha notícia. Chegava ser covardia. Só a inclusão do Gigante Esmeralda e do ex-arauto de Galactus já os colocava na posição de supergrupo mais poderoso da Marvel. Da Marvel não... dos quadrinhos. Entretanto, a relação interna do grupo era pra lá de conturbada, principalmente entre Namor e o Surfista. Não raro, os dois se engalfinhavam em pancadarias homéricas, sendo que o Dr. Estranho tentava intermediar a coisa toda a duras penas e o Hulk não estava nem aí. De inimigos, a fina flor de tudo o que a Marvel tinha de mais atual... nos anos 60: Homem-Planta, Nebulon, Xemnu, Calizuma e... adivinha-quem-veio-pra-jantar, Dormammu, o antagonista mais recorrente das histórias em quadrinhos, Sua Majestade O Rei das Entressafras. Talvez por isto mesmo foi o eleito por Giffen e DeMatteis para ser o primeiro inimigo dos Defensores "toscos" (ainda mais).

Nas mãos hábeis de Kevin Maguire, Dormammu ganhou um visual meio s&m, tipo Hellraiser. Mas só mudou aí. Os roteiristas, espertos, praticamente não mexeram em nada. É incrível como os mesmos diálogos, lidos hoje, soam tão ridículos. Às vezes, Defenders periga virar uma história de uma piada só, sempre se baseando em toda aquela grandiloqüência e pompa descabidas - e algum espertinho(a) tirando sarro da clicherama e das situações incrivelmente piegas (lembrei logo do filho do Dr. Evil, de Austin Powers). A premissa, por si só, é quase um emblema do maniqueísmo pop: o demônio Dormammu se une a sua irmã, a impiedosa Umar, dando fim à uma desavença familiar (e milenar) que era a única coisa que o impedia de ser o detentor do Poder Absoluto. E qual é a maior ambição de Dormy agora que é um deus vivo? Dominar a Terra!® Só que sua "querida" irmãzinha tem outros planos...

Aliás, o resgate da personagem Umar foi um achado. Ela parece um mix de Cléo Pires e Angelina Jolie com o senso de humor fúnebre da Mortícia Adams. E além de ser uma gostosa de mão cheia...


...é uma tremenda ninfomaníaca, capaz de estremecer os alicerces da Torre de Mordo... digo, Dormammu. Atraída fisicamente pelo Hulk (!), Umar, fã de verdura, faz as mais de 100 toneladas de "sustança" do Golias Verde ficarem carentes de vitamina C(atuaba). Com ela, a expressão "enquanto eu tiver língua e dedo..." fica bastante depreciada.

Do lado dos heróis, sem grandes problemas também. Eles mesmos se autodestroem sem o auxílio de terceiros. Namor é uma figura: narcisista crônico, elitista e arrogante ao extremo. Banner/Hulk, depois de tanta desgraça que lhe acometeu na cronologia normal, já está mais pra lá do que pra cá: revoltado, cínico e com uma inequívoca atitude tô-fazendo-hora-extra-no-mundo. Já o Doc Strange vem com sacas daquela ironia cortante que vem sendo amolada desde Vikings, a mini do Thor escrita pelo Garth Ennis. E por incrível que pareça, o Surfista Prateado é o único que ainda não moveu nem uma palha, mesmo faltando apenas 1 edição para o arco terminar. Contudo, não deixa de ser insólita a sua situação: imerso em ponderações sobre o Sentido da Existência (uma constante), o angustiado Surfista se identifica com uma tribo terráquea e acredita que encontrará ali as respostas que tanto persegue. Cabe dizer que o Surfista do Maguire está igualzinho ao C3PO.

Vou te dizer. Esperava mais dos Defensores de Giffen/DeMatteis/Maguire. É melhor do que a última da JLA tosca (mesmo porque, esta já estava bem aquém das anteriores), mas com certeza eles podem fazer mais que isso. Seja como for, os diálogos ainda estão bem malandros, há ganchos realmente espirituosos (o que Umar e Dormammu fazem com o todo-poderoso Eternidade pode parecer blasfêmia pra alguns, mas que foi engraçado, foi), a tiração em cima dos clichês é nonsense total ("Onde está Dormammu? Se eu o conheço bem, deve estar contando ao Estranho cada detalhe do nosso plano. Ele sempre faz isso. Não consegue manter aquela boca flamejante fechada!"), e o Doutor Estranho está impagável nas alfinetadas que troca com o Namor e quando tenta convencer cada Defensor a retornar à equipe.

Mas o ponto alto da revista, na minha humilde opinião, é a dominatrix do inferno Umar, deliciosamente cruel. A menina rouba a cena! Além de ser uma pinup de cair o queixo e um paradoxo interessante a eterna silly-girl Mary Marvel. :)



QUEM NÃO TE VIU, QUEM TE VÊ


Estamos pagando o preço por termos deixado Hollywood monopolizar o mercado cinematográfico por todos esses anos. O mundo ao redor desta fábrica de sonhos está se tornando tão bom em produzir sonhos quanto, senão melhor. O que chega por aqui em termos de "novidade estrangeira" é à base de conta-gotas, naquele festival de cinema independente que vai acontecer em um estado que provavelmente não é o seu. Fora isso, é apelar para a última fronteira - avançando via web e treinando a paciência tibetana com aquele download interminável (porque o BitTorrent é lerdíssimo ou porque o e-Mule e congêneres ainda não encontrou fontes suficientes para baixar o arquivo). Isto pra não falar na legenda (a qualidade ou a falta da mesma), já que o idioma das produções não será o inglês. O resultado é Free Zone, Immortel, Guardiões da Noite, Oldboy, 2046, Casshern, Three... Extremes, Haute Tension, Sympathy for Mr. Vengeance e pérolas quetais, sendo exibidas num cinema bem longe de você.

Mas, às vezes, e só às vezes, um barquinho fura o embargo comercial/cultural e se materializa, como que por encanto, bem ali na locadora da esquina. Foi assim com Casshern, e um pouco antes, com Vidocq (França, 2001). Na época em que este filme foi lançado, houve um corre-corre underground que chegava a ser irritante, de tão restrito. Mandei se foder e fui seguir minha vida (=puta merda, todo mundo viu, menos eu!). Confesso que nem lembrava mais quando me deparei com esta jóia rara, hoje no semi-anonimato.

Dirigido pelo escalafobético Jean-Christophe Comar, o filme causou furor na época por ser a primeira produção filmada com as câmeras de alta definição da Sony, as tais CineAlta 24-P. E faz alguma diferença? Ô! Através deste recurso, o diretor optou por uma filtragem mais chapada no contraste de cores e redefiniu o conceito de fotografia e perspectiva digital. Ainda hoje, quatro anos depois, a concepção visual empregada no filme é impressionante. Às vezes chega a lembrar a psicodelia gótica do clip The Perfect Drug, do Nine Inch Nails, como na antológica seqüência do jardim.


Eugene François Vidocq (Gérard Depardieu) é um detetive na Paris caótica de 1830, à beira de uma revolução após uma abdicada básica de Carlos X. Ríspido, perspicaz e inteligente, Vidocq é considerado o melhor no que faz. Em meio aos distúrbios, uma série de raptos e assassinatos é atribuída à uma criatura aparentemente sobrenatural chamada O Alquimista, e é justamente o novo desafio de Vidocq. Durante um cerco, os dois se enfrentam no mano-a-mano e Vidocq fica dependurado sobre uma fornalha, Obi-Wan style. Quando o Alquimista revela sua verdadeira identidade (calma, não é spoiler!), o detetive, incrédulo, se atira nas chamas. Começa então uma investigação por parte de Etienne (Guillaume Canet), um jornalista que estava escrevendo a biografia de Vidocq.

Um detalhe: Vidocq realmente existiu e é considerado um dos pais da perícia criminal. Sendo assim, é natural que o mote do filme seja desmascarar cada fenômeno místico com um verniz de ceticismo que faria inveja ao Padre Quevedo. Algumas vezes, essa premissa consegue resultados brilhantes, como no engenhoso esquema do "relâmpago assassino" (dá até vontade de matar alguém daquele jeito). Mas é na reta final, quando já estamos mais experts do que os caras do C.S.I., que levamos um tostão daqueles que doem pra valer e tudo que aprendemos cai por terra. O que nos confirma o que esse filme é, de fato: um pop movie de aventura com lingüagem e dinâmica de revista em quadrinhos, muito divertido, inovador no conceito de produção e design, sem deixar para trás as tendências atuais dos filmes de ação (edição rápida e grandes lutas). Tudo isso, com direito à um final-surpresa desconcertante, a participação da belíssima Inés Sastre e um céu que parece saído de um óleo sobre tela vivo e pulsante.

Eu poderia chegar aqui e escrever que Vidocq é a adaptação que Do Inferno poderia ter sido (se eu não tivesse gostado de Do Inferno), mas a verdade é que o personagem merecia algumas linhas escritas pelo Alan Moore. É a cara dele.

A propósito, esse filme foi a estréia do diretor Jean-Christophe Comar. Logo depois, ele passou a assinar como Pitof (acredite se quiser, é ele) e, três anos mais tarde, foi pra Hollywood fazer História. Não no bom sentido, claro...



R Á P I D O  & R A S T E I R O
As Páginas do Rock'n'Roll



Uma homenagem ao guitarrista e produtor James Patrick Page, o Jimmy Page, nunca é demais (embora ele provavelmente não deva curtir homenagens em forma de mp3). Muitos ignoram o que o guitar-hero produziu entre o fim do Led Zeppelin, em 1980, e o retorno à parceria com Robert Plant, no discaço No Quarter, de 1994. Uma pena, pois teve coisa (muito) boa aí.



  • DEATH WISH 2 - MUSIC by JIMMY PAGE - A franquia Desejo de Matar é tenebrosa, mas contou com uma trilha sonora despirocante. No primeiro filme, de 1974, foi o mestre Herbie Hanckok quem compôs a trilha e nos brindou com algumas das peças mais sombrias de sua carreira. Em Desejo de Matar 2, de 1982, foi a vez de Page mostrar um belo serviço, contando com os vocais matadores de Paul Rodgers (Free, Bad Company). O disco remete bem ao peso Swingin' London do Led Zep, inclusive com aquela cara de "trilha de rua". Destaque para Jam Sandwich, City Sirens e a arrepiante instrumental The Chase.


  • THE FIRM - Em 1985, Page comete outro discaço ao lado de Rodgers, agora sob a alcunha The Firm. O que se ouve aqui é hard rock tradicional, direto da escola setentista, com bastante influência de blues rock. A Fender-Telecaster de Page soa mais classuda do que nunca em Closer, Someone To Love, Radiactive, na linda Together e em Midnight Moonlight, que traz incursões acústicas bem à Led Zeppelin III. O The Firm hoje é referenciado como um projeto fracassado de Page. Mas também... o que é que fazia sucesso na época? Bon Jovi, Warrant, Poison, Motley Crüe? Se eu fosse o Page, me sentiria lisonjeado. ;)


  • JIMMY PAGE - Outrider - Este álbum solo de 1988 contou com uma big band no estúdio: os vocalistas Chris Farlow (faixas 6, 8 & 9), John Miles (faixas 1 & 2), o baterista Barrymore Barlow (faixas 5 & 7), quase um baixista diferente por música e duas presenças pra lá de ilustres - Robert Plant cantando na paulada The Only One e Jason Bonham, filho do John, espancando a bateria em todas as outras faixas. O disco é todo excelente, mas é impossível não se emocionar com Prison Blues, um bluesão arrastado, manhoso e pesadão, típico do Led Zep dos primeiros discos.




  • "When all are one and one is all...

    ...To be a rock and not to roll"



    Esses discos aí ao lado ficam até quarta ou quinta, capice?

    domingo, 23 de outubro de 2005

    THE LAST ACTION HERO


    Eu fui institucionalizado. Deitei no colo da Mãe Sistema e adormeci profundamente. Só assim pra explicar a porrada que eu levei ao assistir Casshern (2004). Foi um despertar de um pesadelo em que imperavam filmes de ação hollywoodianos soporíferos (p. pleonasmo). Assisti Casshern sem qualquer equipamento de segurança e fui à lona. Até agora estou procurando o meu queixo. Eu estive diante de um filme maior, que se comunica em uma linguagem acima de qualquer idioma pop conhecido. Meras considerações comerciais, como gêneros e rótulos, não cabem aqui. Aliás, fico imaginando o trabalho que esse filme deu aos marketeiros da distribuidora. Se me restassem dois segundos de vida e tivesse de classificar Casshern nesse meio-tempo, eu mandaria um "aventuradeficçãocientífica" antes de cair fulminado e ciente de que me despedi desta vida de maneira desonrosa.

    Não é à toa que Casshern até hoje só surfou em ondas alternativas. Não é nem um pouco comercial (e ao mesmo tempo o filme mais comercial que já vi - é inexplicável) e tem várias nuances caminhando em paralelo - algumas lentas e contemplativas como um Kurosawa, outras inebriantemente rápidas e eletrizantes como nem-tenho-referências-pra-isso - que, como num mosaico humanista que contrasta entre o idílico e o caótico, formam um panorama tão catártico e libertador quanto denso e opressor. Não adianta apenas vislumbrar passivamente o que Casshern tem a oferecer. O filme é um via de mão dupla e exige a interpretação ativa do espectador. Ele nos dá essa honra - que passa a ser inestimável quando percebemos que estamos diante de algo que não se encontra em qualquer esquina. Definitivamente ele não é pra qualquer um, mas deveria ser para todos.

    A história se passa no futuro, num mundo dividido pela guerra entre as duas potências dominantes - a República da Ásia e a União Européia. No microcosmo que dá partida ao filme, a família Azuma passa por uma crise interna: o filho Tetsuya (Yusuke Iseya), recém-noivo da bela Luna (Kumiko Aso), quer ir combater na guerra, e o pai, o professor Azuma (Akira Terao), tenta dissuadí-lo da idéia, ao mesmo tempo em que busca patrocínio para seus experimentos revolucionários envolvendo a manipulação de neo-células (=células-tronco). Nos bastidores da guerra, há uma acirrada disputa política que envolve sucessão familiar e uma tentativa de tomada do poder por parte dos militares. O caos impera, até que um inesperado acontecimento dá uma guinada nas experiências até então fracassadas do professor: um misterioso raio rasga o céu e se solidifica (!) no centro de pesquisas, "completando" os experimentos científicos que podem alterar os rumos da guerra. Nascem então os chamados neo-sapiens, o ápice da evolução genética almejada pelo professor. Mas eles são vistos como uma ameaça aos planos do governo e passam a ser caçados impiedosamente. Os únicos sobreviventes se voltam contra o Sistema e declaram guerra à Humanidade.


    Um jeito de se vender Casshern na banquinha de camelô é dizer que é uma produção metal hero japonesa com orçamento turbinado. Um Jaspion versão blockbuster. Ou um live-action de Cavaleiros do Zodíaco à beira da perfeição. Aí é só botar o trailer oficial pra rolar e acabar de vez com a hesitação de qualquer cliente desconfiado. Mas aí seria uma bela propaganda enganosa (o próprio diretor Kazuaki Kiriya afirmou ad nauseum que o trailer vende outro filme). Casshern se entrega em ponderações incrivelmente bem sedimentadas sobre conflito de gerações, geopolítica, remorso, violência, religião, ciência, ódio e sacrifício. São vários filmes correndo ao mesmo tempo, todos primorosamente escritos e dirigidos. E ação? Sim, ela comparece, em freqüência muito menor do que qualquer filme do Michael Bay, mas quando ela dá as caras é de dilatar as córneas.

    Tudo (re)começa com o discurso do líder neo-sapien, quase didático ao justificar o seu ódio intrínseco pela raça humana. Aí, tem início uma cena vertiginosa de invasão de robôs gigantes aos principais centros urbanos, culminando na aparição do herói Casshern, que literalmente empilha os autômatos em montes de sucata. Trata-se de um trecho arrasador de animê feito com atores reais, humanizando a arte animada com todas as suas características mais caras (hiper-velocidade, combos mega-destruidores, saltos em direção à Lua onde o personagem vira só um pontinho no céu [fazendo aquele ruído de "fiiinnk"] e em seguida desce à mil por hora destroçando os inimigos, ameaças verbais no meio de uma superpancadaria demolidora, etc). É a melhor seqüência de ação dos últimos tempos. Sinceramente, não lembro de nenhuma mais frenética e arrepiante do que essa. É pra ser copiada à exaustão até não poder mais. Isso pra não falar na ameaça gigantesca que aparece na reta final...

    Ah, sim. Casshern também é um deleite de experimentação fotográfica, com seu visual semi-neo-retrô (mais à Gattaca que à Capitão Sky e o Mundo de Amanhã) e inserções multimídia inesperadas, sempre fantásticas, capazes de fazer Sin City voltar ao pré-primário. A invasão dos robôs é uma pérola de plasticidade artística underground: o pano de fundo em vermelho e o design estilizado, parecem um mix da HQ Atomika - God Is Red com a porralouquice anti-imperialista das animações de Pink Floyd - The Wall. Já a palheta de cores é extrema, carregada, em concordância com a atmosfera de cada aspecto narrativo. As metrópoles, verdadeiros centros industriais, recebem o tom mais alaranjado possível - - reforçando a impressão de calor infernal, ao passo que o cinza, gélido e cruel, remete ao caos da Europa do pós-Guerra - - e o verde do jardim da casa dos Azuma e de quando Casshern está a sós com Luna - - parece ser a cor oficial de um sonho bom.


    O filme tem laços estreitos com a cultura anime e mangá, e não é pra menos. É uma adaptação dos conceitos do desenho Shinzo Ningen Casshân (em inglês, Robot Hunter Casshan). Só que... e isto é uma coisa muito legal... segue adiante na continuidade do anime. Não é o mesmo protagonista que assume a super-armadura, e a memória do Casshern original - chamado Kyashan, e este sim retratado no filme como um símbolo lendário e um mártir defensor do povo - é preservada através de algumas referências quase solenes, como o seu antigo elmo (que, inclusive, inspira o "novo" Casshern em um momento-chave) e seu ex-cão-robô Flenders, que faz uma ponta cool na seqüência passada no vilarejo. Emocionante.

    Aliás...


    ...eu chorei assistindo Casshern. Não teve como. Esse filme é uma porrada emocional que sabe onde é que dói pra valer. Várias situações angustiantes pululam daqui e ali, mas alguns momentos chegam a ser insuportáveis, tamanha a força dramática. O roteiro poderia nos bombardear com informações incompreensíveis e deixar por isso mesmo em nome da lendária paciência oriental (tradicionalmente incompreensível para nós, meros ocidentais comedores de lanches do McDonalds), mas, à exceção do intrigante raio solidificado-primo/irmão-do-Monolito-Negro-de-2001 (o qual tenho minhas próprias conclusões a serem desenvolvidas a contento), todas as pendengas sinistramente complexas se amarram de maneira nada menos que brilhante na reta final - que, por sua vez, nos reserva ainda um acontecimento (...um não, dois) que dilacera a alma de uma maneira a qual não acharíamos que fosse possível depois de tanta surra sensorial.

    Talvez esse seja o primeiro Grande Filme de Entretenimento do século 21. Ele parece sussurar isso em sua mente através de alguma informação subliminar residual, no decorrer de sua belíssima mensagem pacifista às custas de sua própria desconstrução. Sob olhares jovens e viciados em urgência, Casshern com certeza não terá apelo maior do que chato, lento e complicado. Graças a Deus que seja assim.


    Que filme.

    sexta-feira, 7 de outubro de 2005

    T'CHALLA BOUMA YE!

    Black Panther #1/#8
    Spoilers...? Que spoilers?


    Até pouco tempo atrás, quando algum personagem de HQ sofria algum processo de atualização, tudo era resumido à fórmula "mais músculos, mais insinuações eróticas, mais explosões". Com o sucesso das linhas Ultimate e MAX, essa gag dos quadrinhos acabou sendo beneficiada. Muito do que se faz hoje nestes termos é baseado em fórmulas vencedoras daquele universo - em maior grau, na partida emocionante de WAR proposta pelas histórias dos Supremos. E é quase inevitável imaginar a nova concepção do Pantera Negra figurando nessa versão Jackass dos Vingadores. O Pantera é o extremo de toda aquela tralha acumulativa típica da Marvel. Nascido em 1966 na crista do blaxploitation, ele (e Luke Cage, Falcão, Manto, Misty Knight) era mais um personagem com vida curta na cronologia da Casa das Idéias. A situação dele era piorada por um mapa geopolítico complexo, que incluía o auge do apartheid na África e uma Guerra Fria mal-explicada. T'Challa, herói e líder de Wakanda, uma nação africana ultra-avançada? Não podia ter vindo em uma hora menos propícia e ele penou os próximos 30 anos na geladeira da mansão dos Vingadores.

    Pois bem, o mundo dá voltas e a rotação do Pantera chegou novamente ao ponto zero. Com a compra dos direitos de filmagem do herói pela Artisan e o interesse de Wesley Snipes em encarnar o personagem, nada melhor do que uma recauchutada básica no Pantera, com direito à Wakanda's Kingdom Overpowered, veios do raríssimo vibranium e tratamento de assuntos espinhudos - como intervencionismo e globalização. Tudo isso e uma aventura a se desenrolar e um antagonista que é literalmente um símbolo deste (re)começo do Pantera: Ulysses Klaw, o assassino profissional belga mais conhecido como Garra Sônica.

    Calma, calma... pra você, que lembrou dele sendo fatiado em Guerras Secretas e que recebeu em sua mente um déja-vu de tosqueira quadrinhística, muita calma nessa hora. O vilão, outrora um brutamontes quase irracional, ganhou um upgrade generoso, tanto em atitude e motivações, quanto no visual (ele era assim e ficou assim), chegando mesmo a lembrar os inimigos mais bacanas do 007. Junto com ele na "Legião B do Mal", outros sidekicks igualmente lambões ganharam providenciais roupagens up-to-date: Batroc (era assim, ficou assim), Homem-Radioativo (era assim, ficou assim), Rino (que era assim e continuou desse jeitinho mesmo) e um personagem chamado Cannibal, um "saltador de corpos" à Proteus (antigo inimigo dos X-Men).


    Who Is the Black Panther? é sintomático até no nome. Com desenhos do hour-concours John Romita Jr. e roteiro de Reginald Hudlin (diretor do filme À Serviço de Sarah, de olho da adaptação do Pantera para o cinema), o arco de seis partes é quase uma reedição da origem do herói, dando ênfase à soberania tecnológica e cultural de Wakanda. O perfil do Pantera também é traçado de forma incisiva - caráter forte, austero, disposto a fazer grandes sacrifícios, arrogante, sedutor e algo cruel. O interessante é que Hudlin lembrou que o Garra Sônica também era originalmente um inimigo do Pantera - nada menos que o assassino de seu pai, o rei T'Chaka - e inseriu um flashback de tirar o fôlego na edição #3.

    Talvez pela visibilidade mediana do título, Hudlin se deu ao luxo de meter a agulhada com força no cenário político internacional. Nunca Wakanda foi abordada desta forma. Ao demonstrar o impacto que o país imaginário teria no mundo real, com sua tecnologia de cem anos à frente e dona da maior reserva terrestre de vibranium (um tipo de metal raríssimo que absorve ondas sonoras), Hudlin cria um paralelo imediato com a delicada situação do Oriente Médio. E, sem o menor tato ou cerimônia,encarna um Mark Millar particularmente debochado e cria diálogos canalhas e inspiradíssimos, principalmente dentro da Casa Branca ("os wakandianos têm um espírito guerreiro que faz os vietnamitas parecerem, bem, os franceses"). Não satisfeito, ele ainda faz o que muitos ainda acham difícil de engolir, mas que pra mim soou absolutamente natural.


    Fora isso tem muito mais: críticas pesadas à Igreja Católica (logo o Rino dizendo "às vezes temos de chutar alguns traseiros em nome de Jesus" é de uma ironia sem tamanho), o exército de 'Deathloks' que os EUA enviam para invad... digo, ajudar Wakanda, a relação tensa com países vizinhos e inimigos, e uma senhora ponta solta que ele deixa balançando pouco antes do final.

    Na edição seguinte, a #7, o Pantera submerge na bad trip da Feiticeira Escarlate e tem a sua versão do universo House of M - no qual a Nova Ordem Mundial é revertida para um mundo de supremacia mutante - mas o herói mesmo não mudou nada de seu perfil. Excelente edição (também escrita por Hudlin) que acaba rápido demais. E o Raio Negro... putz, imagina se ele desse um arroto. Já a edição #8 (com mais uma beeela capa de Frank Cho), tudo volta ao normal, mas o Pantera é apenas o coadjuvante de uma aventura dos X-Men contra um geneticista louco de Genosha, a ex-ilha mutante do Magneto.

    No final das contas, o Pantera Negra em carreira solo acaba por se mostrar uma gratíssima surpresa, suplantando até mesmo alguns bastiões sagrados da Casa das Idéias. É o tipo de revista que você devora até os créditos finais e ainda fica um bom tempo matutando a história na cabeça. Mal posso esperar pela próxima edição. E que venha o filme!

    Na trilha: o excepcional Schizo Deluxe, o novo do Annihilator. Pra ouvir no volume 11. Vixe!

    quinta-feira, 22 de setembro de 2005

    ARE YOU TALKIN' TO ME?


    E lá se vão praticamente 15 anos desde o lançamento de Hard Boiled, mini-série em clima no future criada por Frank Miller e ilustrada por Geof Darrow. Só a menção desses dois nomes na mesma frase é motivo para estremecer o monitor do fanboy que está lendo. Recém-saído do circuito mainstream dos quadrinhos americanos, Miller resolveu apostar em um segmento menos visado, mais underground, via Dark Horse. E assim ele iniciou uma nova fase (que já acabou, por sinal), mais autoral e com um leque mais amplo de possibilidades. Sem protagonistas diretos, nem compromissos com a redenção de terceiros, ele começou a destrinchar o Sistema em atmosferas que, de tão opressivas, chegavam a ser palpáveis, e quase funcionando como um personagem ativo dentro das histórias. Vide as ótimas Liberdade e, mais tarde, Sin City. Mesmo a bem-humorada Big Guy & Rusty representa bem essa fase. É aí que entra Hard Boiled.

    Lendo hoje, nota-se que a série destilava uma inequívoca ironia em relação aos governos, à cultura de massificação, ao poder da mídia, enfim... ao establishment. E o melhor de tudo: sem se prestar à qualquer panfletagem anarquista barata. Muito pelo contrário. Hard Boiled pode ser facilmente confundido com um combo hardcore movido à sexo, perversão e ultraviolência - e tudo sendo elevado à milésima potência, mesmo para os padrões atuais.


    A história é uma espécie de Um Dia de Fúria high-tech e nos mostra a via-crúcis particular de Nixon, um pacato cobrador de impostos e pai de família, que está enfrentando uma senhora crise de identidade. Como pano de fundo, conspirações governamentais, sabotagem industrial e uma revolução artificial digna de Metrópolis e Eu, Robô em versões bloody disgusting. O clima geral lembra a Los Angeles de Blade Runner, só que muito mais caótica, claro. Aliás, a narrativa empregada em Hard Boiled exibe um fôlego cinematográfico que só vendo. Não existem aqueles recordatórios em off que Miller tanto gosta e vários ângulos são concebidos como se fossem gigantescos planos-seqüência de um filme.

    Experiência é uma coisa valiosa. Está na cara que Miller já sabia o peso que a arte estilosa de Geof Darrow teria em Hard Boiled. Tanto é que a dinâmica principal se apóia na maior parte do tempo em perspectivas, noções de movimentação e ganchos de ação, em detrimento de textos verborrágicos. Neste caso, uma imagem realmente vale por mil palavras. Pode parecer redundância para conhecedores, mas Darrow dá um show aqui. Cada quadrinho dele é precioso, único, traz mais informações e detalhes que o catálogo inteiro da Image. São verdadeiros mosaicos com trocentas situações acontecendo ao mesmo tempo. E as splash-pages? Só Darrow tem moral para fazer uma seqüência matadora de treze splash-pages, uma atrás da outra (no diálogo entre dois robôs num ferro-velho). É um mestre.


    Mesmo sem ser um clássico, Hard Boiled é tudo o que uma grande HQ deveria ser: sarcástica, espirituosa, ágil, repleta de adrenalina, inovadora e muito, mas muito divertida. Em meados de 2001, começaram a pipocar alguns boatos sobre uma possível adaptação cinematográfica. Eles davam conta de que Nicolas Cage ficaria com o papel principal e que David Fincher seria o diretor. Not bad. Nunca mais rolou nada a respeito, mas não custa sonhar...



    JIMI HENDRIX - HENDRIX'S APT IN NEW YORK


    Este já foi um dos registros piratas mais obscuros e disputados do deus da guitarra. Gravado em algum ponto de 1968, Hendrix viaja sozinho em seu apartamento com o gravador ligado. A fita ganhou forma de acetato, caiu no mundo e virou lenda. Mais do que um simples ensaio, o que se ouve aqui é a amostra da verdadeira essência de um gênio, desta vez despida de toda aquela catarse niilista. Em quase meia hora, Hendrix destila suas influências e desenvolve um diálogo intimista com as seis cordas.

    Vale destacar o clima ambient que permeia toda a gravação. Detalhes como o ruído das páginas da partitura sendo viradas, os acordes que ele repete e que vão progressivamente evoluindo a cada nova tentativa e os curiosos improvisos vocais (que Ed Motta chama de embromation), atestando de uma vez por todas que Jimi Hendrix era sim um excelente intérprete. Durante a última música, a belíssima Gypsy Eyes, o telefone começa a tocar insistente ao fundo, mas Hendrix está tão imerso que nem liga e segue em frente, inabalável. Seja lá quem tenha sido, desiste após algumas chamadas e deixa a História seguir seu curso.

    Confira aqui o set list e mais infos sobre este clássico não-oficial. E uma curiosidade: nos EUA esse disco foi lançado em 1995 pelo selo Bella Godiva Music, com o título Jimi by Himself - The Home Recordings, e veio junto com a edição especial de Voodoo Child: The Illustrated Legend of Jimi Hendrix, uma belíssima obra escrita por Martin I. Green e ilustrada por ninguém menos que Bill Sienkiewicz. Foda, né?



    RÁPIDO & RASTEIRO


  • EVERGREY A Night To Remember * Live 2004  - Esse é obrigatório pra quem irá comparecer em algum dos oito shows da tour que a banda fará no Brasil, a partir de sexta-feira. Essa performance foi gravada no ano passado, no Stora (teatro tradicionalíssimo da Suécia), para um público de 800 privilegiados. Com uma alquimia que mistura heavy, thrash, gótico e gospel, a banda mostra o quão é perfeita e classuda ao vivo também. Destaques? Difícil, mas é bom ver que o vocalista e guitarrista Tom Englund mantém o mesmo alcance e feeling fenomenais on stage. O único vacilo foi terem deixado de fora as maravilhosas The Great Deceiver (do álbum Recreation Day) e In The Wake Of The Weary (do Inner Circle). De resto... melhor que isso, só o DVD.



  • MOTÖRHEAD Everything Louder Than Everyone Else - Show de 1998 gravado em Hamburg (Alemanha). Desnecessário dizer a pedrada demolidora que é isto aqui. Sir Lemmy Kilmister e o repertório do Motörhead são como vinho... ficam ainda melhores com o passar dos anos. E falando em repertório, este duplo ao vivo tem faixas desde o primeiro disco, de 1977, até o Snake Bite Love, de 1998. Eu já fui ao show da banda, então já posso morrer feliz e tranqüilo. É festa no volume máximo regada à álcool, rock'n'roll e groupies peitudas.



  • MOTÖRHEAD BBC Live & In-Session - Gravações extraídas de várias apresentações para a BBC, entre 1978 e 1986. Começa com a participação no clássico John Peel Show, em 1978, segue com uma performance no David Kid Jensen Show, em 1981, e fecha no Friday Rock Show Session, de 1986. Entre uma coisa e outra, tem o Motör tocando no Kerrang! Wooargh!, em maio de 1979. Classic rock'n'roll. Lemmy is God, man. E eu bebo a isto!



  • BRUCE DICKINSON Scream For Me Brazil - Bruce está em alta aqui no BZ... Mas o quê dizer de um cara que, além da carreira impecável no Iron Maiden, só fez discos solo (muito) acima da média? Além de tudo, Bruce ainda é dono de um timing demoníaco ao vivo. O repertório é perfeito: privilegia o sensacional Chemical Wedding (seu melhor álbum solo), pega as melhores do Accident Of Birth, mais duas de Balls To Picasso (incluindo o hit Tears Of The Dragon). Escoltado pela abençoada dupla Adrian Smith/Roy Z nas guitarras e pela cozinha matadora de Eddie Casillas (baixo) e Dave Ingraham (bateria), Bruce mostra que nasceu pra comandar multidões. E não poderia deixar de destacar a energia contagiante do público paulista - participação ativaça da galera. A crowd brazuca sempre foi a mais insana do mundo, sem dúvida alguma. Discaço de rock ao vivo. Até a capa - uma das mais horrorosas que eu já vi - acabou ganhando novos contornos com o tempo. Com certeza foi uma homenagem antecipada à sra. Madman... :D


  • ANTHRAX Music Of Mass Destruction - Já comentei sobre esta belezinha aqui antes, mas voltou a ser um hit pra mim após o show arrasador que eles fizeram por estas paragens. John Bush é um grande frontman (e gente-boa pra cacete!), as bases de Ian Scott continuam psicóticas, os solos de Rob Caggiano são de trincar os dentes, as linhas do baixo de Frank Bello ainda são referências no estilo e a bateria de Charlie Benante é o equivalente sonoro de uma avalanche. E o set list...? Got the Time, Caught in a Mosh, Antisocial, I Am the Law, Indians, Only, Bring the Noise, Fueled, Metal Thrashing Mad... nossa. O Anthrax é tão legal que até Alex Ross é fã. E como diria o bom e velho Dredd... "I Am the Law!"



  • RAINBOW On Stage - Esta aqui é a maior trilha sonora para performances air guitar já registrada na História (aê Chico!). O Rainbow talvez fosse mais um na imensa seara setentista, não fossem o baixista Jimmy Bain, o tecladista Tony Carey, o baterista Cozy Powell e .::Que se Faça a Luz::. o vocalista Ronnie James Dio e o guitarrista Ritchie Blackmore. Maravilha. O disco abre com a doce Dorothy (de O Mágico de Oz) dizendo "We must be over the rainbow", e aí começa a seqüência de clássicos atemporais do naipe de Kill The King, Startruck, Mistreated (do Deep Purple), Sixteen Century Greensleeves e lá vai lenhada. Nossa, e a hora em que o Dio grita "You're all the man", à plenos pulmões, no finalzinho de Man On The Silver Mountain? Meu Jesus. Existe alguma banda assim hoje em dia? Não mesmo...



  • THE JASON BONHAM BAND In the Name of My Father - Homenagem de Jason Bonham e banda ao seu pai, John "Bonzo" Bonham, baterista do Led Zeppelin (se você esteve em Marte nos últimos 30 anos) e o melhor baterista da História do Rock (se você esteve em Plutão). O subtítulo já resume tudo: "The Zepset". Basicamente são 10 clássicos zeppelinianos sendo levados ao vivo. Poderia ser uma bomba pretensiosa, mas não é não. A banda é ótima e dá o sangue nas músicas em belas execuções. O vocal Charles West tem aquele punch do Robert Plant do início (devidas as proporções!), o guitarrista Tony Catania manda muitíssimo bem e o baixista John Smithson é tão cool quanto o John Paul Jones original - e, à exemplo deste, também toca teclado! Grande show. Eu sempre ouço isto aqui, desde que foi lançado. Ah... o Jason é baterista, igual ao pai. E honra tranqüilo o legado da família. Elogio maior que esse, impossível.



  • Na trilha: Speed, do Atari Teenage Riot. E um empate estranho.

    domingo, 11 de setembro de 2005

    CAN I PLAY WITH MADNESS


    Uma hora ia dar merda de qualquer jeito. A questão era só saber com quem - e eu não fiquei tão longe de acertar. Quando soube que o Iron Maiden iria figurar na line-up do Ozzfest, já fiquei com o pé atrás. Assim como tudo o que envolve o Madman Ozzy Osbourne, o evento também é administrado pela sra. sua esposa, a puta Sharon Osbourne (não estou a difamando gratuitamente não... ela mesma se qualificou assim em carta à imprensa - acho que as profissionais da área devem ter ficado ofendidas). E Bruce Dickinson, vocal do Maiden, sempre foi um notório falastrão. Resultado: o que era pra ser um encontro memorável de duas entidades maiores do rock, se tornou um episódio vexaminoso (leia aqui sobre o barraco). Mais um.


    Bruce esculhambando a dinastia Ozz e a puta (foi ela que disse...) Sharon vomitando "Bruce Dickinson is a prick", logo após o show do Maiden - baixe pra assistir aos discursos

    Curiosamente, na página do Ozzfest dedicada ao Maiden, todas as fotos que traziam Bruce desapareceram. Ridículo e infantil é pouco.

    É verdade que Dickinson errou quando falou o que quis, em primeiro lugar. Mas, porra... não era isto mesmo que eu ou você, que aprendeu a admirar o trabalho do Madman desde o Sabbath, sempre quisemos dizer a ele? É um daqueles casos em que alguém está certo mesmo quando está errado. É triste vermos o cara que já foi o símbolo máximo (ainda que involuntário) da revolta contra os padrões estabelecidos, desse jeito, subjugado, amordaçado, sem qualquer resquício de alma ou vontade própria e, principalmente, assimilado pelo sistema que tanto ironizou.

    Juntos, Ozzy e Sharon parecem aqueles casais constrangedores, daqueles que, não satisfeitos em pagar micos publicamente, também fazem questão de embaraçar todos os que estão perto deles. Alguém achou que registrar essas cenas e exibir na televisão seria uma boa idéia, e pronto... lá estava The Osbournes engordando as ações dos Madmen e atirando latrina abaixo a ferpa de credibilidade que Ozzy ainda tinha. Como o destino às vezes brinca sadicamente, Sharon era a pessoa errada na hora certa. Se não fosse ela, o Madman teria morrido em algum ponto entre 84 e 87. Talvez não tivesse sido uma má idéia, afinal ele já está morto em vida há anos.


    É raro ver alguém com coragem para entrar na casa do(a) inimigo(a) e cuspir na cara dele(a), em frente aos seus súditos.

    Thanks Dickinson!



    ANGELS AT THE HOLY GHOST


    O Angra nunca foi lá uma unanimidade dentro do gueto heavy, que também não é um exemplo de concordância por si só, e isto se deve justamente ao estilo que abraçou: o heavy melódico progressivo - com toques de música brasileira (pendendo entre o arrasta-pé cangaceiro e nuances líricas mais barrocas), o que deixa a coisa ainda mais segmentada. Renegado por rockers mais old school e headbangers que adoram ouvir Napalm Death pela manhã, o estilo traz na sacola todos aqueles elementos posers em questão: grandiloqüência operística, virtuosismo pirotécnico, preciosismo cênico, performances com precisão matemática e a indefectível fumacinha de gelo-seco. Mas não é que na prática funciona? Foi o que eu percebi ao ver a apresentação do Angra em Vitória. E olha que eu não sou exatamente um fã da banda.

    Verdade seja dita. Fora os elementos extra-musicais, eles merecem todos os créditos. A banda faz o que faz acreditando no que faz. Você olha e, inspirado, acaba acreditando também (naquela hora, pelo menos). O grupo se esforça ao máximo pra valorizar o custo-benefício do ingresso. Pra quem não é profundo conhecedor do trabalho deles, como eu, a apresentação acaba adquirindo contornos de Espetáculo Musical bem-cuidado. Sem contar a satisfação de apreciar o trabalho de nego que sabe o que fazer com um instrumento em punho. Os integrantes do Angra estão entre os melhores instrumentistas desse planeta - e me refiro à Música no geral. Tudo bem que aí já é uma área de interesse geralmente relegada ao profissional da área, mas não deveria ser assim.


    Assistir às atuações de Kiko Loureiro (guitarra), Rafael Bittencourt (guitarra), Felipe Andreoli (baixo), Aquiles Priester (bateria) e Edu Falaschi (vocal) te faz encher o peito de orgulho canarinho. Eu sei, é tudo naquele velho esqueminha do rock nacional turbinado com recursos de classe média alta, mas pelo menos eles souberam fazer um bom uso da mesada... O palco, coberto com uma lona estampada com a capa do álbum Rebirth, foi uma jogada esperta, escondendo a preparação e a colocação dos instrumentos - procedimentos burocráticos meio empacantes em shows de rock - embora também tenha anulado aquele impacto natural de quando vemos os integrantes saindo dos bastidores enfumaçados em direção às suas "armas de guerra".

    O show começou com duas peças orquestrais grandiosas, Gate XIII e Deus Le Volt! (do último disco, Temple Of Shadows, que eu só não identifiquei na hora devido ao meu já avançado estado etílico). Na seqüência, a paulada Spread Your Fire me trouxe duas conclusões: 1 - O batera Aquiles Priester é realmente monstruoso; 2 - O som estava abafado, o que foi uma bolada nas costas da banda, que se apóia em riffs, solos elaboradíssimos e intervenções-chave da tecladeira (com os agudos lá embaixo... já viu). Isso foi realmente uma ironia do destino, visto que o Ginásio Álvares Cabral tem uma das melhores acústicas do país. E não é bairrismo não.


    Essas placas do teto separam o som como se fossem canais de freqüência, fazendo com que cada instrumental se torne muito mais perceptível, diminuindo a propagação desordenada, a mistura das ondas e a distorção típica de amplificações extremamente altas (=shows de rock). Com uma configuração standard na mesa de som, fica parecendo um CD rolando ao vivo. Pena que não fizeram um bom uso dela. Mas isso não parece ter desanimado os presentes, que cantaram todas as músicas em uníssono. Parecia até uma procissão. E eu estava lá mais pra ouvir ao vivo o riff assassino de Carry On. E Nothing To Say também. E os mais de dez minutos de Carolina IV. Tá, e a baladinha chorosa Make Believe. Opa, esta eles não tocaram.

    Aliás, sobre aqueles elementos extra-musicais os quais eu me referi... a obediência do público foi canina. Não é toda banda que deixa os fãs desse jeito não. A introduçãozinha falada de Rebirth ("recalling, retreating... returning, retreaving..."), p. ex., chegou dar arrepios, com todos juntos balbuciando as palavras. Não sei quanto a você, mas eu me sinto bem melhor vivendo em um mundo no qual os moleques estão curtindo Angra ao invés de nulidades pop-domingueiras. É só uma fase. Depois eles vão descobrir que bons mesmo são Black Sabbath, Motörhead e AC/DC. :)

    Em tempo: perdi o show de abertura, que ficou a cargo da banda paulistana Thalion. E realmente não me importei muito, visto que a deliciosa vocalista Alexandra Liambos deixou o grupo em agosto. Por outro lado, ouvi dizer que eles levaram o semi-hit Nemo, do Nightwish, que leva vocalizações femininas. Acho que perdi alguma coisa interessante aí...



    AOS VIVOS


    Holy Live é um Ep ao vivo gravado em Paris e lançado em 1997. Era o auge da banda em sua fase com o vocalista André Matos. Deu aquela quizumba toda - mal-explicada pacas, mas que obviamente tem a ver com grana - e o cantor saiu fora (levando consigo o baixista e o baterista) pra montar o Shaman. Mas voltando ao assunto, Holy Live mostra por que o grupo estava se dando tão bem na União Européia e no Japão. O público lá venerava os caras.

    Rebirth World Tour - Live In São Paulo, lançado em 2002, funcionou mais como uma iniciação para o Angra reformado - e em primeira instância, para o vocal Edu Falaschi. A sonoridade desta vez veio bem mais crua e visceral, ao contrário do polimento asséptico de Holy Live. E é também a principal diferença entre o lirismo angelical de Matos e a rispidez macha de Falaschi. O primeiro pode até superar em carisma, mas é o segundo que não mancha a imagem hetero do ouvinte.


    Na trilha: álbum Tyranny Of Souls... do Dickinson. E hoje é 11/9, aniversário do atentado ao WTC... maldita raça humana.